“Poema em Linha Reta” é um texto de Fernando Pessoa. Nele, seu heterônimo Álvaro de Campos reclama de nunca ter conhecido ninguém que apanhou, foi covarde ou foi ridículo, todas as pessoas à volta dele eram campeãs, seres perfeitos. Sei que muitas pessoas vão julgar pela minha história, mas o que posso fazer? Se fosse possível voltar no tempo, eu faria quase tudo diferente do que eu fiz, mas na época, eu sendo jovem e ingênuo, não estava preparado para toda complexidade que a vida tem para oferecer.
Eu vivia estressado com o cursinho e o estudo para o vestibular, e ao mesmo tempo em dúvida com relação ao meu namoro. Do meu grupo de amigos, eu era o último que ainda estava com sua namorada do ensino médio. Parecia quase impossível o amor vencer contra a distância, as mudanças e novas experiências que apareciam nessa fase da vida. Um por um, eu via os soldados caindo e me perguntava se eu tinha alguma chance de sobreviver.
Por isso que eu acreditei que uma ida para praia seria ideal. Kayke, meu amigo, convidou Taís e eu para passar um feriado na casa dos pais dele, uma mansão esplêndida na orla. Um grupo bem grande de amigos nossos estaria lá. Seria a primeira vez na minha vida que iria para uma viagem sem nenhum pai presente, já que havia acabado de tirar a carta.
Eu estava animado de viajar, porém não tanto com a ideia de passar o final de semana com o Kayke. Eu o conhecia desde pequeno, passamos horas jogando bola junto, muito por isso nossa amizade ainda existia naquele momento, mas quanto mais o tempo passava, mais claro ficava que existiam diferenças irreconciliáveis nessa relação.
O aspecto que mais me perturbava era o lado um tanto sadista de Kayke, que gostava de intimidar as pessoas. O modo como ele fazia isso diferia bastante do estereótipo dos filmes americanos, onde um atleta do nada vinha e colocava a cabeça de um nerd na privada. Kayke preferia humilhar aqueles próximos a ele, mascarando suas ações como brincadeiras inocentes, fazendo parecer que todos estavam envolvidos no jogo. Não foi ideia dele me chamar de “preguiça”, mas claramente ele era um dos mais envolvidos na brincadeira e o que mais tentava popularizar o apelido. Há anos ele não me chamava pelo meu verdadeiro nome.
Também me irritava profundamente a forma machista com que ele comentava sobre mulheres. Na cabeça dele, o sonho de todas as mulheres do mundo era cavalgar no pau dele. A cada nova conquista, ele tinha que contar vantagem, muitas vezes expondo a menina através de fotos e vídeos no nosso grupo de Whatsapp. Kayke era viciado em contar vantagem e provocar. Ele achava a piada mais engraçada do mundo me falar o que ele faria com Taís se ela não fosse minha namorada.
Se hoje eu tenho algum conselho para os mais jovens é: nunca deixe lixo acumulado na sua casa. O lixo pode parecer inofensivo, mas ele atrai doenças e pragas. Kayke era o lixo que eu deixava na minha vida, esperando que algum momento ele fosse crescer. Foi o primeiro grande erro que eu cometi.
Antes mesmo de chegar na praia, no carro na viagem de ida, eu já havia percebido que a viagem não seria tão relaxante quanto eu imaginava. Como a gente ia cinco pessoas, acabou que eu fui dirigindo, Caio, um amigo meu mais gordinho, veio no passageiro, e atrás foi o Kayke, a Taís e o Rodolfo, outro amigo nosso. Kayke estava elétrico com o evento, exacerbando todas as coisas que eu odeio nele.
Faltavam três horas de viagem.
“Nossa preguiça, essa joça tá muito apertada”, ele disse me provocando assim que entrou no carro. Minha família não tinha dinheiro para torrar em carros de luxo ou mansões na praia como a dele, claro que aos olhos dele, o que eu tinha era uma porcaria. Só existia uma coisa que eu possuía e ele cobiçava.
“Acho que a japa vai ter que vir no meu colo para ocupar ainda menos espaço!”
Com os anos, eu aprendi que a melhor solução para lidar com a idiotice do meu amigo era deixar ele se cansar. Se você demonstrasse que as provocações foram efetivas, isso só o deixaria ainda mais excitado com a situação. Então, pela minha paz de espírito, eu tive que fingir que ele sugerir que minha namorada sentasse no colo dele era uma ótima piada.
Kayke manteve seu espetáculo de humor, puxando minha namorada para o seu colo, enquanto ela resistia e pedia para ele parar, embora risse bastante da situação. “Gente, a brincadeira tá atrapalhando aqui. Vamos relaxar um pouco vocês dois?”, eu disse no meu tom paternal e calmo, escondendo que meu sangue fervia. Os olhos de Kayke brilharam, detectando meu incômodo com a situação.
Faltavam duas horas de viagem.
“Caralho, chupa em pé, que perna musculosa!”, Kayke disse enquanto apertava a coxa da minha namorada. Ele encostar nela já era algo que me incomodava bastante, mas com certeza o que eu mais odiava eram os apelidos que ele chamava ela, sempre algo bem inapropriado.
Eu já havia pedido para Taís se impor mais nessas situações, brecando um pouco ele, mas ela fazia justamente o contrário, se divertindo da brincadeira dele. “Ah Vini, não dá para levar a ferro e fogo tudo que o Kike fala. É o jeito brincalhão dele”, ela costumava me dizer.
“Viu só Kike? Muita ginástica! Sente essa parte”, Taís disse posicionando a mão de Kayke mais para cima da sua coxa e fazendo força. Ele balançou a gola da camisa fingindo ter ficado com calor repentino ao tocar ali, o que fez minha namorada dar um tapinha no peito dele e falar que ele era um bobo. Caio interrompeu e puxou qualquer outro assunto nessa hora, percebendo que eu poderia bater o carro de raiva se aquilo continuasse.
Faltava apenas uma hora de viagem.
A energia de todos no carro já havia esgotado. Apenas Kayke continuava agora em um monólogo sobre o melhor boquete que ele havia recebido na vida. Vendo que não cativava o público como antes, Kayke decidiu que precisava usar um último recurso para inflamar a platéia.
“Eai preguiça, a vagabunda chupa bem? Ela não tem cara não.”
Eu não tive tempo nem vontade de responder. Fingindo estar ofendida, Taís deu mais um tapa de brincadeira nele e respondeu por mim: “Como se é idiota Kiko! Eu nunca vou fazer esse tipo de coisa.”
Os olhos de Kayke foram substituídos por diamantes ao ouvir aquilo. Acho que Caio era a única pessoa que conseguia ver de fato minha expressão naquele carro. Eu estava derrotado, sabia que aquilo era meu fim.
“NUNCA CHUPOU O PREGUIÇA? Ah então eu terei o prazer de ser o primeiro a receber um boquete da japinha do bundão!”
Ao terminar essa frase, Kayke puxou a cabeça da minha namorada para o colo dele, cobriu a cara dela com a camiseta, e ficou empurrando a cabeça dela contra a própria cintura, tudo isso enquanto cantava os belos versos: “A novinha experiente já nasceu com esse dom, Vi logo uma novinha que faz um boquete bom, dom dom dom”. Minha namorada empurrava, batia e pedia para ele parar. Mas, em nenhum momento ela parou de rir daquele idiota.
<Continua>
Para quem estiver curioso, parte 3 já está no meu blog www.ouroerotico.com.br