Extra – Fábio
Eu estava entre amigos, foi assim que me senti, os três ocupando aquela masmorra luxuosa parecia que o lugar voltava a ser uma cabine cheia de requinte e cafonice, Pedro diz que não podia usar os presentes de indenização.
Pedro fala que estava desempregado e dois dias antes de entrar no navio, estava com um aviso de despejo por falta de pagamento na pensão onde morava, diz que vender esses objetos ia ajudar a pagar contas enquanto não se empregava, que não conseguiu transferir a viagem pra ninguém, por isso resolveu usar o prêmio do sorteio, mas a cabeça dele era dividida entre o divertido mundo do mar onde ele bebia e se divertia e tinha o melhor sexo que já teve e... Pedro cai no choro e Chico o abraça sentando ao seu lado no sofá.
- Não se comporte como um idiota, Pedro. Para de choro, vamos ficar juntos no desembarque, tudo vai se ajeitar, você vai abrir todos os seus brinquedos novos, eu já estou com vontade de pisar na tela de seu celular antigo, Pedro... Eu ainda não disse que te amo, mas posso dizer que senti saudade do meu preto o dia inteiro, que esse dia não pode acabar sem um beijo seu.
Eles se beijam, os três, um e outro e o terceiro, e era uma confusão erótica e romântica.
- Fábio, você trabalha em quê? – Artur me pergunta e eu digo que era modelo e músico, digo que agora eu fazia traduções e tinha uma editora de livros de poesia – E vai mudar de cidade e cortar o contato com seus vínculos, pessoas como Saulo costumam matar desafetos sem grana. Seu caso, então, na remota possibilidade de ele não se estrepar de verdade...
- A grana dele é da família da mulher dele, os filhos já o queriam fora do comando da transportadora, talvez ele fique com um ou dois postos de gasolina, ele vai sair disso numa boa, mas não vai mais ser o cara da grana, vão abafar todo o escândalo, culpar um inimigo político e pronto, mas grana como ele tinha ele não vai mais ter acesso. Mas vou mudar de cidade, as traduções podem ser feitas em qualquer lugar. Mas...
Chico olha para Artur e diz que por enquanto eu ia ser um hóspede deles, estavam planejando... Artur pergunta se conheço o Recife.
Vamos jantar, chegamos com vinte minutos de atraso, o capitão entra depois de nós, senta em nossa mesa e nós dá uma fama temporária, era como se Roberto Carlos estivesse sentando para comer conosco, jantamos risoto, um bolo de aniversário chega para mim e todos do restaurante batem palmas pelo meu aniversário, ele me dá um abraço quando digo que não completo aniversário fora de outubro, ele diz bem alto que eu estava de parabéns por começar vida nova, todos o aplaudem, meus amigos sentem algo, percebo que o capitão estava me cantando, jogando pesado.
Vamos conhecer a sala de comando, tiramos foto lá, vemos a casa de máquinas, as acomodações da tripulação e ele pergunta se gostaríamos de passear em alguma área fechada do navio, digo que não, digo que queria mesmo era que meus amigos aceitassem terminar a viagem na cabine que o meu ex havia deixado paga, pergunto se era quebrar uma regra do navio, ele diz que sim, mas ele só poderia fazer algo a respeito se alguém o informasse, e ele não sabia de nada. Era um homem bonito, tipo um Charles Dera, meus amigos não sabiam como era o nome de nenhum ator pornô, eles nunca haviam visto um filme gay.
Tomas pergunta se podia nos acompanhar até a minha cabine antes de se recolher, digo que tudo bem, antes de começarmos a caminhada digo que eu estava mexido, que ele era um homem inteligente, sensível, bonito e era meu tipo de homem, homem com porte de homem, mas eu não poderia aceitar isso, eu estava a procura de ficar sozinho. Tomás tem um bigode grisalho.
- Cinquenta anos hoje, eu me aposento em dois meses, eu quero você, eu não quero esperar, mas vou. Se você disser que eu devo nutrir alguma esperança nisso.
Tomás me beija, ele me abraça e me beija o pescoço, pergunta se ainda poderia me levar até minha cabine. Eu digo que sim, mas eu ainda não sabia se meus amigos gostariam de jogar ludo antes de dormir. Mario ri, e eu estava claramente nervoso.
Artur pergunta de onde Tomás era, ele diz que era do Rio, mas agora era de qualquer lugar, queria se estabelecer no nordeste, tinha uma lancha, queria velejar de vez em quando, a aposentadoria pagava bem, outros continuavam, mas ele queria ficar quieto, muita gente nos parava para tirar alguma foto com ele.
Ficamos no luxo daquela cabine, coloquei uns vídeos de uns caras lindos para esses ex héteros que não conheciam nada do mundo gay. Mostrei quais eram os machos tops com quem eles pareciam, Mario e Artur disseram que ambos já haviam feito sexo com outro cara, o segundo para fazer pose de macho fodão na frente da mulher, era muito mais um hétero mandando ver e esculhambando que uma relação entre dois caras, o capitão era outra coisa, ele havia trocado uns beijos com um cara gay e afeminado como eu, disse que lhe parecia o irmão, mostrou o Benjamin Blue sendo arrombado por dois caras e um deles parecia mais com Pedro que com qualquer outra pessoa.
Pedro pergunta ao capitão o que lhe atraia agora, ele disse que ficou viúvo enquanto distraia turistas, não pode acompanhar as horas finais de sua esposa, quando chegou em casa, seus filhos o hostilizaram muito violentamente, isso era o luto, era racional, mas feriu ele que já estava tão profundamente amargurado, as relações não voltaram ao que era antes, ele se fechou à intimidade com os filhos, com a família da falecida e apenas os irmãos dele conseguiam ter um pouco de intimidade, mas o irmão foi assassinado no dia em que ele embarcava para outra temporada, foi a anterior a essa, foi um luto depressivo e por orientação médica ele foi afastado, um enfermeiro trocou uns beijos enquanto ele afundava amargo, agora ele estava voltando, sabia que não queria mais ficar sem o mar, mas era hora de se aposentar e evitar turistas.
Tomás diz que precisava se recolher e cumprimenta formalmente cada um de nós depois de passar seu número pessoal para Pedro e eu, levanta e vai embora. Eu queria pedir para ele ficar, a cara do Charles Dera, eu queria pedir para ele ficar, mas ele não podia competir pelo que eu sinto por Saulo.
