Preparei um bom jantar com uma carne grelhada e comemos. O cansaço e as emoções do dia abateu o meu filho e Lucinha foi levá-lo para a cama. A dona Helena, depois de limpar o banheiro e se alimentar, logo se retirou para dormir. Fiquei apenas eu e as lembranças desse dia inesquecível em minha vida naquele momento, só na sala, mas agora mais bem acompanhado que nunca.
(CONTINUANDO)
No outro dia de manhã, acordamos cedo, o Gustavo antes de todos, ansioso por jogar mais um pouco de vídeo game. Lucinha o convenceu a tomar café e explicou que teríamos uma consulta, mas que depois ele poderia jogar o dia inteiro. Só isso e a promessa de jogarmos uma “partidinha” antes da consulta, conseguiu convencê-lo. Após nosso café da manhã, da partida e de nos arrumarmos, saímos até a consulta médica. O trânsito, como eu já esperava não ajudou e chegamos em cima da hora.
Aguardamos ainda mais uns 30 minutos, depois fomos acompanhados eu, Lucinha e o Gú até o consultório do especialista. Apresentamo-nos e o médico, um tanto mais novo que eu se apresentou e logo fez amizade com o Gustavo, aliás, coincidentemente, ele também se chamava Gustavo, o que fez criarem um laço de camaradagem quase imediato.
Depois, Lucinha lhe entregou todos os exames, que ele analisou com calma e atenção. Assim que terminou de ler e fazer algumas anotações, foi fazer um exame físico no Gú que se contorcia de cócegas a cada toque. Depois, deixou o Gú brincando com alguns brinquedos que tinha ali no seu consultório e voltou à mesa, sendo bem objetivo:
- Bem, eu vou pedir que repitam alguns exames, mas serei sincero, é um provável caso de transplante.
- Transplante, doutor!? - Perguntei aturdido com a notícia.
- Provavelmente sim.
- Provavelmente? - Insisti.
- É quase certo…
Olhei para a Lucinha e ela para mim nesse momento, ela apesar de tensa, já parecia ciente da gravidade da situação, pois falou de imediato:
- Eu já fiz até teste e não sou compatível, Gê.
- Eu sou? - Perguntei para o doutor Gustavo.
- É uma possibilidade. Qual seu tipo sanguíneo?
Falei e era o mesmo do Gú, já um bom indicativo, aliás, eu já me dava como o doador até que recebi um balde de água fria:
- Ainda é cedo, Gervásio. Teremos que fazer mais uma bateria de testes para confirmar a compatibilidade.
- E como funciona esse transplante?
- Em resumo bem resumido, retiraremos parte do seu fígado e implantaremos no meu xará ali.
- E…
- Sim. - Ele me interrompeu, explicando o que imaginava ser minha dúvida: - É uma cirurgia de alto risco, principalmente para ele que é tão novinho, mas com a equipe que dispomos, posso dizer que o risco é bastante minorado.
- E quando faríamos isso?
- Quando!? Não, calma! Vamos fazer mais exames no meu xará para confirmar se é o caso de cirurgia. Ao mesmo tempo, já fazemos os demais exames para confirmar sua compatibilidade. Daí, irei me reunir com os demais médicos para discutirmos o caso e só então, caso seja realmente indicado, faremos a cirurgia.
- Quanto tempo para sabermos essas respostas todas?
Ele nos explicou e montou um organograma de tudo o que e quando seria feito, tais como exames, consultas, etc. Apesar da seriedade da situação, eu saí bem animado da consulta. Dona Helena teve que retornar para Itu no dia seguinte, afinal, meu ex-sogro estava só e dada a sua idade, necessitava pelo menos de sua companhia. Como o Gú precisava fazer vários exames, ficou com a Lucinha em casa. Uma semana depois, já tínhamos a confirmação e, infelizmente, era caso de cirurgia, mas, felizmente, eu era compatível.
Marcamos a cirurgia para 1 mês. Parei de beber, melhorei minha alimentação, já que iria dar parte do meu fígado para o meu filho, que fosse um fígado limpo. Nesse 1 mês, o Gú teve uma piora rápida em seu quadro clínico, chegando a ser internado 2 vezes. Sua cor também mudou de uma hora para a outra, assumindo uma tonalidade mais amarelada. Precisei delegar poderes na “Candiru”, afinal, eu teria que me ausentar e não sabia por quanto tempo… Na verdade, eu não queria sair do lado do meu filho, afinal, era uma cirurgia arriscada e eu queria curtir cada instante com ele. A Lucinha se mostrou uma pessoa totalmente dedicada tanto para ele como para mim. Sem que qualquer um dos dois mencionasse, praticamente voltamos a viver como um casal, mas sem nos tocarmos. Bem, éramos e não éramos…
No dia marcado, a cirurgia foi realizada e após alguns percalços que o Gustavo enfrentou durante e no pós operatório, teve alta. Um sucesso! Em pouco tempo, ele recuperou a cor normal e logo estava mais serelepe que nunca. Eu adorava sua companhia e até havia me esquecido que não era mais casado com sua mãe, mas depois de aproximadamente um mês, Lucinha me avisou que precisaria voltar para Itu e que, naturalmente, levaria o Gustavo com ela. Meu mundo ruiu naquele momento. A realidade me atingiu em cheio e cheguei a ter uma vertigem em tomar ciência de que não teria mais o meu filho comigo. Tentei de todas as maneiras convencê-la a ficar na capital, inclusive lhe oferecendo um emprego na Candiru, mas não teve jeito, ela retornou para o interior.
Naturalmente, combinei de visitar o Gustavo nos finais de semana e cumpri rigidamente o combinado. Sempre que eu chegava era uma alegria e curtíamos muito. Foi inevitável me reaproximar de meus antigos sogros, bem como da própria Lucinha e foi numa noite dessas, depois de voltarmos de uma pizzaria e ela colocar nosso filho para dormir, que acabamos nos pegando novamente. Na verdade, não passamos de uns beijos e amassos, mas tê-la em meus braços novamente, me mostrou o quanto eu ainda queria bem aquela mulher, apesar de tudo o que ela havia me feito:
- Por que a gente não volta, Lú?
- Voltar para onde, São Paulo?
- Não, mulher, voltar… assim… eu e você…
Ela me encarou surpresa, levantando-se de um pulo do sofá em que estava ao meu lado. Colocou a mão na cintura e, sem deixar de me encarar, começou a andar de um lado para o outro, parecendo perdida dentro de sua própria casa. Logo, ela voltou a me encarar, levantou um dedo indicador em riste na minha direção, abrindo a boca sem falar nada e voltou a andar de um lado para o outro. Por fim, me encarou:
- Cê tá louco, Gervásio!? É claro que não.
- Por que não?
- Porque… porque… porque não, ué! Não dá, não deu. A gente foi muito feliz, mas… Eu fiz merda e… Não, não… Melhor não! Vamos deixar do jeito que está.
- Lucinha, pelo menos pensa a respeito. Eu ainda gosto de você e acredito, depois desses nossos amassos, que você também gosta de mim.
- Gostar não é suficiente…
- Falei gostar de uma forma geral. Pessoalmente, eu acho que a gente ainda se ama.
Ela arregalou os olhos quando disse isso e ficou boquiaberta. Eu me levantei para dar um “check mate”, mas ela saiu em direção à cozinha, onde passou a procurar um copo para beber água, copo este que já estava em frente ao filtro de barro que ela utilizava. Assim que ela achou o bendito copo, encheu com água e tremendo igual uma vara verde, bebeu-o todo de uma vez. Só então ela me viu na cozinha:
- Não! Por favor, Gervásio, vai embora, ou a gente vai acabar fazendo merda…
- Merda eu não sei, mas… - Calei-me enquanto me aproximava sem tirar os meus olhos dos dela: - Mas eu tenho umas ideias bem gostosas do que poderíamos fazer juntos.
- Deus, Gervásio! Vai embora, por favor…
Tentei abraçá-la, mas ela se desvencilhou. Não sei como, mas quando me dei conta, ela já havia me arrastado pelo braço até a porta de sua casa e tentava me empurrar porta afora:
- Pelo menos, pensa a respeito… - Pedi novamente.
- Tá, tá, eu penso, mas agora sai!
- Posso só te dar um beijo de boa noite?
- Hoje não! - Disse e fechou o portão na minha cara, voltando para dentro de sua casa.
Aquilo até me surpreendeu, e negativamente. Não imaginava que ela iria me dar uma “cortada” como aquela. Virei-me e comecei a andar em direção ao meu carro, mas cinco ou seis passos depois, ouço novamente uma voz:
- Gervásio…
Virei-me em sua direção e ganhei um caprichado beijo na boca da Lucinha. Abracei-a para curtir cada instante daquele momento, aliás, por mim, ele não terminaria, nunca:
- Eu vou pensar. Prometo! - Ela falou.
- Ah, Lucinha, a gente podia…
- Não! Por favor, vai embora.
Acabei me resignando e após deixá-la no portão de sua casa, voltei para o hotel em que estava hospedado. No dia seguinte, almoçamos juntos como se nada tivesse quase acontecido na noite anterior, ela não tocou no assunto, nem eu, aliás, os dois pareciam adolescentes assustados que haviam feito arte e não queriam assumir para ninguém, nem mesmo para si mesmos. No final daquele dia, quando eu me despedia deles, não consegui me conter:
- Pensou?
- Por favor… - Ela falou e olhou se não havia ninguém próximo: - Isso não dá para decidir assim. Vou pensar com carinho e depois te falo, mas não me pressiona, Gervásio, por favor…
Voltei meio desolado, meio esperançoso para a capital. Decidi durante o trajeto que o melhor seria deixá-la pensar com calma, a sementinha já havia sido plantada, caberia apenas eu saber regar para colher os frutos oportunamente.
Retomei minha rotina, mas logo na segunda de manhã recebo uma péssima notícia: meu investidor oculto pretendia retirar todo o seu investimento da minha corretora e queria fazer isso rapidamente. Eu não poderia recusar, obviamente, mas também não queria entregar o dinheiro sem ter a chance de convencê-lo do contrário:
- Doutor Sabugosa…
- Por favor, pode me chamar só de Ernestim. - Ele me interrompeu.
- Ok, Ernestim… - Forcei uma entonação amigável: - Eu gostaria de conhecer e tentar convencer o investidor a manter os recursos investidos aqui na Candiru.
- Gervásio, meu querido, não foram essas as ordens que eu recebi.
- Eu entendo, mas não custa nada para o senhor tentar marcar um encontro com o seu cliente, não é mesmo?
Ele me olhou meio contrariado e aproveitei esse momento para pegar uma dose de uísque para mim, com duas pedras de gelo. Ofereci uma dose para ele que também aceitou. Enquanto bebericávamos, mostrei os relatórios de evolução do investimento, tentando convencê-lo a me ajudar, até que, depois da terceira dose, ele se dispôs a ligar. Ladino, não mencionou uma única vez o nome, mas entendi que parecia falar com uma mulher:
- Alô!? É Ernesto Sabugosa quem fala. Boa tarde, como tem passado?
Um breve silêncio, e ele continuou:
- Sim, sim, estou aqui. É que… - Ele fez um silêncio enquanto me olhava e prosseguiu: - Estou conversando com o Gervásio e ele gostaria de marcar uma reunião, apenas para mostrar o resultado dos investimentos e tentar convencê-la de manter os recursos.
Um novo silêncio dele:
- Sim, eu expliquei isso, mas é um pedido dele. Não vi mal algum em te ligar.
Um novo silêncio e aparentemente ninguém falava nada. Acho que a tal investidora estava pensando. Logo, ele começou a reagir como se ouvisse alguma orientação:
- Sim, posso, onde preferir. - Ele me encarou e me perguntou: - Você estaria disponível para um almoço executivo amanhã, Gervásio, por volta das 13:00?
- Hein? Amanhã!? - Perguntei, já olhando minha agenda e concordando: - Sim, pode sim! Só me fala qual restaurante.
- Sim, ele disse que pode. - Ele confirmou e aguardou ela falar alguma coisa: - No Continental? Ok, ok… Às 13:00, ok… Vou falar para ele. Obrigado. Boa tarde.
Desligou a ligação e confirmou o local e horário para mim:
- E como vou saber quem é ela? - Perguntei.
- Quem disse que é “ela”? - Ele me perguntou, curioso e surpreso.
- A forma como você conversou ao celular, deu a entender ser uma mulher, Ernestim…
- Ah… - Ele resmungou, incomodado, mas logo se recompôs: - Fica tranquilo. Eu estarei lá.
Despedimo-nos e terminei meu dia sem nenhuma nova surpresa. No dia seguinte, preparei um belo relatório de resultados para tentar convencer minha investidora a continuar e, no horário combinado, fui até o restaurante Continental que, na época, já não ostentava mais o glamour de outrora, mas ainda assim era muito bem frequentado por empresário, investidores, enfim, a classe média alta paulistana. Na verdade, fui um pouco antes porque não queria correr o risco de me atrasar no trânsito. Ok, ok… Minha ansiedade era tanta que cheguei 30 minutos adiantado.
Apresentei-me à recepcionista que disse ter uma mesa reservada para meu encontro, acompanhando-me até lá, vazia no momento. Pedi um uísque para tentar aliviar minha ansiedade e coisa de 15, não mais que 20 minutos depois, sou interrompido com um suave toque em meus ombros:
- Gervásio…
- Mas… O que você está fazendo aqui!?
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
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