Ela me surpreendeu, porque a pergunta era apenas retórica, um resmungo de mim para mim mesmo. Entretanto, a sua deixa, me deixou curioso e resolvi testá-la:
- Por favor, fique à vontade.
- Ele é sim um amante fora do normal: resistente, habilidoso, charmoso e com uma pegada muito gostosa. Não fosse isso, eu não teria repetido.
(CONTINUANDO)
Senti o baque e me calei. Minha decepção com a situação deve ter ficado estampada na minha cara e ela se sentiu na obrigação de se explicar:
- Mas ele não é melhor que você em nada! Com você eu fazia amor e era divino, muito melhor do que com ele, aliás, com ele era só sexo, muito bom também, mas só sexo, não havia a mesma conexão que existia entre a gente.
- E por que você repetiu? Só pelo tesão ou foi para receber aquela indenização? - Falei num tom debochado, fazendo-a se surpreender.
- Você está insinuando que eu dei para ele por dinheiro? Você está me chamando de puta, Gervásio!?
- Ué, naquela maldita recepção você aceitou um colar para dar para ele, não aceitou?
Ela me encarou com olhos arregalados como que não acreditando no que eu havia falado. Sinceramente, depois que eu disse aquilo, nem eu mesmo acreditei que pudesse ser tão baixo. Eu estava prestes a pedir desculpas quando ela se levantou com os olhos marejados:
- Vá à merda, Gervásio, eu não sou uma puta! Eu posso ter errado sim, isso eu confesso. Hoje, eu reconheço que errei muito com você, mas eu nunca me venderia por dinheiro algum. Eu já te falei que o que eu fiz no passado, fiz pensando que poderia se tornar algo legal para a gente, mas fiz do jeito errado. Eu deveria ter me aberto com você desde o começo e incluído você em todas as decisões. Por isso, eu te peço perdão. Só que me vender, eu nunca fiz e nunca farei, para ninguém.
Ela começou a caminhar em direção a escada que dava acesso para a saída do restaurante e me senti mal com a forma que eu coloquei as palavras. Corri atrás dela e a segurei pela mão:
- Por favor, desculpa. Eu acho que ainda tenho alguma mágoa mal resolvida de você e acabei falando uma grande imbecilidade. Me perdoa. Volta para a mesa e vamos tentar nos entender, ok?
Ela me olhou e realmente havia mágoa nos seus olhos, mas não recusou minhas desculpas e retornou para a mesa. Entretanto, um silêncio se instalou porque eu fiquei sem jeito de continuar as perguntas e ela ainda parecia bastante chateada com o que eu havia falado. Não sei quantificar o tempo em que ficamos em silêncio olhando para tudo e todos, menos um para o outro, mas deve ter sido um bom tempo, porque logo nosso pedido chegou.
Fomos servidos e acho que acertei em cheio, porque os olhos dela brilharam com o prato entregue, afinal, um pouco da minha ex-esposa eu tinha que conhecer e sabia que ela adorava aquele tipo de cardápio. Na mesa um baita bife à cavalo, acompanhado de fritas, tutu, farofa de bacon, banana frita, salada de alface com tomate, arroz e feijão. Assim que o garçom se afastou, vi que ela fez um meneio de cabeça como se facilitasse para sentir o aroma e disse um sonoro “Huuummm!”, sorrindo, enfim. Servimo-nos e após as primeiras garfadas, ela elogiou a comida. Decidi deixar a conversa pesada para depois e focar só em comer, aliás, isso e conversar sobre o dia a dia dela e do Gú. Logo, já estávamos dando risadas de algumas peripécias de nosso filho. Terminado o almoço, pedimos um café expresso cada:
- Não vai perguntar mais nada? - Ela começou.
Respirei fundo e temi falar alguma besteira novamente, mas ela insistiu e decidi que seria melhor passar por aquela situação de uma vez por todas:
- Você, assim, é… você… virou uma… tipo, uma amante do Roger?
Ela bebeu um gole de seu café, suspirou e respondeu:
- Não! Bem, acho que não, porque a gente se viu pouquíssimas vezes, acho que umas… sei lá… talvez… olha, certamente não passaram de dez vezes.
- Porra! Dez vezes, hein? - Resmunguei: - Ele deve ser bom no que faz mesmo…
- É, eu já te falei sobre ele, mas se quiser posso ser mais específica.
- Não, não precisa. Você já falou e acho que foi suficiente. Uma pancada já basta para eu entender.
- Pois é… Mas olha só, Gê, isso que aconteceu foi coisa assim de momento, tipo eles ou somente ele vinha me visitar, a gente saía para jantar e depois ia para um motel. Só sexo mesmo. Você sabe que eu gosto de transar e eu estava lá sozinha, desamparada, me sentindo até meio abandonada.
- Abandonada não, né, Lucinha! Nos divorciamos porque você me traiu e não foi só a questão do sexo, porque a traição, o seu envolvimento com eles, já vinha de tempos.
- Eu sei, Gê, hoje eu sei. Ah, se você soubesse quanto eu já chorei remoendo tudo o que fiz com a gente.
- Tá, é bom saber que hoje você entende. - Falei e tomei um gole do meu café, tendo um “estalo”: - Quando que você transou com ele se você estava grávida?
Ela desviou o olhar e suspirou fundo, mas não se furtou em responder:
- Acho que a primeira vez foi um pouco depois de eu me mudar para Itu e…
- Você transou com ele grávida?
Ela balançou sua cabeça, confirmando e continuou:
- As outras foram… Não havia uma regularidade, era quando eles ou ele vinha me visitar. Depois quando minha barriga cresceu, nós paramos e as visitas eram somente para saber como eu estava, me trazer alguns mimos ou para o Gú, aliás, a Alícia praticamente fez o enxoval dele para mim, sabia? Daí depois que ele nasceu e passou o período do resguardo, fiquei mais algumas vezes com ele. Depois, ele sumiu. Acho que cansou de mim.
Eu a ouvia sem saber como interagir, por isso preferi me calar. Eu não podia criticá-la, afinal, estávamos divorciados, mas saber que ela voltou a se encontrar com o pivô do nosso divórcio, várias vezes, me incomodava demais:
- Inclusive, foi ele que me apresentou o Rick…
- O Rick da Nanda!?
- Não sei! A Fernanda, sua amiga? - Balancei a cabeça afirmativamente, mesmo sem saber se se tratava da mesma pessoa: - Só sei que ele e o Roger eram bastante amigos. Mas por que da Nanda?
- Parece que eles se envolveram em algum momento do passado. Ela se apaixonou por ele, ele por ela e quase acabou com o casamento dela. O negócio lá foi feio mesmo, até o Mark teve que intervir e se não fosse ele, acho que eles não estariam juntos hoje.
- Credo!
- Pois é. E esse Rick… Vocês ficaram muito tempo juntos?
- Ah, como ele acho que durou um ano, mais ou menos. Terminamos pouco antes de eu descobrir a doença do Gú e daí por diante não tive cabeça para mais nada.
- É… Prioridades, né?
- Claro! - Ela disse e surgiu um silêncio estranho que ela própria quebrou: - Eu vou te contar uma coisa que eu sei que você não iria me perguntar, mas preciso que você respire fundo e se controle, ok? Não me julgue, certo, Gê?
- Ai… O que foi que você fez?
- Mais ou menos isso… - Ela disse e tomou um gole de seu café, sem tirar os seus olhos de mim: - Uma vez, eu fiquei com o Rick e o Roger, os dois, juntos. Fizemos um ménage. Foi a coisa mais louca que eu já fiz na vida, Gê, e…
Acabei não prestando mais atenção em nada do que ela falou depois, literalmente me deu um branco. Aquela revelação, por mais estranha que parecesse, não me surpreendia tanto, sabendo da safadeza dela e do nível deplorável de pessoa que era o Roger, seus amigos não deveriam ser tão diferentes dele:
- Ménage, com os dois? - Respondi no automático.
- Aham…
- Bom, espero que tenha gostado. - Resmunguei, virando o restante do meu café, mais chateado ainda.
- Foi bom sim, sabia? É bastante diferente e eu gostei sim, mas sei lá, ainda achei que ficou faltando algo… Aliás, acho que você deveria experimentar algum dia.
- Eu, você e outro?
Ela se surpreendeu com a proposta e sorriu, parecendo ter gostado de saber que eu cogitei envolvê-la, mas explicou:
- Ué, estando todos de acordo, poderia ser, mas eu havia pensado em você e duas mulheres, mas eu topo de qualquer jeito. - Disse e riu de uma forma leve e descontraída com a brincadeira que ela própria fizera.
Acabei sorrindo, mas o meu deve ter saído falso e amarelo. Eu já estava ficando com medo de fazer outras perguntas e resolvi resumir:
- Tem mais alguma coisa que você queira me contar desse tempo em que ficamos longe um do outro, por mais cabeluda que seja?
Ela parou, pensando e falou:
- Não! Acho que o mais cabeludo que eu fiz foi esse ménage. Tive alguns ficantes antes do meu relacionamento com o Rick, inclusive, fiquei com um ex-namorado de adolescência, o Toninho da farmácia. Você lembra dele, não lembra? Mas fora isso, não fiz mais nada de tãããão assustador, Gervásio. Pode ficar tranquilo.
- Então tá, né…
- E você? Deve ter namorado bastante, não foi? Porque taradinho você sempre foi.
- Sabe que até que não. Tive alguns namoricos, umas transas eventuais, mas nada fora do normal. Nunca fiquei com duas ao mesmo tempo! - Expliquei e sorri.
- Deveria. Pelo menos, uma vez na vida, você deveria. É muito legal. - Disse e sorriu maliciosamente: - No começo a gente não sabe bem o que fazer, porque é pau demais para uma mulher só, mas depois que eu me dei conta de que tinha mais de um buraco, acho que dava até para ter encarado mais um macho.
- Porra! - Resmunguei, sem saber o que falar.
- Ah, deixa disso, Gê. Eu só aproveitei um momento, nada mais. Agora confessa: aposto que você pegou a Fernanda. Uma morenona daquela e ainda liberal…
- Liberal sim, mas como ela mesma faz questão de dizer, vida liberal não é bagunça. Ela sabe o que quer, quem quer e quando quer. E só para matar a sua curiosidade, nunca ficamos juntos, nunca mesmo. Acho que depois do Rick, ela ficou ainda mais seletiva e deixou de sair sozinha. Aliás, quisera Deus que você tivesse conhecido ela antes da Alícia: talvez com a orientação dela e do Mark, tudo poderia ter sido diferente.
- Olha… Gervásio dos Santos cogitando a possibilidade de se tornar liberal. Quem te viu e quem te vê, hein, Gê!? - Disse e riu gostoso novamente, fazendo-me acompanhá-la: - É, mas, infelizmente, agora são águas passadas. Errei, paciência…
Surgiu um silêncio entre nós em que ficamos apenas nos olhando parecendo não saber mais o que falar, até que ela o quebrou:
- E agora, sabendo tudo o que eu te contei, você ainda quer voltar comigo, Gê?
Por mais que eu imaginasse que teria que responder aquela pergunta, naquele momento ela me pegou de surpresa e fiquei sem saber o que responder, mas meu silêncio foi o suficiente para ela:
- Eu já entendi, fica tranquilo. Eu até acredito que você tenha sentimentos por mim, porque eu ainda te amo da mesma forma que antes, mas também sabia que você não conseguiria me aceitar de volta depois de saber tudo o que aconteceu.
- Lucinha, coloque-se no meu lugar. O problema não foi você ter feito sexo, isso eu já imaginava, mas com o Roger!? Poxa, com ele não, né, pô! O cara fodeu a nossa vida, acabou com o nosso casamento, me chantageou no meu antigo emprego, o cara é o filho da puta dos filhos das putas, e você foi ficar logo com ele.
- Eu entendo você. Eu mesma já me peguei pensando nisso e não posso discordar, mas, sei lá, acho que a carência do momento e os hormônios da gravidez, me fizeram fazer o que fiz.
- Então, fez e isso me incomoda. Bom, paciência, né!?
- Fica tranquilo. Não estou te recriminando e sinceramente eu acho que a gente não daria certo, não porque a gente não se ame, mas porque eu gostei desse negócio de poder transar com outros. Acho que se eu decidisse viver com alguém, seria nesse formato, junto, mas com possibilidades para terceiros, entende?
- Casamento aberto?
- É. Acho que se não for assim, eu não conseguiria mais. Prefiro jogar limpo no começo e a pessoa ficar comigo sabendo que eu ficarei com outros, do que trair novamente. - Disse e me piscou um olho, sorrindo: - Relaxa, sei que você não é desses, por isso não daria certo.
Eu não sabia mais o que dizer, mas sabia que ela tinha uma certa razão. Talvez fosse melhor cada um continuar seguindo sua vida e seguirmos como amigos pelo bem do Gustavo. De qualquer forma, pedi um tempo para ela, para poder refletir, e ela disse que já sabia a minha decisão, mas que me esperaria eu “formalizar a sentença”:
- Mas já aviso que se aparecer algum gatinho nesse meio tempo, eu vou dar, ok? - Falou e riu.
- Porra, Lucinha! Você não sossega essa periquita, não?
- Relaxa! Não será chifre, nem estamos casados. - Ela disse, sorriu e me provocou: - Inclusive, se um certo gatinho de terno azul royal tiver um tempinho para mim hoje, quem sabe a gente… assim… né!?
Ficamos em silêncio com ela me encarando e só então me toquei que ela falava de mim. Sem responder a sua insinuação, saímos do restaurante para o meu carro:
- Você poderia me deixar no meu hotel, Gervásio? Vou fazer o meu “check out” e peço um Uber para me levar até a rodoviária…
Simplesmente, peguei o rumo do hotel que ela me indicou, mas ao me aproximar de um motel e como eu havia cancelado a minha agenda da parte da tarde para resolver essa questão da investidora misteriosa, decidi me permitir uma última foda com ela e entrei. Ela arregalou os olhos para mim e riu:
- Gê, eu estou brincando. Não falei sério. Vamos… vamos embora, por favor?
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
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