Atenção: aviso de conteúdo sensível.
Gostaria de agradecer a todos os leitores, anônimos ou logados que sempre dedicam um tempinho do seu dia para acompanhar minhas séries. Como sempre acontece, mais uma vez estamos no ranking dos mais lidos. Eu, particularmente, escrevo por prazer, como terapia, apenas para dar vazão a minha imaginação e dividir minhas loucuras com todos vocês. Diferente de alguns, que tem na competição e na soberba o seu Norte, o simples exercício de escrever já me satisfaz e me realiza. Minha parte preferida do site são os comentários e a participação de todos, tornando o meu espaço um local de debate e troca de ideias. Obrigado a todos vocês. Num site de contos amadores, o maior prêmio de um autor é o carinho e o tempo do leitor, não rankings ou números.
Continuando:
Puta que o pariu! O que mais poderia dar errado? É claro que outra mensagem chegou, só que de Vanessa:
“Rafa, você está ocupado? Pode vir aqui em casa? Precisamos falar sobre a Olívia. É importante”.
Puta que o pariu de novo … Desgraça pouca é bobagem. Acho que eu perguntei para Deus: “Será que tem como piorar???” E ele aceitou como um desafio.
Eu nem sabia o que pensar, ainda estava um pouco nauseado pela ressaca. Cumprimentei meu avô com um abraço caloroso e entrei na casa com a minha mochila nas costas.
Tomei um banho para relaxar e aliviar os sintomas da ressaca e depois jantei com meu avô. Uma carninha de panela simples e deliciosa com arroz branco. Conversamos um pouco, falando sobre tudo, mas nada de muito importante. Finalmente respondi a mensagem da Vanessa:
“Estou a caminho. Chego em quinze minutos”.
Me despedi do velho e disse que não tinha a intenção de demorar. Ele me pediu para esperar e foi buscar alguma coisa em seu quarto, voltando em poucos minutos com um pequeno cartão profissional em mãos:
— Não sei quais são os seus planos, mas acho que voltar a trabalhar irá lhe fazer bem. Quando estamos cheios de problemas, ocupar a mente ajuda. Ligue para esse amigo, ele tem uma vaga que pode lhe interessar.
Vistoriei o cartão, conferindo os dados e realmente a empresa em questão era do meu ramo. Uma pequena empresa, é verdade, mas na minha atual situação, até que valia a pena conferir. Agradeci meu avô e me despedi novamente.
Cheguei ao prédio das meninas rapidamente. Estacionei na rua mesmo e me identifiquei na portaria. Eu já estava liberado e subi sem demora. Eu estava tenso, suando de ansiedade no elevador. O que Vanessa tinha para falar comigo? Será que Olívia estava bem?
Bati na porta e logo fui atendido. Vanessa sorriu ao me ver, mas não era aquele sorriso sincero e vibrante. Ela me convidou para entrar:
— Você demorou a responder, achei que não queria falar comigo.
Falei o que estava pensando:
— Se você soubesse como foi o meu dia …
Ela tentou ser gentil:
— Carlos disse que as coisas estão complicadas, mas também disse que você é um cara preparado, que vai tirar de letra toda essa situação.
Agradeci o apoio, mas tentei ser mais direto:
— E então, o que quer falar? Olívia está bem? Aconteceu alguma coisa?
Começando a ficar tensa, Vanessa disse:
— Ela vai me matar, mas eu preciso ser honesta, é para o bem dela …
Caminhando pela sala, de um lado para o outro, roendo as unhas de nervoso, ela finalmente resolveu falar:
— O que a Olívia disse sobre o último namoro dela não é verdade. Acho que ela criou essa história …
Outra porrada da vida, mais uma mentirosa no meu caminho. Lamentando a minha má sorte, interrompi Vanessa:
— Tomá no cu … eu devo ter sido um grande filho da puta na vida passada … eu só atraio as mentirosas e manipuladoras.
Vanessa se zangou comigo:
— Ei, apressado, Olívia não é assim. Espera eu terminar de falar.
Ela me encarou brava:
— Olívia foi traída na última relação. O babaca engravidou outra mulher e a largou. Imagina o que a sua situação não está fazendo com a cabeça dela? Vocês estavam se dando bem e, do nada, outra mulher grávida aparece? Eu sei que é a sua ex, não uma qualquer, mas se coloque no lugar dela, qualquer uma iria desmoronar. Por mais que vocês não tivessem compromisso, ela sonhou, criou fantasias …
Fiquei sem palavras com aquela revelação. Mesmo que não fosse minha intenção, eu acabei machucando a Olívia. Me senti um lixo naquele momento. De todas as péssimas notícias do dia, aquela foi a que fez eu me sentir pior.
Vanessa não tinha terminado:
— Ela está tentando se mostrar forte, mas eu conheço a minha amiga e sei que tudo é fachada. No fundo, ela está sofrendo. Seja honesto comigo: você gosta da Olívia ou foi tudo um passatempo pra você?
Antes que eu respondesse, enquanto eu avaliava o que dizer, Vanessa completou:
— Não quero ser invasiva, mas eu preciso saber a verdade. Olívia vai precisar de carinho, de cuidado, e cabe a mim cuidar dela. Entendendo, eu posso saber qual abordagem usar. Se será a “sai dessa e parte pra outra” ou “ele também gosta de você, só dê a ele tempo para resolver os problemas”.
Queria eu ter mais amigos e amigas iguais a Vanessa. Eu sempre fui muito introspectivo, fechado, quase nunca me abrindo completamente para ninguém. Além do Carlos, que eu sempre vi mais como um irmão, Maitê foi a única pessoa a quem me expus completamente.
Achei que era melhor ser realista, completamente verdadeiro:
— Olívia me faz muito bem. Ela me ajudou a esquecer a dor e os problemas. Eu acredito que, com o tempo, eu poderia vê-la como parceira, investir em uma relação mais oficial, mas …
Vanessa não deixou passar batido:
— Sempre tem o “mas”.
Concluí:
— Mas … eu não posso arrastá-la para os meus problemas. E não é justo pedir que ela me espere. Ela mesmo disse que se for o destino, que se a gente tiver que ficar juntos, as coisas acontecerão naturalmente.
Vanessa começava a ficar impaciente comigo:
— Fala sério, Rafa. Eu acabei de explicar. Tudo que a Olívia disse é da boca pra fora. Ela está sofrendo, passou as últimas noites chorando. Eu ouvi do meu quarto.
Fui mais direto com Vanessa:
— E o que você quer que eu diga? Quer que eu faça promessas que não sei se poderei cumprir? Quer que eu a arraste para o mar de lama que se tornou a minha vida? Só para você saber, minha mãe e o Carlos foram buscar a minha ex e ela está vindo pra cá, morar com a minha mãe. A lorota da vez é que ela foi abusada, mas ao invés de denunciar, gostou do abuso. Acredita nisso? É com isso que eu estou tendo que lidar.
Vanessa me olhava perplexa, até um pouco assustada. Ela disse:
— Eu entendo a sua dúvida, mas abuso é coisa séria. Mesmo que você tenha perdido a confiança na sua ex, não coloque o carro na frente dos bois. Antes de duvidar, certifique-se de que não é verdade. Muitas mulheres, por vergonha, culpa, ou qualquer outro motivo, acabam dizendo isso para se proteger da exposição, do sofrimento, acabam criando uma versão fantasiosa da realidade para se proteger.
Vanessa estava na defensiva. Minhas palavras a atingiram fortemente. Tentei me aproximar, mas ela se afastou, dizendo:
— Eu fui assediada uma vez … no ônibus. Nem foi tão grave, apenas uma encoxada rápida. Eu me senti tão pequena, indefesa, violada ... O desgraçado esfregou o pau duro na minha bunda e assim que as portas se abriram, ele desceu correndo. Eu fiquei tão indignada com aquilo, tão consternada, que não tive forças para gritar ou empurrá-lo. Eu não reagi.
Lágrimas escorriam dos olhos da Vanessa:
— Eu só soube que ele gozou na minha calça, porque uma senhorinha me avisou. Ela me levou até o banheiro de uma padaria e tirou aquela coisa nojenta e criminosa da minha roupa. A minha vergonha de ser exposta foi maior do que a coragem para fazer uma denúncia.
Eu queria dar um abraço carinhoso nela, de conforto, protetor, mas como ela havia se afastado de mim antes, apenas disse:
— Eu sinto muito. Desculpe a minha ignorância. Eu prometo que vou tentar dar a minha ex, a Maitê, um tratamento mais justo e cordial.
Do mesmo jeito que tinha murchado, Vanessa se encheu de vida outra vez:
— E quanto a Olívia? O que vamos fazer?
Precisei confessar:
— A verdade é que eu senti muita falta dela nos últimos dias. Ela me fazia tão bem …
Me encarando com olhos esperançosos, Vanessa decretou:
— Vou seguir a linha do “vamos esperar pra ver”, então. Eu sei que você gosta dela. Pode não ser amor, ainda, mas um dia vai ser.
Vanessa me deu um lindo sorriso e também fez uma confissão:
— Foi tão bom aquele dia, nós quatro juntos … eu amo o seu primo, ele é o meu homem. Mas também, eu amo a minha Olívia, minha amiga irmã. Você veio para nos completar, para nos unir ainda mais. Independente dessa minha safadeza, Olívia merece ser feliz com um homem bom e decente, assim como você é. E de quebra, você ainda leva uma putinha safada como eu, para variar de vez em quando.
Rimos juntos e Vanessa me abraçou, encerrando aquela conversa com um gostoso beijo de língua. Mais carinhoso do que safado.
Eu ainda tinha uma dúvida:
— Cadê a Olívia?
— Tirou uns dias de licença e foi visitar o pai. Ela volta na sexta. Vou ligar para ela daqui a pouco. Quer que eu passe algum recado?
Enquanto pegava o meu celular, disse:
— Não! Eu mesmo vou tentar falar com ela.
Digitei a mensagem:
“Quando voltar a cidade, me avise. Eu gostaria muito de conversar com você. Sinto sua falta”.
Vi que a mensagem foi visualizada quase que imediatamente, mas Olívia não respondeu. Mostrei o celular para Vanessa, que sorriu.
A safada era sem igual:
— Já que está aqui, quer dar uma rapidinha? Podemos tirar umas fotos, fazer um videozinho, e mandar para a Olívia e pro Carlos. O que me diz?
— Você não presta, mulher. Você é deliciosa, mas hoje eu não daria conta desse fogo todo. Estou pra baixo. Quando Carlos voltar, podemos repetir a mesma brincadeira. O que acha?
Com aquele sorriso lindo e safado, Vanessa me beijou novamente:
— Ok! Mas na próxima, você não me escapa.
A provoquei, retribuindo seu beijo tão gostoso:
— E nem tenho a intenção. Acha mesmo que eu negaria fogo duas vezes?
Nós nos despedimos no melhor clima possível. Em poucos minutos, eu estava de volta a casa do meu avô, que passou a ser, por tempo indeterminado, a minha nova residência. Ainda conversei com o velho mais um pouco antes de ir me deitar.
Acordei cedo na manhã seguinte e após fazer minha higiene matinal, antes de sair do quarto, notei que minha mãe tinha mandado mensagem. Antes de ler, liguei para a empresa indicada pelo meu avô. Uma senhora simpática atendeu e eu me apresentei. Ela transferiu a ligação para o amigo do meu avô, o dono da empresa. Após os cumprimentos iniciais, algumas perguntas sobre a minha formação e preferências profissionais, ele me convidou a ir visitar sua empresa.
Ao sair da casa, notei que o carro do Carlos estava na garagem, logo atrás do meu, impedindo minha saída. Como as chaves estavam no aparador próximo a porta de entrada, eu mesmo resolvi o problema.
Me lembrei da mensagem da minha mãe e a li:
“Filhote, já estou de volta. Se não quiser vir em casa, vou respeitar seu desejo, mas nós precisamos conversar. Disse ao papai que vou na hora do almoço, espero que não recuse o meu pedido. Te amo, nos vemos mais tarde”.
O papai na mensagem, obviamente, era ela se referindo ao meu avô, seu pai. É claro que eu jamais iria ficar de pirraça, fazendo birra como uma criança, e deixar de falar com minha mãe por ela ter resolvido ajudar a Maitê.
A conversa com Vanessa me fez entender melhor as coisas. Enquanto dirigia, minha mente trabalhava a mil por hora. Eu agora entendia que abusos não são apenas sexuais como parecia ser o caso da Maitê e da Vanessa. Minha mãe também foi abusada, senão de forma sexual, psicologicamente, no mínimo. Tal qual a Olívia com seu último namorado.
Vinha daí a disposição da dona Celeste em ajudar alguém a quem ela se sentia semelhante. Mesmo que em escalas diferentes, os abusos do meu pai uniam aquelas duas. E Maitê talvez tivesse sequelas ainda mais profundas, de acordo com as desconfianças do Carlos.
Cheguei à empresa e logo fui recebido pelo proprietário, o Sr. Gomes. Um senhor simpático, simples, querido pelos empregados e, aliás, muito parecido com meu avô. O trabalho em si era fácil, consistindo na readequação tecnológica do maquinário para as linhas de produção. Após uma breve negociação, em que ele aceitou a maioria das minhas exigências, fechamos os valores. Já que eu ainda mantinha vínculo empregatício na empresa do meu pai, eu trabalharia como prestador de serviço, uma espécie de terceirizado, recebendo por produtividade. E começando já no dia seguinte.
Na hora do almoço eu estava de volta a casa do meu avô e minha mãe já me esperava. Seu semblante era de preocupação. Carlos já tinha saído e meu avô também decidiu nos deixar a sós. Pelo jeito, o assunto era sério.
Até aquele momento, não recebi nenhuma resposta da Olívia para a mensagem que enviei na noite anterior.
Minha mãe me fez acompanhá-la até a cozinha e enquanto fritava bifes e batata, conversamos sobre assuntos variados, nada muito sério. Enquanto almoçávamos, contei a ela sobre o novo trabalho e meus planos para enfrentar o homem que antes chamava de pai.
Ela estava ansiosa, querendo contar o que descobriu e assim que teve oportunidade, bastante séria, ela me surpreendeu:
— Ontem, enquanto fazíamos a viagem de volta, Maitê se abriu comigo e com o Carlos … é tudo muito grave e eu agora tenho certeza de ter feito a coisa certa.
Antes séria, minha mãe passou a demonstrar uma tristeza profunda. Ela não enrolou:
— Infelizmente, filhote, Maitê cresceu sendo abusada pelo próprio pai …
Ela chorava silenciosamente, tentando prosseguir:
— Ele, pelo menos, está preso pelo que fez. É por isso que a madrasta a odeia tanto.
Eu não tinha a mínima noção do que dizer, apenas deixei que ela continuasse a contar:
— Maitê foi salva por uma tia, que viveu tempo suficiente para que ela se tornasse adulta. Ela só conseguiu se recuperar do que aconteceu por causa do suporte de uma ONG de mulheres que passaram pelo mesmo problema e hoje ajudam garotas como a Maitê. Uma benfeitora, uma mulher generosa, praticamente a adotou, cuidou dela e pagou por sua educação. Assim ela conseguiu passar para cursar medicina.
Eu continuava calado, chocado com aquelas revelações. Meu amor por Maitê tinha se estilhaçado, morria um pouco a cada dia, mas eu sabia que agora ela deveria ser minha responsabilidade, e não da minha mãe. Ainda mais se aquele filho fosse meu.
Minha mãe tinha mais a dizer:
— Essa benfeitora só parou de ajudar a Maitê quando ela o conheceu. Na verdade, quando você a pediu em casamento e a trouxe para morar com você.
Dona Celeste respirou fundo, criando coragem para ser completamente honesta:
— Filhote, sobre as coisas que ela disse no vídeo, sobre o seu pai, eu acredito nela. Eu sei como aquele homem pensa, como ele consegue o quer … não estou falando que você deve voltar correndo para ela, nada disso … É só que, o tipo de amor que vocês tinham é raro, não morre tão facilmente. Será que você é capaz de perdoá-la?
Achei melhor continuar quieto. Eu sentia a tensão no ar, o desejo da minha mãe por uma resposta positiva a sua pergunta. Sinceramente, eu sentia muito mais falta da Olívia no momento do que da Maitê. Pode ser a mágoa, o rancor, pois, independente da trágica vida da Maitê, aquela traição cruel me partiu em um milhão de pedaços. Eu não queria contrariar a minha mãe e muito menos lhe dar esperança. No meu coração, naquele momento, perdoar a Maitê era impossível.
O que não quer dizer que eu seria insensível ao problema tão grave e monstruoso descoberto. Maitê merecia ajuda e eu, além do Carlos e da dona Celeste, iria fornecê-la também.
Finalmente, uma resposta da Olívia:
“Estou na casa do meu pai, volto na sexta-feira. Aviso quando chegar”.
Uma segunda mensagem chegou logo depois:
“Também sinto a sua falta. Chega a doer”.
Sem saber muito o que dizer, feliz por ser respondido, digitei:
“Obrigado por responder. Sei que o momento pode não ser o melhor, mas eu não vou deixar, e nem quero, que você saia da minha vida”.
Só depois que enviei, percebi como minha mensagem poderia ser interpretada. E quer saber? Que se foda! Eu estava com muita saudade daquela morena linda e começava a entender melhor os meus verdadeiros sentimentos.
E como nada é tão ruim que não possa piorar, no meu caso, multiplique esse azar por dez. Carlos me ligou:
— Seu pai entrou em contato. Ele quer conversar. Na verdade, ele quer propor um acordo.
Era só o que faltava.
Continua ...