Diana caminhou comigo de mãos dadas pelo casarão, eram vários cômodos grandes, dois andares, uma área externa bonita com muito verde, porém logo o almoço foi servido. Não posso dizer que fui mal tratado por sua família, a mãe conversava bastante, o irmão também se mostrou bacana e até Andrade procurou saber um pouco sobre minha vida em São Paulo e contou um pouco da sua, mas era o papo que teríamos depois que me preocupava, talvez ele estivesse fazendo tipo na frente da filha para depois, a sós, dizer que era para eu me afastar dela.
Importante dizer que Andrade era um coroa de algumas posses, mas não um super milionário, desses que têm jatinho particular, várias fazendas etc. Ele tinha sim, uma boa grana, suficiente para ser bem de vida, uma fazenda em sociedade com um irmão, muitos terrenos e imóveis, mas o que tinha de sobra, era poder na política e isso o fazia conseguir muitas coisas, além, claro de desviar dinheiro público.
Foi um almoço demorado, expliquei que era sobrinho de Augusto que tinha uma loja de conserto de TV e aparelhos de som há quase 30 anos na cidade (nos anos 90, quando uma TV dava problema, mandávamos consertar, hoje, muitas vezes, fica tão caro o conserto que é melhor comprar uma nova, bem-vindos à modernidade), depois ainda conversamos os cinco, até que Andrade resolveu me chamar para a biblioteca/escritório que tinha em sua casa. Ele se sentou em sua confortável cadeira de couro marrom e pediu que me sentasse num sofá próximo.
-Bem, rapaz, agora que já sei que é sobrinho do Augusto e também um pouco sobre sua vida, vou entrar num assunto um pouco espinhoso. Não pense que será fácil, mas como você e Diana estão se vendo já há alguns meses, e sei disso desde o começo, acho que precisa se inteirar de alguns fatos sérios. Mas veja bem, depois do que irei te contar sobre a minha filha, você terá duas opções, sair daqui e terminar imediatamente com ela ou formalizar um compromisso e levar logo esse namorico para o estágio de noivado, mas uma coisa é certa, independente da sua decisão, tudo o que você ouvir aqui, não poderá contar nem a sua sombra ou sua vida não valerá um níquel furado. – ele me disse com a cara amarrada e já ficando vermelho.
Fiquei surpreso e tenso com aquele tom:
-Bem, doutor Andrade, não sei do que se trata obviamente, mas se é um segredo, te dou minha palavra de que não contarei a mais ninguém.
-Ótimo!
-Este último ano não foi nada fácil, rapaz. Você vê a Diana assim toda meiga e não tem ideia da tormenta que enfrentamos, principalmente ela e tudo isso poucos meses antes de te conhecer.
Nesse momento, imaginei que Diana estava com algum problema de saúde e me preocupei. Andrade continuou.
-Existe uma frase que diz “dinheiro não traz felicidade”, sempre achei que fosse mais uma das armadilhas dos milionários para conformar os pobres a viverem na merda sem reclamar, mas quando minha Diana completou 18 anos, vi que isso tem um fundo de verdade. Da noite para o dia, ela caiu nessa coisa aí que chamam de depressão e não tinha quem a tirasse da cama, até tentar acabar com a própria vida, tentou. Foram alguns meses terríveis, levamos a médicos, fez tratamento, tomou remédios e o caramba a quatro. De repente, do nada, ela voltou a agir normalmente, mas o psiquiatra disse que do mesmo que jeito que essa crise veio de repente e foi embora outras poderão vir.
-Puxa vida, mas ela nunca disse qual ou quais motivos a levaram a entrar nesse estado?
Andrade ficou pensativo por alguns instantes, depois desviou o olhar e disse:
-Não, não, foi algo da noite para o dia, nada, nada... Entretanto, notei que assim que vocês começaram esse namorinho aí, Diana está mais feliz, fica ansiosa durante a semana esperando você chegar. Com o devido respeito, se fosse numa outra circunstância, não iria querer que ela sem engraçasse com um fulaninho de São Paulo, sem eira nem beira, mas com todo esse problemão que enfrentamos, é melhor ela sorrindo com você, do que sofrendo uma barbaridade sozinha. O que preciso saber é se quer mesmo um namoro firme com ela pensando até mesmo em casamento?
-Bem, doutor Andrade, estou namorando sua filha há alguns meses, mentiria se dissesse que já faço planos para um casamento.
-Concordo! Para se casar está cedo, mas gostaria que pensasse seriamente na possibilidade de se tornar noivo dela, isso se estiver gostando da minha filha, mês que vem ela completa 19 anos, está se matando de estudar para passar em Medicina na USP, no último vestibular, ela bateu na trave, sabia?
-Sim! Ela me contou.
-Então, em breve tentará novamente e se passar, terá que morar em São Paulo. Vocês ficarão perto, será bom para a Diana se sentir protegida, o que me diz, quer ficar noivo dela?
-Bem, doutor Andrade, estou apaixonado por sua filha, acho que ela também gosta de mim, mas preciso conversar com a Diana para saber se ela tem planos de ficar noiva, mesmo sendo tão jovem.
-Tudo bem, vamos por etapas. Se ela passar no vestibular, vocês morarão na mesma cidade e aí voltamos a falar em noivado. Por ora, só me responda, se ela quiser, você está disposto a noivar e depois se casar com a minha filha?
Pensei rapidamente e disse sim, afinal de contas, apesar do tempo relativamente curto com Diana, estava apaixonadaço. Andrade gostou da minha resposta, talvez ele só estivesse mesmo preocupado com a saúde mental da filha.
Segui meu namoro com ela, agora frequentando sua casa. Não contei os detalhes da conversa com seu pai, inventei que ele queria apenas saber das minhas intenções. Passamos a transar alucinadamente em motéis que tinham na rodovia que passava ao lado de Rio Dourado.
Andrade passou a me apresentar aos outros como seu futuro genro, mesmo com tão pouco tempo de namoro.
No início do ano seguinte, Diana soube que passou no vestibular de Medicina na USP em São Paulo, foi uma grande festa. Seu pai me chamou de lado e disse que queria ter uma nova conversa séria comigo.
-Olha, rapaz, estou alegre por um lado e triste por outro, só de pensar que a minha florzinha vai morar em São Paulo, meu coração aperta, mas a vida é assim, criamos os filhos para o mundo, menos mal, que todo sábado cedo, feriados e férias, Diana estará aqui e depois de formada, montarei um consultório grande onde ela quiser, mas não por aqui, essa região ainda está atrasada, tem que ser em uma forte: Campinas, Ribeirão, Rio Preto ou São José dos Campos. O que me preocupa é o agora, vou arrumar um apartamento, porque não quero minha filha vivendo em república ou em qualquer muquifo, mas preciso que me prometa que ficará sempre presente na vida dela, se quiser, pode até dormir nesse apartamento que vou arrumar, será bom para ela pelo menos nesse começo, cuida dela para mim?
Achei estranho o fato de Andrade nem se importar de Diana e eu morarmos juntos, mas com certeza, ele já sabia que transávamos e talvez quisesse ter certeza de que a filha estaria protegida vivendo em São Paulo.
Outro detalhe que me causava estranheza era sua vontade que Diana fosse estudar e trabalhar longe de casa, geralmente, é o contrário, os pais querem que os filhos fiquem para sempre ou o maior tempo possível perto deles. Já Andrade, fazia planos dela se casar e até de trabalhar em outra região longe da sua.
Andrade acabou não alugando, mas comprando um bom apartamento para Diana perto da USP e ainda lhe deu um bom carro. Fiquei as primeiras semanas com ela e trepávamos duas, três vezes por noite, em todas as posições possíveis. Como era maravilhoso fazer amor com aquela garota loira, de traços delicados, sentir o cheiro e o gosto de sua bocetinha, vê-la perto do orgasmo, fazendo uma carinha linda, engolindo minha porra, dando seu cuzinho...
Depois de algumas semanas, voltei a dormir na casa de meus pais alguns dias da semana e outros no apartamento dela. Entretanto, com o passar do tempo, Diana insistiu muito e praticamente fui morar em seu apartamento, pois temia que ela pudesse ter uma nova crise de depressão, aliás, desde que Andrade me contou seu problema, sempre fiquei em cima, cuidando dela e felizmente, tudo está indo bem.
Foi nessa época que começaram a surgir umas taras estranhas nela, a primeira era a de me esperar voltar do trabalho no final da tarde ou começo de noite e já querer transar antes mesmo de eu tomar um banho para me livrar do suor. Eu insistia para que ela esperasse, mas aquela sósia da Ester Expósito praticamente rasgava minha roupa, me cheirava todo desesperada e depois me chupava com volúpia, algumas vezes, ela chegava a gozar já no 69.
-Gosto assim! Com cheiro forte! Cheiro de macho! De bicho!
Quando jogava um futebol com os amigos, às quintas à noite, Diana ficava brava se voltasse já de banho tomado, pois queria transar comigo todo suado, novamente com a alegação de que gostava do meu cheiro.
Outra tara dela era frequentemente me acordar quando o dia estava amanhecendo, já chupando meu pau que na maioria das vezes estava melado e com cheiro pela trepada que sempre dávamos antes de dormir. Com um tom de voz diferente e afoita, Diana dizia:
-Que delícia sentir o cheiro e o gosto desse pau babado!
Lembrei-me de nossa primeira transa e deduzi que ela tinha adquirido o fetiche de transar comigo suado, pois naquela vez foi assim.
Já no dia a dia, Diana mantinha a pose de garota educada e meiga, era muito carinhosa, impecavelmente cheirosa e bem vestida, mas era muito ciumenta e, de vez em quando, ficava irritada achando que olhei para alguma garota, até uns beliscões, eu levava, mas por dentro, morria de rir, pois me sentia orgulhoso por uma gata como aquela sentir ciúmes de mim.
De cada 4 finais de semanas, 3 íamos para Rio Dourado. Lá, eu procurava deixá-la um tempo com a família e amigos, enquanto eu ficava com meus primos. Entretanto, durante a Copa de 94, mais especificamente num sábado, à tarde, em que o Brasil enfrentaria a Holanda, ocorreu algo que me deixou muito tenso. Assisti ao jogo com meus 3 primos e meu tio, foi um sofrimento danado, naquele tempo, ainda se torcia muito pela seleção, choravam etc., bem diferente dessas últimas gerações sebosas que estiveram nas 3 últimas copas. Quando o juiz apitou o final do jogo com 3x 2 para o Brasil, foi uma loucura total, gente se abraçando na rua, fogos, gritaria.
Fiquei um tempo na comemoração, depois tomei um banho e fui para a casa dos pais de Diana, mas para minha surpresa, ela não estava lá. Perguntei à sua mãe, ao Andrade e um tanto sem graça, disseram que minha futura noiva ficou nervosa quando o jogo estava 2x2 e resolveu dar uma volta de bike. Olhei para o relógio já eram quase 20h, comecei a ficar cabreiro, minha namorada até poderia não ser fã de futebol, mas sair na metade do 2º tempo, portanto umas 17h25 e não ter retornado ainda?
Quando eram quase 20h30, decidi ficar do lado de fora da casa e para aumentar ainda mais a minha desconfiança, decidi perguntar a Florêncio, leão de chácara, motorista e faz tudo de meu futuro sogro se não tinha visto Diana. Ele era um negro enorme, alto, cara de poucos amigos, tinha uns 45 anos, se vestia como jagunço mesmo, chapéu Panamá preto, jaqueta de couro marrom surrada, calça preta apertada e botas também marrons. Ao ouvir meu questionamento, colocou a mão na cintura abrindo um pouco a jaqueta velha, o que me permitiu ver que estava com uma arma na cintura e uma faca na bainha junto à cinta.
-Olha, seu moço. Não vi não, mas se me permite um conselho, não fica bisbilhotando na vida da menina não, pelo menos enquanto não for casado com ela, doutor Andrade não gosta disso e se ele não gosta, eu também não.
Fiquei boquiaberto com aquela resposta, talvez o gesto de colocar as mãos na cintura e deixar aparecer a arma tenha sido sem querer, mas seu modo de falar foi claramente uma intimidação.
Pouco depois, Diana chegou, estava com uma blusa de moletom cinza e bermuda, e demonstrou surpresa por me ver ali do lado de fora.
-Ué? Por que não entrou?
Foi a minha vez de ficar com cara de poucos amigos:
-Cheguei aqui faz tempo e me disseram que você saiu de bicicleta antes do jogo acabar. Três horas fora? O que houve?
Diana aparentou ter ficado sem graça, mas nada tão gritante:
-Ai, não aguentei a gritaria e os palavrões do meu pai e do meu irmão quando o outro time empatou, xingando o Parreira, Taffarel e sei lá mais quem, resolvi correr de bike pela cidade, fui na zona rural e na volta, vi minhas amigas comemorando ali no barzinho do Tony e parei para falar com elas.
-Não poderia ter me ligado antes de ir? Sei que seu celular não pega aqui, mas do fixo. (Naquela época, estavam surgindo os primeiros modelos de celular, eram grandes, mas só pegavam e mal em alguns locais).
-Ah! Para, né? Ligar para avisar que fui dar uma volta de bike?
-Não, mas para avisar que demoraria tanto, olha só são 20h30, a gente combinou que depois do jogo, eu viria para cá e lá pelas 21h iríamos dar um passeio.
-Desculpa, amor! Não pensei que iria demorar tanto e com essa festa, achei que ainda estaria comemorando com seus primos.
Diana me abraçou e me deu um selinho, porém, isso só fez aumentar a minha desconfiança, para alguém que andou tanto de bicicleta, o normal seria estar um pouco suada, mas ao invés disso, exalava um cheiro de sabonete daqueles bem mixurucos e baratos, logo ela que só usava perfumes importados, óleos e sabonetes caríssimos? Outro detalhe foi que ao me dar o selinho senti o cheiro de pasta de dente bem fresco, quem estaria com o hálito de quem acabou de escovar os dentes depois de mais de 3 horas na rua andando de bike?
Poderia ser tudo uma grande paranoia minha, isso é comum em homem ciumento, vê, sente cheira até o que não existe, mas a verdade é que fui tomado por uma imensa ansiedade. Será que após apenas um ano, sendo 7 namorando e 5 praticamente morando juntos, Diana já estaria me traindo?
Entramos e ela foi tomar banho e se trocar para sairmos. Pensei em contar a Andrade a atitude de Florêncio, mas acabaria chegando aos ouvidos do jagunço e não queria me indispor com alguém que parecia ser perigoso.
Diana apareceu com vestido preto tomara que caía, cabelos soltos, bem maquiada e perfumada. Decidimos ir jantar na cidade vizinha de Barra Paulista (nome fictício) que era bem maior que Rio Dourado e, portanto com mais opções de restaurantes.
Um defeito que tenho é não conseguir esconder o que sinto e por isso, mesmo querendo esquecer o demorado passeio de Diana, não conseguia e isso me deixou de mau humor, mesmo sem querer, acabei respondendo seco para ela várias vezes, até que num determinado momento, já no meio do jantar, acabei lhe dando uma patada e foi a vez dela se zangar, mas educada e meiga como sempre era disse em um tom de voz baixo:
-Essa poderia ser uma ótima noite, mas você estragou tudo, me leve embora, por favor, antes que a gente brigue.
-Sem problemas, também perdi o apetite, deve ser porque ainda não digeri aquele longo passeio de bike e o jeito que você voltou.
-Que jeito?
-Se tivesse mesmo andado tanto de bique, ao invés de estar cheirando a sabonete barato, estaria um pouco suada e seu hálito era de quem tinha acabado de escovar os dentes.
Diana arregalou os olhos e disse:
-Que loucura! Talvez eu não tenha suado o suficiente porque já estamos em julho e hoje não foi um dia quente, sobre meu hálito, é ridículo ter que explicar isso, mas na volta, a Amandinha me ofereceu um Halls de menta e vim chupando.
-Tá bom. – Respondi em tom de ironia.
- Olha, vamos embora, isso está me estressando. – Disse Diana.
Eram apenas 7km de estrada entre as duas cidades e eu estava tão puto que taquei o pé no acelerador chegando a 160km. Diana disfarçava, mas me olhava de canto de olho, com expressão aflita. “A infiel está acuada, sabe que agora ficarei atento aos passos dela”, pensava, mas pouco depois, mudava de ideia “E se realmente Diana resolveu ir para a zona rural e na volta parou para conversar com as amigas e isso está me fazendo imaginar coisas? Moramos em São Paulo, se ela quiser me chifrar tem tempo de sobra, não faria justamente aqui, onde todos a conhecem”
Deixei-a na porta da casa dos pais e nem nos despedimos. Era a nossa primeira briga. Encostei na frente da casa do meu tio, estava sem sono, então fiquei ali dentro do carro, sofrendo com a possibilidade de estar sendo traído. A desconfiança nos traz uma agonia sufocante, sempre defendi a tese de que em casos assim é melhor saber logo a verdade do que conviver com o fantasma da dúvida. Liguei o toca-fitas e ao som de canções como One, do U2, Street of Filadélfia de Bruce Springsteen e outras, passei a imaginar como seria dali em diante.
Novas desconfianças viriam num futuro próximo e me deixariam à beira da loucura.