Contratados: A Rendição - Capítulo 18

Um conto erótico de M.J. Mander
Categoria: Gay
Contém 4328 palavras
Data: 23/07/2024 22:58:04

CAPÍTULO 18

*** MARCOS VALENTE ***

Ele está sorrindo.

Anthony está sorrindo enquanto oferece um imenso algodão doce a uma criança e eu não consigo me impedir de sorrir também. Como se atraído pelo meu olhar, levanta a cabeça, seus olhos encontram os meus, seu sorriso se torna ainda maior e eu me pergunto quando foi a última vez que fiz um check-up. Acho que meu coração não deveria mudar de ritmo tão aleatoriamente assim.

A criança sai feliz pelo parque, carregando nas mãos um palito com uma nuvem de algodão doce muito maior que a própria cabeça e Anthony caminha na minha direção.

No momento em que ele está alcance de minhas mãos, envolvo os braços ao seu redor e afundo o nariz em seu pescoço. Porra, como eu adoro o cheiro desse homem.

— Eu não ganho algodão doce? — pergunto e ele gargalha.

— Você quer um algodão doce, Marcos?

— Depende, ele tem que vir no palito?

— E aonde mais ele viria?

— Na sua boca... — falo baixinho, meus lábios muito próximos dos seus.

— Derreteria antes que você pudesse provar... — sussurra em tom de confissão.

— Ótimo... Assim ele não me atrapalharia de sentir seu gosto...

— Então não é algodão doce que você quer. — Seus olhos e lábios sorriem.

— Droga! Fui descoberto! — Outra gargalhada e eu levo minha mão até sua bochecha. Lindo e tão, tão gostoso! Não falo do corpo, do sexo. Falo da companhia, da presença, dos gestos, dele inteiro. Mais de dois meses desde o casamento, três semanas desde que ele finalmente parou fugir e parece que eu não tive nada dele. Nunca.

Achei que quando eu finalmente tivesse acesso ilimitado ao seu corpo aquele desejo sufocante sumiria, mas ele só mudou de lugar. A cada dia eu continuo querendo mais e mais. Mais sorrisos. Mais beijos. Mais da sua voz, do seu cheiro, mais de tudo e não sei se quero parar de querer em algum momento.

O que isso significa? Eu estou enlouquecendo? Porque eu já não tenho dúvidas de que perdi a cabeça. Só não sei se isso significa que estou ficando louco ou alguma outra coisa.

— Eu vou beijar você agora... — É ele quem diz, me arrancando um sorriso. São raras as ocasiões em que ele não olha para os lados antes de fazer isso e mesmo entendendo a lógica de manter o que estamos fazendo longe dos olhos de Isabella, mesmo que eu saiba que concordei com isso, mesmo que o sentimento não faça qualquer sentido, ainda assim, ele existe. Estou descobrindo que não gosto nem um pouco de precisar me esconder com Anthony como se estivéssemos fazendo alguma coisa errada.

Nossos lábios se tocam e a sensação que se tornou meu fiel companheiro me atinge em cheio. Parece que tudo dentro de mim gela e esquenta ao mesmo tempo. É demais para que eu me preocupe em procurar palavras que sejam capazes de descrever.

A língua de Anthony não pede passagem ou licença, invade minha boca, disposta a arrasar tudo o que encontra pelo caminho com chupões, deslizes e massagens fodidamente perfeitas. É irônico que seja justamente dele o beijo que me rouba o ar todas as vezes quando por tanto tempo eu planejei nunca o beijar. Esposo bebê é o caralho. Anthony é homem em cada milímetro de pele. O meu homem!

O pensamento me assusta e eu interrompo o beijo bruscamente. Thony abre os olhos e franze o cenho.

— Que foi? — Passa a mão pequena em minha bochecha. Nego com a cabeça, atordoado com a enxurrada de sim’s e não’s em minha mente.

— Onde está Isabella? — pergunto, precisando de uma distração para ele, para mim. A ruga entre as sobrancelhas de Anthony permanece firme quando ele me responde.

— No teatro... Ainda vai levar pelo menos dez minutos pra peça acabar. Marcos! — Chama e espalma as duas mãos em meu rosto, me impedindo de fugir do seu olhar. Me deixo ser preso não apenas pelas palmas das suas mãos, como por seus olhos também. Eles gritam preocupação e eu me pergunto se seria tão ruim assim. Seria realmente motivo para desespero querer que ele fosse meu?

Uma vez Anthony me disse que pertencer não era sobre posse. Era sobre escolhas. Agora, pela primeira vez desde sempre, não posso evitar me perguntar se sou capaz de fazer essa escolha? Se sou digno de ser escolhido por ele e Isabella? Eu não sirvo para cuidar de ninguém... Não sou material para isso! Acho que tenho a resposta para a minha pergunta. Definitivamente, estou enlouquecendo.

— Marcos? O que houve? Você está se sentindo bem? — Seu tom mistura urgência e preocupação.

— Estou bem, Anthony... Não é nada... — Seu pescoço se inclina levemente para o lado e seus olhos deixam muito claro que ele não acredita em mim.

— Você está men— Se interrompe no meio da palavra, passa a língua pelos lábios, engole e vira o rosto para o lado.

Quando volta a me olhar, ainda que não faça a acusação certeira que eu sei que faria, seus olhos estão feridos. Expulso o ar dos pulmões. Não, Thony, não... Por favor... Agora, são as minhas mãos a espalmarem seu rosto e os meus olhos a impedirem a fuga dos seus.

— Tá tudo bem... Prometo... Eu só... Não é nada importante... Acredita em mim... — peço, beijo sua testa, depois, sua boca. Ele acena quase imperceptivelmente. Movo meus polegares sobre sua bochecha, aliviado com o encerramento do assunto. Mas o aperto em meu peito me diz que essa não vai ser a última vez que me farei essas mesmas perguntas.

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— Por que você escolheu direito? — Deitado em meus braços, em minha cama e completamente nu, Anthony me pergunta.

— Sem sono, é? — Não evito o sorriso em minha voz.

— Unhum. Agitado demais pra dormir... Não consigo parar de pensar na festa, na felicidade de Isabella... Tô ansioso pelas fotos!

— Ela ficou feliz, né? — Sorrio também e viro Anthony, deixando-o de frente para mim, — Minha mãe também está louca pelas fotos, me pediu pra enviar assim que as recebermos pelo menos uma dúzia de vezes. Provavelmente, da próxima vez que a visitarmos, vai haver tantas fotos de Isabella por aquela casa quanto há minhas...

— Isso te incomoda? — Parece preocupado com a resposta e minhas sobrancelhas se unem.

— Claro que não! Minha mãe está feliz sendo avó e Isabella está feliz sendo neta... Por que isso me incomodaria, Anthony?

— Foi só uma... Deixa pra lá, não importa... — Se move, querendo virar o corpo para o outro lado, mas eu o impeço.

— Ei.. Ei... Ei... O que está acontecendo? — No escuro posso distinguir seu rosto, mas não com perfeição. Decido que isso não é o suficiente. Estico o braço livre e acendo a lâmpada da cabeceira. Anthony pisca os olhos até se acostumar, mas, depois, não olha para mim.

— Thony, o que está acontecendo?

— Nada... Não é nada importante... — Devolve as palavras que eu lhe disse mais cedo e tenho vontade de revirar os olhos. Ao invés disso, estampo no rosto toda a minha frustração com sua resposta.

— Sério? É essa a resposta que você vai me dar?

— O quê? Você pode ter seus segredos e eu não? — De repente, Anthony está na defensiva e eu não tenho ideia de como é que chegamos aqui.

— Não é uma competição, Thony... Era só um assunto bobo... O que quer que esteja passando pela sua cabeça, não é bobo e eu sei disso porque posso ouvir a confusão daqui. — Expira com força antes de se virar para mim.

— É bobo... É só... É só coisa de pai, Marcos...

— E o que seria isso? — pergunto, pacientemente.

— Isabella está feliz sendo neta... Mas esse status tem prazo de validade... Pouco mais de vinte meses agora. — A resposta inesperada me atinge com uma força surpreendente e eu ergo as sobrancelhas.

Coisa de pai, ele disse. Então por que essa perspectiva também dói em mim? A simples ideia de arrancar de Isabella uma de suas fontes de felicidade faz parecer que há uma mão esmagando meu coração e eu preciso de uns segundos para me livrar da sensação, porque sei que ela é injustificada.

Já o amargor em minha boca pela lembrança de que existe um relógio contando o tempo, bem, isso não é injustificado e segundos não são o suficiente para afastá-lo. Desconfio que nem horas, dias, semanas ou meses serão.

Puxo Anthony ainda mais para mim, colando seu corpo ao meu. Ele não resiste, mas também não se aninha como costuma fazer.

— Duas coisas... Preocupações de pai nunca são bobas, você sempre pode conversar sobre elas comigo, Anthony. Sempre! Se eu ainda não deixei isso claro, estou deixando agora. — Passamos algum tempo nos encarando em silêncio antes de ele acenar em concordância, — E segunda coisa... Você está completamente louco se acha que algum dia minha mãe vai deixar de enxergar Isabella como neta... Nem hoje, nem amanhã, nem daqui a dois, dez ou vinte anos, Anthony. O laço que ela criou é eterno. Ela vai estar com Isabella na primeira formatura, na segunda, na terceira e quantas vezes aquela garotinha decidir se formar! Vai estar nos aniversários e no casamento... Minha mãe e meu pai sempre estarão lá... — Seus olhos estão cheios de lágrimas não derramadas e em expectativa por algo mais.

Por um instante, acho que os ouço me perguntarem, “E você, Marcos? E você? Também sempre estará lá?” e quero responder que sim! Eu estarei sempre lá, para Isabella... Para você... Mas que porra?! Que caralhos está acontecendo comigo? Desvio os olhos, não suportando a dúvida sobre estar ouvindo coisas ou não dos olhos de Anthony.

— Meu pai... — respondo à pergunta que já havia sido esquecida ainda sem olhar para meu esposo. Ele pigarreia e eu espero em silêncio.

— Foi por causa dele? — Graças a Deus ele se lembra.

— Foi... Ele sempre foi o meu super-herói favorito, sabe? Em casa... E na rua... Eu só queria ser igual a ele. — admito algo que poucos sabem. Poucas pessoas conhecem minha relação com o meu pai. Posso contar nos dedos das duas mãos quem sabe o real motivo da minha escolha de carreira e nos de uma única mão aqueles que sabem o quão realizado eu sou com ela. Não podendo mais fugir sem que o clima fique ainda mais estranho do que já ficou, volto a olhar para o homem deitado ao meu lado. Anthony está concordando com a cabeça. — E você? Por que decidiu seguir os passos do seu pai? Conhecendo a história de vocês, eu jamais esperaria isso, mesmo antes de Isabella. — Como se puxado por um fio invisível, minha mão alcança a bochecha de Anthony e acaricia a pele lisa. Se longe eu pareço ser constantemente atraído na sua direção, perto assim, simplesmente não consigo ficar sem tocá-lo, não quero ficar.

— Eu não queria... Na verdade... Antes de Isabella eu estava prestes a cursar direito como qualquer outra coisa na minha vida. Só pelas aparências, sabe? Mas, depois dela tudo mudou... Tudo ganhou clareza... E eu quero ser capaz de ajudar pessoas como eu...

— Lindas?

— Sozinhas...

— Você não é sozinho, Anthony! — Sou rápido em afirmar, mas sua resposta é um sorriso triste.

— Ter uma filha, sem casa, sem família, na adolescência, é difícil. Mas eu não consigo imaginar uma idade em que isso se torne mais fácil... Se não fosse pela Grazi... — Uma expiração curta deixa seus lábios junto com um som de descrença, — Eu nem consigo imaginar onde Bella e eu estaríamos a essa altura... — Balança a cabeça, negando. — Com certeza, não aqui. Nós tivemos sorte... Tanta sorte... — Para de falar e aperta os olhos com força, claramente, tentando se impedir de chorar, — Muitas, muitas pessoas não tem nem um porcento dela, Marcos... — Outra pausa. — Nem um porcento... — Suas palavras saem num sussurro e uma lágrima silenciosa rola pelo seu rosto. — Eu só quero ser capaz de fazer alguma coisa. Eu só quero ser pra alguém a chance que Grazi foi pra mim, entende? — Balanço a cabeça e me arrasto pela cama, acabando com o pouquíssimo espaço que havia entre nós e apertando meus braços ao redor de Anthony.

Colo minha testa a sua.

— Se eu soubesse como, eu voltaria no tempo só pra que você nunca tivesse que passar por isso... — digo e cada palavra é verdadeira. Apenas imaginar Anthony, aos dezessete anos, perdido, sozinho, sem ideia do que fazer, sem ter para onde ir. Porra. Só imaginar me enlouquece. Ele sorri e roça o rosto no meu em uma carícia.

— E aí eu nunca teria Bella... Seria uma vida sem sentido, Marcos... Seria uma vida triste. Nem sempre as coisas vão acontecer como a gente planeja, e tá tudo bem... A vida é mais do que planos dando certo... — Seus olhos estão abertos, completamente focados em mim. Eu concordo com a cabeça, deixo que as palavras se infiltrem em minha mente, “A vida é mais do que planos dando certo...” — Marcos... — chama mesmo que nossos olhares jamais tenham se desviado.

— Sim... — Anthony pisca como se estivesse tomando uma decisão. Mas, por fim, o que sai da sua boca é um pedido.

— Marcos, me beija?

E eu beijo.

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*** Anthony Rodrigues ***

— Eu quero contar pra ele. — digo assim que Grazi atende ao telefone enquanto ando de um lado para o outro sobre o tapete felpudo do meu quarto.

— É... — soa confusa e sonolenta, — São seis da manhã... Você vai precisar ser um pouco mais específico se quiser que eu entenda do que você está falando. — Pigarreia e eu posso imaginá-la esfregando os olhos nesse exato momento.

— Sobre o outro pai de Isabella, Grazi... Eu quero contar pro Marcos! — A afirmação deixa minha boca em uma enxurrada apressada de palavras. Desesperado é exatamente como me sinto, não suportando mais esse segredo e o que ainda escondê-lo significa.

Noite passada eu estive muito perto de contar tudo, mas minha covardia me impediu. Não tive coragem de arriscar aquele que vai ficar marcado em mim como um dos dias mais perfeitos que já vivi.

Deitado nos braços do meu marido, trocando confidências, eu quis tanto me sentir merecedor daquilo que doeu. A grande ironia é que aquilo que faz com que eu me sinta um impostor é justamente aquilo que, se revelado, pode me fazer perder o que eu tanto quero merecer.

— Espera, o quê? — Silêncio. Um pouco mais de silêncio. Uma expiração profunda. Som de roupas farfalhando. A voz da minha amiga, — Depois de cinco anos sem tocar no assunto nem comigo, de repente, você quer contar pra ele? An, tá cedo demais pra eu processar esse tipo de informação, simplesmente, cedo demais... — Posso ouvir seus passos arrastados e a abertura de uma porta. Bufo.

— Eu já tinha falado que estava incomodado, Grazi!

— Estar incomodado é uma coisa, An! Tomar uma decisão dessas é outra completamente diferente! — A voz da minha amiga soa arrastada, sonolenta. — Cedo demais, Anthony! Tá cedo demais pra você me obrigar a pensar! — resmunga.

— Tudo bem! Eu te ligo em dez minutos! — Desligo o telefone e olho para o relógio na mesa de cabeceira. Começo a andar de um lado para o outro no quarto como se isso fosse fazer o tempo passar mais rápido. Não vai, mas eu preciso gastar energia de alguma maneira, ou corro um sério risco de explodir.

Eu não deveria ter escondido esse segredo de Marcos. Não quando por mais de uma vez ele me perguntou se eu guardava algum e em todas elas eu disse que não. Em minha defesa, nunca esperei que nós dois chegássemos ao nível de intimidade que temos hoje.

Eu sei que não justifica, mas a opinião de Marcos deveria ser irrelevante na minha vida, eu deveria simplesmente não me importar com ela. Alerta de spoiler? Eu me importo. Todos os dias, um pouco mais.

Suspiro e passo as mãos pelo rosto, pelos cabelos. Fugi do seu quarto mesmo que não haja qualquer necessidade para isso. Depois do dia de ontem, duvido que Isabella acorde antes das onze horas da manhã, então hoje a fuga furtiva era realmente desnecessária. Eu poderia ter dormido um pouco mais, poderia ter aproveitado mais tempo do seu abraço, poderia até mesmo tê-lo acordado do jeito que ele adora, com seu pau em minha boca, mas não podia.

Passei a noite em claro, com os olhos fechados, fingindo estar dormindo, mas a verdade é que eu simplesmente não consegui. Se minha mente estava agitada antes da nossa conversa, depois dela, minha cabeça se tornou um verdadeiro desfile carnavalesco. Eu quero contar, eu preciso contar. Respiro fundo e olho para o relógio. Cinco minutos.

Minha mente se tortura, de novo e de novo, projetando por trás das minhas pálpebras as possíveis reações de Marcos. Raiva, decepção, traição? Como ele vai se sentir? Meu marido foi capaz de superar antes, ele vai ser capaz agora também, certo? Digo a mim mesmo, ainda que eu saiba que não é verdade. A situação antes era completamente diferente.

Não havia uma intimidade real entre nós. Não dividíamos a cama, sorrisos, nem confissões. Não havia a promessa de honestidade explícita dos dois lados e arrisco dizer que nem mesmo a expectativa dela. Não havia cuidado, carinho ou coração acelerado e sorrisos brilhantes apenas por vê-lo. Agora há. Há tudo isso e um pouco mais.

Respiro fundo. Uma, duas, três vezes. Mas o controle não me dá qualquer sensação de paz ou faz qualquer trabalho para eu me sentir melhor. Engulo, no entanto, o bolo preso em minha garganta não desce e eu quase ajoelho em agradecimento quando o celular vibra em minha mão antes dos dez minutos previstos.

— Oi...

— O que aconteceu, An?

— Eu não quero mais esconder isso dele... Eu não posso, Grazi... Só... Não posso... — Solto uma respiração presa, levo os dedos polegar e indicador aos olhos fechados e os massageio.

— Não que eu ache que você deva... Eu só quero entender, tudo bem? O que mudou, An? Depois de cinco anos de silêncio absoluto, você simplesmente acorda às seis da manhã de um dia qualquer, decide contar pra alguém e esse alguém é justamente o Marcos? Por quê?

— Eu não sei, Grazi... Eu não sei... Eu só sinto que se eu não contar, vou sufocar... Eu... Não é justo, Grazi. Não é justo com ele. Marcos não é o babaca que eu sempre julguei, não comigo. Não é justo que eu continue escondendo coisas dele de novo e de novo... — Minha fala sai entre pausas e ofegos. Hora as palavras saem rápidas demais, hora, saem lentas demais. — Eu sei que ele vai ficar puto, mas esse casamento só está no começo... Ainda não tem nem dois meses... É melhor agora do que depois, certo?

— Certo... — concorda, mas logo depois fica em silêncio, como se estivesse processando a informação e eu aguardo impacientemente.

— O que aconteceu essa noite?

— Quê?

— Ontem estava tudo bem, de repente, você acorda cedo pra caralho, praticamente desesperado. O que aconteceu nas últimas doze horas? Porque alguma coisa, com certeza, aconteceu.

Abro a boca para responder, mas ao tentar organizar uma frase coerente, percebo que não sou capaz. Não aconteceu nada além do normal essa noite. É só que mais uma noite nos braços de Marcos foi a última gota que eu sou capaz de suportar.

— Nada aconteceu, Grazi. As coisas vêm acontecendo há algum tempo. Tempo demais.

— Tudo bem. Mas você tem certeza? — Fecho os olhos.

— Tenho.

— E você entende que isso provavelmente vai melar esse seu romance de verão, certo? — A preocupação em sua voz me emocionaria, se eu não estivesse tão desesperado.

— Entendo...

— E vai fazer ainda assim?

— Eu acho que já fui injustamente egoísta com Marcos por tempo demais, você não acha?

— An... — Suspira. — Você sabe o que eu penso sobre ele, pra mim, ele continua sendo o Marcos babaca, não confio! Não consigo. Então eu realmente não me importo com ele. Mas eu não estava brincando quando disse que nunca tinha visto nos seus olhos o tipo de brilho que vi ontem. Não gosto de ver você arriscá-lo... Independente do quão inacreditável isso seja, a verdade é que o babaca tem sua parcela de responsabilidade nesse brilho e me preocupa que você só queira contar a verdade agora pra se sabotar... Não é como se você não tivesse um histórico de não achar que merece as coisas boas que tem... — Abaixo a cabeça, absorvendo as palavras da minha amiga e me sento em minha cama. Passo as mãos pelos cabelos e tomo uma inspiração profunda. Apoio a testa sobre a palma da mão livre enquanto a outra continua segurando o celular na orelha e sinto a gota molhada deslizar pela minha bochecha.

— Eu não me sinto sozinho, Grazi... Pela primeira vez na vida, eu não me sinto sozinho... — Minha voz soa embargada e novas lágrimas silenciosas se juntam à primeira. Não preciso explicar para Grazi de que tipo de solidão estou falando ou me preocupar em magoá-la, afinal, ela é a única pessoa que sempre esteve comigo. Justamente por isso, ela me entende.

— Oh, meu amigo...

— Eu tô apavorado... E eu tô tão cansado de me sentir assim constantemente...

— Amigo, por que você não tira um tempo pra pensar sobre isso? Acho que você está abalado com os últimos acontecimentos, você foi pego de surpresa, talvez desarmado... Calma. O mundo foi construído em sete dias, se dê o mesmo tempo. — aconselha, mas eu sei que não importa quantos dias se passem, sete, vinte ou mil, essa sensação não vai embora.

— Não vai mudar nada. — sussurro.

— E quando você vai fazer isso? Hoje?

— Não... — balanço a cabeça freneticamente mesmo sabendo que Graziella não pode me ver. Ainda não estou pronto. Hoje não. Definitivamente, hoje não. — Eu... Eu preciso pensar. A melhor maneira, o melhor momento... Mas eu não vou mudar de ideia,

Grazi...

— Tudo bem...

— Tudo bem... — repito baixinho.

— Vai ficar tudo bem, An. E vocês sempre podem contar comigo, você sabe disso, não sabe? — Seu tom é sério.

— Eu sei.

— Me liga mais tarde?

— Ligo!

— Eu te amo! Demais! — afirma e meu coração aceita as palavras como uma pequena dose de calmante.

— Eu também te amo! Obrigado por isso!

— Deixa de ser estúpido! Amor não se agradece! — São suas últimas palavras antes de desligar o telefone e arrancam de mim um sorriso, mas ele não dura muito.

Tiro o aparelho da orelha, respiro fundo e fecho os olhos. Levo a mão livre às pálpebras fechadas, massageando-as. Solto o ar pela boca apenas para quase enfartar instantes depois.

— Thony? — Marcos chama da porta do meu quarto e eu me viro assustado. Oh, Deus! Será que ele me ouviu? Não! Por favor, não! Agora não, agora não! Ainda não!

— Oi... — suas sobrancelhas estão franzidas, seu rosto ainda está amassado pelo sono e ele continua vestindo nada além de uma sunga box.

— Tudo bem?

— Sim, eu só... Acordei sentindo dor de estômago, não consegui voltar a dormir e decidi vir pro meu quarto, não queria te acordar me remexendo na cama o tempo todo. — Marcos inclina o pescoço e entra no quarto. Seus passos até mim são decididos e poucos. Ele senta ao meu lado na cama, envolve minha cintura com um braço e me puxa na sua direção. Não resisto. Deito a cabeça em seu ombro e ele beija meus cabelos.

— Você precisa de alguma coisa? Um remédio? Quer ir ao médico? — Segura minha bochecha enquanto pergunta. Sua preocupação é, ao mesmo tempo, uma carícia e um tapa. Viro o rosto, beijando a palma de sua mão e balanço a cabeça, negando.

— Estou bem... Já estou melhorando. Foi só uma dorzinha...

— Tem certeza?

— Tenho... Eu vou deitar quietinho e vai melhorar... — balança a cabeça, concordando.

— No meu quarto ou no seu?

— Marcos, não tem necessidade... Eu provavelmente nem vou mais conseguir dormir. Você não precisa atrapalhar seu sono. — argumento, mas ele ergue uma única sobrancelha.

— Aqui, então!

— Marcos. — Começo, mas ele me interrompe.

— Isabella não vai acordar nem tão cedo, então não existe qualquer motivo para eu te deixar sozinho e com dor. Você quer deitar, tudo bem, você vai deitar, mas eu vou estar bem do seu lado.

E, com essa declaração, meu coração se quebra. Ele não deveria ser assim. Ele não deveria se importar. Ele deveria ser o Marcos babaca para quem eu não me importava de contar mentiras. O homem de quem eu não esperava nada além de ignorar e ser ignorado.

Ele não deveria querer cuidar de mim, alugar parques de diversões para minha filha, ou ouvi-la falar sobre o ballet. Não deveria! E, sob essa enxurrada de pensamentos, antes que eu possa me conter, a barragem se rompe e eu choro.

Mantenho a cabeça erguida apenas por tempo o suficiente para ver o olhar atônito de Marcos, completamente perdido, sem ter ideia do que fazer com um cara aos prantos. Por fim, ele decide só me abraçar ainda mais forte.

— Não, amor... — Pare com isso! Quero lhe dizer! Pare de me chamar de amor! Eu sou um mentiroso, eu guardo um segredo de você mesmo depois de te dizer que já não havia mais nenhum! Mas eu não digo e ele não apenas continua me dizendo palavras de conforto como me envolve completamente em seus braços.

Eu não deveria, mas aceito que ele me embale e me diga que vai ficar tudo bem. É uma mentira. Não vai. No fundo do meu coração eu sei que não vai e essa é a única razão para eu não lhe contar tudo agora mesmo. Eu estava começando a me acostumar com isso e ainda não estou pronta para perder algo que nem tive.

— Vai passar, amor... Vai passar... Você não quer ir ao médico? Tem certeza? — Nego com a cabeça, — Tudo bem... Tudo bem... Vamos deitar então. Você vai se sentir melhor.

Marcos me leva para a cama e me aninha em seu corpo. Eu ainda choro por algum tempo. Não penso em nada, apenas deixo que as lágrimas saiam sem destino. Não me importo para onde elas irão, contanto que me deixem. Com o rosto molhado e o coração apertado pelo destroço eminente, eu durmo.

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Comentários

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Agora fiquei Morrendo de curiosidade Para saber Qual é o segredo. amo essa história e estou torcendo pelo casal

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E agora? O que vai ser quando a verdade aparecer...

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