É incrível como o tempo passa rápido quando estamos felizes. Quando dei por mim, já estávamos de férias esperando as festas de fim de ano. Infelizmente, Lipe e eu passaríamos o natal e o ano novo separados, cada um viajando com sua família, e isso foi inegociável.
Lógico que nós iríamos nos telefonar, mas não era a mesma coisa. Para aplacar um pouco, resolvemos aproveitar ao máximo nossos últimos dias juntos.
Nosso namoro ia muito bem, obrigado. Estávamos cada vez mais próximos, cada vez mais dependentes um do outro. Continuávamos transando, sempre que possível, na minha casa. No começo revezávamos quem era ativo, quem era passivo, mas percebi que ele ficava incomodado em ser passivo, então fui assumindo essa posição por vontade própria. E eu adorava sentir aquele pau rosadinho e reto entrando em mim. Era bom demais!
Eu passaria as festas com meus avós maternos no Rio de Janeiro. Viajaria com minha mãe e minha tia por volta do dia 20. Felipe também viajaria mais ou menos nessa data, então passamos a semana anterior juntos. Ele dormiu na minha casa quase todos os dias. Confesso que eu ainda tinha um pé atrás com a família dele, por isso evitava dormir lá, e ele mesmo parecia não relaxar quando eu estava por lá.
Ele não me disse nada, mas eu entendi que ele tinha medo que alguém descobrisse de nós. Num domingo, nosso último dia juntos, resolvemos ir ao parque municipal de BH.
O parque municipal fica bem no centro da cidade. Já tinha ido lá com minha mãe; era um lugar com muito verde, pequenos lagos e brinquedos, como num parque de diversões.
Felipe era uma criança que cresceu demais. Ele me convenceu a ir em todos os brinquedos do parque com ele, me fez andar de pedalinho com ele no lago, me fez até tirar foto em cima de um jegue! Eu me fingia de bravo, mas por dentro ria tanto quanto ele, que não procurava disfarçar em nada o quanto a cena era cômica. Ao sairmos, passamos pela feira de artesanato que funciona aos domingos na avenida principal de BH e lanchamos alguma bobagem. Íamos em direção ao ponto de táxi quando ele me parou:
- Ei, a gente podia ir a pé.
- Não está muito longe de casa, não?
- Bom, uns dez quarteirões.
- É uma boa caminhada, hein?
- Ah, mas a minha companhia compensa! - falou convencido.
- Convencido!
- Sou mesmo.
- Cara de pau! - ri divertido. - Ok, ok, vamos a pé, mas só porque eu estou de bom humor.
- E qual a razão para tanto bom humor?
- Ah, é que eu passei uma ótima manhã com um carinha super convencido por quem eu estou apaixonado e que tem uns olhos azuis de enlouquecer...
Ele abriu um sorriso de orelha a orelha.
Ele era muito sensível a declarações de amor, ficava todo bobo.
Tive certeza que ele me beijaria se não estivéssemos cercados de gente.
- Sabia que você é o garoto mais lindo, mais incrível e mais perfeito que existe?
- Aham.
- Quem é o convencido agora?!
Rimos feito bobos enquanto caminhávamos em meio à multidão.
- Você pelo menos sabe chegar em casa? - perguntei.
- Claro, é só seguirmos direto pela rua da Bahia. Depois a gente pega a Gonçalves Dias e pronto.
A rua da Bahia é uma rua bem movimentada que vai do centro de BH até a zona sul, mas como era domingo, estava quase deserta, então pudemos ir andando e conversando mais à vontade.
- No natal, vou te ligar às cinco pra meia-noite, viu? Não seja louco de sair de perto do telefone. - ameaçou Lipe.
- Pode deixar, general, vou ficar de guarda ao lado do telefone. - respondi fazendo sinal de continência.
- E só vou entregar seu presente quando eu voltar.
- Eu também. Vamos ter nosso próprio natal.
Ele sorriu, passou o braço por sobre os meus ombros e falou:
- Queria poder passar o natal com você.
- Eu também, mas não tem jeito mesmo...
- É, eu sei. - falou cabisbaixo.
- Vamos fazer um pacto?
- Que pacto?
- Que custe o que custar esse é o último natal que passamos separados. A partir do ano que vem, estaremos juntos para o resto da vida.
Ele sorriu e vi seus olhos azuis se encherem de lágrimas. Me perdi naquela imensidão da cor do céu.
- Tem como negar? Lógico que eu aceito estar para sempre na sua vida. Mas que esteja bem claro: estaremos juntos não só nos natais, mas também nos réveillons, aniversários, na faculdade...
- Combinado então, para sempre juntos.
- Para sempre juntos.
Ficamos nos olhando intensamente apreciando o momento e tirando uma fotografia mental para nunca esquecermos.
- Que vontade louca que eu estou de te beijar. - ele falou.
- Eu também, mas não dá, né?
- Pois é; Belo Horizonte é um ovo; certamente algum conhecido iria ver.
Senti que era a hora de perguntar para ele aquilo que eu vinha evitado a meses. Engoli o fôlego, tomei coragem e falei:
- Você já pensou em se assumir?
Ele me olhou assustado e vi seu sorriso desaparecer. Ele abaixou a cabeça e continuou a andar.
- Eu não sei, Bernardo.
- Desculpa, eu sei que é um assunto complicado, mas eu tinha que perguntar.
- Eu te entendo, afinal você já é assumido para sua família e fica se perguntando quando eu terei coragem de enfrentar o mundo para ficar de verdade com você.
- Não, não. Não se trata de coragem Lipe. Envolve muito mais coisas como a certeza de que aquilo é definitivo e o desprendimento a tudo que possam a vir falar de você. Eu mesmo não sei se seria capaz de tudo isso. Se me família sabe de mim, não foi porque escolhi lhes contar.
- Ah, Bê, minha família é mais complicada. - falou num suspiro. - Meus avós são conhecidíssimos nas rodas sociais da cidade, meu pai mexe com política e minha mãe vive das aparências, ou seja, uma coisa assim afetaria toda a família de uma maneira definitiva.
- Mas eles são sua família, no final ficarão ao seu lado.
- Minha família é diferente da sua, Bernardo. Não tenha dúvidas que entre a boa aparência e um filho gay, eles ficariam com a primeira opção.
- Lipe, isso não é verdade. Você tem o sangue deles.
- Para eles isso não vale muita coisa. Às vezes eu até me pergunto se sou mesmo daquela família, pois nasci muito diferente deles.
- Como assim? - era a primeira vez que conversávamos mais a fundo sobre a família dele e decidi ir mais além.
- Eles são capazes de qualquer coisa por dinheiro, poder e aparência. Por isso que eu escolher viver de música, ou seja, sem glamuor, dinheiro e boa imagem, é visto por eles como um crime. Para eles a arte se trata de objetos caros de decoração que eles usam como ostentação para os amigos.
- Sério? Seu pai me pareceu uma pessoa tão justa e correta, um senhor respeitável.
Ele deu uma risada sem graça.
- Ele é o pior de todos. Às vezes acho que ele seria capaz de vender a própria mãe se alguém lhe oferecesse alguma quantia razoável por ela.
- Que horror! - ia rir, mas como sua expressão continuava fechada, desconfiei que ele estivesse falando sério mesmo.
- Algumas vezes já peguei meus avós falando que ele casou com a filha deles por interesse. E em contra partida, eles só permitiram por que ele já era conhecido e respeitado nos bastidores da política.
-Nossa...
- Pois é, com isso você já pode imaginar o tipo de ambiente em que eu cresci.
- Lipe...
- Cresci ouvindo que era sempre preciso manter as aparências acima de tudo, por isso me assumir é tão difícil. Você me entende?
Ele se virou pra mim. Ele me contou tudo isso não em tom de tristeza, mas em tom confessional, como se há anos ele procurasse alguém para desabafar.
Sua história não me causou pena, mas sim admiração. Mesmo crescendo com aquela família de valores tão distorcidos, ele era um garoto maravilhoso.
- Claro que te entendo. - falei lhe abraçando de leve. - Prometo esperar o tempo que for preciso. Você vai contar no momento que achar que deve.
- Obrigado. - ele respondeu me abraçando com força.
Estávamos tão entretidos naquele abraço, que não vimos quando um homem de aparência duvidosa nos abordou.
- Tem algum dinheiro pra mim almoçar aí?
Eu e Felipe nos assustamos e nos soltamos na hora.
- N-Não. - gaguejou Lipe.
- Cês tão bem vestido, devem ter algum aí com vocês.
- Não, não temos. - falei firme me enchendo de uma coragem que eu não tenho.
-Cala a boca moleque, vai passando a carteira aí! - falou me apontando um estilete que tinha sacado do bolso.
Fiquei sem ação. Nessas horas o medo toma conta da gente e agimos por impulso. Foi o que aconteceu com Felipe: ele saiu correndo, gritando desesperado. O homem pareceu não ligar e continuou me ameaçando com o estilete. Sem outra opção, acabei entregando minha carteira, que nem tinha muito dinheiro, e ele saiu correndo. Devo ter ficado parado ali por uns dez minutos, digerindo o que tinha acabado de acontecer. Eu tinha acabado de ser assaltado e Felipe tinha fugido desesperado. Ele me deixou sozinho naquela situação. Que tipo de namorado faz aquilo? Decidi me preocupar com isso depois e comecei a procurá-lo, afinal, eu não sabia voltar para casa. Segui na direção que ele correu e acabei o encontrando sentado de cabeça baixa na porta da igreja de Lourdes. Coloquei a mão eu seu ombro e ele pulou assustado. Quando me viu, se levantou rapidamente e me abraçou forte.
- Desculpa, Bernardo, eu não queria ter corrido. - falou chorando muito.
- Tudo bem. - falei tentando lhe consolar. - Eu estou bem, ele não me machucou.
- Eu não devia ter corrido!
- Já passou, vamos para casa.
Seguimos o resto caminho em silêncio, que só era cortado por alguma fungada mais forte dele. Em alguns minutos estávamos na porta do meu prédio. Ficamos parados nos olhando em frente à portaria. Estávamos ambos sem jeito com o ocorrido.
- Não quer subir? - perguntei.
- Melhor não, preciso ir para casa arrumar minha mala.
- Você me liga antes de viajar?
- Claro, claro...
- Bom, então tchau, né?
- Tchau.
Nós trocamos um abraçado desajeitado e cada um seguiu seu caminho. Chegando em casa contei para minha mãe e minha tia tudo o que tinha acontecido. Elas ficaram loucas de preocupação e também desaprovaram o que Felipe fez. Nós três ainda fomos à delegacia prestar queixa por causa dos documentos que estavam na carteira.
Naquela noite não consegui dormir pensando no que tinha acontecido. Acho que o assalto nem me assustou muito porque foi rápido, mas a reação de Felipe me deixou desnorteado. Poxa, ele era meu namorado! Não queria que ele tivesse arriscado a própria vida para me proteger, de jeito nenhum, mas ele podia ter ao menos ficado ao meu lado.
Minutos antes ele jurou estar ao meu lado para sempre, e na primeira oportunidade foge? Que amor é esse? Aliás, que namoro é esse? Não coloquei ele contra a parede na mesma hora porque entendi que aquilo tudo o afetou muito também, mas assim que chegássemos de viagem iríamos ter uma conversa sériaEmbarcamos em um avião para o Rio de Janeiro na manhã de segunda-feira. Esperei por uma ligação dele, que não veio. Não que eu não tenha ficado triste, mas previ aquela reação dele. E para falar a verdade, não sei se eu queria falar com ele naquele momento.
Ficamos hospedados novamente na casa dos meus avós. Reunimos a família toda, menos o filho da tia Marta que estava na Europa, para a ceia do dia vinte e quatro.
Eram ao todo seis irmãos, dos quais apenas minha mãe e minha tia moravam fora do Rio.
Houve muitas perguntas sobre o que tinha acontecido comigo em Morro Velho, o que foi ruim, mas não pior do que a cara de pena que todos faziam quando eu contava.
Tive também que encarar meus primos pela primeira vez desde o ocorrido. Um deles, o Jonas, ficou me encarando a noite toda até vir falar comigo:
- E aí?
- E aí? - odiava começar conversas assim, mas não tínhamos muita intimidade.
- Minha mãe me contou o que aconteceu com você.
- Pois é...
- Quer dizer que você é bicha?
Não precisei nem lhe responder. Na hora meu avô estava passando, ouviu o que ele disse e lhe ameaçou:
- Se você repetir essa palavra na minha casa novamente, eu vou pessoalmente te dar a boa educação que seus pais esqueceram de te ensinar, e lhe garanto que você não vai gostar nem um pouco dos meus métodos.
Meu primo ficou calado o resto da noite.
Depois da ceia, fomos todos para a sala e nos sentamos em volta da árvore de natal para trocarmos os presentes. Eu olhava a todo o momento para o telefone. Não, não fiquei ao lado dele como havia prometido, talvez porque no fundo eu soubesse que ele não ligaria, o que acabou acontecendo.
Sim, fiquei triste com isso e até pensei em ligar, mas algo me deteve. Eu não sei ao certo o que aconteceu, mas hoje penso que nosso amor ficou morno, perdeu o seu fogo. Lógico que eu o amava ainda, mas era como se algo em nós tivesse sido quebrado naquele assalto.
No dia 31, nos reunimos novamente no apartamento dos meus avós em Copacabana, que apesar de não ficar na orla, nos dava uma boa vista da queima de fogos. Quando deu meia-noite, eu estava sozinho com o olhar perdido em direção ao oceano. Pensei em como minha vida tinha mudado tanto em um ano.
Há exatamente um ano, eu estava escondido atrás de uma porta vendo Vítor e Mariana se beijarem, o fato que desencadeou tudo o que veio depois.
Até hoje não sei analisar se foi um ano bom ou ruim, mas com certeza foi um ano necessário, que me ajudou a formar a pessoa que sou hoje. Enquanto as pessoas à minha volta comemoravam a chegada do novo milênio, eu pensava em Felipe. Será que nosso amor iria se transformar em bom dia?
(...)
Voltei para Belo Horizonte por volta do dia dez de janeiro e em nenhum momento conversei com Felipe.
Como eu me sentia? Não sei... Se por um lado meu coração estava apertado de saudade dele, por outro eu temia a hora que nos encontrássemos. Ele e sua família só voltariam da viagem na segunda-feira dia quinze, então resolvi procurá-lo somente quando ele chegasse, afinal, precisávamos resolver nossa situação. Como sempre acontecia nessas horas difíceis, fui desabafar com Zeca na praça de alimentação de um shopping.
- A situação de vocês é complicada... - falou depois de ouvir a história toda.
- Eu sei, eu só queria resolver isso de uma vez. Mas sabe o que falta? - ele balançou a cabeça negativamente. - Vontade. Da minha parte e aparentemente da dele também.
- Eu meio que entendo ele.
- Então me explique, pelo amor de Deus.
- Bom, está bem claro pra você que ele fugiu do assaltante por medo mesmo, certo?
- Sim, é difícil de engolir, mas entendo sim o motivo.
- Então, essa foi a gota d’água para ele.
- Como assim?
- Pelo que você me contou, ele ainda não se aceita totalmente. Apesar de aceitar que é gay, ele mesmo se vê menos homem com isso.
- Não, não. Acredite em mim, pelo que ele faz na cama, não tem vergonha nenhuma em se deitar com outro cara! - falei rindo.
- Será mesmo? Como você disse que ele se comportava depois de ser passivo?
- Tem alguma relação isso?
- Claro! Na cabeça dele, dar a bunda faz dele ainda menos homem.
- Que bobagem!
- Pense em tudo o que acabou de me contar e me diga que não faz sentido nenhum.
Analisando friamente, fazia sentido sim. As ações dele refletiam tudo aquilo que Zeca estava me falando.
- Mas o que isso tem a ver com o assalto?!
- Tudo! Foi o golpe de misericórdia na “masculinidade” dele. Ele, para se sentir melhor, se via como o “homem” da relação, o dever dele era te proteger. Só que ele fez justamente o contrário: em vez de te proteger, correu e te deixou enfrentar o bandido sozinho.
- Mas eu nunca esperei que ele me protegesse! - falei meio exaltado.
- Não? - ele perguntou debochado.
- Não! - respondi enérgico.
- Então porque você se deixou afetar tanto por essa história?
- Porque ele me deixou sozinho lá!
- Sim, você jogou em cima dele a responsabilidade de te defender e ele não correspondeu suas expectativas. Isso fez com que toda essa aura mágica, essa altar em que você o mantinha se desfizesse. Ele deixou de ser o seu super-herói. E ainda por cima ele é bem mais novo que você. São alguns bons meses de diferença e isso conta também. Ele é mais menino que você e tem bem menos experiência para lidar com as coisas da vida.
Fiquei em silêncio analisando tudo aquilo que ouvi. Será isso? Eu esperei demais dele? Eu me coloquei no papel de mais fraco do casal e ele no de mais forte, então uma repentina inversão de papéis derrubou a imagem que um tinha do outro. Era muita informação.
- E como a gente supera isso?
- Não sei... - ele me olhou carinhoso. - Talvez vocês precisem de tempo. Vocês ainda são muito novos para carregarem o peso de um namoro com outro garoto.
- Zeca, - falei com a voz meio embargada - você acha que nós vamos conseguir ficar juntos de novo?
- Não tenho dúvida. Sabe por quê? Porque apesar de tudo vocês se amam.
Engoli o choro. Já estava na hora de crescer e parar de chorar por qualquer motivo. Acariciei as mãos de Zeca discretamente sobre a mesa.
- Obrigado por me ouvir. De novo.
- É pra isso que eu estou aqui. - falou mostrando aquele seu lindo e largo sorriso. - Afinal, sou ou não sou seu amigo?
- O melhor deles.
- Obrigado pelo título, é recíproco.
Eu realmente não sei o que faria sem ele.
Honrava sim o título de meu melhor amigo.
- Falamos de mim e não perguntei nada de você. Como foi seu fim de ano?
- Muito bom, estava com meus pais na fazenda dos seus avós. Eles sentiram muito a sua falta.
- E eu a deles, mas eles sabem que é impraticável eu ir até lá visitá-los. E seus muitos namorados, como vão? - perguntei rindo.
- Eu? Muitos namorados? Nunca! - falou também rindo - Minha filosofia de vida é “sou de todos e ao mesmo tempo de nenhum”.
- Queria conseguir seguir essa sua filosofia.
- Ah, cada um é feliz de um jeito, não tem como comparar. Mas isso me deu uma ideia de como te tirar da fossa.
- Ótimo, no meu estado, tô aceitando qualquer coisa.
- Vem numa boate gay comigo!
- Tá louco? Apesar de tudo, eu ainda tenho namorado e sou menor de idade.
- Uai, você não precisa pegar ninguém, e eu conheço o segurança, ele vai te deixar entrar.
- Ah, Zeca, não sei...
- Vamos, Bernardo, você vai se distrair pelo menos.
- Eu tenho que pensar.
Não demorou mais do que dois dias para ele me convencer. No sábado fomos nós dois para a tal boate.
Para minha mãe dissemos que era a festa de um amigo dele, e mesmo assim ela custou a deixar.
Não gostei de mentir para ela, mas Zeca disse que eu tinha dezesseis, já tinha passado da hora de começar. Com a ajuda dele me arrumei conforme a ocasião pedia: uma calça jeans escura elegante, uma camisa branca com detalhes pratas e um tênis branco muito bonito que ganhei da minha tia. Zeca ainda me convenceu a passar gel e espetar o cabelo. Gostei do que vi no espelho.
O lugar era diferente de qualquer outro que eu já tinha ido. Era escuro, mas tinha muitas luzes roxas e azuis. Homens de todos os tipos desfilavam na minha frente: bonitos, feios, gordos, magros, bombados, afeminados, playboys, loiros, morenos, etc. Meus olhos se perdiam admirando o lugar. Zeca me puxou para o balcão de bebidas e me serviu um refri.
Zeca e eu dançávamos juntos no meio da pista de dança e chamávamos a atenção, não foi um ou dois que nos cantaram, foram muitos, mas meu amigo dispensou todos. Ele disse que a noite seria só nossa.
Uma certa hora me separei dele e fui ao banheiro. Tomei um susto quando esbarrei num garoto forte que pareceu não ter me visto.
- Não olha por onde anda? - perguntou.
- Desculpa, eu... - mas eu conhecia aquele garoto. - Pedro?
- Puta que pariu! - ele falou assustado com a coincidência.
Ele era o meu colega de sala que tinha quase quebrado o meu nariz numa aula de educação física. Não acreditei que encontrei ele numa boate gay; justo ele que adorava pagar de macho alfa e fazia as meninas da escola se derreterem por ele.
- Eu sabia que você era bicha! - me falou. Parecia um pouco alterado por causa da bebida.
- Você não está em condições de falar nada de ninguém aqui.
Ele pareceu analisar a situação. Ele desfez seu tom hostil e me pediu carinhosamente:
- Por favor, cara, não conta pra ninguém.
- Ok, pode deixar, não faz muito meu estilo fofocar mesmo. Seu segredo está a salvo comigo. Boa diversão.
Deixei ele lá parado me olhando como bobo e fui ao banheiro. Sem ele ver, ri daquela incrível coincidência. Depois daquilo eu e Zeca não nos demoramos muito mais. Ele ia dormir lá em casa e nos dirigimos para lá.
- E aí, gostou?
- É legal, mas não é muito minha praia. - respondi sinceramente.
- Eu imaginei, você é muito novinho, mas ao menos valeu a tentativa e você se distraiu um pouco.
- É.
No domingo acordei com uma preguiça violenta, mas tirando isso foi um dia tranquilo.
Tranquilo se descontarmos também a minha aflição em ter que encarar o Felipe no dia seguinte.
E como o relógio é nosso pior inimigo, segunda-feira chegou muito rápido. Eu sabia o horário de chegada do voo, então liguei um pouco depois deles chegarem a sua casa. A empregada atendeu e passou para o Felipe.
- Oi. - falei meio receoso.
- Oi. - era impossível distinguir o seu tom de voz.
- Fez boa viagem?
- Sim, e você?
- Também. - decidi ser direto. - Olha, é visível que as coisas entre nós estão estranhas. A gente pode ir em algum lugar conversar?
- Claro, eu estava pensando nisso também. Pode ser às duas da tarde na praça da Liberdade?
- Pode. Até lá, então. - esperei, e sem saber o que mais dizer me despedi - Tchau.
- Tchau.
Foi assim, um telefonema frio, sem saudade, sem beijos no final, sem emoção.
Almocei com minha mãe e fui ao encontro dele. Eu ainda estava meio receoso de andar pela cidade sozinho, mas como era um lugar mais movimentado, não me preocupei muito.
A praça da Liberdade era a sede do governo estadual. Um dos cartões-postais da cidade. Famosa por seus belíssimos jardins, seus imponentes palácios e seu romântico coreto. Sempre gostei muito do lugar.
Às duas da tarde, lá estava eu sentando no coreto abraçando meus joelhos. Eu pensei muito no meu namoro com Felipe. Como seria agora? Conseguiríamos seguir em frente, precisaríamos de um tempo sozinhos ou seria o fim definitivo? Sem dúvidas ele foi o que de melhor me aconteceu no último ano, mas como disse Zeca, nossa lua de- el acabou.
Será que eu e ele já estávamos prontos para um relacionamento sério, onde se tem que conviver com os defeitos do outro, ou ainda somos jovens demais?
Alguém fez sombra sobre mim, olhei para cima e vi Lipe. Ele estava tão lindo quanto na última vez que eu o vi, mas estava visivelmente mais abatido. Eu imagino que estava do mesmo jeito, afinal, estávamos passando pela a mesma coisa.
- Oi... - falou tímido se sentando ao meu lado.
- Oi. - respondi sem jeito, mas resolvi ir direto ao assunto. - Acho que precisamos resolver nossa situação.
- É... - falou abaixando a cabeça - Como ficamos?
Não respondi. Não sabia responder. Mas alguém tinha que ter a coragem para enfrentar o assunto, e, sem maldade, estava bem claro que não seria ele.
- Acho... - comecei. - Acho que precisamos de um tempo.
Ele me olhou assustado.
- Você está terminando comigo? - perguntou com os olhos cheios de lágrimas, o que fez meus olhos também ficarem do mesmo jeito.
- Lipe, eu te amo. Te amo muito mais do que eu amei qualquer outra pessoa, mas eu acho que precisamos de um tempo para amadurecermos. Se no primeiro obstáculo estamos assim, como vai ser daqui em diante?
Ele se calou e continuou a encarar o chão. Entendi seu silêncio como uma forma de concordar com tudo o que eu tinha acabado de dizer. Ele olhou fundo nos meus olhos.
- Você sabe que eu sempre vou te amar, né?
- Sei sim. - sorri carinhosamente. - E você sabe que eu também, certo?
- Sei.
- Um dia será que a gente fica junto?
- Sim, não tenho dúvidas. - falei firme. - Nós nos amamos demais para deixar tudo acabar assim. Isso é apenas um passo, um intervalo.
- Eu espero que sim.
- Eu acredito firmemente que sim.
Ele sorriu para mim. Ambos estávamos sem palavras.
- O que eu vou fazer sem você? - ele me perguntou já com a voz embargada.
Naquela hora tudo o que eu mais queria era abraçá-lo, secar suas lágrimas e lhe garantir que tudo ia ficar bem, mas eu não podia. Seria contradizer toda a nossa conversa.
E Zeca estava mesmo com a razão ao dizer que ele é mais inocente que eu para as coisas da vida.
Felipe ainda era muito novinho. Mais que eu.
- Sem mim? Tá louco? - falei me fingindo de bravo. - Eu vou estar sempre ao seu lado, lembra? - perguntei pegando a correntinha que ele me deu no meu aniversário e nunca tirei do pescoço.
Ele pegou a dele e também a alisou.
- Ainda somos amigos, ainda vou estar aqui pra te ajudar a enfrentar qualquer problema que você tiver.
- Promete?
- Juro.
Novamente estávamos sem palavras, silenciados pela emoção.
- Eu não sei qual o meu problema, Bê, mas eu te prometo que não vou descansar até descobri-lo, resolvê-lo e me tornar o namorado que você merece.
- Eu te digo o mesmo, meu amor.
Dito isso, levantei e lhe dei um beijo carinhoso na bochecha. Andei sem pressa para a saída do coreto, mas já com um pé na escada, ele me chamou:
- Bernardo?
- Oi?
- Nos vemos no primeiro dia de aula?
- Nos vemos no primeiro dia de aula.
- Tchau...
- Até mais. - me despedi sorrindo, mas logo que me afastei do seu campo de visão deixei as lágrimas virem.
Caminhei devagar para casa enquanto longe o som de um carro tocava:
"Mudaram as estações
nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Tá tudo assim, tão diferente
Se lembra quando a gente
chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
sem saber
que o pra sempre
sempre acaba."
(Por enquanto – Renato Russo)
Uma palavra que resume o restante das minhas férias? Tédio.
É fato que eu usava Felipe para preencher meus dias e sem ele não sobrou muita coisa. Parece estranho se levarmos em conta que eu morava na terceira maior cidade do país, mas me faltava ânimo para fazer algo diferente. Meio a contragosto, segui o conselho da minha mãe e comecei a praticar natação como forma de distração. Devo confessar que ajudou, eu passava todo o meu tempo livre nadando no Minas Tênis Clube, perto de casa.
Outro motivo que me levou a nadar foi a minha crescente preocupação com aparência. Eu ainda era magro, mas sabe-se lá até quando seria assim, então resolvi já ir me cuidando.
Lógico que eu, um adolescente com hormônios à flor da pele, ficava louco com aquele monte de garotos de corpos bem torneados desfilando nus na minha frente, mas nem passava pela minha cabeça já me envolver seriamente com ninguém. Tudo ainda estava muito recente.