Março de 1927
Em algum lugar próximo a Campos do Jordão, o início de um novo dia é dado pelo forte barulho da Maria fumaça que circula pela estação principal.
A cidade está em festa pois a principal fábrica de chocolate, a Delícia Doce comemora 20 anos de história. Trabalho árduo, talento e criatividade são os adjetivos que a definem.
Santiago Castro dirige os negócios na segunda geração. Patrão justo, trata bem seus funcionários. Já o mesmo não se pode dizer de seu irmão, Armando. Invejoso, nunca aceitou que o pai colocasse o irmão mais novo à frente da fábrica.
Santiago tem um único filho, Bernardo Castro. 18 anos, um jovem em plena época de descobertas. Imaturo, não quer saber dos negócios da família. Seu interesse é nas artes, precisamente na pintura. O jovem perdeu a mãe aos 10 anos e vive uma relação fria com o pai.
- Filho, quero que você esteja comigo no baile de hoje à noite. Daremos a maior festa do século!
- Sério?!
- Sim, você sabe que a Delícia Doce paga para que você fique aí, pintando quadros.
- Pronto. O ataque foi necessário?! Nunca neguei isso. O que não quero é participar dessas coisas. Você sabe que não sou administrador.
- Ok, resolvemos isso depois. Você irá à festa ou sua mesada está cortada.
- Merda.
- Olha o respeito!
Bernardo saiu andando e deixou o pai sozinho na sala.
A noite começava e o salão nobre da prefeitura estava pronto e pulsando para receber o evento do século. Autoridades locais e regionais aguardavam ansiosamente para puxar o saco de Santiago em busca de apoio para as próximas eleições. A pequena elite decadente da cidade fazia questão de marcar presença.
Quando a família Castro chegou, chuvas de aplausos tomaram o salão. O contraste entre o semblante de Santiago e Bernardo chamava a atenção.
- Filho, melhore esta cara.
- Só tenho esta, meu caro.
O baile deu início. A música e a luz embalavam o ambiente. Pessoas falando alto, risos, gritarias mesclavam. Bernardo estava do lado de fora, brigando com seu pai. Eles se separaram. Bernardo sai com o motorista em direção a sede. Santiago retorna ao salão.
Horas depois, tiros interrompem a música. O corpo de Santiago cai pela escadaria principal. O sangue se espalha pelos degraus. Ao parar o corpo fica de cabeça para baixo. Gritos, correria.
Três dias antes….
Bernardo estava em casa, quando viu Chico sair a cavalo mata adentro. Ele resolve seguí-lo. Logo à frente, Bernardo vê o cavalo de Chico. Ele estava no rio, tomando banho.
Chico era o filho do braço direito de Santiago na fazenda. Ele convivia com Bernardo desde criança. Cresceram juntos. Bernardo sempre nutriu uma simpatia por ele, mas o tempo passou e o jovem se tornou um homem forte e viril. E o sentimento de irmão também. Embora houvesse uma paixonite, Chico nunca demonstrou que correspondia aos olhares sedentos e curiosos de Bernardo.
- Senhorzinho, não quer entrar para aproveitar a água?
Silêncio.
- Sei que está aí me observando. Pare de se esconder. Gosta do que você vê? Quer me tocar?
Bernardo sai timidamente entre duas árvores.
- Me desculpe, é que achei estranho você entrar mata adentro.
- Resolveu fiscalizar? Pode ver mais de perto. Gosto disso. Inclusive quero ver sua grande bunda. Deve ser linda, igual ao dono.
- Que audácia, Chico. Não te dei intimidade….
- Senhorzinho, pare. Acha que não vejo cheirar minhas ceroulas no varal, entrar escondido no meu quarto, me espiar nu.
- Não, mas….
- Eu te desejo, vamos consumir isto. Vem.
Bernardo foi em direção a Chico. Se despiu.
- Sabia que essa bunda era carnuda e maravilhosa.
Quando estavam prestes a iniciar o beijo, uma voz ecoa na mata.
- Chico, Chico.
Os rapazes se vestiram. O pai de Chico aparece.
- Estávamos procurando vocês. A fazenda foi invadida por ladrões, mas seu pai e os empregados conseguiram expulsá-los.
- Precisa de mais ajuda, pai?
- Não. Voltem para casa.
Voltamos aos cavalos e retornamos à fazenda.
Depois disso, Bernardo evitou contato com Chico ao máximo, mas o rapaz começou a instigar. Era um show de indiretas e provocações. Bernardo não resistiu por muito tempo. Certa manhã, Chico foi ao estábulo da fazenda e Bernardo o seguiu.
- Escute aqui, rapaz. Pare de me provocar! Posso te mandar embora, você e sua família.
- Você não teria coragem, não é? Perder esse exemplar de homem, provar o meu leite quente e natural.
- Que assanhado! Você tem o rei na barriga, hein?.
- Diz que não me quer?! Estou suando agora, vem me lamber. Vamos aproveitar que estamos sozinhos.
- Não é assim, Chico. E ainda sou virgem, ao contrário de você que deve ter se relacionado até com os animais.
- Que nojo, rapaz. Sou da roça mas sou limpinho. E sim, sou virgem também. Você nunca notou que eu era apaixonado por você? Todos os presentes que fiz de próprio punho nos seus aniversários? Os lindos ramalhetes de flores que enfeitam seu quarto, acha que a Dinda que organiza?
- Meu Deus!
- EU TE AMO BERNARDO CASTRO! EU TE AMO, BERNARDO CASTRO!
- Pare! Alguém pode ouvir.
- Sabe o que realmente desejo?! Fugir com você para um lugar distante, onde podemos ter nossa linda fazenda, com crianças que vamos tirar da miséria brincando com os animais.
Bernardo ficou perplexo ao ouvir a declaração de Chico. Mal sabia ele que a paixão era correspondida. Mas o orgulho ou medo ou a incerteza o impediu de responder no mesmo nível.
- Fale algo, homem!
- O quê, Chico?
- Você gosta de mim?
- Gosto. Mas você sabe que não podemos viver este amor. Podemos ser presos. Melhor arranjarmos donzelas para casar e seguir a vida.
- Covarde, covarde. Não acredito nisso.
Chico saiu do estábulo com raiva e decepcionado. Mas realmente, não estavam sozinhos. Santiago ouviu toda a conversa.
Na noite da festa…
Bernardo sai do salão em direção ao jardim. Santiago o segue.
- Então quer dizer que você tem um caso com o filho do administrador?
- O quê?!
- Não minta pra mim, ouvi toda a conversa no estábulo.
- Você entendeu errado.
- Posso até ter um filho pintor. Mas desgarrado, jamais!
- Que absurdo, pai. Sou eu, teu filho.
- Se você não encerrar isso hoje, vou te mandar para um colégio militar no Rio de Janeiro. Lá, vai aprender a ser homem.
- Você é asqueroso! Te odeio!
Santiago dá um tapa forte na cara de Bernardo. Em lágrimas, o rapaz sai da festa em direção a sede. Iria fugir com o Chico naquela noite. Declararia seu amor e fugiria rumo ao desconhecido. Seria tudo um bom plano, mas a morte de Santiago deu início a uma grande trama repleta de reviravoltas.
_ Fim do capítulo _