Segui com minha vida e, no final da tarde, fui buscar minhas filhas na escola. Decidimos fazer umas compras para fazer um jantar especial para a Nanda no dia seguinte e o prato escolhido seria um simples, mas deliciosamente suculento, assado de coxas e sobrecoxas de frango, com batatas inglesas, na cerveja. Fomos ao supermercado comprar os ingredientes e trouxemos lanches para nós. Fizemos um piquenique na sala e uma farra bem gostosa. Realmente, nessa noite, a Nanda não ligou, mas eu expliquei para elas o imprevisto e entenderam. Esperava eu que fosse somente isso…[...]
[CONTINUANDO]
- Denise, eu tô indo! - Falei, em meio a muvuca de corpos se esfregando em danças coreografadas de um funk proibidão.
- Ah, Nanda, fica mais um pouco! Tá todo mundo se divertindo. Daqui a pouco a gente vai; eu vou também, aliás, eu preciso ir, pois tenho duas audiências, das boas, amanhã. - Ela falou e se virou para um amigo: - Vai lá, Lucas, dança um pouco com a minha amiga. Ela está quase indo embora…
Nisso veio um moreno alto, bem forte, meio bombado mesmo e começou a se insinuar para mim. Apresentou-se como o aniversariante, fiz o mesmo e me convidou para dançar. Como fazer uma desfeita nessa situação? Aceitei, óbvio! Nunca fui muito fã de funk, mas sei rebolar que é uma beleza, então comecei suavemente, mas logo soltei o freio de mão e passei a acompanhar a velocidade da música, interagindo com ele. Não é que o danado se animou com a morena aqui e depois de um tempo, cochichou no meu ouvido se eu não queria ir para um canto mais tranquilo. Eu, logo eu, surpreendendo até mesmo a mim, mostrei minha aliança de casamento e recusei o convite com um meneio de cabeça:
- Não sou ciumento, Fernanda! - Brincou e piscou um olho.
- Nem meu marido, Lucas. - Falei, sorrindo com um mínimo de malícia.
Ele se surpreendeu e tentou me roubar um beijo, mas o encarei bastante séria e disse um sonoro “não!”:
- Mas você disse que o seu marido não é ciumento!?...
- Isso! Mas hoje eu não estou afim de ficar com ninguém. Desculpa.
“O que é isso, Fernanda Mariana!? Só uma bitocas!”, falei para mim mesma em pensamento, mas meu lado esposa insistiu e bateu o pé. Dançamos mais duas músicas e depois ele saiu à caça de uma outra vítima indefesa:
- Não acredito que você falou não para o Lucas! Ele é tão bonitinho… - Disse Denise para mim, ao pé do ouvido.
- Uai! Falei, num falei? Hoje eu só não tô afim, Denise. Só vim mesmo para te acompanhar, porque, por mim, eu já estaria dormindo “de velha”.
Denise olhou nos meus olhos e depois por sobre cada um de meus ombros para soltar uma:
- Quem é você!? Cadê a minha amiga?
Rimos de sua brincadeira e ela teve a ideia de ligar para o Mark:
- Agora!? Cê só pode estar brincando, né? Ele já deve estar dormindo. Liga pra ele procê vê, liga! Ele vai ficar uma arara com você. Tô só avisando… - Falei.
- Vai nada! Depois faço um boquete nele e ele me perdoa. - Disse ela, rindo, vermelha igual um pimentão, e eu já não sabia se pela piada ou pelos drinks.
Ela pegou o celular, mas antes de discar seu número parou e ficou me encarando em silêncio. Depois, deu uma risada e me juntou pela cintura, fazendo um curto vídeo. Depois começou a teclar como uma louca. Eu a encarava curiosa e ela me mostrou o que digitava. Foram só duas mensagens, mas conforme as enviava, ela me explicava:
- Se ele estiver dormindo, a mensagem não o acordará. Se estiver acordado, vai responder. Quer apostar?
- Ele vai falar que você está liberada. Afinal, a casada aqui sou eu…
Ela fez uma carinha invocada para mim, mas já deu um sorriso em seguida:
- Eu só não sou a “esposa” dele também porque vocês não querem. Por mim, a gente já estaria até morando juntos. - Falou novamente ao meu ouvido, dando-me um abraço na cintura.
Mark estava acordado mesmo e respondeu quase que imediatamente, liberando-nos, mas pedindo que a Denise me vigiasse, logo ela que estava mais bêbada que eu! Denise começou a rir igual uma boba, gargalhando mesmo, das mensagens dele que, sinceramente, não vi graça alguma. Peguei seu celular e retornei uma mensagem, fingindo estar chateada pela sua aparente desconfiança em mim. Ele nem me deu bola e isso me fez ligar para ele, mas o som da balada não ajudava e eu não conseguia ouvi-lo, nem ele a mim, porque ele desligou e enviou duas mensagens na sequência, dizendo que confiava em mim, com ressalvas, e me lembrando das minhas obrigações profissionais do dia seguinte. Mandei outra pedindo que me esperasse e devolvi o celular da Denise para ela, dizendo que iria ao banheiro. Ela me pegou pelo braço e foi comigo.
Chegando ao banheiro, após esperar a tradicional filinha feminina, entrei num reservado e fiz uma chamada de vídeo para ele que me atendeu imediatamente. Agora conseguíamos nos comunicar com certa qualidade. Brincamos um pouco um com o outro sobre a questão da confiança e ele não se furtou em deixar bem claro que confiava, mas não com o Rick, porque quando perguntei se podia ficar com um gatinho que estaria dando em cima de mim, ele foi bastante categórico:
- Dá pra ele! - Falou com um lindo sorriso malicioso.
Comecei a rir de sua cara e expliquei ter ido ali só para não fazer desfeita, já que o aniversariante era amigo da Denise, mas que já estava indo embora, porque o dia seguinte seria bem puxado. Ele ainda insistiu que eu poderia aproveitar, apenas tomando cuidado, mas eu deixei bem claro de quem eu iria me aproveitar e seria dele! Ele riu gostoso de minha brincadeira e nos despedimos, mas não sem antes eu deixar bem claro o que sentia por ele. A cada nova jura de amor, mais ele sorria e isso me enchia o peito de alegria. Se eu estivesse perto dele naquele momento, teríamos tido uma de nossas melhores noites, tenho certeza, mas como não se pode ter tudo, eu teria que me conformar com essa migalha virtual até poder estar em seus braços novamente. Despedimo-nos e saí do meu reservado. Denise retocava o batom e eu a avisei que iria embora:
- Ahhhhh… Mas já? Sério!? Fica só mais um pouquinho?
- Não dá! Vou embora mesmo. Amanhã meu dia será corrido e preciso descansar um pouco.
Ela ainda insistiu um pouco, na verdade, muito, falando e argumentando até chegarmos no grupo de seus amigos novamente, mas recusei mesmo, dizendo que ela poderia ficar que eu pegaria um carro de aplicativo. Um de seus amigos, ouvindo nossa conversa, discordou de mim, dizendo que seria arriscado “uma moça”, no caso eu, usar um carro de aplicativo àquelas horas e disse que nos levaria:
- Não precisa. Fiquem e se divirtam. Vou pedir um Uber Black.
- Hummmm… Tá afim de um negão, hein, safada!? Adorei a ideia! Vamos!? Nós duas! - Disse a Denise.
Nem me dei ao trabalho de lhe responder, porque era visível que a cachaça já saía da estratosfera dela. Inclusive, o seu amigo riu da piada, mas também não comentou nada:
- Insisto! Eu já estava de saída mesmo e não vai me custar nada mais que alguns minutos. - Ele voltou a falar, encerrando a questão.
Aceitei a gentileza e a Denise, apesar de ter tentado me convencer a ficar, também disse que precisava ir e se ofereceu para vir junto. Despedimo-nos de todos e ele nos trouxe, deixando-me primeiro no meu hotel que ficava no caminho até o apartamento da Denise. Despedi-me deles que seguiram o seu caminho. Subi até o meu apartamento e tomei uma ducha relaxante. Depois, deitei-me nua e apaguei.
Bendita a pessoa que inventou o despertador; melhor o que o colocou no celular, porque sem isso, eu não teria acordado. Aliás, acordada era modo de dizer, porque eu só existia: uma dor de cabeça violenta martelava minhas ideias e a única coisa que consegui pensar foi:
- Café… Caféééééé… Preciso de um café!
Vesti uma roupa casual, só uma calça jeans, camiseta e uma sandália de meio salto, amarrei meus cabelos de qualquer jeito, joguei uma água no rosto e fui até o restaurante do hotel. Eu devia estar péssima, porque os olhares eram bem diferentes dos que uma mulher espera receber quando entra num recinto. Eu estava nem aí para eles e fui direto para a mesa do “buffet”, pegando uma grande xícara de chá e quase a enchendo com um cafezinho preto. Só com ela fui me sentar a uma mesa e, após colocar um pouquinho de açúcar, comecei a beber.
Conforme eu bebia, mais a minha dor de cabeça diminuía. Então, intuí que era falta daquele néctar dos deuses a razão de eu estar daquele jeito e não aquela bebedeira da noite anterior. Após a primeira xícara, já respirando aliviada, levantei-me e aí sim, fui me servir. Ignorei os pães de queijo, chateada de nunca encontrar um que prestasse, mas peguei uma boa fatia de um queijo Minas meia cura bem “bonitin mes”, uma fatia de uma goiabada (nunca tinha encontrado isso num hotel de São Paulo e fiquei curiosa!), um pão francês, algumas fatias de presunto e muçarela, além de outra boa xícara de café, voltando para a minha mesa.
Enquanto eu me alimentava, o restaurante enchia mais e mais. Logo faltavam mesas. Estranhei tamanho movimento, mas tratando-se de São Paulo, era possível ser por conta de algum congresso. Dito e feito, pois pouco depois, um rapaz, talvez com a minha idade, se aproximou de mim e perguntou se poderia se sentar por não encontrar uma mesa vazia. Permiti, mesmo porque eu já estava terminando. Ele se sentou e se apresentou em seguida como Luan. Não vou me delongar no diálogo, pois, mesmo sendo ele um médico gatinho, eu tinha que me arrumar e rumar para o meu trabalho. Expliquei minha situação, ele lamentou, mas trocamos contatos, mesmo sem esperança alguma de concretizá-lo algum dia.
Voltei ao meu quarto, arrumei-me para o último dia de reuniões e saí em seguida. Quatro estações de metrô depois e alguns metros de caminhada, eu chegava no escritório da empresa. Novo dia de reuniões maçantes, onde cada diretor teria que explanar suas conclusões sobre o produto. A minha apresentação ficaria para a tarde. Durante o almoço, ficamos sabendo de uma confraternização, na verdade um jantar informal, que seria ofertado para os diretores após a última reunião. Numa brecha, liguei para o Mark:
- As meninas ficarão tristes, mas vão entender.
- Eu sei, mas eu vou tentar dar um jeito de, pelo menos, ligar para dar um “oi” para elas, mas certeza mesmo é de só conseguir falar com você bem tarde de noite.
Trocamos mais algumas palavras e logo ele me cutucou:
- Mas e a noitada, foi boa?
Realmente eu não tinha tempo e só confirmei, dizendo que explicaria tudo mais à noite. Trocamos mais meia dúzia de palavras e encerrei a chamada, pois meu grupo já se organizava para voltar ao escritório. Enquanto trabalhávamos, um sentimento de estar ocultando do Mark o meu encontro com o Rick começou a me incomodar e temi estar traindo novamente a confiança do meu marido, mesmo sabendo que eu não fiz nada de errado. Tive que abstrair esse sentimento e me concentrar no trabalho. Novas reuniões se seguiram, apresentei o meu parecer e por volta das 16:30/17:00, durante um café, liguei novamente para o Mark. Após algumas brincadeiras entre a gente:
- É… Ontem… Então… Ontem, aconteceu uma coisa e eu não sei como você vai reagir quando souber.
Ele fez uma cara… fechou de imediato e ficou sério, mais do que já é normalmente. Fiquei até com medo de confessar o meu encontro com o Rick, mas depois pensei: “Eu não fiz nada de errado; aliás, fiz sim, mas foi muito “do certo”, isso sim!”. Após ele me perguntar do que se tratava e eu responder que havia me reencontrado com o Rick, ele perguntou o que obviamente mais o incomodava: se eu havia ficado com ele. Fiz um certo suspense, mas sabendo que ele já poderia estar sofrendo, expliquei:
- Não, seu bobo! Tivemos uma conversa rápida e eu simplesmente disse que te amava e que não queria mais nada com ele, a não ser a amizade, mas ainda assim respeitando os seus limites. - Daí não aguentei e ri, satisfeita comigo mesma: - E se duvidar de mim, pode perguntar para a Denise, porque ela viu tudo! “Tudin mes”...
Ele pode fingir bem, mas notei que se desarmou na mesma hora em que ouviu a minha confissão, acho até que respirou aliviado. Conversamos mais um pouco e fiz questão de seguir o conselho do doutor Galeano e ressaltar a todo o momento o quanto eu o amava, até que ele me surpreendeu com uma pergunta:
- Ótimo! Só me responda uma coisa: como você está com isso?
Por essa, eu não esperava; sinceramente, não esperava… De tão surpresa, fiquei sem palavras. Acho até que não sabia mesmo o que responder. Um medo de ser honesta demais com ele e com os meus próprios sentimentos, fez com que eu me calasse por um instante longo demais e o silêncio poderia depor contra mim. Preferi abrir o meu coração:
- Por favor, não leve a mal o que vou falar, mas quero ser sincera com você, sempre! Eu não sei! Eu… Feliz, eu não estou. Eu… Ele é legal, Mark, gosto dele, de verdade, eu já te falei isso. Eu gostaria que tivesse sido de outra forma, mas, sei lá… Talvez uma amizade, nem precisaria ser como você e a Denise, mas sermos amigos, termos algum contato. Eu não sei… - Calei-me por um instante, analisando sua reação e tentando organizar as minhas próprias ideias, então falei: - Mas sinceramente? Antes assim! Eu preciso consertar o que quebrei entre a gente e se isso for necessário esse afastamento, essa distância, então que seja.
Mark fez uma expressão estranha, talvez de incredulidade, mas sorriu em seguida, não sei se satisfeito com a minha resposta ou somente para aliviar um pouco a tensão. Conversamos mais um pouco e após algumas brincadeiras, desligamos, pois eu tinha que retornar às minhas atividades. Findada a última reunião com um relatório resumido das conclusões de todos os diretores que seria analisado pela alta cúpula da empresa, saímos do escritório diretamente para o tal restaurante.
Já passava das 20:00 quando lá chegamos. Acabou que ninguém levou seu cônjuge, pois seria apenas uma despedida depois daqueles intensos dias de reuniões. E além da informalidade, foi o jantar mais sem graça de que eu já participei. A comida era ótima, as companhias extremamente inteligentes e agradáveis, o local com uma suave música ambiente também cumpriu bem o seu papel, entretanto, eu estava meio deslocada. Sentia falta do meu marido ao meu lado e não conseguia tirá-lo da cabeça, mas não deixei transparecer. Já passava das 22:00 quando os primeiros diretores começaram a se despedir, já que retornariam para suas cidades no dia seguinte e decidi acompanhá-los:
- Mas Fernanda, a noite é uma criança? Fique para aproveitarmos um pouco mais de sua companhia iluminada. - Brincou o seu Paulo.
Sorri sem qualquer intenção que não fosse ser cordial:
- Seu Paulo, hoje a luminária aqui está meio apagada. Quem sabe numa próxima vez…
- Fique só mais um pouco, querida, insisto. Eu gostaria que você conversasse um pouco com o Juarez aqui. - Disse indicando um senhor com seus talvez cinquenta e poucos anos, sentado na terceira cadeira à sua direita: - Ele foi o último enviado pela empresa para o treinamento na matriz dos Estados Unidos. Talvez ele possa te dar um panorama que a ajude a tomar sua decisão.
Acabei ficando e a conversa foi tão interessante que se estendeu mais do que eu pretendia. Já passava da meia noite quando decidimos ir embora. As experiências vividas pelo Juarez me despertaram a curiosidade e comecei a me imaginar lá no treinamento, mas eu precisava, antes de tomar qualquer decisão, consultar o meu marido e ter a certeza plena de que isso não iria afetar ainda mais o nosso relacionamento, caso contrário eu recusaria.
Seu Paulo ofereceu-me carona que acabei aceitando dada a hora em que saímos do restaurante. Fomos conversando, relembrando as histórias do Juarez e ele insistiu para que eu aceitasse o treinamento. Assim que ele estacionou em frente ao hall do hotel, prometi que ele teria a resposta até o final de semana, sem falta. Ao nos despedirmos, sem querer, seus lábios tocaram o canto da minha boca. Apesar de eu não pretender nada naquele momento, ele tomou aquilo como um sinal verde e me beijou com mais intensidade:
- Fernanda, peço desculpas, mas não consegui me controlar. - Falou assim que nossos lábios se separaram, mas em seguida beijou-me novamente.
Não posso negar que ele beijava bem, talvez fruto de sua maturidade e experiência, ou somente por ser ele um homem bastante homem, como o meu Mark é. Aliás, foi aqui, ao me lembrar do meu marido e de tudo o que ele significa para mim, que tive um “insight” e parei aquela loucura antes que pudesse ser tarde demais:
- Seu, Paulo, eu… eu… Desculpa, mas eu não posso! Eu e o meu marido estamos enfrentando uma fase meio conturbada e… bem… Não posso! Não seria justo com ele…
- Fernanda, eu não sei o que está acontecendo entre vocês e se você não quiser me contar, não haverá problema algum, mas você não acha que seria interessante ter novas experiências, conhecer novas pessoas, até mesmo para ter uma dimensão melhor do que ele ou o seu relacionamento significa para você?
Suas palavras me atingiram em cheio e foi impossível não lembrar do Rick nesse momento. A chateação ficou estampada em meu semblante e ele entendeu que não deveria forçar uma aproximação:
- Peço desculpas… Eu avancei uma linha baseado num sinal muito tênue. Espero que isso não atrapalhe a nossa amizade e o nosso convívio profissional.
- Não, não vai! Fica tranquilo.
Despedimo-nos, enfim, com um simples aperto de mão para não corrermos mais nenhum risco e desci, seguindo para dentro do hotel e de lá para o meu quarto. Passaria aquela noite em claro…
[...]
No dia seguinte, um sábado, logo de manhãzinha, enquanto eu e as meninas ainda tomávamos nosso café, recebi uma chamada de vídeo da Nanda, toda sorridente. Avisava que seus compromissos haviam terminado e que ela logo estaria de volta, devendo chegar pouco depois do almoço. Foi uma algazarra só das meninas enquanto eu ainda tentava ter alguma conversa com a minha onça branca. Não consegui. Bem, pelo menos não até elas se fartarem de conversar com ela. Depois, exigi um minutinho e conversei brevemente com ela. Notei que ela tinha um semblante cansado, talvez preocupado e perguntei se alguma coisa havia acontecido. Ela me respondeu que não, mas não me convenceu de forma alguma. Sei que ela notou e soube, nesse instante, que deveria já vir preparada para termos uma conversa. Por fim, ela me disse o horário aproximado de sua chegada e não pudemos conversar mais nada, já que minhas filhas não saíam de perto de mim. Ciente disso, despedimo-nos e desligamos.
As meninas estavam elétricas e eu precisava comprar alguns temperos que havia esquecido para preparar o assado. Voltamos ao supermercado e eu, naturalmente sem intenção alguma, comprei também duas garrafas de um vinho que a Nanda gosta demais, apenas para não ficarmos de garganta seca.
Quando estávamos saindo do supermercado, cruzamos com minha sogra que convidou e acabou levando as meninas para comprar alguma coisa do interesse delas, avisando que as deixaria em casa mais tarde. Quando eu já estava no carro, retornando, meu celular tocou no sistema “bluetooth” do carro e vi que o doutor Galeano tentava falar comigo. Estranhei o dia e horário, mas o atendi. Após os cumprimentos de praxe, ele foi bastante objetivo:
- Mark, eu gostaria de conversar com você.
- Uai! E não estamos fazendo isso? - Brinquei, rindo e continuei: - Aliás, comigo, por quê? A Nanda andou aprontando?
- Não, não é nada para se preocupar, é que estive pensando e acho que a solução definitiva para a situação que vocês estão vivenciando, talvez vá depender de uma mudança em seu comportamento.
- Também acho que a Nanda precisa mudar algumas coisas, mas…
- Não, não! - Interrompeu-me e explicou: - No seu comportamento.
- No meu!? Como assim?
- Então… Eu não queria falar por telefone para não correr o risco de ser mal interpretado. Será que você poderia vir ao meu consultório na próxima semana?
- Eu ainda não estou entendendo como eu poderia ajudar.
- Mas vai entender, tenho certeza disso. Posso contar com você?
- Só um instante. - Pedi e estacionei para verificar minha agenda de compromissos e, coincidentemente, eu teria que ir mesmo à cidade dele para buscar alguns documentos num cartório para um inventário: - Ok, doutor. Terça-feira, pode ser?
- Só um instante. - Ele me pediu agora e logo retornou: - 15:00?
- Pode ser.
- Combinado então. Venha tranquilo, você é um homem esclarecido e inteligente, e tenho certeza de que entenderá tudo o que irei lhe explicar.
Despedimo-nos e claro, eu estava estranhando tudo aquilo. Cheguei em casa, descarreguei minhas compras e fui ler a receita do assado que faríamos mais tarde. Acho que fui mordido pelo mesmo bichinho que vive mordendo a Nanda, porque a curiosidade começou a me deixar ansioso e acabei ligando para o doutor Galeano, perguntando exatamente o que ele queria comigo:
- Você está sozinho? - Ele me perguntou e eu confirmei: - Posso te fazer uma chamada de vídeo, agora?
Confirmei e desligamos. Segundos depois meu celular tocou e o atendi. Quase que imediatamente o Papai Noel surgiu na tela do meu celular e sorri, lembrando do comentário feito pela Nanda. Ele sorriu de volta e então me cumprimentou. Assim que fiz o mesmo, parti para o ataque, perguntando o que ele queria comigo:
- Mark, eu preferia falar pessoalmente, mas já que você insiste… - Disse e desviou o olhar por um instante, só para retornar ainda mais sério: - Acho que todo esse clima de tensão e desconfiança em que você e a Fernanda vivem hoje pode ser fruto de insegurança da sua parte.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, MAS OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL PODEM NAO SER MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.