Apresentei-me à recepcionista que disse ter uma mesa reservada para meu encontro, acompanhando-me até lá, vazia no momento. Pedi um uísque para tentar aliviar minha ansiedade e coisa de 15, não mais que 20 minutos depois, sou interrompido com um suave toque em meus ombros:
- Gervásio…
- Mas… O que você está fazendo aqui!?
(CONTINUANDO)
- Ca… Calma, Gervásio, eu posso explicar. - Disse-me Lucinha, surpresa e de olhos arregalados, branca igual uma folha de papel: - Só me dá uma chance.
Eu já havia me levantado da cadeira, tamanha a surpresa, mas respirei fundo e, afinal, eu queria tentar entender o que a Lucinha estava fazendo ali:
- Explicação é o mínimo que eu espero de você, Lucinha. - Falei ainda meio invocado e já voltando a me sentar.
Só então notei a minha grosseria, pois um garçom se adiantou e puxou a cadeira para que ela se sentasse ao meu lado. Erro cometido, paciência. Desculpei-me pela falta de cordialidade e a encarei:
- E então?
- Calma, já vou explicar. - Disse e pediu um drink qualquer para o recepcionista que se adiantou em providenciar, deixando-nos a sós: - Você está bonito. Gosto tanto quando você se veste assim, bem social, sabia?
- Lúcia Helena, para de me enrolar… Você é a investidora misteriosa? De onde você tirou aquele puta dinheiro, caramba?
Ela ficou tensa de imediato ao me ouvir chamá-la por seu nome composto e parecia não saber por onde começar as explicações. Notei que seu olhar se fixou num ponto atrás de mim, mas imaginei que ela só estivesse tentando organizar suas palavras:
- Boa tarde, Lucinha. Gervásio…
Quando me virei na direção daquela voz, vi a Alícia em pé atrás de mim. Tudo agora já fazia algum sentido e eu, embora não tão surpreso, me virei instintivamente para a Lucinha, sendo grosso:
- Porra! Armou para mim outra vez, Lúcia Helena?
- Por favor, Gê, não armei nada. Deixa a gente explicar.
- Caralho… A gente! Era só o que me faltava…
Ela só acenou positivamente com a cabeça, enquanto eu praticamente bufava, já me sentindo traído novamente pela minha ex-esposa. Respirei fundo, colocando as mãos sobre o rosto, enquanto a Alícia se sentava do meu outro lado:
- Gervásio, querido, se acalme. Tudo tem uma explicação… - Disse Alícia.
Nesse momento, o doutor Sabugosa chegou, todo esbaforido e já foi nos cumprimentando e se sentando à mesa:
- Ernesto, acho que sua presença não será mais necessária... - Alícia disse.
- Mas como? Foi a senhora mesma que me pediu para vir!
- Sim, mas pensei melhor e o assunto aqui já será bastante delicado, e não queremos envolver outras pessoas.
- Mas eu sou advogado e ético, manterei sigilo de tudo o que for conversado.
- Claro que sim, mas a questão aqui transcende o profissional. Realmente eu agradeço que tenha vindo, mas peço que nos deixe a sós.
Ele não gostou nada de ser dispensado. Provavelmente, pensava que iria comer de graça. Depois de resmungar alguma coisa que não consegui entender, ele se levantou, despedindo-se de todos e saiu. Eu ainda estava irado:
- Tá ok! Essa explicação eu quero ouvir. - Falei, olhando para Alícia e depois para a Lucinha: - Quem vai começar?
- Gervásio, eu…
- Só um instante, Lucinha, acho que eu poderia explicar melhor. - Alícia a interrompeu e me encarou: - O dinheiro aplicado na sua corretora é meu e de Lucinha.
- Como assim da Lucinha? - Respondi de imediato e a encarei: - De onde saiu esse dinheiro, porque, que eu saiba, você não tinha nada quando nos divorciamos?
Lucinha que estava branca até aquele momento, pareceu ganhar uma coragem instantânea e me encarou com firmeza:
- Ela me deu. - Disse indicando a Alícia com um meneio de cabeça e depois me encarou: - Quando nós nos divorciamos, eu pensei em te contar que estava grávida, mas fiquei com medo de você rejeitar o bebê, e também não queria que você ficasse comigo só por causa do Gú. Então, como a Alícia mantinha contato quase diário comigo, me apoiando naquele momento, ela se achou na obrigação de me ajudar, ainda mais eu estando grávida.
Olhei para Alícia e ela balançou positivamente a cabeça. Voltei a encarar a Lucinha:
- O dinheiro não é todo meu não! Tem o que ela me deu, visando me ajudar a me estabilizar e garantir um futuro para o Gú, mas o resto é dela.
- Um terço é da Lucinha. - Alícia falou, explicando.
- Porra, Lucinha, você se vendeu!? - Perguntei, irado.
- Gervásio! Por favor, me respeite! - Ela falou em voz alta, chamando a atenção de praticamente todos no local para a gente.
- Gervásio… - Alícia chamou minha atenção e explicou: - Coloque-se no lugar da Lucinha. Recém divorciada, sem trabalho, grávida, voltando para a casa dos pais, praticamente com uma mão na frente e outra atrás. Acha realmente isso justo?
- Ela colheu o que plantou… - Resmunguei, sem medir as palavras.
- Não! Você está equivocado, porque ela não fez nada sozinha: eu e o Roger tivemos uma participação bem ativa em tudo o que aconteceu, até mesmo você, se me lembro bem…
- E bota ativa nisso, né!? - A interrompi, sendo sarcástico, ácido ao extremo, mas rebati: - E eu não tive culpa de nada! Fui o traído. Nem precisa começar com aquele papinho de que eu fui omisso, que eu poderia ter parado tudo a qualquer momento, porque não cola mais: vocês armaram tudo e bem desde antes acontecer aquela maldita recepção. Vocês e somente vocês foram os culpados.
- Está bem, pode ser… - Alícia concordou meio que sem gostar do que ouviu, mas sem perder a pose: - Você pode não acreditar, mas eu e Roger nunca imaginamos que iríamos causar o divórcio de vocês. Nós pensamos que vocês tinham um perfil mais arrojado e que poderiam participar do nosso convívio depois do…
- Alícia, por favor. - A interrompi, chateado com tudo: - Não quero reviver tudo o que aconteceu. Fui traído sim, covardemente, e quero esquecer tudo aquilo. Então, vamos partir para os finalmentes, pode ser?
Ela me encarou chateada com o “cala boca” e prosseguiu:
- Pois bem… Quando vi que vocês iriam se divorciar realmente e depois sabendo que a Lucinha estava grávida, tomei a iniciativa de dar essa… essa… vamos chamar de compensação pelos dissabores causados.
- Caramba, hein? Você me pediu para pagar o frete da sua mudança porque você disse que não tinha dinheiro… - Resmunguei para a Lucinha, me sentindo um idiota.
- Mas naquela época eu realmente não tinha. Só depois que ela me convenceu a aceitar e eu fiz pelo Gú, acredite você ou não.
- Então, por que você aplicou comigo se a intenção era te ajudar a se estabilizar?
- Ué, porque sei da sua competência. Além disso, quando precisava, eu fazia os saques. Só que pouco depois do Gú nascer, eu consegui um emprego em Itu que praticamente bancava todas as nossas despesas, então preferi deixar o dinheiro aplicado e só mexer em eventualidades.
Comecei a balançar negativamente minha cabeça. Eu encarava a Lucinha com ódio no olhar e a Alícia se adiantou, tentando evitar uma piora na discussão:
- Vamos almoçar? Podemos nos acalmar e conversar com calma. Tenho certeza que o Gervásio irá entender que isso foi o melhor para todos e…
- Não! Não mesmo… Estou sem fome. - Rebati e encarei a Lucinha: - Não entendi o porquê do saque agora. Por que isso?
- Na verdade, não seria sacado todo o dinheiro, apenas a parte da Alícia.
Eu encarei a Alícia, cobrando uma justificativa:
- Você pode não acreditar, querido, mas os negócios do Roger andaram desandando. Temos nosso patrimônio ainda, um bom patrimônio, mas ativos líquidos não nos restaram muitos e para piorar, o Roger está com um sério problema de saúde, fazendo um tratamento caríssimo nos Estados Unidos e talvez vá precisar de um transplante. Então, realmente eu preciso resgatar o meu dinheiro.
Eu me recostei na cadeira e, por mais errado que seja, até senti uma certa satisfação em saber que aquele filho da puta estava passando por um cortado. Por algum momento fiquei em silêncio, perdido em meus pensamentos e ambas souberam respeitar o meu momento:
- Por que me contar tudo agora? - Perguntei, olhando para uma e rapidamente para a outra, findando na Lucinha.
- Porque você me pediu para voltarmos. Não digo que aceitei, mas se tivermos chance mesmo de recomeçar, quero que seja tudo às claras, preto no branco, sem nenhuma mentira ou fato oculto.
- E se eu não tivesse feito a proposta…
- Talvez eu nunca contasse ou talvez contasse amanhã, não sei. Não posso falar de hipóteses, prefiro me ater ao concreto.
- Ahamm… - Resmunguei, terminando de tomar o meu uísque.
Elas me olhavam, aguardando minhas reações e elas vieram mais rápido que o esperado, acredito eu, pois eu peguei a minha pasta, levantando-me:
- Amanhã de manhã farei o resgate de seus investimentos e a restituição na conta principal do contrato, Alícia. - E me virei para a Lucinha: - Inclusive, farei também o resgate do seu dinheiro, Lúcia. Você que cuide do que é seu.
- Para, Gervásio, por favor… - Lucinha pediu com olhos arregalados.
Alícia se adiantou, levantando-se e me segurou pela mão, também com olhos arregalados:
- Querido, por favor, sente-se. Precisamos conversar e resolver isso como adultos.
- Mas é o que estou fazendo, como um adulto e profissional do ramo de aplicações financeiras. Agora, se puder soltar a minha mão. - Disse e fiz um meneio em direção a minha mão que ainda era segura por ela.
Ela me soltou e eu saí sem sequer me despedir. Fui até o “valet” e pedi para buscarem o meu carro. Lucinha chegou quase que imediatamente onde eu estava:
- Por favor, a gente tem se dado tão bem. Não é possível que vamos destruir tudo o que conseguimos reconstruir até agora, Gervásio.
- Não reconstruímos nada, dona Lúcia. Amanhã, seu dinheiro estará disponível em sua conta. Fica tranquila.
- Para com isso, Gervásio. Estou tentando ser honesta com você. Volta para a mesa e pergunte o que quiser saber que eu falarei, tudo, qualquer coisa mesmo.
- É!?
- Sim. Eu juro.
Meu carro havia acabado de chegar e uma ideia louca passou pela minha cabeça:
- Ok, então. Entra no carro e vamos para algum outro lugar.
- Mas e a Alícia?
- Ela que se exploda! Quero que ela e aquele filho da puta vão bem para os quintos do inferno.
- Credo, Gervásio…
- É pegar ou largar. Ou sai comigo, ou saio de vez da sua vida, mas só da sua, porque vou continuar vendo o meu filho, dele eu não abro mão.
Ela ficou meio perdida e eu peguei a chave do meu carro, dando a volta e entrando. Logo, a porta do passageiro se abriu e ela entrou, afivelando o cinto:
- Para onde vamos?
- Não vou te sequestrar. Vamos para algum lugar tranquilo e vou te fazer algumas perguntas, prepare-se.
Saí dali e comecei a singrar as avenidas e ruas:
- Posso, pelo menos, avisar a Alícia de que saímos? - Ela me perguntou.
- Faça o que quiser. Não sou seu dono.
Vi que ela pegou seu celular e mandou um simples áudio, explicando que havíamos saído e se desculpando por deixá-la só. Notei também que ela recebeu uma mensagem em resposta, mas não quis saber o conteúdo. Após uns quinze minutos dirigindo como um louco, cheguei em um restaurante simples, mas com uma comida muito boa e que tinha um terraço que, durante o dia, era pouco frequentado, um local ideal para conversarmos. Sentamo-nos e o garçom, que já me conhecia, chegou me cumprimentando amistosamente:
- Eles têm um bife a cavalo com fritas aqui que é espetacular… - Propus para a Lucinha.
- O que você decidir, eu aceito.
Fiz nosso pedido e ele se foi. Ela me olhava curiosa e eu diria até um pouco amedrontada. Decidi ser objetivo e fui a carga:
- Ok… Quantas vezes você se encontrou com eles depois que nos separamos?
- Com eles quem, Roger e Alícia?
- Não, Papa Francisco e Madre Tereza… - Retruquei irado com a obviedade da resposta: - É claro que estou falando daqueles dois crápulas, Lucinha!
- Algumas vezes… - Disse sem convicção e sem me encarar.
- E quantas transou com eles?
- Gervásio, por que isso?
- Você não disse que seria honesta e responderia minhas dúvidas? É sua chance…
O garçom se aproximou com as bebidas e nos calamos. Ela me encarava chateada, mas acredito que também avaliava se seria uma boa mentir ou omitir algo. Enquanto o garçom ali esteve, não trocamos uma palavra sequer, mas assim que ele se afastou:
- E então?
- Eu transei com o Roger mais algumas vezes sim, mas com ela não! Acho que ela não curte mulher ou não quis ficar comigo, sei lá…
- Depois de tudo o que aquele merda fez com a nossa vida, fodendo o nosso casamento, você ainda voltou a ficar com ele… Cara, ele deve ser um animal na cama?… - Resmunguei para mim mesmo.
- Quer que eu responda isso também?
Ela me surpreendeu, porque a pergunta era apenas retórica, um resmungo de mim para mim mesmo. Entretanto, a sua deixa, me deixou curioso e resolvi testá-la:
- Por favor, fique à vontade.
- Ele é sim um amante fora do normal: resistente, habilidoso, charmoso e com uma pegada muito gostosa. Não fosse isso, eu não teria repetido.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
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