- Parabéns, Bernardo! - falou Beatriz me abraçando e dando um beijo estalado na bochecha. Meu corpo estremeceu com seu toque.
- Obrigado, Beatriz.
- Bia!- corrigiu.
- Não mesmo. É Beatriz o mais correto, pois não quero esse tipo de intimidade com você. - falei tentando me esquivar.
- Parabéns, Bernardo! - falou Felipe me abraçando.
Nosso abraço durou mais do que o normal. Fazia muito tempo que não nos aproximávamos tanto assim. Meu corpo reconheceu seu toque e imediatamente toda a saudade que eu sentia dele voltou com força total. Meu coração acelerou e bateu tão ou mais apressado do que o dele que eu sentia contra meu peito.
- Vamos, amorzinho, deixa o Bernardo receber seus outros convidados. - falou Beatriz puxando Felipe para longe de mim.
Precisei parar para tomar fôlego enquanto eles se afastavam.
Se não estivéssemos num lugar cheio de gente, com certeza teríamos feito merda. Fui recebendo parabéns e presentes de todos os convidados.
No final, até que a festa não tinha sido má ideia. Renata pareceu ler meus pensamentos.
- Sabia que você ia gostar!
- Você é foda! - falei meio bravo, meio rindo.
- Eu sei que você me ama.
- Amo mesmo. - falei a abraçando.
- Parabéns, Bê, que tudo na sua vida só melhore daqui para frente.
- Amém!
Foi uma noite agradável. Todas as pessoas que me queriam bem estavam ali. À meia-noite em ponto, todos cantaram parabéns para mim. Na hora do primeiro pedaço de bolo, dei à minha mãe, pois ela merecia depois do trabalho todo que teve arrumando a festa.
- Obrigada, filho.
- Eu que agradeço pela festa, mãe.
- Faço qualquer coisa por você.
Após todos se servirem de bolo, minha tia subiu num pequeno palco improvisado e pediu a atenção de todos.
- Em homenagem ao nosso querido aniversariante, alguns amigos dele gostariam de cantar algo.
Depois dela falar isso, Felipe e sua banda subiram no palco. Ri como bobo pela homenagem e fiquei olhando encantado enquanto eles arrumavam os instrumentos. Felipe pegou no microfone e falou:
- Essa vai para o meu melhor amigo; uma de suas músicas favoritas.
Nos primeiros acordes reconheci a música e alarguei ainda mais o sorriso.
“Quando o segundo sol chegar
Para realinhar as órbitas dos planetas
Derrubando com assombro exemplar
O que os astrônomos diriam se tratar
De um outro cometa
Quando o segundo sol chegar
Para realinhar as órbitas dos planetas
Derrubando com assombro exemplar
O que os astrônomos diriam se tratar
De um outro cometa
Não digo que não me surpreendi
Antes que eu visse, você disse e eu não pude
acreditar
Mas você pode ter certeza
De que o seu telefone irá tocar
Em sua nova casa que abriga agora a trilha
Incluída nessa minha conversão
Eu só queria te contar
Que eu fui lá fora e vi dois sóis num dia
E a vida que ardia sem explicação
Quando o segundo sol chegar
Para realinhar as órbitas dos planetas
Derrubando com assombro exemplar
O que os astrônomos diriam se tratar
De um outro cometa
Não digo que não me surpreendi
Antes que eu visse, você disse e eu não pude
acreditar
Mas você pode ter certeza
De que o seu telefone irá tocar
Em sua nova casa que abriga agora a trilha
Incluída nessa minha conversão
Eu só queria te contar
Que eu fui lá fora e vi dois sóis num dia
E a vida que ardia sem explicação
Seu telefone irá tocar
Em sua nova casa que abriga agora a trilha
Incluída nessa minha conversão
Eu só queria te contar
Que eu fui lá fora e vi dois sóis num dia
E a vida que ardia sem explicação
Explicação
Não tem explicação
Explicação, não
Não explicação
Explicação,
Não tem, não tem explicação
Explicação
Não tem explicação
Não tem, não tem...”
(Segundo Sol – Nando Reis)
Todos aplaudiram com vontade. Eu sorria emocionado por ele se lembrar de uma das músicas que eu mais gostava. Ele sorriu olhando para mim também e ficamos ali, os dois, presos no nosso mundinho particular curtindo o momento.
A festa continuou animada. Todos pareciam estar se divertindo muito, inclusive eu. Eu dançava com Renata no meio do salão quando sinto alguém me puxando. Fui sendo arrastado entre as pessoas sem ver o rosto do meu raptor. Me jogou dentro de um quarto escuro e fechou a porta.
- Mas o qu...?
Ia protestar, mas minha boca foi calada por lábios aflitos que procuravam os meus. Eu reconheceria aquela boca em qualquer lugar do mundo. Sem me importar com o antes, o depois, ou com os lá de fora, me entreguei ao beijo do meu amor. Seu beijo tinha um gosto diferente da última vez que os beijei há quase um ano. Agora ele tinha gosto de saudade. Eu estava no céu ali, não pensava em mais nada.
- Você é louco? - perguntei quando ele desgrudou nossas bocas.
- Sou, por você!
- Nós não devíamos...
- Eu sei, eu sei, mas eu não estava aguentando.
- Também senti saudade.
Felipe voltou a me beijar, desta vez mais carinhosamente e cheio de amor.
- Gostei da música... - falei tomando fôlego.
- Te deixei caidinho por mim? - ele zombou.
- Ora, não sou tão fácil assim.
- Não?
- Não! - protestei brincando e comecei a cantar baixinho uma outra música:
“Diz pra eu ficar muda faz cara de mistério
Tira essa bermuda que eu quero você sério
Tramas do sucesso mundo particular
Solos de guitarra não vão me conquistar
O que você precisa é de um retoque total
Vou transformar o seu rascunho em arte final
Agora não tem jeito "cê" tá numa cilada
É cada um por si você por mim e mais nada
Uuuuu! Eu quero você como eu quero
Longe do meu domínio "cê" vai de mal a pior
Vem que eu te ensino como ser bem melhor”
(Como eu quero – Leoni/Paula Toller)
Eu não podia vê-lo por causa da pouca luz do lugar, mas sou capaz de afirmar que ele estava sorrindo.
- E aí, eu te deixei caidinho por mim? - perguntei o imitando.
- Sim, completamente.
Falou aquilo e já voltou a me beijar. Devemos ter ficado alguns minutos ali, então voltei à realidade e o afastei.
- Felipe, você sabe que não podemos.
- Eu sei, os motivos ainda estão aí, né? - falou triste.
- É, isso mesmo...
- E além do mais eu tenho namorada.
Minha língua coçou para eu não soltar a história toda, mas me lembrei do conselho de Renata e me calei.
- Agora, Bê, mais do que nunca eu sei o que quero: você. E não vou desistir de nós dois. Vou lutar cada dia para me tornar uma pessoa melhor até ser o namorado que você merece ter.
- Torço para que você consiga.
Ele veio até mim e me deu um selinho. Saíamos do quartinho juntos e depois nos separamos no meio do povo. Renata veio me perguntar onde eu estava e lhe falei que depois contava. Voltei a dançar ainda mais animado dessa vez.
Algum tempo depois, um dos garçons veio até mim e me entregou um bilhetinho. Abri para ler e estava escrito:
“Me encontre no segundo andar do salão, está deserto.”
Imediatamente pensei em Lipe e olhei para os lados o procurando, mas não o achei. Ele já devia estar lá. O que ele queria afinal? Já tínhamos acabado de combinar que ele tinha muito o que fazer antes de voltarmos?
E se eu fosse até lá, eu resistiria a ele?
Como sempre fui uma pessoa muito curiosa, me dirigi ao segundo andar do salão. O lugar era bem amplo, pouco iluminado e tinha um colchão no chão. Senti alguém tapar meus olhos por trás. Ri:
- Você não desiste, né?
Passei minhas mãos sobre as mãos da pessoa que me tocava e senti anéis. Anéis? Me virei e vi Beatriz muito próxima de mim.
- Esperava alguém em especial? - perguntou.
- Beatriz... O que você está fazendo?
- Não é óbvio?
- Você está louca? Eu sou gay! - falei ainda sem conseguir acreditar no que estava acontecendo.
- Hoje vou provar para você o que já te disse: pessoas como nós estão acima das limitações do sexo.
Ela começou a me beijar e sem perceber retribuí.
- Não, não, isso é errado... - falei sem forças.
- Sempre achei o conceito de certo e errado muito subjetivo. - falou voltando a me beijar.
Era incrível a magia na qual ela nos envolvia. Caíamos como presas fáceis na sua teia. Sim, naquela noite eu fiquei com Beatriz. Ela esteve nos meus braços a noite toda, enquanto a pessoa que eu mais queria que estivesse no lugar dela se divertia no andar inferior sem nem mesmo desconfiar daquela dupla traição.
Depois da noite do meu aniversário não consegui olhar mais nos olhos de Felipe. Eu estava morrendo de nojo e vergonha do que eu fiz.
Ele estranhou minha frieza depois daquele nosso momento no quartinho escuro, mas não falou nada.
Devia estar pensando que eu me arrependi.
Beatriz continuava me infernizando.
Encostava em mim de propósito, me dava abraços calorosos e sempre insistia em passar o recreio comigo e Renata. Felipe não desconfiava de nada, estava cego. Talvez se eu estivesse no lugar dele, também ficasse cego para essas coisas.
Quando contei para Renata e Zeca só faltou eles me baterem. Disseram que eu fui burro, fraco, inconsequente, mas eles não conheciam a magia de Beatriz tão de perto quanto eu conhecia.
Vale ressaltar que nunca mais fiquei com Beatriz, mas eu acho que só por ela não ter tentando mais nada, porque se tivesse eu não conseguiria resistir. Ninguém é de ferro perto dela.
O mês foi passando rápido e de repente estávamos na metade de novembro. A escola toda só tinha um assunto: o baile de dezembro. O baile de dezembro era um baile tradicional realizado pelo colégio a cada dois anos no primeiro sábado do mês de dezembro. A inspiração era nos bailes colegiais americanos com toda aquela baboseira de rei e rainha. Seria o meu primeiro e último, já que só passaria mais um ano naquela escola, mas eu não estava nem um pouco animado com ele. Renata me convenceu a ser seu par:
- Eu nem sei se vou, Rê.
- Lógico que vai! E perder o evento escolar do ano? Eu não vou deixar.
- Depois de tudo, não estou com o mínimo ânimo para festas.
- Você também estava assim para sua festa de aniversário e acabou gostando.
- Preciso te lembrar o que aconteceu na minha festa de aniversário?
- Não, obrigada. Mas aquilo não vai acontecer de novo.
- Como você pode ter certeza?
- Ora, a Bia vai estar muito ocupada desempenhando a função de rainha do baile, ou você acha que tem alguma chance de outra menina ganhar?
- Nenhuma.
- Então vamos?
- Vamos, Renata, vamos. - falei me dando por vencido. - Não tem como te fazer desistir mesmo...
- Até que enfim você entendeu isso! - falou rindo.
Eu ainda não sabia, mas aquele baile ficaria gravado na minha memória para sempre como um dos dias mais importantes da minha vida.
Para começar, fui obrigado a aceitar uma função na festa.
- Eu não vou cantar no baile, Raul.
- Muito tarde, já te inscrevi.
- Você não tinha esse direito!
- Claro que tinha, sou o professor de música da escola.
- Não podia ter feito isso sem me falar antes.
- Uai, mas não estou te falando agora?
- Raul!
- Por que esse drama todo? O que pode acontecer de errado?
- Milhões de coisas! Mas o motivo não é esse, eu simplesmente não quero cantar no baile.
- Que bobagem, vai cantar sim.
- Não vou!
- Vai.
- Não vou!
- Vai ou senão te reprovo em artes e te deixo aqui por mais um ano.
- O quê?! - falei desesperado - Você não pode fazer isso!
- Posso sim, quer apostar?
- Quero! E vou comunicar isso na direção do colégio.
- Faça o que quiser, mas você vai cantar e pronto!
- Então vamos ver, Raul! Quem você pensa que é? E se continuar com chantagem para o meu lado, nunca mais, entendeu? Nunca mais dirija a palavra a mim.
Bufei de raiva. Odiava ser obrigado a fazer as coisas. Ele entendeu isso como uma vitória.
- Que bom que está de acordo. Sua função é simples, na hora da dança do rei e da rainha você tem que cantar duas músicas românticas.
- Pois pode esperar pela avacalhação total que vou fazer nessa porcaria!
- A banda do colégio vai tocar com você, mas você precisa decidir as músicas com antecedência.
- Espere sentado e não fale mais comigo
- Ótimo! Me passe o nome das músicas até o fim da semanaMamãe e titia adoraram a novidade quando comentei sobre a situação referente ao baile.
- Luiza, nosso garoto já tá fazendo shows! Vai ser o astro da família.
- Shows? Se você chama cantar duas músicas obrigado e não remunerado de show... - zombei.
- Deixa disso, menino. Esse professor está certo em dar um empurrãozinho ou senão você não sai do lugar.
- Você também está contra mim, tia?!
- Esses adolescentes, sempre criando tempestades em copos d’água. Passam as gerações e eles não mudam.
Resmunguei qualquer coisa sem dar importância ao seu comentário. Mamãe ria da nossa discussão.
- E é uma ótima oportunidade para conhecer seu primo. - continuou tia Marta.
- Que primo?
- Ora, o Bruno, meu filho.
- Ele vai vir?
- Sim, definitivamente enfim. Aceitou um emprego numa grande empresa daqui.
- E eu ocupando o quarto dele...
- Não se preocupe com isso, ele vai ficar num dos apartamentos que o pai passou para o seu nome.
- Não é justo, é no quarto dele que eu estou hospedado.
- Já foi o quarto dele, Bernardo. Ele tem vinte e cinco anos, já passou da idade de ficar morando com a mãe. Criei meu filho para o mundo e não para ficar embaixo da minha asa.
- Mesmo assim... - tentei protestar.
- Assunto encerrado, Bernardo. - me cortou. - Enfim, ele vai chegar algumas horas antes do seu baile, então ele já vai te conhecer no palco.
- Espero causar uma boa impressão. – falei sem a mínima animação. – E aquela porcaria não é o meu baile!
- Com certeza vai; vocês sempre se deram bem. – ela ignorou meu comentário sobre o baile.
- É...
Nem me lembrava bem como era meu primo, fazia anos que não nos víamos. Ele estava na França, onde cursou economia por alguns anos. Nas poucas lembranças que tenho dele, sempre foi um cara legal comigo, vamos ver agora.
Mais rápido do que eu queria, o dia do baile foi chegando.
Eu e a banda ensaiávamos todos os dias exaustivamente sob o comando de Raul. E eu não dirigia a palavra a ele e ele percebeu o quanto havia forçado a barra comigo. Tentou diminuir a dimensão dos fatos, mas eu o deixei falando sozinho. Era nítida a sua preocupação.
Mas por um outro lado foi bom porque me sobrou menos tempo para pensar na minha situação com Felipe e Beatriz.
Apesar de tudo era até bom trabalhar com Raul porque ele exigia o máximo da banda.
Foi com ele que aprendi a sempre exigir o melhor das pessoas que trabalhavam comigo.
Enfim chegou o sábado, dia primeiro de dezembro. Como sempre nestas ocasiões, eu estava nervoso.
É uma das coisas que eu aprendi sobre mim mesmo com o tempo: não importava quantas vezes eu cantasse em quantos lugares fossem, eu sempre sofreria de ansiedade antes.
Descobri também que isso é bom, deixa seus pés firmes no chão. Excesso de autoconfiança pode matar.
A pedido de mamãe, Zeca me levou para a escola durante a tarde para a passagem de som, como é chamado o ensaio final antes de uma apresentação.
Ela e titia iriam buscar Bruno no aeroporto.
- Mas você está um gato! - elogiou Zeca quando entrei no carro.
Eu passei duas horas me arrumando. Estava de smoking completo, com gravata borboleta e tudo. Coloquei meu cabelo, que nem era tão grande, para o lado.
O “gato” foi por conta do Zeca, mas elegante eu estava sim.
Ele estava muito bonito também, com jeans escuro, camisa azul-marinho e blazer preto.
- Você também não está nada mal. Só não vá atacar meus coleguinhas ou te prendem por pedofilia.
- Nem brinca! Minha cota de meninos cheirando leite foi preenchida por você. - falou rindo.
- Que absurdo! - tentei ficar sério, mas acabei rindo também.
O baile iria acontecer no salão principal do colégio, que estava lindo. Tinha sido todo decorado com balões azuis-escuros e roxos, combinando com os forros das mesas. O salão tinha um pequeno palco onde todos os instrumentos já estavam dispostos. Subi e ensaiei por cerca de uma hora as duas músicas.
Zeca observava tudo atento.
- Você tá cantando cada vez melhor. - comentou quando desci do palco.
- Obrigado, são as aulas de canto, eu acho.
- Eu não acho. Para mim são suas habilidades naturais vindo à tona.
- Se você diz...
Como ainda faltava um pouco para todos começarem a chegar, o levei para caminhar pela escola.
Bernardo, Bernardo... lindo desse jeito, quero ver quem te ataca primeiro, Felipe ou Beatriz. - falou rindo da minha cara.
- Isso não tem graça!
- Ou até mesmo Pedro!
- Zeca! - esbravejei.
- Tá bom, já parei, era para ser um elogio.
- Se quer elogiar, se concentre em adjetivos e nada mais.
- Ok, ok. E como anda sua complicada vida amorosa?
- Ainda complicada. Beatriz continua dando em cima, eu continuo a menosprezando com indiferença e me sentindo culpado; e Felipe continua lindo com aquela franjinha loira descendo até aqueles lindos olhos azuis que eu amo de verdade.
- Ai, Bernardo. - falou rindo. - Já pensou em dar uma nova chance a ele?
- Como Zeca? Ele não mudou, vamos cair no mesmo lugar.
- Eu sei, mas já faz quase um ano e ele não mudou. Talvez ele precise de alguém para ajudá-lo nessa mudança.
- Você acha que isso daria certo?
- Eu acho que não dá para piorar. Vocês dois foram feitos para ficarem juntos e enquanto estiverem separados vão continuar cometendo erros. Ele ainda é muito novinho e inocente demais. Você é mais experiente na vida. Bem mais que ele. Ele ainda é um meninomenino lindo! E se meu último erro tiver sido grave demais para simplesmente passarmos em cima? E se ele não me perdoar, com razão, por ter ficado com a Beatriz?
- Bom, você só vai saber se tentar. E aquela história toda que você me pregou de viver cada dia lutando? Não vale a pena lutar pelo seu amor?
- Vale... - respondi ainda sem muita convicção se iria fazer aquilo.
- Então, se eu fosse você, aproveitava a decoração romântica do lugar e sua ótima aparência para se declarar para ele.
- Será?
- Chega de dúvida! Você pensa demais nas consequências de cada ato seu. Comece a agir por impulso!
Zeca estava certo. Esse tempo todo chamando Felipe de covarde e eu também estava sendo ao me recusar a ajudá-lo. Valia a pena lutar por aquele amor porque no fim era a mesma coisa que lutar pela minha felicidade plena.
Talvez Felipe conseguisse mudar sozinho, mas poderia levar a vida toda para isso.
Ele era bem mais novinho que eu e ainda muito sem experiência com as maldades da vida. Coisa que eu já tinha de sobra.
Se eu não quisesse desperdiçar um segundo de nossas vidas, separados, eu devia tomar as rédeas.
Era isso; eu ia me declarar para Felipe naquela noite e implorar para que ele me aceitasse de volta. Só tinha um pequeno obstáculo: a verdade.
Eu não podia recomeçar meu relacionamento com ele escondendo uma coisa dessa natureza, então lhe contar que fiquei com sua namorada deveria ser meu primeiro ato.
O papo com Zeca durou mais do que o esperado e quando notamos já era noite. Voltamos para o salão que já tinha seus primeiros convidados.
Em pouco tempo minha família chegou. Mamãe e titia estavam impecáveis em longos vestidos preto e azul-marinho, respectivamente.
Atrás delas vinha um rapaz de aparência jovem e muito bonito. Bruno tinha cabelos castanhos claros, quase loiros, e olhos cor de mel. Seu nariz e sua boca eram pequenos. Tinha uma barba bem ralinha que lhe dava um ar bem sexy. Mesmo com roupa notava-se que ele tinha um corpo bem legal com cerca de 1,90 de altura.
- Nossa, moleque você cresceu, hein? Da última vez que te vi devia ter uns dez ou onze. - falou me abraçando.
- Pois é, você também cresceu e ficou bonito.
- Obrigado. - falou mostrando um lindo sorriso. - E você deve ser Zeca, certo? Essas duas falaram muito bem de você.
Ele e Zeca trocaram um aperto de mãos.
Eu podia estar ficando louco e vendo coisas demais, mas achei que os olhos dos dois brilharam nesse momento. Eles pareceram se despertar e se soltaram.
- Vamos procurar uma mesa para ficar? - falou Zeca.
- Vamos. - respondemos todos.
- Me disseram que você é um ótimo cantor. - Bruno me falou.
- Esse povo inventa...
- Vovô se derrete em elogios a você ao telefone.
- É só o jeito dele, não faço nada demais. - desconversei.
- Mentira. - falaram tia Marta e Zeca ao mesmo tempo fazendo que nós ríssemos.
- Bom, vamos conferir quando você subir ao palco.
- Se fizer igual ao ensaio vai ser sucesso.
- Olha, Bernardo, Felipe chegou. - comentou mamãe.
Me virei rapidamente e o vi chegando acompanhado de seus pais e o irmão mais novo. Ele estava lindo, mais do que o usual. Seus cabelos estavam com a franja bem reta para baixo, chegando abaixo das sobrancelhas e seus brilhantes olhos azuis combinavam com a camisa de mesmo tom usada embaixo do terno preto. Fiz menção de me levantar para ir até ele, mas Zeca me segurou.
- Deixa o menino chegar primeiro, uai. Não vai querer dizer o que tem para dizer na frente da família dele, né?
Concordei com a cabeça. Me virei novamente para ele que me viu e abriu um sorriso. Sorri também por reflexo.
Aquele momento teria durado para sempre se Beatriz não tivesse aparecido e grudado em seu braço.
Ela estava linda num vestido branco com detalhes prateados e o cabelo ondulado. Atrás dela veio um casal que julguei serem seus pais e cumprimentaram os pais de Felipe.
A vida de Felipe seria bem mais fácil casando com ela, mas só comigo ele seria feliz. Disso eu tinha certeza. Ele mesmo já havia me dito isso várias vezes.
Renata logo chegou e já foi me puxando para a pista de dança. Enquanto o momento não chegava, me permiti divertir um pouco.
Zeca também nos acompanhou. Quando já era quase onze da noite, decidi que já era hora da minha conversa com Lipe.
Procurei ele por todo o canto e só fui encontrá-lo alguns minutos depois dançando com Beatriz.
Fui até eles.
- É chegada a hora de anunciar o rei e a rainha do baile para seu reinado de dois anos. - anunciou a diretora no palco e a multidão gritou entusiasmada.
- Beatriz, quero falar com o Felipe! - gritei para ser ouvido.
- Claro, quando quiser. - me falou com um sorriso malicioso.
Saí puxando Lipe pela multidão.
- E a nossa nova rainha é...
- O que foi, Bernardo? - perguntou Lipe me segurando.
- Beatriz Vieira de Lima! - muitos gritos de “eu já sabia se seguiram”.
- Eu te amo demais. - falei baixinho perto do seu ouvido com os olhos cheio de lágrimas. - E eu quero tentar de novo. Não aguento ficar sem você.
- E agora, o nosso novo rei é...
Felipe sorriu intensamente com olhos também marejados. Ele foi abrir a boca, mas o calei antes.
- Mas antes eu preciso te contar uma coisa...
- Felipe Lopes de Azevedo! - mais gritaria.
- Eu fiquei com Beatriz no dia da minha festa de aniversário. - sussurrei rápido no seu ouvido.
Me afastei e vi seus olhos arregalados. Um nó travou minha garganta e senti uma imensa vontade chorar. Ele abriu a boca para me dizer alguma coisa, mas foi impedido pelos nossos colegas em volta que começaram a gritar:
- Você ganhou, Felipe, você ganhou! Vai lá! - e ele foi sendo arrastado até a frente do palco.
Fiz menção de segui-lo, mas alguém segurou meu braço.
- Onde você estava? Já está na hora! - gritou Raul.
- Me larga! - gritei também.
Mas ele me segurou com força.
Sem opção e sem força, ele me puxou até a portinha que levava à coxia. Lá ele me arrumou, mas notou algo errado pela minha expressão.
- Você está bem?
- Mais ou menos.
- Ainda consegue cantar?
- Sim. - falei pegando o microfone e me dirigindo ao palco. - Afinal, se eu assumi essa droga de compromisso, por chantagem de baixo nível, vou até o fim. E não se dirija a mim, já falei.
E saí de perto dele o deixando falando sozinho todo sem graça.
- E agora, o aluno do segundo ano Bernardo Costa vai cantar uma música para o casal real dançar. - falou a diretora.
Me posicionei no centro do palco enquanto todos me aplaudiam.
Bem à minha frente, mais embaixo, Beatriz e Felipe me olhavam com suas respectivas coroas na cabeça.
Nem sei bem o que senti naquele momento tamanha foi a rapidez dos fatos e a variedade de sensações. Felipe ainda tinha a expressão séria me olhando.
Fechei os olhos tentando apagar tudo aquilo da mente e comecei a cantar aquele lento blues:
“I never knew the charm of spring
I never met it face to face
I never new my heart could sing
I never missed a warm embrace
Felipe e Beatriz dançavam com os rostos bem próximos.
Till April in Paris, chestnuts in blossom
Holiday tables under the trees
April in Paris, this is a feeling
That no one can ever reprise
Percebi que os dois conversavam enquanto dançavam.
I never knew the charm of spring
I never met it face to face
I never new my heart could sing
I never missed a warm embrace
Logo a expressão de Beatriz ficou bem séria também.
Till April in Paris
Whom can I run to
What have you done to my heart”
(April in Paris - Vernon Duke/E. Y. Harburg)
Todos os presentes aplaudiram muito e ainda distingui a voz de Zeca na multidão gritando “lindo!”. Me curvei agradecendo ao público pelos aplausos.
- Eu gostaria de convidar a todos para dançarem também na segunda música.
Falei sem nenhuma emoção na voz. Raul percebeu o meu descontentamento e abaixou o olhar que dirigia a mim.
Uma ideia louca me veio à cabeça. Zeca não me disse para começar a agir impulsivamente?
Pois então, eu começaria agora. Fui até a banda e falei:
- Mudança de planos, vamos tocar outra música.
- Você é louco, não ensaiamos mais nenhuma! - reclamou o cara que tocava bateria.
- É fácil, é essa... - e cantarolei um trechinho.
- Eu não sei tocar essa! - reclamaram quase todos.
- Eu sei. - falou o pianista.
- Ótimo! Talvez saia até mais bonito só piano e voz.
- E o resto de nós? - perguntou o baterista.
- Vocês entram com a outra música que ensaiamos depois.
Eles não pareceram muito felizes com a mudança de planos, mas ignorei, afinal, não se podia agradar a gregos e troianos sempre.
Vi mamãe acompanhada de Zeca e tia Marta de Bruno na pista de dança. Olhei firme para Felipe. Ele me olhava também intensamente, ainda com uma expressão indefinida. Ainda olhando para ele, comecei a cantar:
“Já conheci muita gente
Gostei de alguns garotos
Mas depois de você
Os outros são os outros
Ninguém pode acreditar
Na gente separado
Eu tenho mil amigos, mas você foi
O meu melhor namorado
Procuro evitar comparações
Entre flores e declarações
Eu tento te esquecer
A minha vida continua
Mas é certo que eu seria sempre sua
Quem pode me entender
Depois de você, os outros são os outros e só
São tantas noites em restaurantes
Amores sem ciúme
Eu sei bem mais do que antes
Sobre mãos, bocas e perfumes
Eu não consigo achar normal
Meninas do seu lado
Eu sei que não merecem mais que um cinema
Com meu melhor namorado
Procuro evitar comparações
Entre flores e declarações
Eu tento te esquecer
A minha vida continua
Mas é certo que eu seria sempre sua
Quem pode me entender
Depois de você, os outros são os outros e só”
(Os outros – Leoni)
Era tudo aquilo que eu tinha para dizer a Lipe e acho que ele entendeu a mensagem.
Vi que lágrimas corriam pelo seu rosto enquanto o público aplaudia.
Beatriz, que nos olhava, sorriu com o canto da boca e falou alguma coisa no ouvido de Felipe.
Ele concordou com a cabeça e lentamente foi vindo em direção ao palco.
Ele subiu e parou de frente para mim.
Olhei para ele sem entender aonde queria chegar.