Meu Desejo - Capítulo Dezesseis

Da série Meu Desejo
Um conto erótico de M.J. Mander
Categoria: Gay
Contém 6663 palavras
Data: 31/07/2024 23:49:36
Assuntos: Amor, Gay, Homossexual

CAPÍTULO DEZESSEIS

*** HUGO MALDONADO ***

— Tio Breno, olha! Eu já comi todos os legumes — Beatrice anuncia em alto e bom som e olha para Pedro, que lhe dá uma piscadinha em aprovação.

Minha filha sorri, extremamente satisfeita, e eu deveria me sentir enciumado, mas assim como me sinto sobre contar as histórias e colocar a Beatrice para dormir junto com Pedro, nada além de uma satisfação estranha preenche o meu peito. Sua permanência em nossa casa tornou sua relação com a Beatrice ainda mais próxima.

Se antes minha filha já demonstrava enxergá-lo com muito mais afeto do que seria esperado para um professor, a cada dia desde que nos mudamos para Santa Catarina, Pedro se torna uma peça mais fundamental na rotina de Beatrice.

Desde até a busca por sua aprovação nas atividades mais simples do dia a dia, como comer as verduras, comportamento antes reservado apenas para mim.

E tanto quanto minha filha está entregue a essa relação, Pedro também não é capaz de disfarçar seu apego. Ele não foi passivamente incorporado à rotina de Beatrice, até porque, apesar da minha implicância, o homem não tem problemas em dizer não à minha filha.

O que significa que as histórias, os jantares, as brincadeiras e cada uma das interações nas quais o professor tão alegremente se envolveu fora do seu horário de trabalho desde que se tornou nossa hóspede, foram escolhas dele.

E isso está prestes a acabar. Talvez seja essa a razão de eu estar quase desejando que volte a chover, mesmo sabendo que essa é uma vontade extremamente egoísta?

— Muito bem, Be! Muito bem! — meu irmão parabeniza, fazendo festa e interrompendo meus pensamentos. Coço a sobrancelha e levo uma porção de comida à boca.

— E você não vai comer legumes, tio Breno? — Beatrice repara na falta deles no prato do tio e eu cruzo os braços e inclino a cabeça. Esperando para ver como ele vai sair disso.

Meu irmão tem um paladar infantil. Geralmente, minha mãe pede que preparem somente os legumes e verduras que ele gosta para os almoços de domingo, o que evita situações como essa. Breno abre a boca, procurando uma desculpa, depois, olha para a travessa posta sobre a mesa.

A abóbora temperada o encara de volta e ele engole em seco com a perspectiva de ter que comer. Seu rosto vai mudando de tom e quando está prestes a ficar verde, Pedro vem em seu socorro.

— Acho que o tio Breno é alérgico a abóboras, Be. — Me controlo para não bufar. O problema do meu irmão é falta de vergonha na cara, nada além.

— Isso! — concorda com tanta pressa que se engasga com a própria saliva e tosse várias vezes. Reviro os olhos, mesmo odiando a imaturidade do ato. — Eu sou alérgico, Be. Não posso comer abóbora ou fico todo inchado — mente descaradamente. Beatrice franze as sobrancelhas antes de se virar para mim.

— Papai, acho que sou alérgica a legumes. — Olho de Breno para Pedro, acusando-os silenciosamente, e a segunda ainda tem a decência de parecer envergonhada. Já o primeiro...

— Não é não.

— Tem certeza? — minha filha pergunta, deixando os ombros caírem e levantando a cabeça numa postura cansada.

— Absoluta.

— Tá bom — concorda e abaixa a cabeça para continuar a comer.

Sem emitir som algum, os lábios de Breno formam a palavra obrigado para Pedro e ele sorri para ele. Por que ele está sorrindo para ele? E por que ele parece tão satisfeito com isso? Ele é hétero, Breno! Pare com isso! Meus olhos dizem quando os fixo em meu irmão, mas sou completamente ignorado.

— Agora você não vai poder fugir da minha pergunta, Pedro. — O sorriso gratuito ativou o modo galanteador de Breno. Torço os lábios, desgostoso. Quando foi que ele deixou de ser o Professor Pedro para ele? Meu irmão estala a língua. — Esse cara está te irritando muito? Pode admitir, eu te protejo, meu bem. — O apelido desnecessariamente íntimo me faz grunhir e Pedro vira o rosto em minha direção. — Não liga não. Já ouviu aquele ditado? Cão que ladra não morde?

— Na verdade… — ele começa a responder e eu entreabro os lábios ao focar minha atenção nele, sentindo-me ultrajado, porque nada que comece com “na verdade” pode ser bom. E, parecendo sentir minha agonia, Bela Armadilha veste sua armadura de afronta e faz uma longa pausa, apenas para me provocar. — Ele até que tem sido bem decente — conclui e eu arranho a garganta. Ele solta uma risadinha.

— Papai, o que é decente? — Beatrice pergunta.

— Decente é algo bom — respondo, e Breno murmura algo que se parece muito com “Na verdade, é algo ok.”, baixinho.

— Eu não acredito nisso — diz, dirigindo-se a Pedro. — Se você estiver se sentindo pressionado, se precisar de algum tipo de serviço de proteção aos professores, conte comigo. — A sugestão faz Pedro gargalhar e eu engulo um bufar.

— É, eu receio que isso faria eu perder meu emprego.

— Não esquenta. Eu posso arrumar outro pra você.

— Você tem um filho pra quem eu possa dar aulas?

— Não, mas eu tenho certeza que podemos descobrir muitas coisas que você poderia me ensinar. — Pedro abre a boca, chocado, antes de deixar que outra risada alta escape por seus lábios e eu dirijo a ele um olhar de repreensão, para o que ele não dá qualquer confiança.

— Tio Breno, o que o professor Pedro poderia te ensinar? — Beatrice pergunta e eu mudo meu foco para o meliante. Breno busca ajuda de Pedro outra vez, mas, agora, ele está muito ocupado tentando engolir a própria risada.

— A ter bom senso, minha filha — respondo, deixando muito claro para meu irmão, em meu tom e olhar, que nós vamos conversar sobre isso.

— O que é bom senso, papai?

— Algo que seu tio não tem! — Bufo.

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— Sinto muito pelo meu irmão, às vezes, ele passa dos limites — digo e dou partida no carro.

— Ele é engraçado. — Pedro aconchega-se no banco do carona.

— É, você rindo das besteiras dele não ajudou — resmungo.

— Eram só brincadeiras, deixa de ser mal-humorado. — Desvio o rosto da estrada apenas por um segundo para olhar para ele com os olhos estreitados.

— Mal-humorado, é?

— Uhum! — Franze o nariz em uma careta e dá de ombros. — Eu sempre soube que Beatrice o adorava, mas os dois juntos é algo bonito de ver.

— Ele atrapalhou sua aula também?

— Não. Eu o expulsei da biblioteca depois de quinze minutos.

— Eu gostaria de ter visto isso.

— Tente atrapalhar minha aula e eu vou expulsar você também. Mas acho que observar silenciosamente, achando que eu não sei que você está lá, faz mais o seu estilo — alfineta e dá um sorrisinho, virando o rosto em minha direção.

— Você sabia?

— É claro que sabia.

— E por que não disse antes?

— Achei a preocupação fofa. — Dá de ombros. — E se não estava me atrapalhando, não tinha porque reclamar. — Rio, sentindo-me ridículo. Outro dia eu estava julgando a falta de furtividade de Pedro e agora descubro que não é como se eu a tivesse em excesso.

— Breno mima Beatrice demais.

— Só ele é? — Com o canto dos olhos, vejo Pedro arquear uma sobrancelha.

— Achei que você tivesse me dito que não achava a Beatrice mimada.

— Na reunião?

— É.

— Você não estava exatamente disposto a ouvir o que eu tinha a dizer. Precisei escolher minhas palavras.

— Então você a acha mimada?

— Na maior parte do tempo, de um jeito saudável. Já te expliquei minhas ressalvas.

— E a psicóloga concordou com você — admito a contragosto e me viro apenas para receber um olhar de “eu te avisei” de Pedro.

— Você foi um babaca naquela reunião — acusa, me fazendo rir.

— Ninguém gosta de ouvir que está falhando como pai.

— Eu não disse isso — pondera. — Ninguém nunca poderia dizer isso. — O tom suaviza ao dizer as últimas palavras.

— Eu sei. — Balanço a cabeça para cima e para baixo, concordando. — Mas na época, foi tudo o que ouvi.

— Sinto muito, não foi minha intenção.

— Não é culpa sua. Às vezes só é... Difícil. — Pedro estende a mão e alcança a minha. Ele deixa um aperto suave, de conforto, e eu não resisto quando a vontade de entrelaçar os dedos pequenos aos meus aparece.

Seguro sua mão e trago até meus lábios. Beijo o torso suavemente antes de abaixá-la e mantê-la segura na minha, pousada sobre a minha perna.

— Ele me lembra Matheus — diz, depois de algum tempo.

— Breno? Só de imaginar os dois juntos eu fico com dor de cabeça.

— Você nem o conhece!

— Eu tive contato com o seu amigo duas vezes, Pedro. Na primeira, ele gritou que tinha um gostoso na porta de vocês pra quem quisesse ouvir, na segunda, ele te obrigou a admitir que me achava gostoso, mesmo eu estando bem atrás de você. Deu pra ter uma boa ideia da personalidade dele, acredite. — Pedro ri e eu viro o rosto, atraído pelo som, mas logo volto a prestar atenção na avenida. — O que foi? — pergunto, quando um silêncio que se tornou incomum entre nós nos últimos dias se instala.

— Beatrice.

— Ela se acostumou a ter você por perto. — Ela não foi a única, penso. Mas guardo essa parte para mim.

— Eu me acostumei a estar por perto. Foi tão rápido — suspira.

— É fácil se acostumar com coisas boas. — Nossos olhares se cruzam por segundos.

— É, é sim. — Morde o lábio. — O proprietário da casa disse algo sobre a situação atual da vila? — Muda de assunto, parecendo não querer pensar sobre o outro.

— Ele disse que algumas casas foram mais afetadas do que outras, me mandou algumas fotos. Não parecia bom.

— Por que você não as encaminhou pra mim?

— Não pensei nisso, desculpe.

— Tudo bem. E as pessoas? Ele falou alguma coisa sobre as pessoas?

— Não — ele suspira novamente.

— Espero que estejam todas bem.

— Logo saberemos. — Pedro assente antes de estender a mão livre para o rádio.

Ele não pede permissão, nem me pergunta o que quero ouvir. Simplesmente liga o som e o manipula como quer até encontrar uma estação que o agrade e eu adoro a descoberta de que, em algum momento, minha companhia se tornou confortável o suficiente para isso.

Levanto sua mão e a beijo outra vez. Pedro escolhe uma estação de MPB e Pop e isso não me surpreende nem um pouco. A combinação imprevisível de calmaria e ousadia combina com ele.

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*** PEDRO FERNANDES ***

As ruas escuras e sem vida não se parecem em nada com o bairro alegre que eu deixei para trás há quase duas semanas quando fui trabalhar. É como se até mesmo as paredes e o chão do Ribeirão da Ilha estivessem tristes, e ver a destruição espalhada pelo lugar torna impossível não ser contagiada pelo sentimento.

Casas e pequenos comércios têm as fachadas manchadas de lama e barro, que marcam até onde a água alcançou durante os dias de alagamento. As ruas estão repletas de amontoados de móveis, eletrodomésticos, caixas e sacolas esperando pela coleta de lixo. Pessoas andam de um lado para o outro, tentando colocar a própria casa, a própria vida no lugar, ou ajudar os vizinhos e amigos.

Passo a mão rapidamente sobre a bochecha quando uma lágrima escorre, limpando-a. Minha garganta seca mal me permite respirar direito. Meu Deus, quanta tristeza. Hugo estaciona o carro de frente para a vila onde minha casa fica e o cenário aqui é tão devastador quanto em qualquer outro ponto desde a entrada do Ribeirão. Mais lixo, mais pessoas desesperadas, mais destruição.

Pensar que para além desse ponto, onde o bairro se torna mais humilde, a situação deve estar ainda pior, torna o bolo em minha garganta quase insuportável. O aperto quente em minha mão aumenta e eu me sinto grato por, desde o momento em que a segurou, Hugo só tê-la soltado para trocar a marcha do carro, o que aconteceu poucas vezes, já que a SUV que ele dirige é automática. E em todas elas, ele entrelaçou nossos dedos novamente logo em seguida.

— Isso é... — Minha voz sai quase sussurrada e eu não consigo completar a frase. Não consigo encontrar uma palavra que seja o suficiente para expressar o que tudo isso é.

— Muito pior do que achei — ele completa, a voz tão grave quanto o rosto. Um silêncio triste ocupa o espaço entre nós enquanto observamos nosso derredor.

— Acho melhor eu ver como está a situação da minha casa — digo, depois de algum tempo e Hugo assente. Não preciso pedir que ele fique comigo, de alguma maneira, eu sei que ele vai ficar.

Desço do carro e Hugo me segue. O portão de grades da vila está aberto, passamos por ele e encontramos algumas casas com as portas abertas, escancarando, para quem quiser ver, o estado de devastação do lado de dentro. A vila possui dezesseis casas divididas por um corredor largo. São oito no térreo e oito no segundo andar.

Atravesso o corredor até o final, passando por várias pessoas e sendo imersa em uma cacofonia de sons, desde passos até vassouras e baldes de água sendo despejados aqui e ali. A marca de água na parede lateral que sustenta as escadas de acesso ao segundo andar da vila anuncia que nenhuma casa térrea foi poupada, mas ao subir as escadas para o segundo andar, o cenário começa a mudar.

Apesar do chão molhado e enlameado, aqui não há portas abertas, nem móveis ou itens pessoais sendo amontoados e descartados. Ninguém está carregando baldes de dentro para fora.

As casas do segundo andar foram poupadas.

Meus dedos tremem quando alcanço a última porta, a minha porta. Procuro as chaves dentro da bolsa e as agarro com firmeza ao encontrá-las. Abro a porta e sequer sou capaz de me sentir aliviado quando encontro quase tudo no lugar. Há uma fina camada de água revestindo o chão que, provavelmente, passou por baixo da porta. Mas uma sala alagada não é nada se comparada à destruição espalhada por todos os lugares.

— Não parece justo — digo baixinho e, atrás de mim, Hugo me abraça. Seu queixo se apoia sobre a minha cabeça.

— Não foi uma escolha sua, Pedro.

— Eu sei. Ainda assim, não parece justo. — As pessoas lá embaixo não têm alternativa senão morar aqui. Eu nem estive aqui durante a enchente. Não parece justo que elas tenham perdido tanto e eu mal tenha sido afetado.

A porta paralela a minha se abre e o som de várias vozes ecoa alto. Hugo e eu nos viramos. Uma mulher de pele castanha, cabelos lisos e longos, usando jeans e camiseta, com um bebê chorando nos braços sai para a varanda e deixa a porta aberta. Dentro da casa, várias crianças, pelo menos quinze, talvez mais, falam umas com as outras e eu pisco, sem entender.

— Marli, não é? — digo ao me lembrar o nome da vizinha com quem troquei uma palavra ou duas durante as semanas que fiquei aqui.

— Isso, desculpa. Não lembro teu nome. — Balança a criança nos braços, tentando acalmá-la. O vão entre nossas casas faz com que precisemos falar um pouco mais alto do que o normal.

— Não tem problema. É Pedro. Está tudo bem? — Aceno com a cabeça para o interior da casa. Ela dá de ombros.

— Bem num tá não, mas a gente vai dando um jeito, né? Tô cuidando das crianças pros pais poderem recolher os cacos — diz, e a ausência de crianças pelas casas do andar de baixo, algo de que eu nem tinha me dado conta até agora, faz sentido. — Vai ser uma noite longa. — Processo as palavras.

— As pessoas vão fazer isso durante a noite? Não seria melhor esperar o dia clarear? — Hugo pergunta e a mulher o analisa, olhando-o de cima a baixo.

— As pessoas estão fazendo isso desde que a água abaixou, moço, hoje de manhã. Mas se não limparem, vão dormir onde? — Apesar das palavras parecerem duras, a postura de Marli deixa evidente que essa é apenas a sua forma de falar.

— E você tá sozinha? — pergunto, quando Hugo não responde.

— É mais fácil uma só pra cuidar das crianças do que pra limpar. Dar comida vai ser o mais difícil, mas eu vou dar um jeito. Só preciso fazer essa pitica dormir.

— Já chamaram a defesa civil? — Hugo pergunta.

— Chamar, chamaram. Mas a entrada do Ribeirão é o lugar menos afetado, moço. Lá pra dentro as coisas tão bem piores.

— Piores? — repito. Mesmo que eu tivesse imaginado isso, a confirmação cai como um estrondo em meu peito.

— Muito.

— Tia Marli, tô com fome. — Uma garotinha de pele clara e cabelos loiros despenteados sai de dentro da casa. Pelo seu tamanho e forma de falar, duvido que seja mais velha do que a Beatrice.

— A tia já vai, Dália. Deixa só a Juju dormir que a tia vai arrumar uma coisa pra vocês comerem.

— Tá bom — diz, e a mãozinha pequena coça os olhinhos. A menina olha para mim.

— Posso te ajudar? — A pergunta salta da minha boca. Marli me mede de cima a baixo, exatamente da mesma maneira que fez com o Hugo.

— Me ajudar?

— Com as crianças, posso fazer a comida enquanto você coloca a bebê pra dormir? — A mulher me olha desconfiada.

— Por que? Tu Você nem conhece eles.

— Eu só quero ajudar. Posso? — Ela pondera por um instante antes de balançar a cabeça, concordando.

— Ajuda não se nega não, moço. Sabe fazer macarrão?

— Sei. — Sorrio pequeno, sentindo o coração um pouco menos apertado por poder fazer alguma coisa.

— Vai fazer aí ou aqui? — Olho pra dentro da minha casa, o chão está molhado, mas acho que dá pra trabalhar.

— Eu limpo o chão, você cozinha — Hugo sugere e eu levanto a cabeça, olhando para ele surpresa.

— Você não precisa fazer isso — digo baixinho, para que só ele escute.

— Você não é o único que quer ajudar, Pedro — responde no mesmo tom e o meu coração intrometido, mesmo apertado, dá um salto completamente inapropriado quando Hugo ergue a mão para uma carícia suave em meu rosto. — Vamos começar?

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Uma hora depois, todas as vinte e sete crianças já foram alimentadas. Mais da metade delas dorme, na casa da Marli, enquanto as que estão acordadas estão na minha sala, comendo pipoca e assistindo Harry Potter. Hugo foi levado para ajudar a tirar alguns móveis destruídos de dentro de uma casa alguns metros depois da vila.

Ele tinha acabado de terminar de limpar o chão quando vieram procurar ajuda e Hugo imediatamente se prontificou, depois de se certificar de que Marli e eu daríamos conta de alimentar as crianças.

— Esse teu Hugo é um baita homão, hein? — Marli diz, parada ao meu lado, na porta da minha casa. Olho para ela, surpresa.

— Meu? Não! — Me apresso em negar. — Ele não é meu não.

— Ah não? E que que são esses toques e olhares 43 que tu e ele vocês ficam trocando?

— Olhares 43? — Não consigo evitar a risada.

— É, ué! Um olhar intenso! De "Tô te querendo!” — explica, e isso me faz rir mais. Esse é o tipo de coisa que Matheus diria.

— Não tem olhar nenhum, não. É impressão sua.

— Se tu diz...

— Eu digo, sim.

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Às duas da manhã, olho para as crianças, agora, todas adormecidas pelo chão da sala em um grande amontoado de edredons, a maior parte vinda da casa de Marli. Mais alguns chegaram e nenhum pai ou mãe apareceu para buscar as que já estavam com a minha vizinha desde cedo.

Aqueles que terminaram suas próprias limpezas, estão envolvidos nas dos amigos, parentes ou vizinhos, assim como Hugo, que me mandou uma mensagem por volta de meia noite dizendo que havia muito mais de uma casa precisando de mais um par de mãos para ser esvaziada e perguntando se estava tudo bem ficar sozinho para que ele pudesse ser esse par. Que tipo de pergunta era aquela? É claro que sim.

Marli está na própria casa, cuidando da parcela de crianças que estão por lá. Não consigo dormir. Minha mente se recusa a desligar, pensando sem parar em como fazer mais, em como ser mais útil. Pego o celular e começo uma pesquisa sobre atividades que eu possa fazer com as crianças depois que elas acordarem. Normalmente, minha cabeça estaria cheia, com um milhão de ideias, mas neste momento ela está tão absorta cheia, que não consigo lembrar de nenhuma.

Quando a porta é aberta, já são quase quatro da manhã. Sentado num cantinho de frente para a porta, no chão da sala, observo Hugo colocar a cabeça para dentro e imediatamente encontrar meu rosto iluminado pela tela do celular. Ele estuda o chão por um momento, planejando como fazer seu caminho até mim.

Depois, tira os sapatos do lado de fora e, com todo cuidado do mundo para não incomodar nenhuma das crianças espalhadas, faz malabarismo com as pernas imensas para me alcançar. Ele senta ao meu lado e, sem dizer nada, beija a minha têmpora antes de passar o braço por trás das minhas costas e me abraçar de lado. Seu conforto não deveria ser tão bom, mas quando o calor do seu corpo contagia o meu, não consigo imaginar nenhum outro lugar no mundo onde eu desejasse estar.

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*** HUGO MALDONADO ***

— Não sei nem como agradecer. — O homem alto de cabelos e barba grisalhos estende a mão para mim.

— Não há necessidade, Matias. Foi um prazer ajudar. Vou esperar seu sobrinho na Unboxing na segunda-feira.

— Obrigado por isso também, Hugo. Muito obrigado. — Seguro as mãos do homem entre as minhas e assinto, sentindo que deveria ser eu a lhe agradecer, não o contrário.

Nos últimos dois dias, ele fez muito mais por mim do que eu por ele. Não apenas Matias, mas cada morador do Ribeirão por quem de, alguma forma, eu pude fazer qualquer coisa, desde ajudar a tirar um móvel destruído de dentro de casa, até ajudar no transporte do entulho para limpar as ruas e evitar um desastre ainda maior, caso volte a chover.

Quando foi que eu parei de me importar com as pessoas? Eu sei exatamente o momento em que parei de me importar comigo, mas até me deparar com o caos no Ribeirão na quarta-feira à noite, eu não tinha notado o quão desinteressado pelas pessoas ao meu redor eu havia me tornado.

Permaneço na calçada até que a picape tenha se afastado e passo pelos portões da vila, indo ao encontro de Pedro em sua casa. Mesmo depois de quase quarenta e oito horas acordado e vestido por roupas de frio confortáveis, o homem ainda é lindo pra caralho.

Bela armadilha não me vê parado no batente da porta, o observando enquanto ele organiza a bagunça feita pelas crianças nas últimas horas. É engraçado como algumas experiências podem nos fazer entender tantas coisas em um espaço tão curto de tempo. Pedro percebe minha presença quando fecho a porta da sua casa. Ele se vira para mim e morde o lábio, acompanhando minha aproximação.

— Oi — digo ao envolver meus braços em sua cintura. É a primeira vez que o toco desde que o abracei na primeira noite aqui.

As horas seguintes foram caóticas e, até agora, ainda não havíamos tido nenhum momento a sós.

— Oi. Terminaram?

— Tiramos tudo o que era possível do caminho. O resto é com os bombeiros e com a defesa civil. — Pedro desvia os olhos para a janela, como se a essa distância fosse conseguir visualizar o que eu disse.

A situação hoje já é bem diferente da que encontramos na quarta-feira à noite. Alguns comércios já voltaram a funcionar e as pessoas que transitam de um lado para o outro, já não são mais o retrato do desespero. Ainda há muito a ser feito, mas o cenário não pode ser comparado à desolação anterior.

— Você precisa ir — avisa e eu olho para o relógio, constatando que ele tem razão. O voo de Beatrice sai em uma hora e eu preciso me despedir da minha filha, há dois dias não a vejo.

Só troquei de roupa desde quarta, porque Jorge me trouxe algumas, junto com as compras que pedi, para que Pedro pudesse continuar a alimentar as crianças. Os recursos da sua dispensa foram esgotados logo na primeira noite.

No fim das contas, a visita de Breno se tornou providencial. Ele assumiu a responsabilidade de ficar com a Be enquanto eu estava envolvido em fazer o que podia para ajudar os vizinhos de Pedro. Sabendo de tudo o que estava acontecendo aqui, eu não podia simplesmente virar as costas.

Como diria meu irmão, no jokenpô da vida, há coisas mais importantes do que o trabalho. E, olhando em retrocesso, me pergunto quantas vezes, nos últimos anos, ignorei isso.

— Você vai ficar bem? — Ele ri.

— Eu estou bem, Hugo. A maioria das crianças já foram pra casa. Só tem algumas na casa de Marli. Demos conta de quarenta no dia mais cheio, podemos lidar com cinco.

— Eu sei que você pode lidar com muito mais, Pedro. Não foi isso que eu perguntei. Perguntei se você está bem. — Seus olhos amolecem.

— Só estou cansado. — Abaixa a cabeça e a encosta em meu peito, suspiro.

— Eu também — admito e beijo sua têmpora. — Eu também. Eu realmente preciso ir.

— Eu sei.

— Me liga se precisar de alguma coisa?

— Ligo — concorda, mas eu ainda não o solto.

— Pedro? — Roço a ponta dos dedos em seu rosto quando ele inclina a cabeça para trás, a fim de me olhar sem barreiras.

— Sim?

— Do que é que nós estamos fugindo? — Sua risada não é de divertimento.

— Eu não sei se fugir é a palavra certa.

— Você corre da minha cama todas as vezes que amanhece o dia nela e eu ainda não te disse o quanto não quero que você faça isso. Parece fugir pra mim.

— É complicado — sussurra.

— As últimas semanas foram as mais simples da minha vida em muito tempo, Bela Armadilha.

— Você finalmente vai me dizer o que esse apelido significa?

— Você finalmente vai dormir comigo?

— Hugo, eu… — Sua fala é interrompida pelo toque do meu telefone.

Enfio a mão no bolso, pronto para dispensar a chamada, mas é a foto do meu irmão brilhando na tela. Atendo a ligação sem me desvencilhar de Pedro, deixando claro que a conversa não acabou.

— Eu estou indo — digo no momento em que pressiono o botão verde.

— Be está impaciente, dizendo que não sabe mais se quer ir. — Coço a testa.

— Estou indo.

— Ok. — Desligo o telefone.

— Você precisa ir — Pedro diz, provavelmente tendo ouvido o que Breno disse.

— Preciso. Mas eu também preciso de você na minha cama hoje. — Pauso. — Vou deixar a porta aberta. Você sabe onde me encontrar. — Minha boca se aproxima da sua com lentidão. O toque é gostoso e eu desfruto dele antes de deslizar a língua pela junção dos lábios de Pedro e infiltrá-la devagar, saboreando o seu gosto. — Eu realmente preciso ir. — Interrompo o beijo muito antes de me sentir satisfeito por ele.

— Vai — responde com a respiração difícil. — Dá um beijo na Be por mim.

— Vou esperar você — digo, antes de me afastar e Pedro não consente, mas também não nega. Beijo a sua testa uma última vez e saio da sua casa, antes que tirar minhas mãos dele se torne ainda mais difícil.

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*** PEDRO FERNANDES **

Bato os pés e tamborilo os dedos no assento do sofá. Levanto, ando de um lado para o outro, sento outra vez. Meus pés procuram o chão num tec-tec incessante e as pontas dos meus dedos também não conseguem se manter longe do tecido que reveste as almofadas. Menos de um minuto depois, estou de pé outra vez, andando de um lado para o outro.

As palavras de Hugo ecoam em meus pensamentos em um looping infinito. Do que nós estamos fugindo? Do quê, Pedro? Ontem pela manhã você tinha uma lista mental de pelo menos dez razões, então por que, em nome de Deus, agora não consegue lembrar de nenhuma? Dessa vez, você nem pode colocar a culpa no tesão! Hugo está há quilômetros de distância. Ser racional não deveria ser difícil.

Na casa que parece muito mais vazia depois de ter passado dias superlotada, olho para o teto, para as paredes, sentindo-me estafado de corpo e alma. O sono e a exaustão fazem meus olhos pesarem ao mesmo tempo em que me sinto aceso, vibrando com uma energia nervosa que nada nunca havia despertado em mim até Hugo Maldonado. E isso sequer foi a única coisa que somente ele foi capaz de despertar em mim.

— O que você quer, Pedro? — pergunto em voz alta e a resposta vem tão facilmente que eu deveria me envergonhar de ter perdido horas da minha vida fingindo que não sabia.

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A porta da biblioteca está entreaberta e é engraçado, porque, até hoje, era sempre eu a esperar por Hugo dentro do cômodo. Assim que empurro as portas duplas, braços envolvem a minha cintura, um corpo quente com o torso nu se cola ao meu e um nariz afunda em meu pescoço.

Ele estava me esperando, e o meu cérebro se divide entre se sentir ultrajado pela arrogância de Hugo e grata por ela. Tudo ao mesmo tempo. Derreto imediatamente em seus braços, aproveitando a sensação e finalmente me sentindo capaz de me render ao cansaço. Aquela certeza de estar segura que senti na madrugada de quinta-feira me inunda novamente, mas eu me recuso a pensar sobre ela agora.

Uma bandeira branca por vez é mais do que o suficiente. Hoje eu ergui uma pelo meu corpo, talvez amanhã eu acorde me sentindo corajoso o suficiente para erguer uma pela minha mente.

— Você demorou — Hugo reclama, brincando com os lábios em minha orelha.

— Você nem sabia se eu viria.

— Eu tinha certeza de que você viria — afirma convicto. Um som de descrença deixa minha garganta e eu deixo um beijo em seu pescoço.

— Você é um bastardo arrogante.

— E você é uma bela armadilha.

— É agora que você me explica o que isso significa? — Ele se afasta o suficiente para que os nossos rostos fiquem frente a frente, balança a cabeça em negativa, estala a língua e sorri para mim.

— Não foi esse o nosso acordo.

— Esse acordo imaginário que nós supostamente fizemos envolve dormir? Por favor, me diz que ele envolve dormir — choramingo, com meus olhos ardendo como se houvesse areia neles.

— Dormir é tudo o que ele envolve. Eu disse, quero você na minha cama.

— Graças a Deus! — Minha cabeça bate em seu peito e ele aperta os braços ao meu redor. Não me movo por algum tempo. Seu calor, cheiro e presença são o conjunto calmante de que eu não sabia que precisava. Quando Hugo se inclina, passa os braços sob meus joelhos e me pega no colo, eu não reclamo.

Sinto quando meu corpo é deitado no colchão macio e também quando sou despido até que eu esteja vestindo apenas cueca. Sinto quando um cobertor macio toca a minha pele e quando um corpo duro e quente me envolve em seu calor.

Sinto quando uma inspiração profunda é puxada em meus cabelos e quando um beijo suave é deixado em meu pescoço. Sinto tudo, e nada nunca pareceu tanto com estar em casa, ou talvez eu já estivesse sonhando.

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O rosto anguloso parece ainda mais bonito pela manhã do que à noite. Como isso é possível? As linhas fortes do maxilar estão relaxadas, os lábios frouxos e as rugas nos cantos dos olhos, evidentes. A barba grisalha é uma bagunça de fios enrolados e os cabelos, normalmente penteados para trás, estão pendurados, com algumas mechas curtas coladas na testa. Deveria ser proibido ser tão bonito.

Não me movo, com medo de acordá-lo. Não quero perder a oportunidade de olhar para ele. O braço firme enrolado ao meu redor não me soltou a noite inteira e eu não sabia que era uma pessoa que gostava de dormir agarrado até esse momento. Deus, como foi que eu consegui resistir a isso por tanto tempo? A acordar aqui? Não sei. Mas agora que experimentei, não acho que serei capaz de resistir a uma segunda, terceira e sabe-se lá quantas vezes mais.

E não foi assim desde o primeiro olhar? Hugo Maldonado me enfeitiçou com seu mau humor e rabugice. Engulo a risada, mas não contenho o esticar dos meus lábios. Que tipo de pessoa se apaixona pela antipatia de alguém? Pela arrogância?

Como em uma cena de filme, o riso morre em minha boca quando, segundos depois, me dou conta do pensamento traidor. Quem se apaixonou?

O coração, antes calmo em meu peito, de repente, acelera, desesperado com a possibilidade de, pela primeira vez em muito tempo, talvez pela primeira vez em minha vida, finalmente ter dado um passo antes da minha mente. Mas não! Isso é impossível! Eu não sou o tipo de pessoa que se apaixonaria sem perceber. Qual é? E em o quê? Um mês? Quem se apaixona em um mês? Eu, com certeza, não!

Coração acelerado não é sinal de paixão, pode ser princípio de infarto, aumento de metabolismo, excesso de estresse, ansiedade, hipertireoidismo, problemas pulmonares... Tanta, mas tanta coisa! Pelo amor de Deus, Pedro! Você fez curso de primeiros socorros, se controla!

E a sensação de segurança que só estar nos braços dele causa? E o prazer da companhia? A ansiedade por ela? E a vontade de contar todos os meus planos e ouvir os dele? E o medo de perder algo que você mal teve tempo de ter? E aquela vozinha dizendo que nunca é o suficiente, pedindo, constantemente, por mais? Mais conversas, mais tempo juntos, mais beijos, mais toques, mais tudo? Oh, Deus! Acho que estou hiperventilando!

Entreabro os lábios, sopro o ar lentamente e aperto os olhos. Calma, Pedro. É paixão, não é doença terminal, tenha dó! Ninguém nunca morreu de amor. E antes de surtar, vê se raciocina? Quem foi que disse que se apaixonar é um problema? Quem foi que disse que você não está sendo correspondido? Ninguém disse, oras. Mas ninguém disse que eu estou.

E você está reclamando de quê? Acabou de perceber que está apaixonado e já está surtando. O fato de você não ter saído por aí espalhando cartazes e escrevendo mensagens no céu não muda o que você sente. E foi o Hugo quem perguntou, ainda ontem, do que é que vocês estavam fugindo.

Mas ele estava falando de sexo! Estava mesmo? Hugo não é mais nenhuma criança, Pedro. Se ele precisasse só transar, não precisaria de você na cama dele.

E eu acho que nós já conhecemos o pai que ele é o suficiente para saber que ele não aproximaria qualquer pessoa de Beatrice. Não assim, não te dizendo que não quer que você saia correndo da cama dele.

Mordo o lábio para não choramingar, a conversa incessante em minha própria cabeça ateando fogo em meus neurônios e transformando o calor do corpo de Hugo, antes bem-vindo, em algo quase sufocante.

— Eu preciso buscar um extintor? — A voz rouca interrompe o meu debate silencioso e eu apoio a testa no peito de Hugo, quietinho. — Fala comigo — pede e eu sequer levanto os olhos para descobrir se os seus estão abertos. Você nunca foi covarde, Pedro. Não vá começar agora.

— Preciso de um minuto — peço.

Ele suspira e aperta ainda mais os braços ao meu redor. Aspiro seu cheiro, mas isso não surte o mesmo efeito da noite passada. Ao invés de me sentir mais calmo, a agitação me arrebata de vez. Pensamentos sobre todos os momentos em que a presença de Hugo foi mais importante do que era aceitável, e sobre como é possível que eu não tenha notado isso antes, me tomam de assalto.

— Já se passaram três.

— Não passaram, não.

— Eu contei. Só me diz uma coisa. Você está se sentindo bem?

Fisicamente, eu quero dizer.

— Sim.

— Tudo bem, então eis o meu plano: levantamos, vamos até a cozinha, tomamos um café e, depois, se você quiser, falamos sobre o que quer que esteja fazendo sair fumaça da sua cabeça.

— Você está usando comigo a mesma técnica que usa para arrancar informações da Beatrice? — Ergo o olhar quando percebo que sim, ele está. Perguntas pausadas e sugestões que dão a ela a impressão de estar no controle.

O sorriso que encontro nos seus lábios é uma chicotada no meu peito e eu gemo, porque era só o que me faltava. Agora, só porque reconheci a possibilidade de estar apaixonado vou me comportar como um tolo? Babando por um sorriso torto matinal?

— Talvez?

— Eu quero o café — decido.

— Tudo bem. — Beija a minha testa e me solta, levantando-se em seguida.

Eu ainda fico na cama por dez segundos e não consigo impedir meus olhos de passearem pelo corpo escultural vestido por nada além de uma cueca box preta. Cérebro assanhado, mesmo entrando em parafuso, não resiste à visão de Hugo seminu.

E não foi exatamente assim que me afundei nessa confusão? Teria sido só uma noite se eu não tivesse achado que seria uma boa ideia seguir Hugo quando ele decidiu passear apenas de sunga de banho pela casa. Só uma noite, tá bom.

— Espera! Silvia e Lia não vão entender nada quando me virem aqui! — Me dou conta e digo alarmado. A sobrancelha de Hugo se ergue e ele volta para a cama, dessa vez, de joelhos. O corpo grande engatinha até o meu e seu rosto é uma máscara de seriedade quando ele fala.

— As duas estão de folga. Sem Beatrice aqui, eu não preciso delas. — Balanço a cabeça, concordando, sem entender o porquê de toda essa postura apenas para dizer isso. — Mas vamos deixar uma coisa clara aqui, Pedro. Eu não vou ser o seu segredinho sujo.

— Meu segredinho sujo? — Arfo, dividido entre me sentir ultrajado e desesperado. Isso significa alguma coisa, certo? Mas como ele ousa?

— Sim, seu segredinho sujo. — Estala um beijo em minha boca e se levanta outra vez. Hugo joga uma camiseta que estava pendurada nas costas de uma cadeira para mim e eu a visto, ainda sentado na cama. — Vamos?

Arrasto-me até a borda lateral da cama e jogo as pernas para fora. Sopro o ar pela boca, buscando controle sobre mim mesmo, mas não o encontro. Hugo não se preocupa em vestir qualquer coisa e sai do quarto atrás de mim. A cada passo que dou, meu coração chega mais perto de sair pela boca.

Estamos no meio das escadas quando me viro para ele, obrigando-o a interromper a descida dos degraus.

— Acho que me apaixonei por você! — Ah, meu Deus! Ah, meu Deus! Levo as mãos ao rosto e balanço a cabeça de um lado para o outro, negando.

Eu disse! Eu disse em voz alta e eu nem estava sozinho! Qual é a droga do meu problema? Não dava para esperar ter certeza, Pedro? Calcular e recalcular todas as possibilidades? Arrasto as mãos do rosto para os cabelos até que o movimento não consiga mais acompanhar o comprimento dos fios. Tudo bem, Pedro. Colocou pra fora, agora se controla.

Expiro longamente e abro os olhos, dizendo para mim mesmo que estou preparado para o que quer que eu vá encontrar no rosto de Hugo. Exceto que não estou.

Se quando me preocupei com Silvia e Lia me verem aqui em pleno sábado de manhã, sendo que a Beatrice nem em Santa Catarina está, dias depois de eu ter voltado para a minha casa, o rosto de Hugo se transformou numa máscara de seriedade, agora sua expressão não transmite nada além de uma calma ofensiva se comparada ao meu atual estado de nervos. Será que eu não disse o que disse em voz alta?

Ele espera que as minhas sobrancelhas se franzam, que a minha boca se abra, que eu não consiga dizer nenhuma palavra e só então, exatamente como fez noite passada, na biblioteca, ele se inclina, passa os braços sob os meus joelhos e me ergue em seu colo antes de dar meia volta e começar a refazer o caminho por onde viemos.

— O que você está fazendo? — Finalmente consigo perguntar quando chegamos ao topo dos degraus.

— Você disse que acha que se apaixonou por mim. Estou fazendo o que eu posso pra que você tenha certeza.

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Comentários

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Ué, a amiga dela não era Melissa? De onde bem esse Matheus?

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O ato de ar é tão libertado que as vê-se você se assusta e acha que não é merecedor desse sentimento. O conto é envolvente e bem narrado.

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Cada vez mais apaixonado por esse casal. Sua forma de escrever é tão sensacional e envolvente que ficamos presos na leitura e com aquela sede de saber logo como tudo vai se resolver. E diante da situação desse casal é claro que esperamos aquele lindo final de histórias românticas do famoso "e foram felizes para sempre".

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