O Vizinho - Capítulo XII

Da série O Vizinho
Um conto erótico de M.J. Mander
Categoria: Gay
Contém 5394 palavras
Data: 24/07/2024 14:02:47

CAPÍTULO XII

*** ERIC VIANA ***

Eu sabia que minha escolha de roupas causaria alguma coisa em Gustavo, assim como a escolha do presente. Mas eu não esperava que a combinação das duas criasse um efeito tão devastador. O desejo explícito em seus olhos acendeu-me como uma fogueira de São João e as labaredas, apesar de saírem de mim, ao mesmo tempo, me consomem.

O maldito do homem sabe exatamente como convencer uma pessoa a dizer sim para absolutamente qualquer coisa que ele queira. Expulso todo o ar dos meus pulmões só para enchê-lo novamente, bem devagar, enquanto o elevador desce até o andar térreo do nosso prédio. Os olhos de Gustavo continuam me devorando sem qualquer pudor.

Ainda bem que estamos sozinhos, porque algo me diz que se não estivéssemos, seu olhar seria o mesmo. E, como se tudo isso não fosse o suficiente, não consigo desviar meus olhos do infeliz. Simplesmente, não consigo, porque parece que hoje ele está ainda mais bonito do que nunca.

A calça jeans escura se agarra às pernas musculosas como um verdadeiro convite à perdição para os olhos. O abdômen definido é muito bem delineado por uma camisa fina de cashmere verde escura, que eu não sei se foi escolhida propositalmente por ter a mesma cor de seus olhos, mas, com certeza, forma com eles um belo trio.

E, como a cereja do bolo, o maldito usa uma jaqueta de couro que enche minha cabeça com ideias sobre um bad boy. Qual é? Que pessoa nunca foi boba o suficiente para fantasiar com um garoto mau, ainda que fosse inteligente o suficiente para não se envolver com um deles? Afinal, na imaginação tudo é permitido. Na minha, pelo menos, sempre foi.

— Quer parar de me olhar assim? — Peço, entredentes, não por raiva, mas porque a forma como ele me olha está me enlouquecendo e me vejo olhando para o botão de emergências, prestes a fazer a merda do elevador parar só para me jogar em cima desse deus nórdico maldito, quando nós acabamos de sair da privacidade da minha casa, se fosse para dar, que fosse atrás das minhas paredes, porra!

Gustavo não perde meu olhar para o botão e sorri seu sorriso cafajeste.

— Por que, Eric? Tá de deixando mais excitado? Teu cuzinho tá piscando por causa do jeito que eu te olho?

— Gustavo... -Choramingo quando o apito do elevador anuncia o quinto andar. Porra de caixa lenta! Ele se aproxima de mim, percebendo minha fraqueza quando esfrego a bunda na parede de aço.

— Deixa eu te comer aqui, Eric? Na porra do elevador? - Pede, e eu quero dizer sim! Eu quero gritar que sim! O elevador apita outra vez, anunciando a chegada ao quarto andar e o corpo de Gustavo já está grudado ao meu. Ele afunda o nariz em meu pescoço e, quando levanta a cabeça, deixa a língua e vem arrastando-a pela curva do meu pescoço, varrendo meu maxilar, alcançando minha orelha, lambendo atrás dela, e eu? Eu estou perdido num desejo avassalador.

Por trás da minha calça, ele enfia um dedo no ponto exato onde sabe que está meu buraco, e eu grito. Sinto o toque como uma verdadeira chicotada no cu, uma que atravessa e rasga meu corpo inteiro em um milhão de sensações diferentes.

O elevador apita, anunciando o terceiro andar.

— Faltam só mais dois andares, Eric... É agora ou nunca...

— Tem câmera aqui, Gustavo... Todo mundo vai ver você me foder... -minha voz sai tudo, menos realmente preocupada, como deveria estar.

— Isso é tudo o que te impede, amor? — Mordisca meu pescoço e acaricia meu cuzi levemente. Gemo e ele enfia um dedo com mais força fazendo-me ofegar e gritar: ͞ É! sim, é!

— Então aperta o botão, amor! -Seu tom é tão absurdamente sensual. Lento, arrastado, baixo, rouco, gostoso... Gostoso e muito convincente...

— Gustavo...

— Aperta o botão e eu te dou tudo o que você quer, lindo. Inclusive privacidade... Aperta o botão e eu fodo teu cu, e até tua boca , se você quiser, bem aqui, no elevador... -seus dentes raspam minha orelha e sua boca voltar a parar sobre a minha. Seus olhos verdes devoram os meus enquanto minha respiração ofega e meu peito sobe e desce descompassado entre nós: ͞ Mas eu não vou fazer isso, Eric... É uma escolha sua, se você quiser que eu te foda aqui, na porra do elevador, vai ter que apertar o botão... -a língua quente lambe meus lábios de um jeito tão lascivo que é impossível não lambê-la de volta.

O apito anuncia a chegada ao segundo andar. É uma escolha de instantes. Eu aperto o botão.

Gustavo não conta história. Sua boca desce sobre a minha devorando-me inteiro. Sua língua se enfia em minha boca sem qualquer delicadeza, afundando-se no meu gosto como se ele fosse o melhor do mundo. Suas mãos estão por todos os lugares, em minha bunda, em meu peito, em meu pau. Por todo o meu corpo, sinto o seu toque, seu tesão, sua urgência e, porra! É gostoso como nada nunca foi.

— Gustavo... -choramingo quando seus lábios deixam os meus e descem pelo meu pescoço. Deliro com as sensações de sua boca em minha pele e só me dou conta de que ele está ao telefone quando ouço sua voz.

— Desliga a câmera dos elevadores, por favor... Sim, está tudo bem... Obrigado.

Seus olhos me queimam inteiro enquanto fala com a pessoa do outro lado da linha e uma voz distante em minha mente tenta me alertar sobre a estranheza de ele realmente ter o controle das câmeras dos elevadores, mas foda-se. Nesse momento, eu estou além da capacidade de pensar. Meu corpo treme, minha pele queima, minha boca saliva pelo seu gosto, e meu cu contrai em expectativa.

A barra de ferro atrás de mim, gelada, já quase atravessa minha pele, de tão espremido que estou contra ela, prensado contra uma outra barra de ferro muito mais gostosa, na minha frente, uma que é quente.

— Isso, vai ter que ser rápido, amor... -a voz melódica e rouca continua me seduzindo, como se isso ainda fosse preciso: ͞ Então diz pra mim, como é que você quer que eu te foda em, lindo? - Seu hálito morno sopra meu rosto, deixando-me louco de vontade de tê-lo dentro de mim, mas Deus, não! A necessidade que sinto é muito maior do que essa, muito, muito maior!

Puxo as lapelas de sua jaqueta colando meus lábios aos seus, desesperado pelo seu toque. Como é possível que alguém simplesmente me leve a esse estado de excitação? É a porra do elevador do prédio e eu simplesmente não me importo. Nota mental, Eric: Jamais negar o que você realmente quer dar a esse homem, ou pode acabar em sérios apuros, hoje é um elevador, amanhã vai ser o quê?

Unhum... Senta lá Cláudia, to preocupadíssimo com o amanhã... As mãos de Gustavo tateiam minha calça, procurando pelo fecho até encontrá-lo e eu me delicio com seus lábios, língua, dentes e saliva. O zíper desce, o tecido se afrouxa ao meu redor, e dedos longos e quentes tocam minha pele nua, fazendo-me ronronar.

Ele ri baixinho, satisfeito, e eu canso da passividade que sempre quer me atingir quando se trata de Gustavo. Eu não vou passar por isso sozinho, não. Com uma pressa injustificável, alcanço o botão do seu jeans e desfaço-o, enfio minha mão dentro de sua cueca, tocando-o e gememos juntos com a sensação.

͞ Onde amor? Me diz onde... -pede com uma doçura enganosa. Deus, esse homem é tudo, menos doce, mas sabe fingir ser que é uma delícia!

— Dentro de mim! Eu preciso de você dentro de mim! Me fode, Gustavo! Me fode! -A expressão em seu rosto é impossível de interpretar. Há luxúria, tesão, satisfação, não há vitória, mas existe outra coisa.

— Porra, Lindo... -grunhe em minha boca: ͞ Empina esse rabinho pra mim, vai! Empina bem gostoso daquele jeito que você faz... -outra vez, o tom suave, dócil, dócil demais... Gostoso demais, enganoso demais...

Faço o que pediu, viro-me e, apoiando as mãos na barra de ferro do elevador, empino os quadris para trás. Mãos grandes deslizam minhas calças e cueca até o meio da minha bunda, deixando-me completamente exposto. As mesmas mãos passeiam pela minha pele nua, arrepiada e excitada.

Respiro ofegante, observando cada ação de Gustavo pelo espelho a minha frente, no qual estou praticamente colado. Vejo seu olhar encontrar o meu, vejo uma das suas mãos deixar minha pele e encontrar própria ereção, vejo a outra afastar-se logo depois, vejo-a voltando com força em um tapa estalado na minha bunda, mas isso não muda em nada o prazer que se alastra pela minha pele junto com a ardência.

Grito. Completamente tomado pelo formigamento que se espalha na minha bunda ao mesmo tempo em que minha excitação escorre pelas minhas pernas. Os olhos de Gustavo vão exatamente para lá e quando ele volta a encontrar meu os meus pelo espelho, a doçura se foi, há apenas fome. Ele não diz nada enquanto tira uma camisinha da carteira e veste-se.

Não diz nada enquanto agarra meu quadril com uma mão e encaixa-se em minha entrada com a outra. Mas geme junto comigo quando se afunda em mim de uma única vez, fazendo-me ver estrelas. Sua largura me estica, alarga, se esfrega em minhas paredes, e, agora, a ardência não está apenas na bochecha da minha bunda, está dentro de mim também, tão gostoso...

Rebolo, incapaz de me controlar, querendo mais, necessitado por mais. Gustavo leva alguns segundos com os dentes apertados e os olhos fechados. Abre-os, firma meu quadril parado com as duas mãos, prende meu olhar no seu pelo espelho, e me fode.

Sem doçura, lentidão ou delicadeza. Me fode com força, velocidade, fome. Mete sem parar, e Deus! Se eu não estivesse me segurando, com certeza, me fundiria ao espelho. Eu grito. Sem pudores, pouco me importando sobre onde estamos. A cada entrada, saída, choque de nossas pélvis, sons de batidas das nossas coxas. Grito. Grito cada vez mais alto, cada vez mais perdido, cada vez mais entregue, deliciado, ardido.

Meu corpo grita. Com arrepios, suor, pele quente e com correntes elétricas atravessando cada centímetro de mim. Meu cu aperta o pau de Gustavo involuntariamente. A sensação que se arrasta da minha pélvis até meu estômago, coração, garganta é tão intensa, como se o sangue que circula em minhas veias não estivesse apenas circulando, mas estivesse, desesperadamente, procurando por uma saída.

O rosto de Gustavo me mostra que as sensações que sinto não são minhas, são nossas, são compartilhadas, ele sente tudo isso e faz muito pouco para conter os gemidos e grunhidos que escapam de sua garganta. Sua respiração pesada, seus olhos escuros, seu agarre firme e as gotas de suor descendo pela sua pele me fazem louco, me fazem querer tudo até que eu não seja mais capaz de suportar mais.

Não aviso que vou gozar, mas ele sabe. Ele não me diz que está chegando, mas eu sei. Então, em uma verdadeira festa de convulsões, gozo. O braço de Gustavo circula minha cintura, mantendo-me firme e ele não para de meter ou reduz o ritmo nem por um segundo antes de alcançar o próprio orgasmo. Gustavo goza com um rosnado seco, e em meio a espasmos, respirações ofegantes e suor escorrendo, gargalho.

Um sorriso toma conta de seu rosto também e ele ergue meu corpo, que ainda estava um pouco curvado, me abraça, e enterra o rosto em meus cabelos. Uma sensação desconhecida toma conta do meu peito enquanto fecho os olhos e aproveito a sensação de tê-lo ainda dentro de mim, de alguma maneira, muito além do sexo.

É gostoso.

É desconhecido.

É perigoso. Mas eu não me importo, não agora.

Se desencaixa de mim devagar, ainda com o rosto escondido em meu pescoço. E, surpreendendo-me, ao levantar a cabeça, vira-me em seus braços e toma minha boca, ao invés de se vestir. Ficamos os dois ali, naquela situação ridícula, com as calças arriadas, e nada preocupados com isso.

No momento em que o beijo acaba, nos olhamos por segundos que parecem durar horas. Mordo o lábio, querendo escapar da investigação mútua de alguma maneira. Imediatamente, o polegar de Gustavo toca meu lábio inferior, puxando-o de entre meus dentes antes de deslizar pela pele magoada pela judiação constante dos meus dentes.

— Você realmente precisa parar de maltratar meus lábios... quebra o silêncio que se estabeleceu ao nosso redor com a afirmação, fazendo meu coração saltar no peito.

— Eu não maltrato os seus, só os meus... -minha voz soa baixa, quase temerosa, como se soubesse exatamente o quão perigosas podem ser suas próximas palavras.

— Exatamente... -Diz apenas uma, mas isso não torna o perigo menor. Lambo-os, precisando aliviar a secura que tomou conta da minha boca e ele abocanha o inferior, o mesmo que eu tanto maltrato, chupa levemente, antes de libertá-lo.

Gustavo beija minha testa, a ponta do meu nariz, e, por fim, meus lábios. Depois, se afasta, abaixa-se e pegando-me completamente desprevenido, mais uma vez, nos últimos dois minutos, tira um lenço de papel da carteira, e me limpa.

Não é um trabalho muito eficiente por razões óbvias, mas o cuidado em tentar realmente me desestabiliza de uma maneira incômoda. Engulo em seco, respirando o ar que, de repente, se tornou pesado, como a sensação desconhecida no meu peito. É a mesma com a qual não me importei há minutos atrás, mas, agora, com a bolha que nos rodeava estourada, ela se tornou sufocante.

Pisco os olhos, observando-o me vestir, fechar o zíper da minha calça e, só então, cuidar de si mesmo. Dou-lhe as costas, procurando, inutilmente, uma fuga para a confusão, já que ela está dentro da minha cabeça. Aproveito o espelho e faço o que posso para acabar com a aparência de quem acabou de ser selvagemente fodido, mas não é muito, me conformo em secar o suor e puxar e esticar as roupas que saíram do lugar.

Ao me virar para frente novamente, mantenho meus olhos na porta, no chão, em qualquer lugar longe de Gustavo, porém, dois dedos seus apoiam-se sob meu queixo, obrigando-me a encontrar seus olhos.

— Não faz isso... -pede, e eu pisco, atordoado: ͞ Você tá sendo injusto... não foge de mim... -Abro a boca, querendo dizer alguma coisa, qualquer coisa para esse infeliz observador, mas que porra? O cretino foi capaz de identificar minha fuga em dois segundos?

Porra, universo! Obrigado por colocar no meu caminho um homem feito sob medida para me foder, em todos os sentidos da coisa!

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*** GUSTAVO FORTUNA ***

Eu não sou idiota.

Sei que o quer que tenha acontecido aqui, foi... Estranho...

Mas isso não quer dizer nada, e, com certeza, não é motivo para Eric se afastar de mim subitamente. Nós fomos do clima caribenho para o polar, e, não há dúvidas de que isso não pode trazer nada de bom.

Seu olhar é cheio de incertezas enquanto me encara e eu aguardo, pacientemente. Por fim, expira, fecha os olhos, dá dois passos, colando o corpo ao meu, apoia as mãos em meu peito, e beija a minha boca com delicadeza, antes de virar-se de frente para as portas. Cheiro seu rosto em uma carícia gostosa, passo um dos braços ao seu redor, e aperto o botão de emergências, fazendo o elevador voltar a funcionar.

O silêncio, dessa vez, vazio de significados, se estende entre nós até ser quebrado pelo apito avisando da nossa chegada ao térreo. Envolvidos um no outro, passamos pelas portas de vidro e chegamos à área comum do condomínio, onde famílias estão espalhadas, conversando e sorrindo.

Seguimos para o estacionamento. À medida que vamos nos aproximando, começo a me sentir ansioso por aquela que deveria ter sido a segunda surpresa da noite, se Eric não tivesse decidido que foder minha mente era uma boa ideia.

E é claro que ele não pararia justamente agora, não é mesmo? Assim que seus olhos a encontram, desvencilha-se de meus braços e corre na direção da moto. Ele a circula, observando os detalhes, depois, a toca com uma reverência, que puta que pariu! Lambo os lábios e enfio as mãos nos bolsos da calça, observando o homem que anda virando minha cabeça ser apresentado, ou melhor, se apresentando, já que ele não me esperou, a uma das minhas maiores paixões.

— Uma Ducati Panigale v4...-diz e eu preciso me esforçar para que meu queixo não vá ao chão, mas nada posso fazer pelos meus olhos, que se arregalam em surpresa.

— Você conhece motos? -questiono, curioso, porque ele nunca comentou nada, apesar dos meus sinais explícitos, e de já termos conversado sobre isso antes.

— Oh, não... -ri e dispensa minha pergunta com um aceno: ͞ Eu fiz uma aposta comigo mesmo! Pesquisei no google quais são as motos mais caras que existem e apostei qual você usaria pra tentar me impressionar... -explica, orgulhoso de si mesmo, e eu cruzo os braços na frente do corpo.

— E como é que você sabia que eu tentaria te impressionar com uma moto cara? -Ele me olha com as sobrancelhas arqueadas e dá voz à pergunta explícita em seu rosto.

— Sério, Gustavo?

— O quê? Agora eu sou previsível? -questiono, sentindo-me um pouco indignado com a acusação e ele gargalha, pouco antes de fazer um sinal com seus dedos polegar e indicador, indicando um “pouquinho”.

Bufo. Ele caminha até mim e envolve meu pescoço com seus braços.

— Se fizer você se sentir melhor, eu perdi... imaginei que você usaria a quarta, talvez a quinta mais cara da lista... Não a primeira...

Sorrio.

— Pra você, só o melhor! - enlaço-o pela cintura e procuro seus lábios.

— E você diz isso pra todos, Gustavo? -Seu sorriso tem um ar zombeteiro que me faz rir também.

— Digo... -reconheço: ͞ Mas eles acham que isso é a quarta mais cara...

Ele gargalha. Lindo. Absurdamente lindo. E não demonstrando nem mesmo uma pontinha de ciúmes... Eric fala da maneira como me relaciono com outros caras como se isso não o afetasse de forma alguma, e, sem que eu tenha qualquer controle sobre, vejo uma parte de mim se incomodando com isso.

— Você é ciumenta, Eric? - Inclina a cabeça para o lado e dobra o lábio inferior em uma careta pensativa.

— Não... -Estreito meus olhos para ele.

— Nem um pouco? Quer dizer, tudo bem se alguém com quem você está saindo ver outras pessoas? -Ergue uma sobrancelha e um ar divertido toma conta do seu rosto.

— Tá querendo revogar a exclusividade, Gustavo?

— Não! - Respondo rápido e o que ele ainda tinha a dizer morre em sua boca depois de minha interrupção abrupta. Chupa o lábio inferior, atraindo meu olhar para ele, lembrando-me da cena no elevador e o peso que seu olhar assume me diz que ele lembrou também.

— Então sobre o que é isso? -questiona, ansioso, provavelmente, para deixar as lembranças de lado.

— Eu só fiquei... Curioso... Não é qualquer pessoa que é capaz de rir da forma com que seu namorado ou namorada costuma tratar outros parceiros...

Ele gargalha.

— Ser meu namorado não te torna meu, Gustavo... Então não... Eu não tenho ciúmes de você...

— E o que me tornaria seu?

— Amor... -diz, com simplicidade, e o arrepio em minha espinha é uma sensação estranha: ͞ E um compromisso... Isso, independentemente dos sentimentos, requer confiança e respeito.

— E o namoro não é um compromisso?

— O nosso? Não, Gustavo... Ele é uma grande brincadeira... — Franzo o cenho com a definição desdenhosa, percebendo que, de alguma forma, em algum momento, a relação que estamos construindo, parte de uma aposta ou não, ganhou um significado maior do que “uma grande brincadeira” para mim: ͞ Isso não quer dizer que eu não espero respeito de você, eu espero, mas ele não te faz meu, assim como não me faz sua...

— Você fala como alguém que leva compromissos muito a sério...

— Eu levo confiança muito a sério... Uma vez quebrada, não é algo que dê pra colar...

— O kintsugi pode ter algo a dizer sobre isso...

— Essa é aquela arte feita com coisas quebradas?

— Louças... Ela mesma...

— Ser bonito não te torna forte, Gustavo. Uma peça de Kintsugi é linda, mas frágil. Um relacionamento cuja confiança foi quebrada funciona da mesma maneira. É linda a ideia do perdão e o pensamento de que foi possível superar a decepção, mas, quase sempre, é frágil. Às vezes, basta um toque, e as peças se soltam outra vez...

— Você não perdoaria, perdoaria?

— Uma traição? -Ele desvia os olhos dos meus, balançando a cabeça de um lado para o outro: ͞ Não... Eu não acho que eu seja capaz... Quer dizer, eu não preciso jurar ódio eterno a outra pessoa, mas, provavelmente, não a terei mais em minha vida... Não funcionaria...

Balanço a cabeça, concordando.

— Que tal a gente deixar esse assunto pra lá e você me impressionar com essa garota? -pergunta, deixando um selinho em meus lábios.

— E como você sabe que é uma garota? -ergo uma sobrancelha em questionamento e ele sorri de canto, de um jeito, começo a perceber, que é só dela.

— Porque um cara como você não montaria um garoto!

Sua resposta me faz gargalhar com o corpo inteiro, e ele ri comigo.

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— Ok, e se você não fosse CEO, seria o quê? -Me pergunta enquanto devora o prato principal depois da entrada e eu simplesmente não consigo adorar o jeito que ele adora comer.

— Engenheiro... -Revira os olhos para mim.

— Essa não é uma resposta válida, Gustavo! Você é engenheiro, droga! Outra coisa! Sei lá, chefe de cozinha, talvez? — Sorrio.

— Isso é o que você gostaria que eu fosse, você nunca sairia do meu restaurante, né? -Desdenha com um aceno.

— Não seja convencido, Gustavo... E então? O que seria?

— Cantor de música sertaneja! -Ele bufa.

— Eu desisto de você! Mas depois não espere que eu leve as suas perguntas a sério! - resmunga, levando uma imensa garfada de massa à boca.

— Ok, falando sério agora... Eu não sei... A vida toda eu quis ser engenheiro... Eu não fui aquela criança que mudava de profissão a cada cinco minutos, desde que aprendi a falar, minha resposta à pergunta “O que você quer ser quando crescer?” foi sempre a mesma: “Eu quero construir casas e prédios!” Então eu nunca realmente pensei sobre isso, nunca nem houve uma segunda opção... -Ele balança a cabeça, concordando: ͞ Rodrigo, se não fosse engenheiro, teria sido músico... Ele toca vários instrumentos, sabe? Mas eu sempre fui uma negação em qualquer coisa que exija ritmo...

— Você sabe dançar... -Seu olhar é muito sugestivo, e enche minha cabeça com imagens de nós dois no meio da boate, dias atrás.

— E isso é tudo o que eu sei... -Ele ri.

— Vocês são bem unidos, né? Você e o Rodrigo... -Concordo e levo a taça de vinho à boca.

— Ele é o irmão mais velho exemplar, junto com nosso pai, me ensinou a andar de bicicleta, a pescar e a dirigir, sozinho, me ensinou a beijar, a chegar numa pessoa, e me deu minha primeira camisinha...

Eric gargalha.

— Te ensinou a como chegar numa pessoa? Eu não consigo imaginar uma realidade alternativa em que você já não tenha nascido sabendo fazer isso, Gustavo! Eu jurava que você já tinha saído da barriga da sua mãe cantando a enfermeira. - Ele ri, escandalosamente, da própria piada, e embora eu tente fingir indignação, não consigo evitar que um sorriso tome conta do meu rosto.

— Todo mundo já foi um adolescente inseguro um dia, Eric...

— Eu realmente não consigo te ver assim! -comenta e eu me vejo fazendo mais uma coisa inédita com e por esse homem. Tiro o telefone do bolso, e, com alguns toques na tela, encontro o que procuro, depois, viro o aparelho para ela, mostrando a foto em exibição.

Seus olhos se arregalam e ele leva a mão na boca, depois, passa quase um minuto inteiro desviando o olhar entre a foto e eu, e é a minha vez de revirar os olhos.

— Ai meu Deus! -diz, finalmente, depois de muito mais tempo em silêncio do que realmente era necessário: ͞ Você era o perfeito exemplar de nerd de um filme dos anos dois mil. Eu super pegaria você naquela época, amor!

E gargalha. Alto. Escandalosamente. No meio do restaurante.

Algumas pessoas olham para ele e eu até queria ficar com raiva, mas, aparentemente, há algo de errado comigo essa noite, porque, a cada vez que Eric me provoca e ri as minhas custas, tudo o que consigo fazer admirar o quanto ele é absurdamente lindo quando sorri.

— Acabou? -pergunto, fingindo irritação, quando ele dá uma pausa em seu ataque de risos para levar a taça de água à boca. Ele me olha com as bochechas inchadas, tentando conter o riso, mas falha miseravelmente e explode outra vez: ͞ Eu vou te deixar sem sobremesa... -Ameaço e ele gargalha ainda mais alto, desafiando-me, o maldito. Lindo. Fodidamente lindo.

— Eu jurava que você tinha sido um atleta ou algo assim na adolescência...

— Eu disse, sempre quis construir coisas... Atletas não constroem nada, mas membros do clube de ciências? Era lá que estava a diversão... -Eric sorri e concorda.

— Eu fazia parte do clube de debates! Minha irmã jura que quando tiver filhos, eles nunca vão fazer parte de um. -Outra vez, gargalha, e saber que ele está se divertindo tanto esta noite aperta alguma coisa em mim.

— Vocês também são unidos, né?

— Muito! Só que eu sou o mais velho, embora, muitas vezes, pareça que é o contrário. A Lívia é a mais centrada de nós dois... Ela quase surtou quando soube da nossa aposta...

— Você contou pra ela? -Não consigo evitar a surpresa em minha voz.

— Ela é minha advogada...

— Então foi pra ela que você ligou na noite que fugiu...

— Ei!! Eu não fugi! -Copiando o que ele sempre faz, ergo uma única sobrancelha em um questionamento silencioso: ͞ Não fugi! reafirma.

— Então o que foi aquilo?

— Uma retirada estratégica! -responde cheio de propriedade e é a minha vez de gargalhar.

— Ah, tá bom, Napoleão... -Rio mais, sem conseguir me conter: ͞ E o que foi que te fez mudar de ideia?

Ele desvia os olhos. De repente, achando o arranjo de flores da mesa ao lado muito interessante.

— Foi o beijo, não foi? -pergunto, ainda com um sorriso no rosto. Eric abaixa a cabeça, derrotado, antes de se lamentar.

— Foi um beijo muito, muito, muito bom...

— Sim, amor... foi! -Respondo, entre risos, e pego sua mão sobre a mesa. Seus olhos se levantam e encontram os meus.

— E é uma pena que você esteja tão longe, porque eu adoraria te dar um tão bom quanto agora...

— Exibicionista! -Acusa.

— Com você? Eu topo qualquer coisa! -A verdade das palavras praticamente me estapeia o rosto, mas o impacto delas não é tão grande quanto o da percepção de que isso não me assusta, pelo menos, não como deveria, ou, como eu sempre achei que devesse.

— Acho que teria sido mecânico... -mudo de assunto, precisando deixar meus próprios pensamentos de lado.

— Mecânico? -pergunta, ainda sorridente.

— Unhum! Motos são uma paixão antiga... Eu sempre quis construir uma, então acho que poderia ter me tornado mecânico...

— Um engenheiro mecânico ainda é um engenheiro, Gustavo! — Reclama e eu dou de ombros.

— Mas também é mecânico, ué! -Defendo-me e seus olhos estreitos me julgam.

— Eu quero a sobremesa, agora...

— É claro que você quer!

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Entramos no elevador e é impossível não sorrir. Eric faz o mesmo, assim como eu, relembrando a cena que protagonizamos aqui mais cedo. Ele mordisca meu queixo e eu lambo sua boca.

— Como você pode ter o controle das câmeras do elevador? — Encontra meu olhar com uma sobrancelha arqueada. Oh, merda! Respiro fundo.

— Não acho que esse seja um bom assunto pra conversarmos agora... -Tento, mas seu olhar deixa bem claro que ele não está disposto a aceitar fugas. No fim, não preciso responder, ele encontra a resposta sozinho.

— Você terminou de comprar o prédio! -Acusa no instante exato em que o elevador apita a chegada ao nosso andar e as portas se abrem. A mágoa em seu rosto me atinge de maneira inesperada e eu nem mesmo cogito a resposta automática que dou para ele todas as vezes em que me ataca em minha mente, não poderia dizer que são só negócios, não agora.

Eric sai do elevador, atravessa o corredor em passos firmes e eu sigo atrás dele. Os braços esticados ao lado do corpo e as mãos fechadas em punhos me dizem que ele está muito, muito irritado. Na porta do próprio apartamento, enfia a chave na fechadura, destrancando-a e, depois, se vira para mim. Seu olhar mistura mágoa, raiva, e, algo como decepção. Uma porra...

— Eric...

— O quê? Que justificativa você poderia ter pra isso, Gustavo? — Seus olhos me escrutinam tão cheios de desgosto, que é impossível não me lembrar da conversa sobre confiança que tivemos mais cedo, e eu sinto mais do que vontade, sinto uma verdadeira necessidade de que ele entenda que eu não traí sua confiança.

— Amor, i-

— Não se atreva! - corta minhas palavras ao meio: ͞ Não se atreva a tentar me manipular com esse tom doce e vocativos floreados, eu não sou idiota, porra! Não se atreva a me tratar como tal! - seus olhos estão injetados, a pele do seu rosto, tornando-se avermelhada, e seus lábios fazem um bico após a pronúncia de cada palavra, denunciando que seus níveis de raiva estão crescendo em uma velocidade absurda.

— Não confunda minha disposição a transar com você com estupidez, Gustavo! Porque são duas coisas muito diferentes! Se eu finjo acreditar no seu carinho simulado, é porque eu acho que naquele momento é conveniente, e não porque você me convenceu! E sabe o que esse falso carinho não é agora, Gustavo? Conveniente! Então, ou você me trata como o homem inteligente que eu sou, ou fica calado!

Expiro fortemente e levo uma mão a ponte do nariz, apertando-a. Ignoro a pequena parte de mim que quer se sentir magoada por ele achar que minhas palavras são falsas, afinal, elas são, não são? Abaixo a cabeça e passo alguns segundos olhando para os meus próprios sapatos, antes de finalmente voltar a encará-lo.

— O que você quer que eu diga, Eric?

— A verdade! -responde, categórico, e gesticula com os braços como se essa fosse a resposta óbvia.

— Que verdade, Eric? Porque, nesse momento, você não parece muito aberto a aceitar a minha... -Um som de escárnio deixa seus lábios e eu fechos os olhos brevemente e respiro fundo: ͞ Por que a gente não conversa dentro do seu apartamento?

— Tem certeza de que você não quis dizer “seu apartamento”, Gustavo? Porque, aparentemente, todos os desse prédio são seus, né? O que você acha de a gente bater na porta do seu Marcello, expulsar ele de lá, e conversar lá dentro?

— Vamos... Vamos só entrar, Eric?

— Nem fodendo!

— Eric...

— Você diz o que tem pra dizer aqui fora, e, então, e só então, eu decido se você entra na minha casa ou não, porque sendo ou não você o dono, enquanto a chave estiver na minha mão, entra quem eu quiser!

Apoio as mãos na cintura e meus lábios formam um bico ansioso, movendo-se para um lado e para o outro, enquanto vejo a noite, que vinha sendo perfeita até aqui, ir para o ralo.

— Você realmente quer terminar a noite assim?

— Eu? Eu quero terminar a noite assim? Me parece, Gustavo, que foi você quem fez o que disse que não faria, escondeu, e pretendia continuar escondendo de mim, mas, ainda assim, sou eu quem está arruinando a noite? Ah, meu poupe!

— As coisas não são assim, Eric... Você... Porra, Eric! Você tá deturpando as coisas!

— E como é que elas são, excelentíssimo senhor proprietário?

Fecho os olhos, reunindo paciência para lidar com a sua dose cavalar de sarcasmo.

— Eu nunca te disse que não terminaria de comprar o prédio...

Ele ri, seco e desgostoso.

— Oh, é claro! Vejam só, ele nunca disse! Apenas deixou que eu pensasse, certo? Se as coisas derem errado na engenharia, acho que acabamos de descobrir uma outra carreira na qual acho que você se daria incrivelmente bem, você seria um político filho da puta de tão bom! E eu acho que isso, claramente, responde à pergunta sobre você entrar ou não! -declara. Exalando raiva, gira a maçaneta da porta, passa por ela, e depois a bate em minha cara.

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