- Desculpa, Zeca, sou eu.
- Ah, Bernardo...
Ele me olhou desconfiado e saiu da água exibindo seu sorriso de comercial de creme dental.
- Eu gosto de nadar aqui. É calmo e a água é deliciosa.
- É, eu sei, nadava aqui de vez em quando.
- Vai nadar?
- Hoje não, talvez uma outra vez.
Só com meu silêncio e a vermelhidão do meu rosto que ele percebeu que ainda estava pelado e foi se vestir. Ele não parecia ter a menor vergonha em exibir seu corpo para mim.
- Eu queria me desculpar por ontem. Fui mal educado com você.
- Ah, não se preocupe, não foi nada. Você visivelmente estava passando por problemas.
- É...
- Quer conversar sobre eles? - ele me perguntou olhando nos olhos.
- Não, obrigado! Ainda não estou pronto para conversar sobre eles.
Eu não sabia o motivo, mas o Zeca me transmitia confiança. Parecia que podia lhe falar qualquer coisa que ele ouviria passivamente e depois iria me aconselhar, como um irmão mais velho talvez faria.
- Quando estiver pronto, estarei aqui.
- Obrigado!
Sorrimos olhando um para o outro.
- Vamos, sua avó já deve estar servindo o almoço sem nós.
- Verdade; vamos.
Fomos galopando lado a lado até o casarão.
Almoçamos todos juntos e mais tarde me ofereci para ajudá-lo a cuidar dos cavalos. Conversamos sobre futilidades durante toda aquela tarde. E no outro dia, e no outro dia, e no outro...
Ele era uma pessoa maravilhosa. Conversarmos ora sobre futilidades, ora sobre assuntos sérios.
Ele me contou sua história. Tinha 20 anos. Era filho do Jacinto, o capataz da fazenda e estava passando férias com sua família. Morava em Belo Horizonte com os tios, onde cursava comunicação social. Estava explicado de onde vinha sua inteligência. Até me deixou um pouco mais feliz pelo fato de não desperdiçar seu intelecto fazendo trabalho pesado no campo.
Com seu jeito simpático foi me conquistando e me distraindo dos meus problemas. Eu ainda pensava neles, mas apenas quando estava longe do Zeca. Ele não me deixava fica triste perto dele.
Certo dia, estávamos chegando para almoçar quando minha vó já veio com uma notícia que eu não queria escutar.
- Bernardo, o Vítor ligou te procurando.
Meu coração disparou quando ouvi o seu nome. Devo ter dado algum sinal físico de que aquilo me abalou, pois o Zeca me olhou de uma maneira como se começasse a entender tudo.
- É? O que ele queria? - falei abaixando a cabeça.
- Ele queria saber de você. Me disse que você não o chamou para vir junto como das outras vezes; nem mesmo se despediu. Por que você fez isso?
- Ah, vó, decidi vir por impulso, não deu tempo de eu me despedir.
- Mas foi muita indelicadeza sua; depois você faça o favor de ligar para ele.
- Tá certo, depois eu ligo.
Não, eu não ia ligar.
Não faria contato com ele até que meu plano funcionasse e eu tivesse esquecido aquele estranho sentimento por ele. Fiquei calado e cabisbaixo pelo resto da refeição.
Logo depois Zeca me convidou para caminhar com ele e aceitei.
- Então era isso... - ele falou andando despreocupado pelo campo.
- Isso o quê?
- Você veio pra cá fugindo do seu amigo.
- Ló-Lógico que não, eu nunca fugiria dele. - gaguejei.
- Então você veio fugindo do que sente por ele.
Eu olhei para ele assustado e ele correspondeu com um olhar sério e profundo.
- Como assim?
- Eu não posso te obrigar a me contar nada, mas eu deduzi algumas coisas: pelo jeito que você me olha eu percebi que você gosta de meninos também. - corei de vergonha na hora. - Ah, não se envergonhe! É completamente normal na sua idade. Mas continuando, percebi que você gosta de garotos e pelo jeito que você ficou depois de saber da ligação deste Vítor, entendi que você gosta de um garoto em especial. Você veio pra cá fugindo dele.
Eu não sabia o que dizer. Ele com certeza era muito inteligente, conseguiu entender o problema todo com tão poucas pistas. Tive medo de qual seria a reação dele. E se ele contasse para os meus avós? Seria o fim para mim.
- Não se preocupe, eu não vou contar nada pra ninguém. - ele falou entendendo meu silêncio. - Se você não quiser falar sobre isso tudo bem, mas acho que seria melhor desabafar, não?
Eu não aguentei... Era pressão demais. Eu sentia todo o peso do mundo nas minhas costas. Eu precisava contar para alguém tudo que estava se passando comigo.
As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto.
- Eu não estou fugindo de nada. Eu estou tentando esquecer.
- Esquecer o quê? - ele perguntou com uma voz doce.
- O que eu sinto por ele.
- E o que você sente por ele?
- Am... - vacilei por um instante - Amor... Eu acho.
- Se é amor você não pode tentar sufocá-lo. O amor é um sentimento interessante, tem vida própria e é imortal. Pode se transformar em outras coisas como ódio ou amizade, mas morrer nunca.
- E o que eu faço, Zeca? Ele é meu melhor amigo... Eu não posso contar isso pra ele. Ele vai se afastar de mim... E seria muito mais doloroso.
- Mas pelo menos seria definitivo. Não vale a pena sofrer por antecipação.
- E o que eu faço com esse problema?
- Você o enfrenta, como um homem de verdade faz.
Ri de deboche.
- Homem de verdade? Eu sou gay. - constatei triste.
Era a primeira vez que dizia aquilo em voz alta. Me conformei com a ideia.
- Ser gay só interfere na sua sexualidade, não no seu caráter. Você continua sendo homem, e pelo pouco que te conheço, um homem de bem. Agora é hora de demonstrar isso e encarar seu amigo.
- Você acha?
- Tenho certeza.
Eu olhei no fundo dos seus olhos e ele retribuiu com seu lindo sorriso.
- Obrigado, eu precisava desabafar.
- Disponha. Agora vá arrumar suas coisas e despedir dos seus avós, eu te levo para casa de carro.
Voltei para o casarão, arrumei minhas roupas na mochila que havia levado, me despedi dos meus avós e entrei no carro com Zeca.
No caminho ele foi me dando mais conselhos de como agir. Ele me deixou mais confiante para enfrentar meu problema. Eu senti que ali havia ganhado um grande amigo. Um amigo que estaria disposto a me dar as mãos nas horas mais difíceis.
No rádio começou a tocar uma velha música do Milton Nascimento e eu comecei a cantar junto, lembrando dos dias de felicidade na fazenda, seja na infância com Vítor ou na última semana com Zeca.
- Você canta muito bem, devia investir nisso.
- Ah se eu ganhasse um real pra cada vez que ouvisse isso...
Ele riu enquanto parava o carro em frente à minha casa e buzinava. Me virei para ele:
- Obrigado por tudo mais uma vez.
- De nada, nós temos que nos ajudar mesmo...
- Nós quem? Zeca você também é...
Ele me sorriu e respondeu:
- Sua mãe está te esperando, nos vemos na sua próxima visita.
Desci do carro e olhei ele sumir na esquina. Abracei minha mãe e ainda sorrindo feito um bobo com minha descoberta no final daqueles maravilhosos dias na fazenda.
Naquela noite não consegui dormir direito.
Não pela revelação de Zeca... Mas pelo medo crescente de como seria encarar Vítor no dia seguinte.
Eu não podia mais negar o que estava sentindo; não podia mais negar o que eu era.
Eu era gay.
Sentia tesão por outros garotos.
Talvez essa constatação doesse mais do que o medo que eu sentia da reação de Vítor.
Depois de me revirar muito à noite na cama, finalmente os primeiros raios de sol entraram pela janela e eu me levantei. Fui para o banheiro e tomei um banho gelado. O clima estava frio por causa das chuvas do início de janeiro, mas eu precisava esfriar a cabeça.
Saí do chuveiro, me enrolei numa toalha e fui para o meu quarto. Abri o guarda-roupa escolhendo uma roupa qualquer e deixei a toalha escorregar.
- Está com uma bundinha ótima, hein?
O susto foi tão grande que eu caí no chão.
Estava tão imerso nos meus pensamentos que nem percebi Vítor escorado na minha janela quando entrei no quarto.
Sua risada enchia o lugar enquanto eu me recompunha.
- Ah, não te vi. - falei sem graça.
- Tudo bem, tudo bem. Quando chegou de viagem?
- Ontem à noite.
Eu me vestia tímido enquanto seus olhos me examinavam.
A presença dele já fazia meu coração bater acelerado, com o susto então, ele estava a mil.
Pela primeira vez em muitos dias olhei nos seus olhos. Eles se perguntavam o que estava acontecendo comigo, por que eu havia me assustado tanto com ele se aquilo era uma brincadeira comum entre nós dois. Eu o conhecia tão bem que já sabia qual seria sua próxima pergunta.
- Por que você não me chamou para ir junto com você para a fazenda dos seus avós?
- Bom... Eu decidi de repente, não foi nada planejado. - falei sem convicção, mentir não era minha especialidade.
- Isso não é desculpa, mesmo quando você decidia ir de última hora me chamava. Sem contar que você nem deu tchau.
- Desculpa, estava distraído.
- Hum... Desculpado. Mas a gente vai voltar lá qualquer dia, você está me devendo.
- Ok, Vítor, a gente volta antes das férias terminarem.
Eu ri com ele.
Mesmo com todas as dúvidas e temores que eu estava sentindo, um papo descontraído com ele conseguia me deixar mais leve. Eu esquecia de tudo.
Mas aos poucos fui lembrando o motivo da minha viagem repentina.
- E como foram as suas férias por aqui?
- Ótimas! Você não vai acreditar!
Mesmo sabendo o que tinha acontecido para ele estar tão eufórico, eu precisava perguntar e sofrer com a resposta para não estragar o disfarce.
- O que aconteceu?
- Eu beijei a Mariana!
- Sério? Que legal. - falei fingindo entusiasmo.
- Você nem acredita, cara, foi demais!
- Imagino...
- Ai... Cara... Acho que estou apaixonado por ela...
Me virei para ele de repente.
Aquela foi uma facada pela qual eu não esperava. Só quem já passou por isso sabe o quanto é doloroso ouvir que a pessoa amada ama outra.
- M-Mas Vítor... - eu ainda estava atônito. - Como assim apaixonado? Foi só um beijo...
- Ah, sei lá. Na hora do beijo, foi diferente, rolou uma coisa especial. É porque você nunca sentiu isso. Quando eu estou com ela meu coração acelera, meu mundo para... É tudo muito louco!
- É, deve ser porque eu nunca senti isso.
Mas eu sentia.
Sentia exatamente aquilo por aquele idiota sentado na minha frente. As suas palavras foram fazendo crescer em mim a raiva. Raiva dele, da Mariana, de mim, dos meus sentimentos, de tudo e de todos. Eu tremia com a raiva.
- Você está bem, Bernardo?
- Tenho que ir ao banheiro.
Saí apressado sem olhar para ele.
Entrei no banheiro e tranquei a porta. Liguei o chuveiro e me sentei no chão. Eu ainda sentia todo o meu corpo vibrar com aquela raiva. Eu apenas fechei meus olhos e imaginei um mundo diferente.
Eu e Vítor estamos andando de mãos dadas por Morro Velho. Cumprimentamos todos, que nos sorriam amistosamente; até mesmo padre Antônio, conhecido pelo seu mau humor. Nós rimos enquanto caminhamos para a minha casa. Sentamos à mesa com meus pais e os deles, e comemos todos em paz, entre sorrisos. Eles nos olham pedindo para que façamos aquilo, então nós, mesmo um pouco encabulados, trocamos um selinho. Não é um beijo de língua, é apenas um selinho, um beijo corriqueiro e cotidiano, um sinal de carinho.
- Meu filho, você está bem?
Era minha mãe que me chamava do lado de fora do banheiro. As lágrimas já haviam parado e eu apenas apreciava minha breve ilusão de uma vida perfeita.
- Estou sim, mãe.
- O Vítor disse que você tremia muito e veio correndo para o banheiro.
E agora? Olhei rapidamente para os lados e vi a lâmina de barbear do meu pai. Peguei ela e passei de leve no meu dedo. Senti uma dor aguda enquanto o sangue escorria.
- É que eu me machuquei no quarto, mãe. - falei abrindo a porta e lhe mostrando o machucado.
- Menino! Isso pode infeccionar, venha, vamos passar álcool e colocar gelo.
Ela saiu me puxando pela casa com o Vítor atrás. Ele parecia ter ficado preocupado mesmo, mas não me importei. Preocupação era bem pouco perto do que ele me fazia sentir.
Minha mãe limpou a ferida e fez um curativo.
- Pronto, vê se presta mais atenção no que faz; você anda muito distraído.
- Pode deixar, mãe. Vou me cuidar melhor.
- Acho bom.
Ela me olhou como se esperasse que eu falasse algo mais. Ela sentia que alguma coisa estava errada. Eu não podia falar mais nada, eu tinha medo da reação dela. Não aguentaria ver as pessoas que eu amo me virarem as costas por eu ser gay.
- Vamos lá na fazenda, Bernardo! - falou o Vítor.
- Fazer o quê?
- Nada, uai, só ir.
- Vai, meu filho, não fica aqui enfurnado, não.
- Tá certo, vamos lá.
A fazenda ficava um pouco longe, mas nós chegávamos lá até relativamente rápido indo de bicicleta.
Apesar de tudo que ele já havia me dito, eu achei que seria uma boa distração, e estava certo.
Como duas crianças, brincamos o dia todo. Corrida de cavalos, nado na cachoeira, bater papo em cima do pé de manga... Toda vez que ele ia começar a falar da Mariana eu rapidamente mudava de assunto. Foi uma tarde ótima como há muito tempo não passávamos. Mas meu problema com ele ainda não estava resolvido. Resolvi que a melhor tática seria a aproximação sutil.
- Mas você ficou fazendo o quê na fazenda dos seus avós?
- Uai, as mesmas coisas de sempre.
- Mas sozinho?
- Não. Tinha o Zeca, ele é filho do seu Jacinto. Tem 20 anos, está passando férias lá.
- Ah tá...
Vi nesse pequeno diálogo a oportunidade perfeita para colocar meu plano em prática. Decidi testar o Vítor provocando ciúmes nele:
- Nossa, o Zeca é demais. Me fez rir demais, não me divertia daquele jeito há muito tempo.
- Uai, você não se diverte comigo? - ele pareceu incomodado e eu continuei.
- Ah, é diferente... Ele é mais velho, me ajuda com meus problemas. Enfim, não dá pra ficar comparando vocês dois.
- Bom, quero conhecer esse cara tããããããão legal - disse sendo irônico. - Quando vamos para a fazenda dos seus avós?
- Uai, se seus pais deixarem, amanhã mesmo.
- Por mim, está ótimo, a gente passa o dia lá e volta amanhã mesmo.
Nós descemos do pé de manga e ele foi falar com pais dele, que acabaram deixando, afinal, era rotina para nós irmos para lá.
Meus pais estranharam um pouco eu voltar um dia depois de ter vindo embora. Minha mãe mais ainda, mas acabaram concordando.
Meu pai nos levou no outro dia cedo. Meus avós ficaram surpresos com a minha volta, mas não se incomodaram. Eles gostavam de ver a fazenda com gente.
Enquanto Vítor abraçava minha avó, Zeca apareceu na porta da cozinha. Eu cheguei perto dele e lhe dei um caloroso abraço. Ele estranhou um pouco, mas pareceu ter entendido ao ver a cara do meu amigo.
Eu nunca fui uma pessoa que gostava de demonstrar muitas emoções, principalmente em forma de beijos e abraços, por isso o espanto do Vítor com minha recepção ao Zeca. Eu nunca tinha feito nada parecido com ele, mas a ideia era justamente essa, fazer ele, como eu, se sentir preterido.
- Bernardo, de volta tão cedo?
- É, o Vítor, meu amigo, insistiu em vir.
- Que bom, o que você está afim de fazer?
- Que tal a cachoeira?
- Por mim tudo bem, o seu amigo vai?
Vítor se posicionou para responder, mas eu falei primeiro:
- Depois ele encontra a gente por lá. Vamos!
E saí correndo em direção aos cavalos. Ao chegar, antes de montar, Zeca veio me exigindo explicações.
- O que você está fazendo?
- Provocando ciúmes.
- Isso eu percebi, mas por quê?
- Uai, talvez dê certo. Talvez isso faça ele acordar...
- Ai, Bernardo...
- Ah, Zeca, me ajuda, por favor!
- Ok, ok. Mas já vou dizendo que não acho que isso vá dar certo.
- Vai sim, eu tenho fé que vai. - me lembrei do que ele tinha me dito ao me deixar em casa no dia anterior. - Zeca, posso te perguntar uma coisa?
- Claro, manda.
- Você é gay também?
Ele me olhou nos olhos e depois abriu aquele lindo sorriso.
- Sou sim.
- Por que não me disse antes?
- Porque seria muita informação de uma só vez, achei melhor ir preparando o terreno.
- Certo. E como você se descobriu?
- Depois conversamos sobre isso, seu amigo vem aí.
Vítor vinha correndo para onde estávamos e eu não pude deixar de rir da cena.
Mas não podia acabar com o meu plano ainda; tinha que levá-lo adiante. Montei rapidamente no cavalo e saí correndo. Zeca entendeu e fez o mesmo. De longe gritei para o Vítor:
- Pega um cavalo e encontra a gente na cachoeira depois!
Ele fez uma cara que me deu um pouco de dó, mas eu continuei rindo.
Não era um sentimento de vingança, mas de certo revanchismo. Ele estava sentindo o mesmo que eu sentia quando ele falava ou estava com Mariana.
Chegamos à cachoeira, ficamos só de cueca e mergulhamos. Eu e Zeca brincávamos por lá como crianças inconsequentes e sem vergonhas.
- Mas me fala, como você se descobriu?
- Ah, eu sempre soube. Sentia tesão pelos meus amiguinhos de colégio, de rua, e tals.
- Então não foi se apaixonando por ninguém, como eu?
- Não. Nunca me apaixonei.
- Sorte a sua.
- Não fale assim. Um dia nós dois seremos muito bem sucedidos no amor.
- Será?
- Aposto!
Ele jogou água no meu rosto e eu pulei em cima dele. Ele me abraçou forte e mergulhamos juntos. Nossos corpos estavam muito próximos, senti o volume na sua cueca molhada crescer.
Fiquei excitadíssimo e o meu pau também endureceu. Ainda ríamos, sem maldade. Encaramos aquilo como parte da brincadeira.
Vítor chegou e nós tivemos que nos afastar. Ele não pareceu estranhar a nossa brincadeira, apenas fez cara de quem não gostou.
- A água está boa?
- Está ótima, entra...
Ele entrou e ficamos os três nadando. Conversávamos sobre banalidades, mas Vítor não dava muito papo pro Zeca, sempre arranjava uma maneira de cortá-lo. Zeca só ria da situação, ele achava o ciúme de Vítor cômico. Eu achava ótimo, fazia eu me sentir melhor. Mesmo que um pouco forçado, eu estava sendo disputado por aqueles dois, e não existia sensação melhor no mundo.
Saímos da água e vestimos nossas roupas. Brincando, Zeca me carregou nas costas até onde estavam os cavalos. Para ele não devia ser difícil, já que tinha músculos já desenvolvidos e eu ainda era um adolescente franzino. Mesmo não vendo, eu sentia os olhos do Vítor nos queimarem as costas. Ficamos o dia todo naquela brincadeira. Eu estava, realmente, me divertindo como nunca.
No fim da tarde, sentamos todos na cozinha, perto do calor do fogão à lenha, para contarmos histórias enquanto esperamos os biscoitos da vovó assarem. Zeca trouxe seu violão, todos insistiram e eu não tive como negar. Então comecei a cantar.
A cantoria seguiu até meu pai chegar. Eu e Vítor fomos arrumar nossas mochilas no quarto.
- O dia foi bom, né? - perguntei cínico.
- Uhum.
- Não te falei que o Zeca era ótimo?
- Você tinha razão. - ele nem me olhava, ressentido.
- Ele é realmente um grande amigo.
- Por quê?
- Como assim?
- Você mal conhece o cara e já considera ele seu amigo, enquanto eu, que te conhece desde que você nasceu, não recebi nem um pouco de atenção.
Tínhamos chegado aonde eu queria.
- Você está criando caso à toa. Ele é meu amigo, como você.
- Não! Eu sou seu melhor amigo!
- Eu posso ter quantos amigos eu quiser, Vítor!
- Eu não basta para você?
- Não, você tem a Mariana!
Falei sem pensar, naquele momento de raiva. Me arrependi na mesma hora.
- Como assim “eu tenho a Mariana”?
- Nada, esquece. Eu falei bobagem.
- Precisamos conversar sério sobre isso, mas não hoje. Vou descer e te esperar lá embaixo.
Ele desceu as escadas fechando a porta do quarto. Eu quase estraguei todo o disfarce. Eu precisava me controlar mais. Na próxima vez poderia ser fatal.
Desci e estavam todos na sala me esperando, mas avisei que iria me despedir do Zeca primeiro e fui à sua procura. Ele estava no estábulo acabando de fechá-lo.
- Oi. Vim me despedir.
- Seu plano deu certo?
- Não sei ainda, vamos ver como as coisas vão caminhar.
- Boa sorte!
- Tchau...
Estávamos os dois tímidos com aquela situação, mas eu não entendia o motivo. Naquela altura do campeonato já éramos bem íntimos. Nossa despedida estava fria, sem emoção. Me virei para ir embora, mas ele me chamou:
- Bernardo.
- Oi?
- Eu só queria dizer que me diverti muito hoje, mesmo estando fingindo.
- Eu também me diverti muito... Obrigado...
Ele foi se aproximando de mim. Meu coração batia loucamente. Eu sabia o que viria a seguir, mas não tinha medo. Eu estava seguro ao lado dele. De certo modo, eu entendi que ele nunca poderia me machucar. Ele era meu herói. Ele me segurou pela cintura e eu posei minhas mãos nos seus ombros. Ele entendeu como um sinal positivo para continuar. Nossos rostos foram se aproximando. Os lábios se tocaram gentilmente e foram se abrindo. Sua língua foi invadindo minha boca. Era meu primeiro beijo e eu estava no céu. Aos poucos fomos nos afastando e eu pude ver aquele sorriso que eu tanto amava. Mas seu sorriso foi se desfazendo ao olhar longe. Virei os olhos para a mesma direção que ele fitava e senti meu coração parecer parar.
Vítor nos observava, quieto, como um paciente telespectador. Uma vontade enorme de chorar me veio, eu estava em choque.
- Vítor, eu...
- Seu pai está nos esperando no carro. - ele falou se virando e saindo.