Será que ele tinha me aceitado mesmo?
Se não, por que ele tinha feito questão de me ver e me pedir perdão?
Eu queria perguntar aquilo tudo a ele, mas queria ainda mais manter aquele clima ameno da nossa reconciliação, por isso me calei, o que admito, foi um erro.
- Sabe de uma coisa? - Ele falou.
- O quê?
- Passei anos te escutando, mas nunca tive a oportunidade de assistir a um show seu.
- É verdade... - falei me lembrando daquele fato.
- O que acha de cantar aqui hoje? - Perguntou novamente entusiasmado.
- Tem certeza?
- É só você querer.
Me senti tentado a aceitar e não resisti. Eu estava mesmo precisando cantar por cantar e não por obrigação.
- Ok, eu topo.
- Ótimo! Mas você vai precisar de uma banda, não?
- Eu conheço uma pessoaAchei que ia ficar surdo com o grito que Rafinha deu no telefone quando o convidei para tocar comigo. Eu não conhecia suas habilidades com o violão, mas de um certo jeito eu estava seguro que poderíamos fazer um belo show estilo “voz e violão” sustentado apenas no nosso entrosamento.
Demorou um pouco até eu convencer seus pais a liberarem-no do castigo, mas no fim consegui.
Passamos a tarde toda ensaiando na casa da minha avó, e de lá mesmo seguimos para o restaurante. A notícia do nosso pequeno show se espalhou e as pessoas se aglomeram na porta do lugar, de modo que, como eu fiquei sabendo depois, meu pai teve que limitar o número de clientes.
Eu e Rafinha demos um jeito de entrar pelos fundos e ficamos esperando na sala da administração do lugar. Ele tremia.
- Fica calmo, senão não vai conseguir tocar. - falei.
- Falar é fácil. Além de ser meu primeiro show, é meu primeiro show com você! Eu tenho motivos em dobro para ficar nervoso.
Ri do seu comentário e ele também, relaxando um pouco.
- Então faz assim, esquece quem eu sou. Me veja apenas como seu amigo, não como seu ídolo.
- Ok, ok. - Ele falou tentando se acalmar ainda. - E com as pessoas nos assistindo, como faço? Finjo que elas estão de roupas íntimas?
- Já tentei isso, mas só consegui ficar de pau duro e não relaxado.
Nós rimos novamente. Massageei seus ombros tentando fazê-lo relaxar um pouco.
- O máximo que vai acontecer é você errar a melodia, e se isso acontecer, pode deixar que eu consigo segurar a bola com meu jogo de improviso.
Não sei se consegui fazer ele relaxar um pouco, mas pelo menos ele parou de tremer e se calou.
Quando deu a hora marcada, saímos da sala onde estávamos e fomos para a área das mesas.
Muitos aplausos e gritos, comuns para mim que apenas agradeci educadamente, mas que não ajudaram em nada Rafinha.
Subimos no palco e nos sentamos em dois banquinhos. Ele pegou o violão e eu o microfone.
Olhei para o público e vi Zeca, Bruno, minha mãe e minha avó sentados juntos numa mesa.
Em outra estava tia Rosa e tio Alfredo. O lugar estava cheio.
Procurando mais um pouco, vi meu pai parado junto ao balcão. Seu olhar era fixo em minha mãe, e percebi que de vez em quando ela olhava para ele de volta.
- Bom, primeiramente, boa noite e bem-vindos. - Mais gritos e aplausos.
- Para mim é um prazer estar de volta à minha cidade e ver que sou tão querido por aqui. Esse show é quase um pedido de desculpas por tanto tempo sem aparecer em Morro Velho.
Todos riram da brincadeira, mas era verdade.
- Esse aqui - Apontei para Rafinha. - É meu amigo Rafinha. Amigo mesmo, daqueles verdadeiros que poucos de vocês aqui presentes tem. - Silêncio total... -
Vocês acreditam que ele teve coragem de fugir duas vezes de casa para me visitar em BH e em São Paulo?
Bom, sejam bonzinhos com ele porque é a primeira vez que ela toca em público.
Rafinha riu para mim mais relaxado e fez sinal com a cabeça que estava pronto.
- Estou aqui hoje a pedido do meu pai, o dono daqui, então acho justo homenageá-lo com a primeira música.
Todos aplaudiram e vi meu pai sorrir no canto em que estava. Com coragem e desejando que ele entendesse meu recado, comecei a cantar:
“Eu passei muito tempo aprendendo a beijar
Outros homens como beijo o meu pai
Eu passei muito tempo pra saber que a mulher
Que eu amei, que amo, que amarei
Será sempre a mulher como é minha mãe
Como é, minha mãe? Como vão seus temores?
Meu pai, como vai?
Diga a ele que não se aborreça comigo
Quando me vir beijar outro homem qualquer
Diga a ele que eu quando beijo um amigo
Estou certo de ser alguém como ele é
Alguém com sua força pra me proteger
Alguém com seu carinho pra me confortar
Alguém com olhos e coração bem abertos
Pra me compreender”
(Pai e mãe – Gilberto Gil)
O público aplaudiu e eu agradeci. Procurei meu pai com os olhos, mas não o encontrei. Ele havia fugido, fugido de mim, fugido da verdade, fugido da certeza de que eu era gay.
Mas afinal, se ele não me aceitava, por que quis me reencontrar? E por que justo agora? Eu ainda teria muitos problemas com meu pai durante minha estadia em Morro Velho e eu já começava a perceber isso.
Não tive tempo para ficar triste com aquela situação. Enquanto o público ainda aplaudia, vi um casal entrando no restaurante e se sentando junto à Rosa e ao Alfredo.
Vítor estava acompanhando de uma moça de longos cabelos ruivos e rosto salpicado de sardas. Seu rosto estava fechado. Olhei atônito para Mariana, surpreso por revê-la ali depois de tantos anos.
Me senti mal com sua presença, como se ela poluísse o palco, um lugar sagrado para mim.
Não sabia que ela ainda me afetava tanto. Ela então levantou seus olhos e me olhou. Ao perceber que eu estava incomodado com sua presença, ela sorriu maldosamente. Aquela seria uma longa noite...
Ali estavam, a poucos metros de mim, Mariana e Vítor. O que eu sentia não era ciúme, até porque, não nutria mais esse tipo de sentimento por Vítor.
O que eles me causavam estando ali juntos era uma enorme sensação de derrota, como se Mariana tivesse mesmo me vencido.
Me senti como o pior dos homens.
Rafinha, solidário, olhou para mim e sibilou “você é mais forte que isso, não se deixe abater”.
Sorri sem jeito e confirmei com a cabeça. Mariana havia ganhado a batalha afinal, mas eu ganhara a guerra.
Eu era um astro e ela era uma pobre garota presa a um noivado infeliz, por orgulho. Eu era muito maior que eles. Eu não ia deixar que destruíssem meu momento, a minha volta triunfal à minha cidade natal.
Num tom bem mais pesado, recomecei a cantar e Rafinha teve que correr para me acompanhar no violão. Eu olhava direto para o casal vinte à minha frente.
“Quando eu canto, que se cuide quem não for meu irmão
O meu canto, punhalada, não conhece o perdão
Quando eu rio
Quando eu rio, rio seco como é seco o sertão
Meu sorriso é uma fenda escavada no chão
Quando eu choro
Quando eu choro é uma enchente surpreendendo o verão
É o inverno, de repente, inundando o sertão
Quando eu amo
Quando eu amo, eu devoro todo meu coração
Eu odeio, eu adoro, numa mesma oração, quando eu canto
Mamy, não quero seguir definhando sol a sol
Me leva daqui, eu quero partir requebrando rock'n roll
Nem quero saber como se dança o baião
Eu quero ligar, eu quero um lugar
Ao sol de Ipanema, cinema e televisão.”
(Baioque – Chico Buarque)
Mais aplausos. Vítor e Mariana me olhavam surpresos pela mudança no tom. Acho que foi naquele momento que eles perceberam que o garoto bobo que eles machucaram morreu e eu assumi seu lugar.
Rafinha riu divertido quando percebeu a expressão deles e pisquei para ele rindo também. Com aquela sensação deliciosa de revanchismo, nós dois continuamos a cantar pelo resto da noite.
Ver toda aquela gente, que outrora rira de mim, me aplaudindo foi como ter orgasmos múltiplos! Era a minha redenção.
Ao final da nossa apresentação, nos despedimos do público e voltamos para os fundos do restaurante. Ríamos e comemorávamos nosso pequeno show enquanto comíamos um pouco do que um garçom havia trazido para nós.
- Um brinde a nós! - falei erguendo o meu copo.
- Brinde com Coca-Cola?
- Claro. Depois que você fizer dezoito eu deixo você beber.
Ele colocou língua para mim em sinal de desaprovação e rimos ainda mais.
- Obrigado, Bernardo!
- Pelo quê? - Perguntei.
- Pela noite mais incrível da minha vida. Acho que eu não esqueço o que aconteceu hoje nem que viva mil anos!
- Exagerado! - Falei rindo.
- Sério! Você não faz ideia de como eu me senti tocando com você hoje.
É a realização do meu sonho mais louco. Nós fizemos mais do que música ali, Bernardo, éramos como... como...
- Como se fôssemos muito íntimos e cúmplices? - Completei.
- É! - Ele estava em êxtase.
- Mas foi uma noite incrível sim. Ver todo aquele povo me aplaudindo... Senti minha alma sendo lavada.
- Imagino...
- E a cara do casal vinte então? - Falei já rindo.
- Era a melhor! - Ele comentou rindo também.
- Eles devem ter ficados possessos ao descobrirem que cresci e não sou mais aquele menino bobo.
Rafinha parou para refletir por um momento.
- A Mariana pode até ser, mas não foi o caso do meu irmão. - Ele comentou. - Ele já tinha te visto. Ficou possesso com outra coisa.
- Com o quê?
- Jura que você não percebeu?
- Não. O quê?
- Bernardo, como você é cego! - Ele falou rindo.
- Me explica! - Pedi curioso.
- Ai, Bernardo, por que você acha que meu irmão me odeia?
- Isso é um absurdo, ele não...
- Me odeia sim, não se faça de bobo. - Ele me interrompeu.
Desde que eu conhecia Vítor, ele sempre tratou o irmão caçula muito mal. Rafinha sempre foi uma criança carinhosa com todos, mas Vítor insistia em tratá-lo com agressividade.
Nunca entendi muito bem o motivo, pois toda vez que eu começava o assunto, ele desviava. Pelo o que Rafinha me contou, a relação deles só piorou nos últimos anos.
- Vamos supor que ele não goste mesmo de você, qual seria o motivo para isso? - Perguntei.
- Ciúmes. - Ele me respondeu sorrindo.
- Ah, todo irmão tem ciúme um do outro, é normal.
- Não, Bernardo, ciúme de você.
- Como assim?
- Bernardo, abre o olho. Vítor nunca gostou de disputar sua amizade com ninguém, então você imagina o que acontecia quando você chegava lá em casa e me dava atenção absoluta, deixando ele pra depois.
Acho que você nem percebia que fazia isso, estava apenas sendo educado comigo, mas Vítor passou a me enxergar como um rival.
Quando você foi embora, ele precisava de alguém em quem pudesse descontar toda a sua frustração e me escolheu porque, acho, ele acabava vendo em mim o que sempre sentiu por você, mas tinha medo de admitir. Então imagina como ele deve ter se sentido ao me ver no palco ao seu lado como se fôssemos extremamente íntimos.
- Rafinha, eu...
Aquilo era muito pesado e fazia sentido. Eu sempre dava mais atenção a Rafinha quando ia à casa deles, inconscientemente mesmo, eu dava porque ele sempre foi carinhoso comigo e eu retribuía da mesma forma.
Eu era o motivo de os dois nunca terem se dado bem? Era eu o culpado dos dois nunca terem se comportado como irmãos?
- Não é sua culpa, Bernardo. - Rafinha falou como se lesse meus pensamentos. - É culpa do Vítor e da sua burrice. O ciúme explica, mas não justifica o jeito que ele me trata.
- Eu devia ter percebido isso antes... - Falei me lamentando.
- E se tivesse percebido, o que você teria feito de diferente?
- Não sei, dividiria melhor meu tempo entre vocês, alguma coisa assim.
- Ele nunca ia querer te dividir, ia te querer só para ele. Não foi assim quando você conheceu Zeca, como me contou?
- Foi...
- Pois é. Enfim, a culpa não é sua.
- Mas eu posso mudar.
- Como? Me tratando com indiferença? - Antes que pudesse responder que nunca faria isso, ele completou - Agora não adianta mais, mesmo que nunca mais nos falássemos, ele já formou sua opinião sobre mim. O que você pode fazer é me ajudar a dar o troco.
- Como assim?
- Se você provocava ciúmes nele sem perceber, imagina o estrago que podemos fazer conscientes de disso? - Ele falou com um sorriso travesso no rosto.
- Não sei, Rafinha... - Falei meio indeciso, mas achando graça do plano.
- Vamos, Bê! Vai ser a sua vingança! E a minha também.
- Olha como são as coisas. Voltei para cá querendo perdão e perdoar para ficar em paz, e agora estou tentado a começar uma briga.
- Às vezes é preciso guerrear antes para conseguir a paz.
Ele manteve aquele seu sorriso meio travesso, meio maldoso naquele rostinho lindo esperando a minha resposta.
Sabe naqueles desenhos animados onde tem um diabinho e um anjinho em cada orelha te aconselhando? Pois é, no meu caso o diabinho estava gritando.
Por mais que eu quisesse ficar em paz com Vítor, dar um golpe desses nele era tentador.
- Ok, eu faço.
- Eba! - Ele comemorou.
- E como vamos fazer isso?
- Hum... Não sei ainda, não planejei nada. - Ele falou pensativo com a mão no queixo. - Acho que é só agirmos mais carinhosamente um com outro na frente dele.
- Assim do nada?
- É. Vai funcionar.
- Se você diz.
Eu estava animado com nosso plano. Era tudo bem divertido.
Aos poucos fomos ouvindo o restaurante esvaziando e nos dirigimos ao espaço principal.
Qual não foi a minha surpresa ao ver que só havia três mesas unidas com meus pais, minha avó, Zeca, Bruno, Vítor, Mariana, tio Alfredo e tia Rosa sentados nela.
Se não fosse tão trágico, seria cômico.
Minha mãe conversava animadamente com minha avó e tia Rosa.
Meu pai e tio Alfredo também conversavam.
Notei que papai e mamãe às vezes trocavam olhares, mas desviavam rapidamente.
A coisa era bem mais engraçada do outro lado da mesa. Zeca e Bruno conversam com Vítor, mas o assunto não devia ser muito agradável, pois se percebia a tensão no ar.
Mariana olhava tudo com uma cara de tédio.
Ao nos verem entrar no recinto, todos nos encararam.
- Estávamos esperando só por vocês para celebrar essa noite! - Falou meu pai.
- Acho que vamos colocar nosso plano em prática agora. - Sussurrou Rafinha no meu ouvido e concordei.
Fizemos questão de nos sentarmos lado a lado no centro mesa, de frente para Vítor e Mariana.
Ela me olhava com um ar de superioridade, mas não tinha mais a surpresa como trunfo, então eu retribuía do mesmo jeito.
Parecia um daqueles jogos onde vence quem consegue ficar encarando o outro por mais tempo.
- Você se lembra da Mariana, não Bernardo? - Perguntou tia Rosa percebendo nossos olhares.
- Claro, como eu poderia esquecer?
Todos abaixaram a cabeça sem graça com o meu comentário, menos ela, que continuou me encarando. E Rafinha que riu.
Realmente não dava para esquecê-la depois de tudo o que ela havia me feito. Continuei:
- Mas não guardo rancor, afinal quase fomos da mesma família.
- Como? - Perguntou tia Rosa curiosa.
- Ela não contou? Eu namorei durante um bom tempo o primo dela.
As reações deles foram um espetáculo à parte.
Tio Alfredo arregalou os olhos, tia Rosa nos olhou surpresa com aquela informação, enquanto Rafinha, Bruno e Zeca seguravam risadas.
Meu pai limpou a garganta alto, claramente incomodado com o assunto, e recebeu olhares de repreensão da minha mãe e da minha avó.
Vítor e Mariana pareciam querer me fuzilar com os olhos.
- Bom, - Falou meu pai querendo mudar rápido de assunto. - Você toca muito bem, Rafael.
- Ah, obrigado, seu André, mas o Bernardo que segurou as pontas. Ele é o astro de verdade aqui. - E me abraçou com carinho.
- Deixa de modéstia, você foi ótimo. - Falei puxando-o também para um abraço de lado.
Pelo canto dos olhos, pude ver Vítor se ajeitando na cadeira, como se estivesse incomodado com aquela cena.
Nosso papo continuou por mais meia hora. Quem visse de fora poderia achar que éramos todos velhos conhecidos confraternizando, mas nós sabíamos o quão tensa era a situação.
Bastava uma faísca, para que tudo explodisse.
Oportunidades para isso acontecer não faltaram, pois eu abraçava, elogiava e conversava com Rafinha a todo momento. Ele não me largava um segundo sequer e estava o tempo todo abraçado a mim e quase que no meu colo de tão perto.
Vítor tinha passado do estágio de incômodo para a ira. Era visível nos seus olhos. Mas antes que ele tomasse alguma atitude, tio Alfredo foi se despedindo de todos para ir embora e todos aproveitamos a deixa.
Todos nos despedíamos do lado de fora do restaurante e eu, já meio bêbado por causa de algumas taças de vinho, decidi dar uma última facada:
- Tia Rosa, você podia deixar o Rafinha dormir lá na casa da minha avó comigo hoje. Eu prometi a ele que ensaiaria com ele uma música bem difícil.
- Eu não sei... - Ela falou.
- Deixa mãe! - Rafinha implorou.
- Não incomode os outros, meu filho. - Falou tio Alfredo.
- Não vai ser incômodo algum, minha casa está sempre aberta para esse garoto lindo. - Interviu minha avó. - E eu faço questão!
Depois disso eles não tiveram como negar e deixaram.
Vítor e Mariana, que tinham ido buscar o carro, chegaram.
- Vamos? - Ele falou de dentro da caminhonete.
- Vamos, sim. Boa noite a todos. - Falou tia Rosa.
- Boa noite. - Respondemos.
- E ele? - Perguntou Vítor ao perceber que os pais estavam indo para o carro sem Rafinha.
- Vai dormir com Bernardo hoje.
- O quê? - Acho que ele gritou mais alto do que pretendia, transparecendo seu descontentamento.
- Sabe, Bernardo, você cantou um monte de músicas, mas nenhuma em homenagem a mim, né? - Falou Rafinha travesso, e entendi aonde ele queria chegar.
- Verdade, mas a gente resolve isso agora.
Abraçado a ele pelos ombros, comecei a cantar alto na rua:
“Lindo, e eu me sinto enfeitiçada
Correndo perigo
Seu olhar é simplesmente lindo
Mas também não diz mais nada
Menino bonito
E então quero olhar você
E depois ir embora
Sem dizer o porquê
Eu sou cigana
Basta olhar pra você”
(Menino bonito – Rita Lee)
O carro de Vítor cantou pneu ao sair em direção a uma rua qualquer. Eu e Rafinha ríamos nos divertindo com a situação.
Eu e Rafinha dormimos no mesmo quarto, mas em camas separadas. Zeca e Bruno dormiram na casa do meu pai, onde havia mais espaço.
Conversamos até altas horas e ríamos como duas crianças, na maior parte das vezes, sobre Vítor.
Como fomos dormir tarde, acabamos acordando tarde também, ou melhor, fomos acordados.
O Sol já estava alto no céu quando Vítor entrou pisando duro no quarto e acordando Rafinha com brutalidade.
- Anda, vamos embora. - Ele não gritava, mas sua voz era bem agressiva.
Rafinha, ainda com sono, não entedia muito bem o que estava acontecendo. Com a confusão, acabei acordando também.
- O que está acontecendo aqui? - Perguntei me levantando da cama.
- Nada com você. Minha mãe me pediu para vir buscar o Rafael.
- Mas ela deixou ele dormir aqui.
- Ele já dormiu. Agora vai embora.
- Me deixa em paz. - Falou Rafinha caindo na cama novamente.
- Eu não estou brincando, vamos! - Vítor respondeu pegando o irmão pelo braço. - E você está pelado, seu moleque?
Ver ele sendo bruto daquele jeito com um menino tão carinhoso quanto Rafinha, me enfureceu de tal maneira que não consegui assistir àquilo passivamente.
- Ei! Qual é o seu problema? - Deixa ele em paz. - Falei tirando suas mãos de Rafinha. - E ele não está pelado. Está de cueca, não está vendo?
- E eu durmo do jeito que eu quiser. E eu durmo pelado também. - E tirou a cueca, ficando peladinho.
Quando eu vi aquele pintinho branquinho, sem pelos e lindo, tive que me segurar...
Aquele menino lindo, cheiroso, todo cor-de-rosa... Eu vi o Lipe ali, na minha frente, sorrindo pra mim...
E para piorar, Rafinha veio para cima de mim e pulou no meu colo, passando as pernas pela minha cintura e ficando agarrado a mim, abraçadinho e com o rosto juntinho ao meu.
Eu estava só de cueca e meu pau estava mais duro que uma pedra. É claro que o Vítor percebeu isso.
E Rafinha também percebeu tudo ali e me deu um beijo demorado no rosto.
Ele continuou peladinho, grudado em mim e Vítor tremia de ódio.
- Já falei que não é da sua conta! - Ele já começava a subir o tom de voz, perdendo o controle.
- Quer saber? Acho que é sim! Seu problema é comigo, não com ele. Mas vamos resolver isso agora!