O Chantagista - Parte 2

Da série O Chantagista
Um conto erótico de Fabio N.M
Categoria: Heterossexual
Contém 2121 palavras
Data: 13/07/2024 16:39:41

Em um momento de intervalo entre as aulas, a sala dos professores não parecia menos barulhenta que os corredores das salas de aula. O aroma do café recém passado emergia da xícara diante de Karina, que tentava afastar de sua mente a discussão acalorada com Bernardo em sala de aula.

Os alunos atentos e empolgados como se assistissem a uma partida de futebol, cada um torcendo para o seu favorito.

— Machado de Assis construiu Capitu como uma personagem complexa e ambígua — discursava ela com toda convicção — mas não há provas concretas de que ela tenha traído Bentinho. A narrativa é contada do ponto de vista de um narrador não confiável, o próprio Bentinho, cujas inseguranças e ciúmes podem distorcer os fatos.

— Professora, com todo o respeito, acho que a beleza do romance está exatamente nessa ambiguidade — desafiou Bernardo erguendo a mão e atraindo os olhares da turma — Machado nunca nos dá uma resposta clara, e isso é o que torna a história tão fascinante. Bentinho pode ser um narrador não confiável, mas as pistas deixadas ao longo do livro são suficientes para levantar dúvidas legítimas sobre a fidelidade de Capitu.

— Mas precisamos considerar o contexto e a psicologia dos personagens. Bentinho é profundamente ciumento e inseguro, características que o fazem interpretar os eventos de maneira suspeita. Além disso, a descrição de Capitu é repleta de metáforas que sugerem mais sobre as percepções de Bentinho do que sobre a realidade. Por exemplo, a famosa descrição dos 'olhos de cigana oblíqua e dissimulada' pode refletir mais os preconceitos e o medo de Bentinho do que a verdadeira natureza de Capitu.

— Concordo que a visão de Bentinho é distorcida, mas isso não invalida completamente suas suspeitas. A narrativa de Machado de Assis é repleta de detalhes que deixam a traição de Capitu aberta à interpretação. A ambiguidade não está apenas nos sentimentos de Bentinho, mas nos eventos que ele descreve. Como a descrição da semelhança física entre Ezequiel e Escobar é um detalhe que não pode ser ignorado.

— Mas essa semelhança pode ser uma projeção de Bentinho, desesperado para justificar seus próprios medos e ciúmes — Karina vociferava — A narrativa é construída de tal forma que estamos presos dentro da mente paranoica de Bentinho, e Machado de Assis nos força a questionar até que ponto podemos confiar em suas percepções.

— Ou talvez Machado de Assis quisesse justamente que questionássemos a natureza da verdade e da percepção.

Karina sentiu seu coração acelerar, não apenas pela intensidade da discussão, mas pela proximidade emocional que sentia com Bernardo. A sala parecia desaparecer, deixando apenas os dois em um duelo intelectual que mascarava sentimentos mais intensos.

— O fato de não termos uma resposta clara sobre a fidelidade de Capitu é o que torna a história tão rica e aberta a interpretações — continuava Bernardo — Cada leitor pode chegar a uma conclusão diferente, baseada nas mesmas evidências. Essa ambiguidade é o que perpetua o debate e a relevância do romance até hoje.

— Mas isso não significa que devemos aceitar a versão de Bentinho sem questionar suas motivações e inseguranças.

— Concordo. E talvez, assim como Bentinho, todos somos influenciados por nossas próprias inseguranças e medos que influenciam nossos julgamentos.

O silêncio pairou na sala de aula deixando o clímax suspenso. Ninguém sabia ao certo quem tinha vencido o debate. Agora Karina, imersa em seus pensamentos na sala dos professores, ria sozinha, orgulhosa do aluno que tinha, do jeito como ele defendia seus pontos de vista com fervor e convicção, a maneira como seus olhos brilhavam durante a discussão, tudo isso a atraía de uma forma que ela não conseguia explicar completamente.

— Terra para Karina. Você está na escuta? Câmbio!

A professora despertou de seu devaneio deparando-se com Victor sentado à sua frente na comprida mesa que se destacava no meio da sala.

— Oi, Victor! — cumprimentou o colega com um sorriso, mas ainda com Bernardo em sua mente — Nem vi você chegando.

— Percebi. E o que está roubando sua percepção?

Karina olhou para a xícara de café em suas mãos e vagou em seus pensamentos antes de responder.

— No final das contas tudo se resume a isso, não é? Percepção.

Victor esboçou um sorriso amarelo e franziu a testa sem compreender do que ela estava falando.

— É eu, percebo. Percebo que você está em órbita em algum lugar fora da Terra — disse o professor resignado — Vou deixá-la com seus pensamentos…

— Espera! — disse de repente — Me desculpe, eu estou meio avoada depois de um debate acalorado com um de meus alunos.

— Debates são minha especialidade.

— Disso não tenho dúvidas, mas posso te assegurar que nenhum crime foi cometido.

Eles passaram o restante do intervalo falando sobre suas aulas e suas turmas, principalmente sobre os alunos que se destacavam, mas, por trás de sua máscara de professora confiante, a luta interna de Karina continuava, uma batalha silenciosa que apenas ela podia travar.

Ao término de um dia exaustivo de aula e o confronto constante de seus sentimentos com a presença de Bernardo e o sofrimento quanto à distância que ela mesmo havia imposta, Karina mantinha-se reflexiva enquanto caminhava para o estacionamento.

O caminho, apesar de bem iluminado pelos postes enfileirados, trazia um leve desconforto a ela, uma sensação de estar sendo observada, algo que já a vinha perturbando nos últimos dias. De repente, ela sentiu uma presença, um calafrio que percorreu sua espinha. Instintivamente, olhou por sobre o ombro, mas não viu nada além das sombras alongadas dos prédios e árvores. A sensação de ser observada era intensa, e seu coração começou a bater mais rápido. Karina apressou o passo, tentando alcançar seu carro o mais rápido possível. No meio do caminho, um vulto se moveu rapidamente na periferia de sua visão, fazendo com que ela congelasse por um momento, o pânico se instalando. Não tinha certeza se era mesmo alguém ou apenas sua mente usando do medo para lhe pregar peças.

O ronco de uma moto rompeu o silêncio. Karina olhou para a direção do som e viu Bernardo, vestido com jaqueta de couro, parando a moto à sua frente.

— Karina, você está bem? — sua voz era calma, mas seus olhos mostravam preocupação. Ele percebeu imediatamente que algo não estava certo.

— Sim… não é nada, só estou com um pouco de pressa — sua voz ofegante e a forma como ela varria com o olhar os arredores denunciavam o medo que estava sentindo.

Bernardo desceu da moto rapidamente e tirou o capacete. Sem pensar duas vezes, ele se aproximou e a envolveu em um abraço protetor. No instante em que seus braços rodearam o corpo dela, uma onda de emoções intensas o atingiu. Ele podia sentir a suavidade do corpo de Karina pressionado contra o seu, cada contorno, cada movimento de sua respiração. O perfume dela, uma mistura delicada de flores e um toque de baunilha, invadiu seus sentidos, fazendo seu coração bater mais rápido. A princípio, ele hesitou, preocupado em ultrapassar os limites, mas quando sentiu Karina relaxar ligeiramente em seus braços, toda a sua determinação se solidificou.

No instante em que os braços de Bernardo a envolveram Karina sentiu uma onda de calor percorrendo seu corpo de dentro para a fora, uma sensação de segurança que afastava o medo que a perseguia.

Quando finalmente a soltou, Karina sentiu um misto de perda e gratidão. Ela abriu os olhos, encontrando os de Bernardo, e viu neles uma preocupação que a tocou.

— Você está bem mesmo? — insistiu ele.

— Agora sim — confessou.

— Vou te acompanhar até seu carro.

— Obrigada.

Bernardo segurou a mão de Karina e a acompanhou por mais umas dezenas de metros até o Tiguan branco de vidros filmados escuros.

— Obrigada, de novo, Bernardo.

— Não vai me contar por que estava tão assustada?

— Achei que tinha alguém me seguindo, mas acho que foi só coisa da minha cabeça.

O rapaz analisou o perímetro, se certificando que estavam sozinhos.

— Não vejo ninguém — disse, voltando-se para Karina, sendo surpreendido com um beijo intenso e envolvente.

Bernardo ficou surpreso por um segundo, mas logo retribuiu o beijo com igual intensidade. Seus braços envolveram Karina, puxando-a para mais perto, enquanto suas mãos percorriam sua cintura e subiam por suas costas. Ele a pressionou contra o carro, sentindo seu corpo trêmulo, não de medo, mas de pura emoção. As línguas se entrelaçaram em uma dança apaixonada, e cada movimento era carregado de desejo e urgência. Karina, por sua vez, sentia uma mistura de sensações, o frio da porta de seu carro contra suas costas, o calor e a força dos braços de Bernardo ao seu redor, e a paixão que fluía entre eles. Seu coração batia descompassado, e ela se entregava completamente ao momento, esquecendo de tudo ao seu redor. A tensão acumulada finalmente encontrava uma válvula de escape, e ela se permitia sentir cada segundo daquela intensidade. As mãos de Bernardo deslizaram pela cintura de Karina, segurando-a com mais força, como se quisesse garantir que ela não escaparia. Ele estava consciente de cada detalhe, a suavidade dos lábios dela, o aroma inebriante de seu perfume, e a forma como ela se encaixava perfeitamente contra ele. Ela sentia sua pele se arrepiar onde quer que Bernardo a tocasse.

Quando finalmente se afastaram, ambos estavam ofegantes, os olhos entrelaçados em um silêncio carregado de significado. Bernardo segurou o rosto de Karina gentilmente, seus olhos mostrando uma preocupação e uma intensidade que a faziam sentir-se simultaneamente segura e vulnerável.

— Sei que é errado, mas não consigo evitar o que sinto por você — sussurrou o rapaz.

— Eu… — sua voz saía trêmula, carregada de incerteza se deveria pronunciar aquelas palavras — eu também.

Bernardo inclinou-se novamente, pressionando os lábios contra os dela em um beijo mais suave, mas igualmente cheio de paixão. Dessa vez, o beijo foi mais lento, como se ambos estivessem tentando memorizar cada detalhe um do outro.

— Precisamos ser cuidadosos — disse Karina — Toda essa situação é... complicada. Podemos nos meter em problemas.

— Eu entendo. Vamos dar um passo de cada vez. Só quero que saiba que estou aqui para você, sempre.

Karina sorriu, sentindo-se confortada por suas palavras. Ela sabia que a partir daquele momento, teria que lidar com seus sentimentos de maneira mais consciente e cuidadosa. Eles passaram alguns minutos em silêncio, apenas apreciando a companhia um do outro. Ela finalmente sentiu que podia confiar em Bernardo, que ele seria um apoio sólido em meio ao caos que sua vida poderia se tornar.

Bernardo deu um passo para trás, permitindo que ela abrisse a porta do carro. Karina entrou e ligou o motor, sentindo o calor do momento ainda pulsando em suas veias. Bernardo subiu na moto e esperou que ela começasse a dirigir. Ele a seguiu de perto, garantindo que ela estivesse segura até que saísse do campus.

Enquanto dirigia, Karina não podia deixar de pensar no que acabara de acontecer. A sensação de estar sendo observada, o conforto de Bernardo, o beijo intenso. Tudo isso fazia parte de um turbilhão de emoções que ela sabia que precisaria enfrentar nos próximos dias.

O caminho para casa parecia mais longo do que o habitual, com cada pensamento e sentimento pesando em sua mente. Após aquele intenso momento com Bernardo, imersa em um turbilhão de emoções, ainda podia sentir a maciez dos lábios do rapaz, os braços fortes a envolvendo com paixão. Em contrapartida, sentia o aperto no peito pela culpa de sustentar a traição quando poderia simplesmente ter dito não a seus próprios desejos.

Quando chegou ao seu bairro, percebeu algo estranho. A rua está iluminada pelas luzes piscantes de várias viaturas da polícia estacionadas em frente à sua casa. Ela desacelerou o carro ao se aproximar. A cena diante dela parecia surreal. Os policiais caminhavam de um lado para o outro, e um deles conversava com seu marido, José Augusto, que segurava Alice no colo que, apesar da confusão ao redor, estava curiosamente calma.

Ela estacionou o carro rapidamente e saiu, seus passos rápidos e ansiosos a levaram até a entrada. A visão de José Augusto com Alice trouxe um alívio imediato, mas a preocupação ainda pairava no ar.

— Augusto, o que está acontecendo?

— Nossa casa foi invadida. O alarme silencioso disparou enquanto eu estava na casa dos meus pais com Alice. Viemos direto pra cá.

Karina sentiu um calafrio percorrer sua espinha.

— Senhora Sampaio — chamou um dos policiais que se aproximou, um homem alto com um olhar determinado — sou o delegado Oliveira. Estamos aqui para investigar a invasão. Já isolamos a área e estamos coletando evidências. Vamos verificar as filmagens das câmeras de segurança para tentar identificar o suspeito. Aparentemente nada foi levado, o que é muito estranho.

Karina assentiu, ainda tentando processar tudo. José Augusto a puxou gentilmente para mais perto, envolvendo-a em um abraço protetor, enquanto Alice esticava a mãozinha para tocar o rosto da mãe.

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Foto de perfil de Fabio N.MFabio N.MContos: 86Seguidores: 119Seguindo: 27Mensagem Escrevo contos eróticos, não escrevo pornografia barata

Comentários

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Está ficando cada vez melhor!

Continue assim com este conto!

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O mistério continua, agora ampliando-se para envolver também o marido. Confesso que tenho algumas teorias, mas nada com evidência de que possa estar correta. Seguiremos acompanhando! Muito bom!

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Mais um grande episódio!!! Está bem tenso a história... Parabéns pela bela narrativa!!!

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