A mulher sorriu amarelamente e baixou a cabeça. Ele puxou a cadeira e a fez se sentar.
- É a primeira vez que falo seu nome após tantos anos.
- Zelito... nem acredito que tive a coragem de vir aqui depois do que fiz...
Pois é... Gracinha é justamente a primeira “esposarada” de Zelito e no mesmo dia que ele recebeu uma carta da última companheira, a primeira resolveu dar as caras. Coisas da vida.
Ele a conheceu com apenas 18 anos, namoraram por um tempo e foram morar juntos, quando ela começou a trabalhar num cartório após o curso de secretariado. Ele trabalhava num boteco, fritando bolinhos de charque e outros tira-gostos.
Gracinha era alta pros padrões femininos, 1,74 de altura, falsa magra, com seios fartos, longos cabelos lisos acastanhados, branca, tinha mais simpatia do que beleza. Ela usava sempre saias, sandálias de couro baixas e blusas folgadas, que nunca revelavam o tamanho do seu busto. Quem a via, calculava que ela era uma Testemunha de Jeová, pelo jeito meigo, mas ela nem era tão religiosa assim. Era bem reservada, tinha voz baixa e quando cometia algum erro ouvia de boa sermões e conselhos.
Sua relação com Zelito era um pouco fria, quando saiam não andavam de mãos dadas, nem ficavam de beijinhos públicos como alguns casais muito apaixonados. Em casa sim, Zelito sempre trazia algo da rua pra ela, sejam flores, petiscos ou algo pra enfeitar a casa ou outro uso doméstico e namoravam muito, e o sexo até tinha um envolvimento mais picante de ambos. Como ela trabalhava em período comercial, de segunda a sexta, cuidava de tudo, atuava como dona de casa e esposarada exemplar.
O que mudou tudo drasticamente foi a visita de uma prima carioca, tirada a malandra, que foi participar de um curso em São Paulo e se hospedou na casa deles. Livre pra curtir um final de semana na paulicéia, chamou Gracinha para uma volta
- E aí? Onde rola um sambinha bom aqui em Sampa?
- Ih, perguntou a pessoa errada. Nem sei a diferença entre samba e tango.
- Pô, prima, tu tá de sacanagem! Tu não conhece nada mermo!
- É, não tenho conhecimento não, procure aí, você é cheia de contatos, deve ter amigos por aqui.
- Que nada! Sei de ninguém aqui, ué? Bora, vamo sair, dar um rolé, o Zelito só chega quase de madrugada, vumbora, procurar respirar um arzinho.
- Ai, como você é chata!
No papinho, ela conseguiu levar Gracinha pro tal passeio. Foram parar num samba na Zona Leste. Clima animado, muita gente, pagode em alta. Gracinha parecia um peixe fora d’água, estava totalmente desacostumada dessa muvuca, e se queixava do barulho. Já a prima, se fartou de samba e cerveja, e logo estava rodeada de pretendentes. Gracinha ria dos rebolados da prima quando de repente seu semblante mudou. Ela viu... ele.
Sentada em frente a Zelito, Gracinha estava ali pra despejar a verdade de uma vez, após longos anos ausente se escondendo ela descobriu onde ele estava. Sabia que ele não morava mais naquele apartamentinho quando estavam juntos e lendo uma reportagem sobre a badalada inauguração daquele espaço, resolveu ir lá e contar tudo de uma vez. Estando muito bem de vida, saber da verdade àquela altura não ia fazer diferença a ele. Era o que ela achava e tinha até razão.
“Zelito... olha... estou indo embora daqui recomeçar o que restou de minha vida em outro canto e por isso vim contar o porquê sai de casa sem explicar nada. Já se passaram 22 anos. Pelo que conheci de você, vai me ouvir. Eu preciso desse desabafo de uma vez, senão não conseguiria mais viver. E lhe devo isso agora.
Não sei se lembrará, mas eu falava com você que havia um funcionário do tabelionato de notas que sempre ia lá no cartório e minhas colegas ficavam alvoroçadas. Era um homem bonito, parecia ator de Hollywood. Eu contava a você histórias que as meninas sabiam dele. Não em detalhes, lógico. Falavam que ele era extremamente bem-dotado e tinha o apelido de “Montanha”. Devo dizer que muitas vezes que transamos, eu pensava naquele homem e isso apimentava nosso sexo. Era bom, eu tinha fantasias como qualquer outra. Como as colegas davam sempre um jeito de fofocar e conversar com ele, eu era a única que não nutria essa curiosidade de estar próxima dele, de um convívio mais presente. Com isso, elas, na sacanagem, costumavam criar historinhas me envolvendo com ele, justamente porque eu não dava bola. Mas a verdade é que a imagem dele cada vez mais habitava minha cabeça, até um dia que soube que ele perguntou por mim, porque eu era tão fechada e isso acho que causou uma curiosidade nele também. Ele tinha uma voz firme, parecendo radialista.
Naquele dia que sai com minha prima, encontrei ele no samba. Fiquei petrificada. Aquele homem estava lá me fitando, como se perguntando “o que essa garota tímida e calada está fazendo nesse lugar?”. Ele foi a meu encontro. A cada passo que ele dava em minha direção, me sentia temerosa. Você vai entender por quê! Estendeu a mão, me cumprimentou, pediu que eu me sentasse. Pra não dar bandeira que estava apavorada, fiz tudo isso. Com calma e fala mansa, ele foi me tranquilizando, mas por dentro, estava com medo de mim mesma. Nem lembrava mais de minha prima, acho que quando ela viu ele se aproximar de mim, quis me dar espaço, não sei o que ela pensou.
Passou-se um tempo e eu já havia bebido duas caipirinhas, eu nunca bebi na rua sem você! O álcool me deixou menos apreensiva e já conversava normalmente. Tocou uma música conhecida que o local todo acompanhou em coro. Ele se levantou, pegou em minha mão e me conduziu pra pista. Olha... não me pergunte como aceitei isso, mas fui levada e parecia que eu não tinha mais domínio sobre minha consciência. Só sei que ele dançava bem, foi me levando e... você não conseguiria imaginar a cena e naquele momento nem eu mesma acreditaria. Eu literalmente rebolava e sentia aquele pintão roçando minha cintura. Aí delirei total. Me acabava de dançar, nem sei como, eu suava olhava pra ele, mexia a bunda, passava a língua nos dentes sensualmente, fiquei possessa!! Quando parei, todos olhavam pra mim, minha prima estava estupefata. Uns batiam palmas, outros olhavam com aquela cara de “essa aí, esse grandão já filou”. Se fosse hoje em dia, minha performance seria filmada e viralizada nas redes e aí sim estaria arruinada muito antes de viver o que vivi com esse homem.
Fui me dar conta do mico que paguei, mas o que não esperava era o estado de minha vulva. Sentia o líquido escorrer, minha vagina ardia, nunca estive tão molhada em toda minha vida. O que mais temia parecia que ia ocorrer. Sai dali estonteada, não sabia onde enfiar a cara. Ele foi atrás, eu comecei a chorar, minha prima foi acudir. Saímos dali, fomos pra um boteco próximo beber mais. Decidi contar a ela aquele comportamento estranho, o que de fato havia me despertado ali. Ela ficou boquiaberta. Até onde eu sei, ela foi muito leal e jamais contou a ninguém.
Quando fui pra casa, tive a certeza que nosso relacionamento não poderia continuar. O que aconteceu naquele dia foi o destino do qual fugi, havia me encontrado.”
Zelito, então, lembrou da sua então companheira chegando em casa, fedendo a cachaça, e ele sem entender como ela chegou naquele estado deplorável. Passava da meia noite, ele chegara meia hora antes e sabia que Gracinha havia saído com a prima, ela tinha avisado. Mas chegar naquele horário e naquele estado... Ele lembra das palavras dela
- Zelito! Aconteceu uma coisa ruim comigo, eu me revelei, eu estive com outro homem, mas não lhe trai! Juro! Mas... ele... ele me despertou! Não vou lutar pra ser uma mulher que não queria ser. Eu preciso me conhecer, preciso saber que tipo de pessoa eu realmente sou!
Um papo bem esquisito esse, e claro, ele não entendeu como poucas pessoas que conviveram quase uma década com um tipo e de repente, de uma hora pra outra, aparece a mesma pessoa, mas com um facetas totalmente opostas, é de deixar qualquer desavisado incrédulo.
- Não dá pra ficar aqui, Zelito... Vou... Vou passar a noite fora. E... e... eu... eu lhe conto depois tá?
E Saiu. Assim, saiu. E Zelito ali sem saber o que fazer. Parecia aquela história “vou ali comprar cigarros”. E ela não voltou. Aliás, voltou. 22 anos depois pra encerrar aquilo que já estava enterrado. Enterrado, não. Cremado. Virou cinzas há muito na cabeça do chef.
Dias depois, a família não queria revelar o paradeiro dela. Conversas com os pais, abalados pelo fim extremado daquela relação, pouparam Zelito, que nunca mais soube dela. Com isso, ficou tão amargurado que se desfez de tudo que lembrava ela. Quando conheceu Maristela, estava em outro trabalho, outro apartamento, outra vida, e por isso não mencionava Gracinha em nenhum momento. E nenhum dos antigos amigos dele deixou escapar qualquer coisa para Maristela. Depois de mais de duas décadas, era a primeira vez que não só a via como pronunciava seu nome, assim que ela adentrou o escritório.
“Bem, Zelito, uma semana depois, eu acho, fui procurar aquele homem. Nenhuma das minhas colegas tinha sonhado o que rolou naquele samba. Ele, que tinha mais contato com elas, nunca conversou sobre isso. Contei a ele a razão daquele comportamento no samba e revelei minha curiosidade. Nesse mesmo dia, transei com ele. Preferia poupar você de detalhes, mas isso seria incompleto. Quero que saiba de tudo! Aliás, não adianta esconder que mudei meu linguajar durante esse tempo e ao mandar a real, é como eu confessasse o que me tornei, de modo algum será pra lhe rebaixar. Eu não transei com ele, eu trepei de todas as formas. Tomei uma surra de pica! Fui merecidamente arrombada! Levei vários jatos de porra na cara. Eu passei a morar com o Montanha. Fiquei fascinada pelo tamanho abissal de seu membro. Era tudo!
Dai em diante, vivi tudo o que sonhava. Você vai entender tudo já já! Fodemos em vários locais. Fizemos até alpinismo num parque ecológico pra treparmos como selvagens lá no topo de um morro. Nos primeiros quatros anos, não fazia outra coisa: era só fuder. Pedi transferência pra outro cartório, praticamente do outro lado da cidade e ele também foi atuar em outra comarca. Viajávamos pra praias, lugares ermos, sertões, chapadas e florestas. Estava numa vida tão sexualmente insana que levava meses sem contactar meus pais. Desculpe falar isso, mas... nem lembrava que tivemos uma vida juntos, Zelito.”
Zelito ouvia tudo com indiferença. De alguma forma, ela falava aquilo porque no fundo esperava a essa altura, um cara que havia superado isso. E também, como na carta, aquilo servia como um recado, algo do “estou contando a você como se livrou de um fardo pra ficar bem agora”. Era mais isso do que jogar na cara “olha como fui feliz com um homem que você jamais será”. Até porque as duas nitidamente estavam em momentos ruins agora.
“Foi então que nessa vida radiante, ele começou a introduzir outras pessoas em nossa vida. Eu estava me sentindo tão viva que nem sei como fui aceitando, foram surgindo homens e mulheres, e eu estava lá em ménages, surubas, trocas, e tudo o mais que aparecesse. Tinha vezes que ele estava indisposto e levava uma mulher e assistia nós duas se chupando e se roçando. Nos demais dias, era ele e outro fazendo dupla penetração em mim. Cheguei a ter um na frente, um atrás, e um na boca! Eu nem refletia sobre isso. No meio dessa loucurada, fui me dando conta que não saiamos mais, não viajávamos, ele passou a passar dias fora de casa e só então me dei conta que não estava indo trabalhar, de tão exausta que eu ficava. Fodia a noite toda com não sei quantas pessoas e acordava quase meio-dia. Fui demitida. Meus pais nem sabia onde eu morava e tinha semanas que eu não dava notícias. Passei uns quinze dias sozinha, sem ele ligar nem aparecer, cheguei a passar fome! Na minha cabeça, aqueles primeiros momentos da nossa relação voltariam, era só uma má fase. Foram quatro curtindo a vida adoidada e mais quatro – quatro! – anos sendo abandonada e usada, isso mesmo, usada! Infelizmente, me dei conta muito tarde que eu estava em um relacionamento abusivo. Ele me fez de gato e sapato. Quando ele apareceu, foi trazendo duas mulheres. Eu chorei e finalmente encarei ele, falei muitas verdades, que ele havia me abandonado e me usado. Ele deu de ombros e foi pro quarto com as duas. Ainda me lembro de suas cruéis palavras.
- Você veio morar aqui porque quis! Não reclame! Você é adulta, se enxerga! A porta da rua é a serventia da casa.
Aquilo foi uma bomba. Ainda ouvi gargalhadas das duas putas e daí tinha que ter amor-próprio. Sai de lá com a roupa do corpo. Pedi perdão a meus pais, não contei tudo a eles, mas eles compreenderam. Passei um tempo com eles. Descobri que estava diabética, minhas vistas estavam turvas, incrível quando o castelo se desmancha as coisas se descortinam.
Fui recomendada a fazer academia, melhorei um pouco a saúde, mas nunca mais quis me envolver com quem fosse. Só aí lembrei de você, do nosso relacionamento tranquilo e zeloso. E como joguei tudo fora. Uns anos depois, fui fazer dança nessa academia. Passado um tempo, voltei a ver o Montanha que circulava próximo da academia. Fiquei em pânico, achei que ele estava me seguindo. Me informaram que ele estava de olho na professora. Fiquei curiosa. Ela parecia uma mulher dedicada e não merecia se envolver com aquele homem. Um dia, decidi tirar essa história a limpo. Voltei praquela casa onde vivi emoções e horrores. Era umas sete da manhã. Ele costumava deixar o portão e porta abertas, pois as pessoas que iam pras festinhas acordavam e saiam. Entrei. Aquele silêncio. Uns dois homens com os quais tinha me envolvido dormiam pesadamente. Entrei no quarto. Vi com meus próprios olhos a professora nuazinha, corpo marcado de chupões ainda, cabelo todo grudado de porra seca, ela com a mão repousando naquela rolona imensa. Havia mais um casal abraçado ao lado da cama, num edredom. Havia tirado minhas dúvidas. Tive pena daquela mulher”.
Zelito abriu o olhão. Será que... não, era muita coincidência!
“Sua reação, Zelito... é isso, Zé! Uma colega de dança, aluna antiga dela, se tornou minha amiga e contei, num momento de fraqueza, minhas agruras com o Montanha. Mostrei a foto dele e ela travou, assustada! Mostrou um print antigo no Instagram dela, onde estavam a colega, a professora... e você. Ela estava com você! Descobri... que ela foi sua segunda companheira, depois de mim!”
Zelito se levantou da cadeira. Ficou pensativo. Sua respiração alterou. Era demais. Ele foi abandonado duas vezes e todas as duas... pelo mesmo motivo: o mesmo homem. Gracinha chorava.
“Sinto muito, Zelito. Vim contar por que você merecia saber disso. E também os motivos que me fizeram lhe largar por ele.
Quando eu ainda morava com meus pais, nos mudamos pra uma casa grande, eu, meus pais e meu irmão. Havia uma edícula nos fundos e meu quarto, que era muito grande, dava parede com essa construção. Meu pai alugou pra um casal que vinha do interior. Eram bem humildes, um casal bem modesto, eles tinham uma relação parecida com a nossa, eram muito tranquilos. Ele era caminhoneiro e passava dias ausente. Um dia, resolvi tirar um salmo que estava pendurado na parede que estava lá desde que mudamos. Nisso, detectei que havia um buraco bem pequeno na parede que dava pra ver a sala deles. Meu quarto tinha o nível maior que o deles e o buraco ficava quase no teto deles. Eu nunca fui curiosa assim, mas aquilo me chamou atenção. Não comentei nada com meu pai, era muito tímida, achava que meu irmão ia ficar curioso, falar que cobriria o buraco e trocaria de quarto comigo pra ficar vendo a vida dos outros. Não era minha intenção, mas numa noite notei movimentos na casa, isso não era comum. Me vi com uma vontade incrível de ver o que se passava e olhei pelo buraquinho. Vi a cena: a mulher estava chupando um outro homem, mais moreno, diferente do marido. Fiquei tesa! Estava ajoelhada e ele sentado no sofá. Ela estava traindo o marido! Não deu pra ver muita coisa... mas... eu abri ainda mais o buraco, na esperança de acontecer uma outra vez. Na semana seguinte deu pra ver: ela estava mamando gulosamente um pau enorme! Eu não tinha muita noção, mas a mão dela não fechava direito, e ele dava linguadas nele. A luz estava acesa e deu pra ver bem. Estavam entretidos. Ela sentou nele e começou a pular. Fazia caras e bocas, e eu estupefata! Não dava pra ouvir muita coisa, apesar do silêncio da noite.
Passei a me masturbar pensando no que vi e ela se encontrou com ele mais umas três vezes. Ela era muito dissimulada, pois quando estava com o marido, era o maior amor. Eu ficava olhando “como ela pode?”. Meses depois, eles foram embora. Meu pai disse que eles brigaram muito. O marido deve ter descoberto. A partir daí, fiquei pensando que ela fazia isso por causa do prazer que o tamanho do pau dele proporcionava. Quando conheci você, três anos depois, tentei esquecer aquilo, pois na minha mente, eu só queria perder a virgindade pra um pausudo que nem o amante da inquilina. Mas me apaixonei por você e vi que a vida é mais que o desejo de uma rola grande. Cheguei a esquecer tudo isso, até minhas colegas atazanarem meu juízo com a história do pintão do Montanha. E naquele samba, naquele ambiente lascivo, ele apareceu e todo esse flagra, esses momentos, minhas siriricas, voltaram com tudo nesse dia. E me vi com um desejo mais que aflorado.
Eu não tive como escapar disso, Zelito... Nunca contei a ninguém, eu era uma garota que descobri de forma torpe como o sexo podia ser alucinante... Não conversava sobre isso, era tímida, isso modificou minha visão do sexo... tentei esconder isso no nosso relacionamento, estava conseguindo, mas aí veio o Montanha e aquilo tudo me arrebatou...”
Gracinha contava isso chorando. Zelito não ofereceu um lenço, um copo de água. Parecia que ela era uma personagem de um filme ruim que ele deixou de assistir e retomou pra ver como terminava. Apesar de se sentir meio aturdido de estar envolvido com as verdades daquela tarde, ele sabia que isso não seria um fardo a carregar. No íntimo dele, ele sabia que ao chegar em casa as coisas se dissipariam e aquelas duas sumiriam como sumiram, dessa vez pra nunca mais voltarem. E toda essa verdade viraria pó, acompanhado de um bom queijo, um bom vinho, e uma foda daquelas com sua chilena.
“Há um ano e meio perdi meu pai. Minha mãe está morando numa casa de repouso e está bem, na medida do possível. Uma sobrinha de meu pai administra o lugar e faz tudo por ela. Eu estou vendendo bolos e café na rua, sempre próximo de algum prédio em construção, vendendo pra piãozada. A dona de uma lojinha ficou minha amiga, fez eu contar parte de minha vida, ficou com dó, e me ofereceu um emprego de confeiteira numa empresa de doces em Palmas, no Tocantins. Estou indo refazer minha vida lá. Quero voltar apenas pra visitar minha mãe. Minha vida acabou por aqui”.
Gracinha e Zelito ficaram se olhando e logo depois ela iria embora. Zelito também começou a se aprontar para ir pra sua casa descomprimir todo esse dia nacional da verdade. E jogou a carta fora. Depois de tudo revelado, não restava nada. Mas a carta não havia terminado. Se ele continuasse a ler, teria a segunda grande coincidência do dia. Talvez, maior que a primeira. Ou complementando tudo. Continuou Maristela, encerrando aquele imbróglio.
“Pois bem, Zelito. Tudo isso tem a ver com minha relação conturbada com minha mãe. Você sabe que quando me encontrava com ela, sempre rolava uma discussão. Então... Quando eu tinha uma certa idade, fiquei morando com minha avó no interior e meus pais foram tentar a vida na capital. Um ano depois, eles retornaram, meu pai jogou na cara de todos que ela o havia traído. Ela, cinicamente, admitiu. Disse que ele nunca a valorizou e deixava ela sozinha com estranhos, numa cidade cheia de gente maliciosa. Acontece que eu estava pronta pra ir morar com eles e estudar, eu sonhava com isso, em sair daquele lugarzinho de merda. E a traição dela acabou com esse sonho.
Meus pais se separaram e minha mãe ficou lá, dependendo de minha avó. Com 18 anos, vim me embora tentar a vida. Minha mãe praguejava contra a família que os hospedou, mais especificamente a filha do casal, os donos da edícula. Ela falava direto que a menina sabia do casinho dela, pois ela olhava-a recriminando. Ela achava que a menina era uma sonsa e que talvez tivesse contado tudo. Uma vez ela estava bêbada com amigas dela e falava “aquela putinha tinha inveja de mim! Ela devia ouvir eu gozando naquela rolona” e gargalhava. De certa forma, minha mãe começou, depois de um tempo, a falar com suas amigas o prazer que tinha com o amante dotado. Dizia que o rolão dele levava ela a orgasmos enlouquecedores. Isso de alguma forma se introjetou em mim, e eu, que repudiava e culpava ela pela minha adolescência tediosa, ficava pensando como uma mulher com um casamento que prometia um futuro decente pôde jogar tudo fora por causa de um amante. E quando conheci esse homem com quem fui conviver e vi aquela imensa pica que ele tinha, fui deixando me envolver pela curiosidade de saber se uma mulher podia jogar tudo pra cima por causa de uma rola, é porque o prazer que ela proporcionava era de outro mundo. E foi assim que me entreguei a esse homem, apelidado de “Montanha”.
Enquanto estive com ele, passei a ter mais raiva de minha mãe, pois vi que a rola do amante dela desmontou totalmente seu caráter, e vi que passei por tudo isso, então era igualzinha a ela.
Quando vim pra São Paulo com meus 18, fui procurar aquela moça na casa onde meus pais moraram de aluguel, saber se foi ela quem havia contado sobre a trairagem de minha mãe. Lá chegando, essa família não mais morava. Os filhos haviam se casado e aquela casa grande não servia mais pra eles. A única coisa que descobri, era algo absolutamente inútil. Que a menina
... Era conhecida como Gracinha”.