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• Capítulo 4 ~ ONDE REPOUSA O ESPÍRITO DE HEDONÊ
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Àquela altura o sol já havia fugido daquele lugar, o céu já era quase todo trevas e simbolizava bem aquele nosso comportamento bestial. Éramos como animais da noite, disputando com fúria a nossa superioridade. Ao menos foi assim que eu julguei que as pessoas ao redor pensavam de nós, sem nenhuma ciência do porquê de toda àquela selvageria. O Leonardo tentava levantar e, ainda zonzo depois dos duros golpes que havia tomado do Fernando, cambaleava sobre a areia fofa da praia, ao mesmo tempo em que seu amigo tinha o braço direito firmemente imobilizado por aquele jovem rapaz que se intrometeu para nos ajudar. Eu estava no chão, apoiado em meu joelho esquerdo e com o direito flexionado de maneira a poder ter uma melhor reação, caso eu precisasse me levantar e me defender outra vez, minha mão direita repousava sobre a areia enquanto a esquerda cobria o corte em minha face. O Nando estava de pé em minha frente, encarando o Leonardo que, à duras penas, colocava-se de pé. O jovem recém chegado na briga, carregava algo na cintura que constatei que se tratava de um punhal quando ele levantou de maneira sutil a barra da sua camisa no momento em que intimidava a dupla de amigos covardes que foram acabar com o nosso momento de paz.
— Pegue o seu amigo e dê o fora daqui!! Pedirei apenas uma vez — expôs discretamente a arma branca presa em sua bermuda.
— Estais tomando uma posição equivocada — falava o amigo do Leonardo estampando uma expressão de dor — estes diabos devassos que se uniram para agredir covardemente o meu amigo!
— Não subestimes a minha inteligência. Soltarei o seu braço agora e, sem discutires comigo, tu vais carregar o teu amigo pra longe daqui!
— Tudo bem, Sérgio. Vamos embora — dizia Leonardo com muita vergonha se dirigindo ao seu amigo.
Então o segundo intruso se chamava Sérgio e ele estava ajudando o Leonardo a se levantar sob a vigia do rapaz que tinha um punhal na cintura. Foi nesse mesmo instante que Marina, acompanhada de outra garota, apareceu correndo em nossa direção. "Lá vem a Nina", alertou-me o Nando. "Merda!", pensei. Quando levantei minha vista, dei de cara com aquela face angelical coberta de terror. Em meio àquela atmosfera de trevas, olhou-me com uma expressão de preocupação ao perceber o meu ferimento. Ao ver o Leonardo, ela parou por alguns segundos, lançou sua visão de volta para mim e depois, outra vez, para ele, como se estivesse tomada pela dúvida de qual de nós ela iria ajudar. Por fim, ela correu até o Leonardo perguntando o que havia acontecido. Não ouvi o que ele respondeu, mas ela me olhava com extrema reprovação e, apesar disso, só dirigiu a palavra ao Nando.
— Não esperava isso de você, Nando. Logo tu que és a minha mais pura amizade.
— Eu apenas me defendi, Nina. Teu namorado não é assim tão bom como tu pensas.
Marina suspirou indicando que não queria mais ouvir uma única palavra vinda da gente. "Vamos levá-los ao posto de saúde, Karla", ordenou para a sua amiga. Sérgio caminhava segurando o seu braço direito e recebia amparo da Karla, enquanto Nina se esforçava pra manter a ordem dos passos do Leonardo que parecia um bêbado. O jovem rapaz com o punhal ainda tentou defender a nossa honra explicando o que, de fato, havia acontecido.
— Se me permites, mocinha... — Marina voltou sua atenção para ouvir o que ele tinha a dizer — Eu passeava pelo calçadão quando presenciei o início da briga. O seu namorado chamava a atenção de todos que passavam por aqui enquanto ofendia esses dois até, ele mesmo, resolver partir para a agressão.
— Você foi cúmplice — retrucou Marina —. Além dessa cena de selvageria desmedida, três contra dois é uma grande covardia.
— Tenho certeza que sabes o que realmente aconteceu, afinal, não deverias estar longe daqui. Só queres acreditar neste ser de quem estais enamorada.
— Calado, seu babaca! Não me dirijas mais a palavra, não te conheço e nem quero! — irritou-se Marina indo embora de vez acompanhada dos outros três.
Fernando não tinha dado muita atenção para aquela última cena, nem pareceu se importar tanto com a reprovação de Marina. Ele estava amarrando sua camiseta em minha cabeça na tentativa de diminuir o sangramento que nem era tanto assim na verdade, mas que o havia assustado. Já eu prestava atenção naquela atitude da Nina sem compreendê-la direito. "Ela sabe a verdade", relevou o Nando. O jovem rapaz agora se voltava para nós, vinha em nossa direção. Aparentava ter uns vinte e cinco anos, era alto, esbelto, pele parda e o cabelo escuro escorrido sobre os olhos.
— Perdoem-me por demorar a interferir, mas vi que vocês se defendiam muito bem e subestimei a covardia dos outros dois.
— Não precisas pedir perdão, não tens culpa de nada — respondeu o Fernando.
— Nós te devemos por essa ajuda. As coisas poderiam ter sido piores — complementei.
— Fiquem à vontade para vir comigo até minha casa para lavar e cuidar desses ferimentos, moro relativamente perto daqui. A propósito, chamo-me João e vocês?
— Prazer, eu sou o Fernando.
"João!?", repeti assustado em minha mente. Apesar de, coincidentemente, o coletivo 512 ser o responsável pela rota até a praia, já seria coincidência demais aquele rapaz ser o João que eu, por alguns segundos, desconfiei que fosse. Pois aquele ônibus serpenteava por diversos bairros até chegar à praia, a probabilidade dele ser 'aquele' João era muito pequena.
— E tu, tens algum nome? — João se dirigia a mim brincando com a minha distração.
— Ele se chama Ícaro. Geralmente ele é mais simpático, mas essa situação acabou sendo pior para ele, como podes perceber — Nando apontava para o sangue em minha face.
— Desculpe-me. Minha cabeça dói — expliquei-me.
— Tudo bem. Acompanhem-me, por favor!
Foi dessa forma que fomos com o João até a sua casa, que ficava há uns vinte minutos de caminhada da praia. Era uma humilde residência com paredes de madeira em um vivo rubro banhadas, rodeada por baixíssimas cercas marrons e, dando-nos boas-vindas, tinha um modesto e colorido jardim em sua fronte. Tratava-se de uma bela casinha, imaginava-me morando em um lugarzinho como aquele no futuro. Ao entrar, deparei-me com uma pequena sala arborizada com várias plantas suspensas em prateleiras que deixavam um cheiro muito gostoso no ambiente. Além das plantas, possuía um sofá de três lugares coberto por uma manta de mandala e, de frente, um já gasto rack de madeira que suportava uma TV tela plana de vinte polegadas. O chão era quase inteiramente coberto por um tapete redondo e peludo. Aquele cômodo minúsculo era tão aconchegante e tinha uma ambiência tão satisfatória que eu até dormiria ali, tranquilamente.
João foi em direção a algum outro cômodo e pediu que eu e Fernando esperássemos por ele na sala. Nos acomodamos no sofá, minha cabeça ainda doía bastante. Fernando abriu um dos lados da janela que havia por trás do sofá e uma brisa alentadora invadiu o lugar. Nessa hora consegui me escorar e relaxar um pouco. Também foi nesse momento que eu reparei pela primeira vez em mais uma coisa que compunha aquele cômodo. Tratava-se de uma rústica e encantadora vitrola em móvel, uma peça raríssima que deveria ser da década de quarenta ou cinquenta, no máximo. Estava posicionada ao lado do sofá e tinha, em média, um metro de largura por uns setenta centímetros de altura. "Como não havia reparado nela antes?", pensei. Fiquei a namorando por alguns instantes, até que decidi levantar a sua tampa superior e avistei pouco mais de dez discos que lá dentro. Não suportando a curiosidade, peguei aqueles vinis e comecei a vê-los, um por um.
— Bowie, Joplin, Hendrix, The Doors... olha só, Nando, bastante coisa boa por aqui.
— Incrível, adoro o 'Scary Monsters' do Bowie. Tô começando a gostar ainda mais desse tal João — Nando findava sua fala com um ar comicamente malicioso.
— Não tens jeito — sorria daquilo quando, de repente, os três últimos discos que folheei acabaram me teletransportando para a sexta-ferira passada, naquele ponto de ônibus onde conheci aquela garota de pele caramelada que era banhada de liberdade.
— O que foi, Ícaro? — Fernando pegava os discos das minhas mãos — Hmm... Pink Floyd, Nirvana e Portishead... Nunca viste estes discos antes?
— Vi... — respondi distraído por minha própria mente — Já os vi muito bem...
— As vezes tu és tão estranho, amigo.
Eu havia contado toda a minha curta história com Dayana para o Nando, mas não tinha contado o detalhe dos discos de vinil porque, como eu falei antes, era um tipo de mania que eu tinha de curiar as músicas, os livros, os filmes e etc, que as pessoas que eu trombava na rua gostavam. Ou seja, julguei como um detalhe inútil a ser contado.
Fui trazido de volta à realidade por uma conversa abafada, no cômodo ao lado, entre João e alguém que estava no banheiro tomando banho e que, pelo timbre da voz, parecia ser uma garota. Mesmo voltando a si, eu começava a ficar um pouco apreensivo, pois várias coisas até ali estavam levando minha mente até Dayana... o ônibus que nos conduziu até a praia, o nome daquele garoto que nos ajudou por lá, a vitrola, os discos de vinil, aquele ambiente simples que exalava liberdade... no meu íntimo, temia que não fosse só minha mente que tivesse sido levada até ela e também temia as consequências de um possível novo encontro acidental. João demorava a voltar e eu já ansiava voltar para casa. Parecia-me evidente que uma coincidência desconcertante estava se consolidando. Até que o João, finalmente, reapareceu me flagrando com os discos nas mãos.
— Gostam destes?
— Oh, sim. Você tem um bom gosto. Parabéns! — respondi.
— Ah, não são meus. São da minha companheira, ela que mora aqui na verdade. Eu ainda não me mudei de vez para cá.
— É uma casa muito aconchegante — falou o Fernando.
— Obrigado!
"São da minha companheira", estava cada vez mais óbvio o desenrolar daquela situação e eu ficava cada vez mais nervoso, minha cabeça doía ainda mais e , agora, não era somente por causa da forte pancada que levei durante a briga de minutos atrás. João continuava falando.
— A propósito, desculpem-me pela demora. Tem coisas que ainda não acho com facilidade por aqui e, confesso que, também acabei explicando a situação de vocês para minha companheira agora a pouco. Mas aqui estão algumas gases, um remédio antibacteriano e cicatrizante. O banheiro está ocupado nesse momento, mas tem uma pia no quintal, lá vocês podem lavar esses ferimentos e limpar essa areia do corpo.
— Agradecemos muito por tudo isso, João — disse Fernando.
— Não há de que. Deixem-me mostrar onde fica a torneira.
Passamos por um curto corredor que possuía uma porta à esquerda, onde julguei ser o único quarto da casa. Um pouco mais a frente, à direita, outra porta, essa era do banheiro, conseguia ouvir o som da água do chuveiro que banhava o corpo da garota — que eu só pensava que fosse Dayana. Por fim, o breve caminho interno nos levava à uma cozinha bem simples, mas tão limpa e organizada que parecia ser cenário de novela. A porta da cozinha era também a porta dos fundos da casa, foi por lá que passamos para chegar ao quintal.
— Fiquem à vontade para pendurar suas roupas aqui — João apontava para um suporte de madeira preso na parede —, não se preocupem que ninguém virá importuná-los até terem terminado. Só vou buscar umas toalhas para vocês.
Sinalizamos em concordância e o João voltou para dentro da casa enquanto eu o Nando começamos a limpar os nossos ferimentos. Primeiro eu ajudei o meu amigo, que não tinha muito mais do que um resquício de areia nos olhos e algumas poucas escoriações no seu antebraço e na canela. Entretanto eu tinha aquele corte do lado esquerdo da minha face, entre a orelha e o olho, que já aparentava estar um pouco inflamado, mas que o Fernando, com toda sua delicadeza, conseguiu limpar perfeitamente.
— Ainda tens mãos macias como algodão — nossa amizade tinha um nível tão alto de intimidade que me permitia brincar dessa forma, referindo-me àquela nossa "brincadeira" dentro do guarda-roupas durante a virada do ano em que nos conhecemos, relatada no capítulo anterior.
— Queres conferir se a boca também ainda é cálida como fogo?! — Nando deu uma gargalhada que, com certeza, chamou a atenção dos donos da casa, enquanto eu sorria com uma certa timidez.
Em cima da pia tinha uma mangueira de jardim, dessas que tem jato com regulagem, então a peguei e encaixei na torneira para usarmos na hora que fôssemos tirar toda aquela areia do corpo. Fernando foi o primeiro a começar a se despir.
— Ainda bem que vinhemos com nossos shorts térmicos, podemos usá-los para nos molhar agora e não voltarmos com as nossas cuecas encharcadas — disse Fernando.
— É bom esperarmos o João voltar com as toalhas, pra não sermos surpreendidos enquanto trocamos nossas roupas íntimas pelo short térmico.
— Temos tempo o suficiente, tu és muito medroso.
Nando continuou se despindo despreocupadamente. Já estava sem a camiseta, pois havia a amarrado em minha cabeça, e acabava de tirar a bermuda e o short térmico que usava por cima da roupa íntima. No momento em que se livrava de sua última peça de roupa, João apareceu com as toalhas em mãos e deu de cara com o meu amigo desnudo, que não fez nenhuma questão de se cobrir quando percebeu o flagra. Nosso anfitrião fez uma cara de espanto, puxou o ar até sua boca ficar em um formato de "O" e arregalou os olhos. Segundos depois relaxou sua expressão que se transformou em um sorriso envergonhado. Poderia julgar que aquela cena, no fim, agradou-o, mas eu não o conhecia para afirmar aquilo.
— Perdão, querido.
— Não te preocupas com isso. É só um corpo que não tem nada que o teu também não tenha.
— Fernando... — havia começado uma repreensão para o meu amigo, quando o João me interrompeu.
— Ele tem toda razão. E eu que nunca me julguei antiquado, depois ouvi-lo falar isso tão naturalmente percebo que ainda não sou dotado de tal nível de desconstrução... Ah! Enfim... só vim trazer-lhes as toalhas — João as pendurou rapidamente no suporte de madeira e saiu com certa pressa.
— Muito obrigado, João!
Assim que o João fechou a porta da cozinha, que também era a do quintal, escutei, junto com o som da queda da água, enquanto o Nando se banhava, mais uma conversa entre João e a sua companheira que havia saído do banheiro. Conversavam baixinho, de modo que eu só ouvia seus sussurros, as palavras eram inaudíveis. Nando já estava terminando quando eu comecei a me despir para me lavar também. Ao finalizar, ele pegou uma das toalhas e se enxugava no instante em que eu iniciava meu banho improvisado. Fernando já tinha se vestido de sua roupa íntima e bermuda, quando percebeu que sua camiseta estava manchada com o meu sangue. "Pode usar a minha", sugeri para ele, já que o sangue era meu mesmo. "Relaxa, tenho certeza que o João pode me arrumar uma", respondeu-me com aquele seu sorrisinho malicioso. Entendi na mesma hora o que ele queria com aquilo e sorri de volta indicando que sabia das suas intenções.
— Que risadinha é essa?! — ele também já sabia, só queria me tirar de tempo — Termina teu banho, estarei te esperando na sala.
— Chego em cinco minutos.
Fernando saiu em direção ao interior da casa. Ao fechar a porta, ouviu-o conversar com o João. A garota também falou algo, acho que eles estavam se apresentando. Ouvi algumas risadas e, em seguida, pareceu-me que haviam entrado no quarto. Provavelmente o João estava levando o Nando para pegar uma camiseta emprestada. Naquele momento o cricrilar dos grilos começava a se acentuar e a noite estava se formando enquanto eu finalizava meu banho. O farfalhar de morcegos também ganhavam evidência e formava, junto com os grilos, um dueto de "cri cri cri's" e "ti ti ti's" dando ao ambiente um ar meio solitário e sombrio.
O João havia deixado uma pomada cicatrizante e um remédio antibacteriano apoiados em um basculante de três folhas que tinha acima da pia. Sabia que ia precisar da ajuda do Nando novamente, já estava indo pegar a toalha para me enxugar e chamá-lo de volta quando ouvi um leve rangido. De súbito, pulei para trás e constatei que as folhas do basculante haviam sido moderadamente abertas. A luz da cozinha estava apagada, enxerguei apenas uma silhueta do outro lado, meio afastada do basculante. "Você não me assusta, Fernando!", na verdade eu tinha me assustado, sim.
— Deixa destas tuas brincadeiras e vem aqui me ajudar, precisamos ir logo para casa. Já está ficando tarde.
Logo que terminei de falar, a silhueta se aproximou do basculante e, com a ajuda da luz do quintal, revelou-me os seus olhos através da folha do meio. Eram olhos negros e cheios de segurança. Eu lembrava muito bem daqueles olhos, mas não eram os olhos do meu amigo. Eram os olhos opressivos de Dayana!
— Day...a...na — falei pausadamente em um tom baixo e submisso.
A última folha do basculante mostrava que ela ainda estava coberta com uma toalha, presa abaixo de suas axilas. Ela me encarava fixamente, quando percebi que, através do vidro distorcido, ela estampava aquele sorriso cheio de insinuações em seus lábios. Como eu desejava devorar aqueles lábios...
— Oi, Ícaro!
O meu corpo todo ardia ignorando aquela umidade que ainda o cobria e o frio que acompanhava o início daquela noite. Eu não conhecia Dayana o suficiente, mas poderia jurar que ela estava sentindo o mesmo, o seu olhar me indicava desejo ao mesmo tempo em que o meu indicava "sou todo teu!".
— Achei que o combinado era nos encontrarmos amanhã — ela falava baixinho comigo e em um tom sensual.
— Digo o mesmo.
Em meio àquela situação eu só conseguia pensar que eu e Dayana estávamos fadados à contingência dos encontros acidentais. Mas, não, no outro dia eu a veria, com certeza. No fundo, eu só queria atribuir algum significado especial por causa de mais uma circunstância imprevisível.
Ouvi mais um rangido, Dayana finalmente abriu por completo as folhas do basculante. Agora podia ver claramente do seu rosto até abaixo dos seus ombros. Em seguida ela levou a sua mão direita até a ponta da tolha que a prendia na parte superior.
— Vamos fazer valer um pouco esse reencontro precoce? — dizia cheia de malícia enquanto, lentamente, desencachava a ponta da barra da toalha.
A única peça de roupa que eu vestia naquele momento era o meu short térmico, que estava úmido e bem justo na minha pele. Dayana olhava com fome para o espesso corpo que crescia entre minhas pernas, quando expôs sem mais mistérios aqueles seus grandes seios redondos. Eu não pensava em outra coisa se não avançar neles, embeber-me de toda a sua volúpia e me entregar de vez para àquela garota que mais parecia uma divindade pagã, ou melhor, a minha própria Hedonê*¹, a deusa dos meus prazeres intensos e despudorados.
Dayana fechou os olhos. Com a ponta dos seus dedos indicadores, médios e polegares realizava uma massagem sensual nos próprios mamilos. Por vezes, abria os olhos me encarando com ardência, conferindo se eu já havia começado minha própria massagem, mas eu estava paralisado mesmo com o meu membro pulsando freneticamente como se implorasse para sair daquela prisão. Dayana em alguns momentos puxava o ar entre os dentes serrados, inflando ainda mais os seus seios no momento em que os pegava firme com as palmas das mãos, enchendo-as com aquelas volumosas circunferências cor de caramelo. Não suportei mais, cheguei mais perto do basculante, atirei o meu pênis para fora do short e o peguei com firmeza pela base. "Isso!", Dayana sussurrou-me. Ela baixou uma das mãos, eu não poderia ver para aonde, mas dava pra deduzir com precisão que ela começava a se tocar entre as pernas. A partir dali, nos tocávamos em sintonia em uma batalha de provocações, onde eu com certeza me saí perdedor pela segunda vez.
Nossas massagens lascivas e simultâneas de autossatisfação duraram alguns minutos e não conseguimos chegar ao cume do nosso prazer perigoso, pois fomos interrompidos pelos sons de risadas de João e Fernando que estavam na sala. Nosso clima indecente foi cortado pelo susto daqueles risos que nos puxaram de volta para o plano real.
— Até amanhã, Ícaro! — Dayana se cobriu novamente com a toalha, fechou o basculante e sumiu na escuridão da cozinha.
Peguei a toalha e, enquanto me enxugava, torcia para aquele mastro teimoso se recolher ao seu estado natural logo. Tinha acabado de colocar a bermuda quando o Fernando abriu a porta, já vestido com uma camisa do João que tinha ficado relativamente grande nele, e estava pronto para me apressar.
— Já demoraste bem mais que cinco minutos — advertia-me agitado e seu hálito tinha cheiro de vinho tinto.
— Você estava bebendo?
— Só uma taça de vinho... ou, talvez, duas ou três. Mas isso não vem ao caso.
— Tá... só me ajuda a aplicar essas coisas no meu ferimento — entreguei a pomada e o remédio para Fernando.
— Tá. Escora-te aqui e não mexe a cabeça — quando ele foi se posicionar em minha frente para cuidar do meu corte, sem querer resvalou sua coxa em meu volume devasso que ainda estava se desfazendo — Humm... tá animado, amigo?
— Nando, eu só... —quando ia começar a falar o meu amigo tapou minha boca com a palma da mão.
— Não precisa me explicar... — falou baixinho e em seguida aproximou sua boca do meu ouvido e continuou — ela esteve aqui não foi?
Aquela frase parecia ter me aplicado uma carga elétrica. Será que o Nando estava deduzindo aquilo só por ter descoberto o nome dela, quando os dois foram apresentados?! Impossível chegar a tanto com tão pouco de informação. Eu mesmo, que já tinha me encontrado com ela naquele ponto de ônibus e que tive todos os indícios para deduzir com antecedência que ela morava aqui, só tive a certeza quando me vi dominado por aqueles olhos escuros como uma noite sem lua. Mas uma coisa era certa, o meu amigo sabia que era Dayana de alguma forma e não adiantava eu tentar tirar ele de tempo.
— Por que me perguntas isso, Nando? — continuávamos a conversar ao pé do ouvido.
— Tu foste ótimo com os detalhes. Quando ela me disse "Prazer, sou Dayana", já me entregou quase tudo.
— Não é possível ter sido somente isso.
— Realmente não foi, mas eu te conto detalhes no caminho. Deixa eu cuidar logo em aplicar isso no teu ferimento, se não perderemos o último ônibus do nosso bairro. No domingo ele passa mais cedo, lembra?!
— Tens razão. Mas me deixaste muito curioso agora.
— Relaxa. Não foi nada demais.
Finalmente tínhamos terminado tudo por ali. Fomos até a sala novamente e o João estava lá sentado no sofá, assistindo a um DVD de um show de 1990 do 'The Mission (UK)' no 'Rockpalast', segurava uma taça de vinho entre os dedos, a garrafa estava pela metade em cima daquela rara vitrola. Então o Fernando estava bebendo com o João e aquelas risadas, que haviam interrompido minha libertinagem com Dayana, parecia demonstrar que os dois já tinham ganhado um pouco de intimidade. Com certeza, com uma ajudinha daquele Quinta do Morgado seco.
— Agradecemos por tudo, João — disse o Nando.
— Não há de quê. Imaginei que vocês fossem boas pessoas. Agora tenho certeza que sim. Não mereciam aquela confusão.
— Tu também és uma ótima pessoa. Agora... — Nando direcionava um olhar malicioso para o João — como faço pra devolver a tua camiseta?
— Bom, não te preocupa com isso. Mas tu já sabes onde me encontrar.
— Isso é um convite — ele brincava com a situação ao seu melhor estilo.
— Digo... — João estava desconcertado — eu ainda não aqui moro de fato, como já falei. Mas se quiseres voltar um dia, já tens o meu contato. É só me avisar.
— Avisarei, sim. Podemos marcar alguma tarde qualquer para jogarmos conversa fora, esquecermos um pouco de toda essa confusão que nos fez cruzar os caminhos uns dos outros — Fernando sorria de forma amável.
— Por mim, tudo bem. Tenho certeza que o seu amigo, Ícaro, também vai querer vir — disse João me pegando de surpresa. Como eu estava cheio de culpa pelo meu rolo com Dayana, enchi-me também de desconfianças em relação àquela sua insinuação, mas tentei disfarçar.
— Oh, sim. Certeza!
Durante toda àquela breve conversa de despedida, Dayana estava em seu quarto. Em meu íntimo desejava vê-la uma última vez antes de partir com o Fernando. Sei que a encontraria no outro dia, como combinamos, mas, até então, só tinha apreciado a sua indiscutível beleza banhada à sombras. Queria muito apreciá-la sob a luz agradável da sua sala aconchegante.
'Wayne Hussey' cantava os primeiros versos de 'Beyond The Pale' quando nos despedimos de fato. João desligou a TV, deu-nos um forte abraço, em especial no Fernando, desejou-nos uma boa volta para casa e nos acompanhou até a calçada dizendo que ia precisar sair mesmo para comprar um maço de cigarros. Seguimos para lados opostos naquela rua coberta sob o manto da noite. Ainda estávamos relativamente perto da casa de Dayana quando ouvi a introdução de 'Glory Box' ecoar suave junto ao ruído natural da vitrola, naquele silêncio da rua, que só não era absoluto por conta do cricrilar dos grilos nos jardins e do farfalhar dos morcegos que rodeavam as árvores. "I'm so tired of playing / Playing with this bow and arrow", escutava aquela frase melancólica que iniciava a música, enquanto diminuía a velocidade dos meus passos. O Fernando já estava uns dez passos na minha frente quando parei de vez e lancei minha vista de volta para aquela casinha encarnada. Foi assim que flagrei a sombra de Dayana por trás cortina branca que cobria a janelinha de vidro que havia na porta de sua casa. Ela levantou a mão direita balançando os dedos em um sinal de despedida.
— Por que está parado aí, Ícaro? Apressa-te!
— Foi mal, estou indo!
Achava cada vez mais incrível como Dayana conseguia mexer com os meus desejos. Era mesmo como se ela fosse uma filha de Eros*² e Psiquê*³, ou, ao menos, como se ela abrigasse em seu âmago o próprio espírito de Hedonê. Era como se a cada encontro ela tivesse o poder de me lançar um pouco mais alto aos céus. Eu deveria começar a temer nossos encontros por isso, subindo dessa forma, como o Ícaro da mitologia grega, eu poderia acabar em queda livre. Mas não existia esse perigo com Dayana, já que nossos encontros jamais tiveram a presença do sol, somente o seu reflexo através da soturnidade da lua. Assim sendo, a cera de minhas asas estariam a salvo enquanto fosse Dayana a responsável pelos meus vôos profanos pelos céus.
(Continua...)
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*¹ Hedonê é a Deusa do prazer, na mitologia grega.
*² Eros é o Deus do amor e do erotismo e é pai de Hedonê.
*³ Psiquê é uma divindade que representa a alma e mãe de Hedonê.
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