Três Colinas: Capítulo 1 - Silêncio

Da série Três Colinas
Um conto erótico de Maciel Petrópolis
Categoria: Homossexual
Contém 5143 palavras
Data: 06/07/2024 16:14:22
Última revisão: 09/07/2024 19:22:35

ROMANCE GAY [+18] Contém: sexo, violência e homicídio.

Enquanto a chuva escorria pela janela do trem eu lembrava da minha infância. Tudo tinha sido solitário desde então, exatamente como esse lugar. Eu estava perto de Três Colinas, em poucos minutos começaria meu trabalho. Sabia que iria trabalhar com um sujeito difícil, que estava uma pilha de nervosos dado aos poucos avanços no caso. Sou investigador criminal, e fui designado para contribuir com as investigações.

Após parar em frente a Delegacia corri apressado, fazendo um esforço gigantesco para não me molhar tanto. Estava frio, e tudo o que eu buscava naquele momento era me manter o mais aquecido possível.

Atravessando os corredores notei a agitação do ambiente. Com toda certeza tudo seria desafiador, mesmo com minha experiência com vivos e mortos. Antes mesmo de receber a notícia que viria a trabalhar nesse caso sentia algo diferente no ar. Algo que me incomodava, mas não sabia o que era.

Ao passar por um corredor encontro a sala que me foi indicada pela secretária. Entro assim que percebo a porta entreaberta, então o vejo. Ele olha para mim e por um momento foi como se o tempo parasse. Senti algo que me perturbou, um despertar para algo que eu não sabia o que era.

Depois de um breve momento parecendo que estava buscando compreender minha presença ali, com seus olhos ainda nos meus, ele fala:

_ Você deve ser o investigador Cardoso, eu sou o delegado responsável pelo do caso. Prazer, Marinho! - Me disse estendendo sua mão. Apertei a mão do homem, sentindo aspereza e força no gesto que durou um pouco mais que o normal, até escultarmos barulhos de sirene do lado de fora.

_ Precisamos agir! - Falou de forma muito séria e irritada, saindo da sala sem cerimônia.

Segui o homem para fora da delegacia, enquanto a sensação de sua mão permanecia na minha. Eu sabia... Depois daqui, nada seria como antes.

***

A chuva não parava de cair o que acentuação um clima de angústia naquele momento. Seria o quarto corpo encontrado com as mesmas características de um antigo crime que ocorreu há cerca de 15 anos e havia chocado o país. Nele, uma pequena cidade mergulhou em um caos sem tamanho, em meio a prisões sem sentido e falsos avanços na tentativa de desvendar o sequestro de dez jovens garotas.

Eu estava dentro do carro com o delegado responsável pelo caso enquanto pensava essas coisas, me dirigindo para a cena do crime. Era bem evidente que ele estava aflito, e parecia não ter muita fé na minha presença ali – na verdade, em nada. Adiantou-se a falar de forma ríspida que a maioria das pistas não davam a lugar nenhum, e que a região de minas era gigantesca. Fazia esforço para cobrir toda a região nas buscas, mas mesmo assim havia algumas áreas que provavelmente não estavam no nosso radar. Explicou ainda que as colinas que cercavam a cidade possuíam túneis que se aprofundavam a quilômetros e quilômetros de extensão. Ele fez pouco contato visual comigo, parecia me evitar e por horas agia de forma combativa.

A cidade era calma e com poucos habitantes. Já no esquecimento, aquele lugar parecia repousar em uma paz frágil, que se extendeu por entre os anos. Agora, tudo vinha ao chão, nos fazendo questionar tudo e todos, atormentando mais ainda as almas que por ali restavam.

Eu pensava em muitas coisas enquanto observava a paisagem até o nosso destino. Foi em uma manhã de domingo de 2008 que recebi um e-mail, contendo as instruções necessárias para que eu assumisse, junto a equipe local, a investigação. A ordem de trabalho era bastante clara e objetiva e eu teria que viajar em mais ou menos dois dias para Três Colinas. Todos sabiam que, mais cedo ou mais tarde, isso seria algo a ser feito, já que um crime com essas especificidades não era comum.

Aos meus 35 anos eu me via satisfeito com meu último trabalho, o que me rendeu uma boa promoção e visibilidade. Eu estava satisfeito com meus resultados e ao mesmo tempo agradecido em não ser o responsável direto pelo caso de Três Colinas. Na memória, enquanto tomava café da manhã no grande refeitório da sede em que trabalhava alguns dias antes de receber o tal e-mail, vi algumas pessoas comentando sobre o fracasso do delegado responsável no caso. Três vítimas foram encontradas, sem sucesso até então na investigação. Eu não sabia quem era o sujeito na época, mas sentia empatia por ele. Eu buscava saber sobre o caso mais por curiosidade mórbida e interesse profissional corriqueiro, mas tudo mudou quando isso passou a ser uma obrigação. Eu fazia muito bem meu trabalho modéstia à parte, esse era o lado da minha vida que funcionava.

Fora o trabalho, não achava minha vida prazerosa, muito pelo contrário. Fazia exatamente três anos desde meu último relacionamento, que não poderia ter acabado de forma pior comigo traindo de forma muito baixa meu ex-companheiro. Acredito que é uma estatística para nossa profissão a infelicidade afetiva. Nesse meio tempo, me dediquei exaustivamente a vida profissional, o que me rendeu bons resultados como eu havia dito. Paralelo a isso, sexo impessoal acabaram sendo minha única fonte de prazer e de contato humano, mesmo que de forma breve era bom sentir um abraço naquelas ocasiões. Era comum olhar entre as grandes vidraças do Centro Criminal em que eu era alocado e não pensar no quanto minha vida tornou-se vazia. Por sorte, eu tinha o trabalho.

Pensei na vez que, depois de um treino pesado de combate, fiquei olhando pelas grandes janelas a paisagem repleta de prédios e pensando no quanto eu estava solitário. Era fácil conseguir sexo, e muitos homens e mulheres me olhavam e desejavam, eu transava com a maioria deles. Mas aquele sentimento de vazio me consumia de uma forma avassaladora, os dias não tinham cor. Talvez fosse uma crise dos trinta e poucos, e mais uma vez eu mergulhava no trabalho.

A relação mais significa que eu tive nesse meio tempo foi com um dos guardas do meu setor, que tinha uma idade próxima a minha. Foram cerca de cinco meses, de uma estranha e fria relação, que no final rendeu uma aproximação dele com sua esposa. No fundo, fico feliz por isso, eu não gostaria de mais uma pessoa solitária como eu no mundo. "Talvez fosse melhor procurar uma psicóloga" eu pensava, mas eu não fiz isso no momento.

Nunca pensei que a falta de amor fosse me trazer até aqui, o que só aumentou minha angústia e vontade de trabalhar exaustivamente – e foi o que fiz. Algo em mim como em qualquer ser humano queria afeto, mas eu sentia que não merecia; ou então estava cansado demais para isso, e não o aceitava.

No final dos dias, eu me concentrava nas atividades profissionais, e aceitava que as coisas eram como eram e que assim permaneceriam. Até pensava como seria minha velhice, talvez alguma sobrinha distante se despusesse a cuidar de mim. Se eu soubesse como tudo estaria para mudar, eu jamais pensaria em uma bobagem dessas. Sentia que havia algo diferente quando eu olhava para ele, na primeira vez eu já sentia isso. Nós não sabemos que isso significa até acontecer com a gente, eu não consigo explicar mais que isso. Ele me olhou de forma breve, mas me senti mergulhando na sua dor, isso me estimulava a ser melhor.

Mesmo nessas circunstâncias, senti que meu coração buscava me avisar alguma coisa. Estava no ar, como se estivesse se desenhando. Busquei afastar esses pensamos e me concentrar, pois sabia que o nível de tensão na equipe era o maior possível. Posso dar um exemplo muito significativo disso em um episódio que ocorreu antes de sairmos para investigar a cena do crime.

Enquanto seguia Marinho por entre os corredores da agitada delegacia, percebia que o cansaço e abatimento eram generalizados. Expliquei a ele que precisava ter pleno acesso aos documentos do primeiro evento para tentar fazer um perfil psicológico do ou dos assassinos, assim poderíamos pensar de forma antecipada. Ele fingiu não me ouvir, mas voltei a falar firme que isso era necessário, com desdém ele pediu a um agente para providenciar a documentação. O mesmo agente explicou que as pastas já estavam separadas como eu havia solicitado em um e-mail (que por sorte foi lido), mas que estavam presos no arquivo, já que a porta ficou emperrada e não estava abrindo por nada.

Marinho, impaciente, perguntou se alguém já estava resolvendo isso, ouvindo em seguida que um chaveiro já estava encarregado de solucionar o problema. Perguntou quando seria, e o agente, com evidente medo na sua voz, disse que no máximo até o final daquela tarde.

Poucas vezes na vida vi a expressão que Marinho fez. Aliás, aquela foi a primeira e única nos quase quinze anos vivendo juntos. Seus olhos ardiam em chamas que pareciam ser do próprio inferno, enquanto o homem que lhe deu a notícia parecia diminuir de tamanho diante da presença do delegado. Em um silêncio que parecia preceder a tempestade, ele andou em passos lentos para a sala em que os documentos estavam, parando em frente a porta de metal. Sem cerimônia, ele pegou um machado na parede para situações de emergência e arrebentou brutalmente a fechadura da porta com apenas quatro golpes, em seguida ele largou o machado no chão e com um único chute fez a porta abrir deixando-a torta com tamanha força que uso. O baralho foi tamanho que as várias pessoas na delegacia ficaram em silêncio, curiosas e sem saber o que houve. Sem dúvidas, era um homem muito forte e naquele momento estava uma pilha de nervos.

Sem dizer uma palavra, ele colocou duas caixas com vários papeis nos meus braços e saiu da sala com mais duas, indo até a recepção. Lá, ele envolveu o matéria em sacos de plástico, na tentativa de não molhar nada importante. Em tom claro, ele fala para todos que nós observavam sérios:

_ Quando eu pedir alguma coisa, entendam que é pra ontem. Eu vou sair agora daqui pra verificar um corpo com esse daqui – disse apontando pra mim – que pode nos ajudar a resolver isso... – falou.

_ Cada segundo que perdemos, é o tempo em que as vítimas se aproximam mais da morte, então se não forem capazes de rever situações simples da rotina que possa facilitar o trabalho em conjunto, melhor sair daqui e brincar de casinha. Espero que eu não precise repetir isso pra nenhum filha da puta aqui. – Enfatizou com sua voz grossa e alta berrando na delegacia, concluindo com a ordem que todos voltassem ao trabalho.

Uma coisa era muito certa, a cobrança em cima dele o fizerem chegar a esse ponto. Ele era uma bomba relógio. Quando entramos no carro, olhou pra mim percebendo meu desconforto e se adiantou em falar:

_ Não gostaria de sermão sobre como devo agir, fique de boca fechada em relação a qualquer processo com a corregedoria e se tiver algum problema guarde pra você. – Falou sem me olhar, manobrando o carro e partindo em seguida.

_ Concordo com tudo o que você falou. Não precisa falar comigo nada que não for estritamente ligado ao trabalho. – Rebati de forma ressentida, mas compreendendo que ele não estava em seu estado normal. Ele apenas seguiu o caminho.

***

Em meio a grandes árvores eu retornava dos meus devaneios para onde estava, em breve estaria analisando o corpo. Depois de um tempo, entramos por uma estrada de terra, por onde dirigimos por pouco mais de dez minutos. Desde que saímos da delegacia, percebi o quanto ele estava cansado, uma vez que bocejou diversas vezes enquanto me colocava por dentro dos detalhes mais recentes do caso. No final, eles não pareciam avançar muito, mesmo com a evidente determinação dele em solucioná-lo e com tantas informações relevantes já levantadas.

Percebi sua barba por fazer e suas olheiras, demonstrando que havia cançasso no homem ao meu lado. Mesmo assim, era nítida a beleza dele, principalmente quando se tratava dos olhos negros e profundos. Por um momento, tive vontade de abraçá-lo, o que era estranho dada a situação. Mas, pensando bem, não era tão estranho assim... Eu fazia o possível para afastar esses pensamentos, mas eles iam e vinham, como as ondes de uma maré baixa.

Olhando mais de perto, tinha certeza que ele não dormiu durante a noite. Ainda me explicou que estavam mapeando uma região nova, que dependia de documentos que buscavam resgatar com muita dificuldade em meio a um vazamento em um depósito catalográfico. Com a quarta jovem sendo encontrada, ele parecia ainda mais desesperado, porém mais concentrado nos caminhos das minas.

Na época ele estava com quarenta e um anos, e o analisando percebi uma marca de aliança no seu dedo. Divórcio! Com toda certeza divórcio... Isso era bastante comum entre nós, e com ele não havia de ser diferente. Ele trazia traços fortes em seu rosto, um semblante sério e rígido. Seus cabelos com alguns fios grisalhos reforçavam esse ar de seriedade, e naquele momento pensava que o sujeito não poderia ser agradável fora daquele contexto. O achei difícil e presunçoso.

Algumas vezes ele olhava para mim enquanto falava, o que me dava um desconforto na ocasião. Ele estava destruído por dentro. Eu deitei com muitos homens e mulheres e não tinha sentido muito, mas só pelo fato de naquele momento estar ao lago dele parecia que uma chave lentamente virava em mim, só não sabia se por tesão ou pena.

Eu sentia uma sensação de desespero no olhar dele, por mais que aquilo fosse escondido muito bem. Lembrei de outras ocasiões na sede em que trabalho em que presenciei agentes zombando do seu trabalho, o chamando de ineficiente. Sabia que não era o caso, notava que ele estava fazendo o possível e impossível ali. Antes de conhecê-lo, essa ridicularização já me incomodava, agora, mais ainda. Ele fala enquanto dirige:

_ Acreditamos que as vítimas foram mortas no mesmo dia poucas horas antes de serem encontradas, estamos aguardando alguns exames. Equipes estão realizando buscas em todas as colinas da região, mas pela quantidade de cavernas a serem mapeadas todo o trabalho é muito demorado. Encontramos algumas evidências que nos direcionam a alguns trabalhadores das minas, mas ainda é uma hipótese frágil. Além disso, as mesmas moedas nos olhos e boca foram encontradas, como no crime do final dos anos oitenta. – falava Marinho enquanto dirigia, com o limpa vidros fazendo seu árduo trabalho em meio a chuva que não parava.

_ E quanto aos raptos, como eles ocorreram exatamente? – Eu perguntei, na esperança de formular as perguntas corretas daqui por diante.

_ Os raptos ocorreram todos de uma vez no temporal de cinco de dezembro, como no caso passado, durante outro que aconteceu no mesmo período. Entendemos que não há só uma pessoa envolvida nos sequestros. A situação foi muito propícia. A cidade ficou sem energia por horas, houve dois deslizamentos nas estradas... Fora isso, a polícia estava completamente encarregada de auxiliar a segurança do festival de música eletrônica que aconteceu na região e prestar apoio as vítimas. Eu fiquei por muitas horas entre essas duas ocorrências na noite, chegando em casa pela manhã. Pouco tempo depois de dormir, eu acordei com batidas em minha porta, com um de nossos policiais gritando por mim. – Ele então faz uma breve pausa e respira profundamente. Eu permaneço em silêncio, enquanto olhava para ele e para a estrada. Ele continua:

_ Depois disso, deixamos toda a demanda de lado e nos concentramos no desaparecimento. Colhemos depoimentos das famílias, estamos vasculhando as regiões montanhosas com as outras equipes da polícia e interrogamos alguns suspeitos. Como os corpos aparecem separados em momentos diferentes, é difícil manter a custódia. Mas como a hipótese de ser mais de um assassino vem se consolidando, estamos atualmente com quatro suspeitos detidos, que acreditamos estarem envolvidos. De toda forma, acredito que são pelas minas que os corpos são transportados – Concluiu.

_ Toda a superfície da região já é mapeada por satélites. Não detectamos nenhum ponto que possa servir de abrigo para o ato. Eu acredito que sua hipótese é o melhor caminho a ser seguido. – Falei sem olhar para ele. Notei que me olhou de forma breve, voltando-se para a estrada em seguida. Não consegui entender sua expressão, talvez fosse alívio. Eu fiquei aliviado igual.

Apesar do alto grau de incerteza, eu sabia que em algum momento o oculto seria revelado. Eu estava concentrado na situação mais básica: Qual a motivação? Qual o significado das especificidades? Por quê a repetição? Todas essas coisas vagavam pela minha mente, e eu tratei de me concentrar no trabalho: há uma cena de crime para ser analisada.

***

Entre algumas pedras molhadas cobertas de musgo e árvores de grande porte, pude ver os pés da garota. As vítimas, todas do sexo feminino eram encontradas sem roupa, sem sinais de violência ou tortura, postas sobre as folhas com certa sutileza, como se estivessem repousando nas raízes daquela grande árvore. Seus olhos e bocas costurados com uma linha grossa coberta por cera, demostrava que aquilo não era um crime somente, havia algo de ritualístico naquilo e o homem ao meu lado já sabia. Notava ele conversando com os outros polícias, em sua postura séria, o que me causava um misto de admiração e atração. Mesmo sendo uma situação de embrulhar o estômago, eu dava graças a Deus por tê-lo próximo naquele momento coordenando a equipe.

Mas precisava agir, tratei de melhor expecionar o ambiente e ver a possibilidade de alguma prova ou indício de quem havia feito aquilo. Achei estranho os lábios ressecados e o couro cabeludo da vítima, me fez achar que a mesma passou algum tempo tendo acesso a uma fonte de água muito calcárea. Pensei imediatamente nas reservas das minas e comuniquei a Marinho, que com atenção foi receptivo a observação, disse que poderia pensar em algo mais específico.

Ele prontamente direcionou o pedido a perícia, talvez pela concentração do mineral poderia pensar em algum lugar para os últimos momentos da jovem. Ele me explicou que as concentrações de minerais na água das minas podem variar a depender da região e material explorado, mas que era difícil supor qualquer coisa dada a essa época do ano com chuvas constantes. Ainda perguntei sobre o local em que as vítimas foram encontradas, se havia algum elemento que era comum nos ambientes. Ele tomou nota e disse que iria levantar a informação junto a equipe.

Ele olhava para a menina de uma forma muito profunda, e por um momento perdido em pensamentos não parecia ouvir nada ao seu redor. Em meio a flashs fotográficos, vozes e conturbação, me aproximei dele, o chamado. Precisávamos retirar o corpo e submetê-lo a perícia. Mesmo estando acostumado a um tratamento mais impessoal com todos, uma parte minha sentia mais vontade ainda de tentar uma aproximação. Meu Deus, onde estou com a cabeça para pensar tanta asneira assim!? Foco!

A vítima tinha entre 9 e 12 anos, branca e com cabelos longos. Todas as vítimas (passadas e presentes) possuíam as mesmas características. Além disso, sem sinal de qualquer evidência que alguém o teria feito, como se as vítimas fosse teletransportadas para lá. Mais uma das dez jovens sequestradas, que foi descoberta por um caçador local. A chuva dificultava recuperar qualquer pista, fazendo com que se tornasse difícil até conjecturar sobre o ocorrido. Eram nos corpos que deveríamos procurar.

***

De volta a delegacia, o corpo se somava aos outros três. Os exames mostravam que não havia sinal de violência sexual ou resistência das vítimas, que até o momento da morte foram bem cuidadas. Não foram detectadas drogas ou outra substância no sangue delas. Mas, foi detectada uma rigidez muscular fora do comum.

Aflito e arrogante, Marinho buscava respostas, sendo quase impossível tê-las.

Por hora, eu precisava comer, tomar um banho e dormir por algumas horas. Fizemos tudo o que estava a nosso alcance no momento e direcionamos as buscas. As minas precisavam ser melhor exploradas. Existia muita esperança em mim, acompanhada de resistências também. Sabia que não seria fácil.

Sem pausa para o almoço, ainda realizamos uma busca em uma cabana na região oeste do lugar. Ele procurava mapas em meio a uma pilha de caixas em sua sala, de forma muito concentrada. Mas, já era muito tarde, poucos de nós restavam na delegacia. Busco assim falar com ele:

_ Marinho, eu agradeço por ceder espaço no seu escritório, quero continuar a revisão sistemática do caso assim que iniciarmos o expediente amanhã. Por hora, preciso buscar algum lugar para pernoitar, pode me recomendar algum? – Nesse momento ele não me olhava, permanecia concentrado na papelada em sua frente, em sequência ele fala:

_ A pousada mais próximo fica a mais ou menos 1h e 30 min. daqui pela via principal, e amanhã precisaremos esperar o legislativa às 7h a.m. Como você perderá muito tempo de deslocamento ficará na minha casa. – Ele fala em um tom de ordem.

_ Não se preocupa, eu pego um táxi até o lugar. Além disso, não quero atrapalhar a sua privacidade ou de sua família. – Explico.

Ainda sem me olhar, ele fala categoricamente:

_ Não se preocupe, estou divorciado. Minha mulher e filha agora moram no litoral. Quando terminar, estou te esperando no carro. Não demore! – Ele termina de colocar os papeis em uma caixa e segue para fora da sala levando o material, sem sequer me dirigir um olhar que fosse. No final, eu tinha razão: divórcio!

Segui o homem até sua picape. Eu não pensava em muita coisa, só queria dormir e comer alguma coisa. Dentro de sua casa, notei um ambiente confortável, mas solitário. Ele me indicou o banheiro e se encarregou de ir até a cozinha, a luz aconchegante dava um charme particular ao que parecia ter sido um lar feliz, enquanto uma estação de música country lenta e melódica ecoava baixo ali.

Após um banho demorado, percebo o homem na cozinha com o mesmo semblante sério e cansado. Agora de banho tomado e apenas com um shorts fino para dormir, ele fazia uma salada enquanto um assado estava no forno. Não parecia ter paciência para o processo culinário, mas a refeição não tinha uma cara ruim. Após negar minha ajuda, deitei um pouco no grande sofá da sala que não era muito confortável, com vistas para a cozinha.

Nessa altura eu não poderia negar que sentia uma atração por ele, seria até desonesto da minha parte dizer o contrário. Ele possuía um físico invejável, mas sem tantos excessos. O que mais me atraía eram os pelos que cobriam todo seu peitoral, descendo pela barriga até onde eu podia vê-los. Os cabelos grisalhos que aos poucos iam tomando a lateral da sua cabeça mostravam-se cada vez mais eminentes, o que com toda certeza aumentava seu charme. Enquanto abria uma garrafa de vinho, passava os olhos em mim, que eu fazia questão de desviar na maior parte das vezes. Eu sentia um pouco de desconforto e vergonha estando diante dele, que agora parecia um pouco mais calmo em meio a agitação que foi nosso dia. Ele ainda fez algumas ligações nesse processo, mas estava disposto a descansar um pouco.

_ Bebe? – Falou me apontando uma xícara que estava na mesa. Levantei e me servi de uma boa dose e a bebi em um gole. Ele não disse nada, apenas me olhava intrigado.

_ Está com fome? – Perguntou o homem me fitando com seus olhos negros.

_ Sim, estou. Desde a manhã não como nada e a viagem foi muito longa. – Respondi.

_ É melhor comer e descansar então. – falou, sem me olhar, segurando a travessa em suas mãos.

A mesa estava posta de forma simples e objetiva, e mal trocamos palavras durante o jantar. Mas, nos olhavámos as vezes e a comida estava boa, o que me fez comer em grande quantidade. Ele me parecia triste para além do trabalho, e eu apenas dei espaço... "Divórcio, com toda certeza", isso era nítido em seu olhar. Após finalizarmos a refeição, me encarreguei de lavar a louça enquanto ele colocava o lixo para fora e realizava outra ligação. A chuva ainda caia, deixando o ambiente frio, mesmo com um aquecedor que trazia aconchego. Agora eu quem o fitava no sofá, enquanto terminava meu trabalho.

Eu estava igualmente cansado, e tudo o que eu queria era repouso. Na ocasião admirei por várias vezes o tronco peludo e largo do homem, com certeza eu estava carente e provavelmente precisava transar. Por horas pensava que seria uma ótima sensação deslizar minha mão por entre aqueles pelos sentindo sua pele macia. Não imaginava que isso era nada além de tesão. Me mantive tão distante e calado quanto ele por esse motivo, enquanto o mesmo cochilou por um breve momento tratei de me aproximar e acordá-lo. No fundo, eu não queria aquilo, queria deixar o homem descansar, mas sabia que aquele sofá seria meu local de repouso naquele momento.

Eu o chamei algumas vezes, não obtendo resposta. Ele parecia estar em um sono pesado, do qual não queria sair. O homem estava virado com a barriga para cima, o que me deixava contrariado. Toquei seu tórax levemente depois de chamá-lo diversas vezes, e num susto ele agarrou minha mão, chamando por sua filha. Eu fiquei igualmente assustado, e nos breves momentos que se seguiram ele me soltou vagarosamente. Pude sentir todo desespero em seu olhar, sabia que precisa entender aquilo melhor depois. Ao mesmo tempo em que pensava também que queria resolver logo aquele caso e meter o pé dali.

Quando seus olhos passaram pelos meus, por um segundo pude ver uma espécie de alívio neles. Ele tinha uma expressão confusa, e parecia tentar entender onde estava. Ele, agora sentado, se explica me olhando:

_ Eu acabei pegando no sono. – Ele fala, mais para si mesmo que para mim.

_ Eu estava chamando você, mas tu não respondia. Melhor ir para sua cama, eu só gostaria de um lençol. – Expliquei.

_ Certo. Espere aí. – Ele falou no mesmo tom de ordem de sempre, tirando os olhos de mim e seguindo para seu quarto cambaleando. Ao voltar, o homem não tinha lençol em suas mãos. Ele coçava a cabeça de forma contrariada, parecendo pensar no que falar em seguida.

_ Olha, investigador, vou ser bem direto contigo. A casa está uma zona, mesmo fazendo mais de um ano que me separei preciso organizar as coisas. A porra desse sofá é muito desconfortável e provavelmente te deixará todo quebrado. – Explicou coçando o rosto e dando um bocejo em seguida. Continuou:

_ É melhor tu dormir no meu quarto, lá vai ser mais confortável que esse sofá. Mas se não quiser pode dormir aí mesmo, faça como tu preferir. – Ele fala de uma forma intimidadora e envergonhada, como em uma tentativa de impor uma psicologia reversa, em seguida se virando e voltando volta ao quarto. Que outra alternativa me restava? Pelo menos ficaria aquecido, lá fora a chuva não parava de cair e o frio parecia se instalar por todas as partes.

Ao mesmo tempo que não demostrava se preocupar, queria que eu descansasse da melhor forma possível, o que achei admirável e até fofo de forma distante. Não me detive muito no assunto, apenas concordando de forma silenciosa e o seguindo. Minha exaustão era tanta que nem pensei em mais nada.

Enquanto arrumava a dormida notei nele indiferença, ou a tentativa de simular uma. Dada a situação, não achei estranho dividir a cama com aquele homem, ninguém parecia se importar com mais nada quando meninas mortas começaram a reaparecer na floresta, com olhos e bocas costurados.

A cama possuía espaço suficiente para nós dois, isso era bastante evidente, mesmo se tratando de dois homens grandes. Aquele seria o único meio possível de um bom descanso, dado a ausência de outro. Percebi que o sofá era realmente um pouco desconfortável para servir de dormida, e os demais quartos da casa estava fechados.

Enquanto arrumava os lençóis, eu tratei de deitar, nisso ele estava escovando os dentes. No quarto escuro, parei para pensar um pouco no caso, e pude perceber que mesmo deitado ao lado daquele homem tão atraente eu não conseguia refletir em mais nada além das tantas atividades que precisaria fazer daquele momento em diante.

Sentia meu corpo pesado, e sabia que logo iria dormir. Percebi a movimentação quando ele deitou e deu um longo suspiro após isso. Havia espaço suficiente para nós dois, tanto é que a sensação que se instalava era que havia um abismo entre nós. Depois de alguns momentos, ele pergunta baixo:

_ Dormiu?

_ Quase, foi um dia longo... – respondi.

_ Teremos outro pela frente amanhã. Precisamos interrogar uns suspeitos.

_ Vamos encontrar alguma coisa que não estamos vendo, sei disso. – falo.

_ Eu espero que sim, conto muito com isso. – fala ele, enquanto suspira novamente. Então acrescenta:

_ O despertador está programado para as 6:00 a.m. Boa noite! – Após isso, vira de lado e tudo fica em completo silêncio. – Eu apenas me viro em gesto igual e adormeço.

***

Sonhos estranhos formavam-se na minha mente... Vozes e gritos de pessoas que não identificava, chamando por mim. Aos poucos, parte da minha infância foi aparecendo, e toda aquela sensação de abandono veio forte, como um soco. Observava um pássaro marrom, que me olhava de volta e cantava de forma sombria. Senti a mão da minha mãe por entre as cobertas, o que me deu uma sensação de desespero desoladora.

De madrugada, em meio a uma sede e angústia, acordo. Eu sentia um peso em volta do meu corpo, um braço para ser mais exato, seguido de um ronco baixo. Por algum tempo fiquei confuso, mas tratei de me recompor e entender que tudo não passou de um sonho.

Foi com aquele abraço involuntário que me percebi naquele momento. Um dos braços passava por debaixo do meu travesseiro, enquanto o outro estava abaixo sobre a minha cintura. Sentia nossos pés juntos, o que fez gostar da sensação. Era como se estivéssemos aquecendo um ao outro, nada mais que isso. Levantei devagar para não acordá-lo, e fui para a cozinha beber água. Quando retornei, tratei de deitar ainda mais devagar, percebendo que ele já estava em outra posição.

Assim que me aconcheguei, quase que imediatamente me senti sendo envolvido em um abraço ainda mais apertado, agora com seu corpo colado ao meu de forma completa, sua respiração era lenta e pesada. Com aquele calor, surgiu em mim uma sensação de acolhimento, algo que eu duvidaria ter perto daquele homem em alguns momentos atrás. Aliás, algo que eu já nem esperava mais ter a essa altura.

Foi sentindo sua mão repousando na minha e entrelaçando nossos dedos que adormeci, com um carinho que tratei de retribuir, mesmo sabendo que ele não via o momento. Naquele instante, todo o espaço daquela cama foi reduzido a nós dois.

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Foto de perfil genéricaMaciel Petrópolis Contos: 7Seguidores: 10Seguindo: 0Mensagem Escrevo por diversão, e por isso agradeço a todos que me incentivam de alguma forma. Espero que aproveitem a leitura. No mais, deixo um abraço para cada um de vocês.

Comentários

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Caramba, que é isso?! Cheguei aqui por um comentário que li em outro conto, e pqp. Parece que estou lendo um livro muito bom. Não vejo a hora de ler os demais capítulos!

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Quando falou da qualidade dessa série, o Leitor24, até que em enfim, fez um comentário acertado e que prestou.

Eu em apaixonei desde este primeiro capítulo e estou muito ansioso para ler os próximos.

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Será que teremos mais uma série incrível aqui da CdC? Torcendo para que sim e ansioso pelos próximos capítulos.

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Nossa!!!!!! Mal posso esperar pela continuação. Enredo nota 10. Escrita excelente. Que história maravilhosa! Quero mais... pode fazer capítulos de 10k de palavras q vou ser feliz em ler!

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Fico muito feliz pela recepção. Eu sempre tive vontade de postar as histórias engavetadas aqui e agora tomei coragem. Forte abraço pra ti. ❤️

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Com essa qualidade de texto e escrita, não deixe nada na gaveta. 😁😁😁

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Adora mexer nas gavetas, né?? Pode vir mexer nas minhas também 😜

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Se bem me lembro, essa questão das "gavetas" já deu muita confusão. :-)

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Nossa, nem me lembre...dark times

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