Ele fechou então a porta e, seguro de que Amanda não nos via, olhou para mim, e tive a impressão de vê-lo erguer sutilmente o dedo médio, mas dada a distância, não tive a certeza. Então, deu a volta, entrando no caminhão. Só depois, ela me acenou da janela enquanto partiam. Minha noite só começava a ficar ruim…
[CONTINUANDO]
Eu não tinha cabeça para forró algum, por isso voltei para casa com o coração apertado. O sono era uma ficção para mim naquele momento. Sentei-me na sala, assisti alguns programas (não me perguntem quais, não lembro!), joguei vídeo game, mas não conseguia me concentrar em nada. Então, decidi beber e bebi um tanto bom, cochilando.
Eram umas 3:00 da madrugada quando despertei, angustiado. Resolvi ligar para ela, porém o celular estava desligado, certamente estavam trepando. Deitado sozinho em nossa cama de casal, pela primeira vez desde que nos casamos, fiz questão de compartilhar com ela minha angústia em forma de mensagens no aplicativo:
Eu - “Primeira vez desde que casamos que durmo sozinho em nossa cama.”
Eu - “Estou totalmente decepcionado com você.”
Eu - “Isso não é amor.”
Comecei a me indagar como a minha jovem, bela e delicada esposa teria se envolvido com um homem mais velho, negro, rustico, de classe social e comportamento tão diferentes do nosso. Um homem autoritário, agressivo, com um comportamento tão diferente do meu. Se ainda fosse alguém melhor, mais bonito ou mais rico que eu, talvez eu entendesse, mas esse Jurandir não dava para entender. E naquele momento ela estava lá, num hotel barato, de um posto de gasolina qualquer, dormindo com ele, aliás, “dormindo” é forma de dizer, porque deviam estar trepando como dois animais no cio: ele mandando, ela acatando suas vontades, servindo-o com aquele lindo corpo nu, até há pouco tempo atrás só tocado por mim.
Às 7:00 da manhã meu telefone tocou, era Amanda, pedindo-me para buscá-la, justificando que não queria que Jurandir a deixasse em nossa cidade em plena luz do dia:
- Venha de táxi! Já estou pouco me lixando para o que vão falar. - Foi a minha resposta.
- Amor, por favor…
- Não vou, porra! Já falei. - Disse e encerrei a chamada.
Ela voltou a me ligar mais duas vezes, mas não atendi e ela desistiu. Curiosamente, entrei no WhatsApp e vi que ela havia recebido e lido minhas mensagens, mas não as respondeu. Talvez não tivesse o que falar, eu não teria… Mas, coincidentemente, nesse momento vi que ela teclava uma mensagem que não tardou a chegar:
Amanda - “Estou indo de táxi, então.”
Amanda - “Sei que está chateado, mas eu te amo e precisamos nos acertar.”
Amanda - “Temos muito o que conversar.”
Conversar era tudo o que eu não queria naquele momento. Então, levantei-me mesmo sonolento, bem mais cedo do que minha rotina diária e decidi sair de casa. Troquei de roupa rapidamente e entrei no meu carro, dirigindo sem rumo. Fui parar num pesqueiro entre a minha cidade e uma cidade vizinha, um bom lugar para quem quer pensar na vida. Comprei um boné, uma vara de pescar simples, algumas iscas e fui me sentar à beira de um dos lagos, acompanhado somente de um latão de cerveja e de minhas lembranças.
Como eu já imaginava, Amanda começou a me ligar insistentemente. Silenciei o meu celular, jogando-o no bolso e voltei a me recolher a paz do meu momento. Já passava da segunda sacola de peixes e do meu terceiro ou quarto latão quando tive a curiosidade de olhar na tela do meu celular. Havia várias mensagens da Amanda se lamentando pela noite anterior e se desculpando pelas atitudes do Jurandir. Como se fosse ajudar, ela ainda enviou umas fotos dele dormindo de cueca, da própria buceta e do cu, tentando comprovar que realmente não haviam transado, como se isso fizesse alguma diferença. Desculpou-se por não ter ficado comigo, mas disse que precisava realmente conversar com ele e situá-lo se ele quisesse continuar a encontrando. Ignorei todas as mensagens e não as respondi, mas sabia que ela saberia que eu as recebi e li.
Fui até a área de serviço do pesqueiro e pedi que pesassem, limpassem e guardassem na geladeira o meu pescado. Depois fui até o restaurante, onde pedi uma porção de tilápia empanada e um acompanhamento de arroz e salada simples, e mais cerveja. Passei boas horas naquele local, até cheguei a me esquecer da Amanda e dos problemas por um momento. Eu estava fazendo hora no restaurante, navegando na internet, quando, por volta das 14:00, recebo algumas mensagens do jegue, o próprio Jurandir:
Jurandir - “Moço, desculpa por ontem.”
Jurandir - “Num sô bom com as palavra, então só peço desculpa.”
Jurandir - “Eu gosto muito da branquinha e fiquei perdido quando vi que ela ama ocê.”
Jurandir - “Acho que foi isso.”
Jurandir - “Um dia, talvez quando eu vortá na próxima semana, queria conversar com ocê, só nóis dois.”
Esse eu tive vontade de responder, queria xinga-lo feito gente grande, mas depois de refletir um pouco, decidi ignorá-lo, igual estava fazendo com a Amanda. Continuei ali no pesqueiro, bebendo e comendo porções até as 16:00, quando enfim acertei minha conta e voltei para casa.
Cheguei, estacionei e entrei. Amanda estava sentada no sofá e levantou o rosto para me encarar, estava com olhos inchados e nariz vermelho de tanto chorar. Levantou-se e veio em minha direção tentando me abraçar, mas a evitei, colocando a mão em seu peito:
- Nem encosta! Não estou afim.
- Amor, por favor... - Disse e começou a chorar novamente.
Dei-lhe as costas e fui até a cozinha, levando os isopores com peixes, já limpos e acondicionados em sacos de alimentos. Guardei a maioria no freezer e deixei dois para fritar mais à tarde, afinal, prazer de pescador é comer o fruto de seu trabalho. Amanda estava sob o batente que separa a cozinha da sala de jantar e me olhava em silêncio. Quando viu que eu terminei o que fazia, insistiu:
- Eu… queria conversar com você.
- Fala, uai! Não sou teu dono e não mando em você, já te falei isso.
- Ontem… Desculpa, eu devia ter ficado com você.
- Ah! Nisso a gente concorda. Pena que você tenha que fazer suas cagadas para depois ver que errou.
- Desculpa…
- Foda-se!
- O quê?
- É foda… a situação… - Despistei.
- Ah… Então… Ontem, eu fui com o Jurandir porque queria conversar com ele a sós, mostrar o quanto ele errou com você, fazer ele entender que deve nos respeitar sempre que estivermos juntos porque nós, eu e você, é que somos o casal.
- E por que não fez isso aqui!? Esse enquadro, eu gostaria de ter ouvido. - Sorri, imaginando a cena.
- Por que!? Uai! Porque… Porque ele é um chucro, amor, um brutamontes, e poderia ficar ofendido se eu dissesse tudo o que disse. Pior é se ele perdesse a cabeça e te agredisse quando você rissse como está fazendo. É por isso!
- Aham, sei… - Desdenhei.
- Eu juro! Nós… não… transamos! Te mandei as fotos. Quer ver a minha xoxota? Mostro agora para você ver que está fechadinha e branquinha.
- Ainda não decidi se quero ver sua cara ainda, o que dirá a sua buceta... - Desdenhei uma vez mais.
- Amor, não fala assim…
- Vai se foder, Amanda! Porra! Será que você não consegue entender a merda que está fazendo no nosso casamento? Caramba, mulher! - Explodi de vez, encarando-a com sangue nos olhos: - Porra! Eu já tive que engolir essa sua paixão de pica por aquele merda de homem, chucro, sem cultura, sem atrativo nenhum a não ser o pau gigante que ele fez questão de quase esfregar na minha cara, e você aceita que ele me humilhe, aliás, você me humilhou ontem quando se trancou com aquele filho da puta na nossa suíte. Será que você não consegue enxergar isso!?
Ela se calou e baixou a cabeça. Vi lágrimas rolarem, mas me senti bem em ter lavado a égua daquele jeito. Peguei um copo para tomar um pouco de água e ele parecia um maremoto em minhas mãos que tremiam, respingando por todo o armário. Olhei para ela que agora estava sentada à mesa, olhando-me com os olhos ainda marejados:
- Desculpa! Eu… Eu só não pensei direito…
- Há, há, há! Não brinca!? Nem notei… - Retruquei da forma mais ácida possível e dei o que considerei um “check mate”: - E agora? Ainda vai insistir nessa loucura?
- De ficar com ele, vez ou outra?
- É óbvio! Por quê!? Tem alguma outra?
- Não, não tem…
- Tá! E aí? Vai insistir ou vai desistir?
- Vou… - Respirou fundo, desviando seu olhar por um momento e depois me encarando, respondeu: - Continuar… Eu vou continuar…
- Ok… - Dei de ombros, minimizando a resposta e dando por encerrada a conversa, afinal, eu precisava fritar os meus peixes.
- Vocês precisam se conhecer melhor, amor, conversar, sei lá, tomar uma cerveja juntos, assistir um jogo, mas vocês precisam parar de implicar um com o outro. Eu… Eu vou falar com ele e marcar um novo jantar. Daí vocês…
- Jantar!? Eu e ele? Aqui? De novo? “Nem a pau, Juvenal!” Não, não, não, espera, espera, espera! Tenho uma melhor: “Nem se o cu cair, Jurandir!” - Falei e gargalhei, zombando de mim mesmo.
Ela sorriu, mas sem achar graça alguma. Talvez apenas para me acompanhar naquele arroubo de loucura que nossa vida havia se transformado:
- Mas, amor, a casa também é minha e…
- Nunca! - Eu a interrompi com um dedo em riste, em sua direção: - Nunca, nunca, nunca mais eu quero aquele filho da puta na minha casa! Entendeu, Amanda? Nunca mais! Quer dar para ele? Tô pouco me fudendo para você! Quer dar? Dá pra ele, dá pra quem você quiser, mas faça isso bem longe daqui. Tenha o mínimo de respeito por mim, meu nome e da minha família.
Se ela tinha a intenção de torná-lo frequentador assíduo de nossa casa, acho que joguei um banho de água fria em suas intenções. Ela não insistiu e se calou, ficando apenas de olho no que eu fazia, mas com um semblante triste, de dar dó mesmo. Só que a minha alma estava ferida e eu queria briga, muita briga. Depois de um tempo em silêncio, enquanto eu picava os peixes para empaná-los e fritá-los, perguntei num tom bem calmo e casual:
- Então… Não rolou nada ontem?
Não me virei em sua direção, então certamente ela imaginou que fosse uma armadilha, tanto que demorou a responder e só o fez depois que eu repeti a pergunta:
- Conversamos… bastante.
- E ele entendeu a merda que fez?
- Acho que sim. Não! Eu sei que entendeu e sei disso porque eu disse que a gente não iria transar por causa do que ele te fez.
- Entendi… - Voltei a ficar em silêncio, mas logo insisti: - Não fez nada mesmo? Nadica de nada?
Surgiu um silêncio estranho, pois imaginei que ela fosse simplesmente confirmar o que já havia dito. Virei-me em sua direção e sua cara era a síntese da contradição: queria dizer uma coisa, mas demonstrava outra. Sem saída e sem querer mentir, pois “honestidade” ela dizia ser uma característica sua, falou:
- Depois que a gente conversou… Bem depois mesmo que o fiz entender o tamanho da cagada que ele fez, eu… a gente…
- Vocês transaram. Eu já sabia... - A interrompi, balançando negativamente minha cabeça.
- Não, não transamos. Mas como ele disse que estava arrependido e me pediu desculpas várias vezes por tudo o que havia feito, justificando que fora por ciúme de mim, acabei batendo uma punhetinha para ele se acalmar…
- Sei…
- E fiz um boquetinho também, bem rapidinho e sem graça.
- Claro! Claro que sim… - Eu desdenhava sem parar.
- Eu não te traí! - Falou com voz firme: - Falei que não ia transar e não transei!
- Traiu sim. Quando você preferiu sair com aquele bosta de homem, ao invés de ficar comigo, você me traiu. Traiu a minha confiança e o sentimento que pensei que ainda existisse entre a gente!
Foi a gota d’água. Amanda começou a chorar e assim saiu da cozinha, indo se trancar em nossa suíte. Só depois de fritar os meus pescados é que fui até lá, mas apenas para avisá-la. Naturalmente, ela disse que não queria, o que para mim não era problema algum, pois me sobraria mais. Fiquei petiscando, bebendo e assistindo a um jogo ruim demais do Flamengo contra o Vasco, o qual, finalizado o primeiro tempo, o único que parecia estar ganhando era a bola. Terminado o jogo, minhas cervejas e a paciência, acabei decidindo ir até minha suíte e exigir que ela abrisse a porta. Muito a contragosto ela a abriu:
- Não quero dormir com você.
- Problema seu! Não quer, vai para a sala você. - Falei sem titubear e entrei, emourrando-a para o lado.
Ela sentiu o baque, mas geniosa que é, realmente foi. Pegou seu travesseiro, sua coberta de estimação e foi dormir no sofá. Na manhã do dia seguinte, levantei no meu horário de costume e fui até a cozinha. Ao passar pela sala, Amanda ainda dormia. Decidi passar um café forte e esquentei um pão com manteiga na frigideira. Acredito que o cheiro de ambos a despertou, mas ela estava só o pó, literalmente o resumo de uma noite mal dormida. Fiz questão de a servir, gentilmente, com um sorriso bastante cínico de sua situação e me sentei, servindo-me também. Ela mordeu o pão me encarando e chorou:
- O que foi? Mordeu a língua? - Perguntei sarcasticamente.
- Para, amor! Por favor, para.
Parei, me calei e fiquei apenas observando sua cena que, naquele momento, não me comovia em nada. Ela respirou fundo, com olhos fechados e quando os abriu, me encarou:
- Quero te pedir perdão por tudo o que fiz de errado. Você não merecia nada disso.
- Uai! A conversa começou boa. - Respondi sarcasticamente e ainda completei: - Pelo menos, para mim. Só isso ou tem mais a falar?
- Tenho… - Respirou novamente: - Não vou mais colocar o Jura acima de você: ou ele entende que você é o meu marido, ou a gente termina.
Não era o que eu esperava e a resposta certamente não me agradou, mas também não desagradou. Ela parecia querer falar mais e como eu ainda não havia terminado o meu café da manhã, acabei ficando e ouvindo:
- Eu nunca deveria ter saído com ele depois do que ele fez e sim, você está certo, eu nunca deveria tê-lo recebido em nosso quarto sem a sua permissão.
- E isso eu não vou permitir nunca, que fique bem claro! Lá ainda é o nosso lugar, não quero saber de outro homem lá! Não mesmo…
- Tá, eu já entendi. Você me perdoa?
- Você vai continuar com ele, né?
Ela mordeu os lábios, num movimento que eu conhecia bem e sabia que significava que ela estava no limite da tensão, mas novamente ela foi honesta:
- Vou! Por enquanto, eu vou…
- Certo! Não volto atrás na minha palavra: se eu te permiti, está permitido; mas escuta bem o que vou te falar, vou começar a sair direto também e reze para eu não conhecer alguém que me impressione.
- Eu já te falei que não tô apaixonada por ele, que é só sexo. Não quero que você arrume outra.
- Você não tem que querer ou não querer. Como foi que você falou mesmo? - Fingi ter esquecido uma passagem negativa dita por ela, mas que me marcou muito: - Ah é: “vou e pronto!”
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, MAS OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL PODEM NAO SER MERA COINCIDÊNCIA.
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