O que será - Supera

Um conto erótico de João Fayol
Categoria: Homossexual
Contém 2939 palavras
Data: 13/07/2024 19:50:54

O tempo passou, tudo estava igual, mas infinitamente diferente. Há algum tempo, um amigo meu, professor do ensino básico, comentou em uma anedota que, certa feita, chamando a atenção de um aluno do fundamental sobre a não realização dos exercícios, ele subitamente escalou sua argumentação até dizer que um homem não entra duas vezes no mesmo rio; surpreso com o argumento filosófico em uma turma que ainda não tem essa disciplina, ele questionou o porquê, e o aluno finalizou dizendo que na segunda entrada o homem já não era o mesmo e as águas do rio já haviam mudado.

Por algum motivo, aquilo havia ficado na minha cabeça, nem o homem e nem o rio eram mais os mesmos. Eu estava novamente na cama com Caetano, atingido por mais uma descarga elétrica de êxtase que somente ele conseguia me provocar. Ele me acendia e me apagava, me queimava e me molhava em seguida, me aliviava e me sufocava, me fazia gemer e me calava. Com ele, eu desaguava em prazer, como mar em oceano. Tudo estava igual, mas um homem não entra duas vezes naquele rio. Aquele era um rio, só não era mais o meu. Me faltava compreender isso.

*

Um homem pode não entrar duas vezes no mesmo rio, mas fazer outro gozar mais de uma vez, ele certamente pode. Na terceira vez que ele gozou, com as mãos segurando o meu pescoço, o corpo pingando de suor, gemendo alto e indo o mais fundo que conseguia, eu compreendi que aquele era o nosso limite físico. Eu havia gozado antes, ele tanto sabia quanto queria que fosse assim, segundo ele, me ver tendo prazer era o que o estimulava e lhe causava mais prazer. Quando ele desabou ao meu lado e tentou me abraçar, eu tive a mesma reação de sempre: o afastei com uma carinha de nojo.

- Quê isso, porra? - ele me olhou confuso.

- Você tá todo suado. Sai. - continuei afastando-o.

- E qual o problema? - ele começou a brigar com minha mão que o afastava.

- Tu quer me agarrar todo suado desse jeito? Sai pra lá. - ele continuou tentando segurar minha mão.

- A gente se comeu nas últimas três horas e tu tá com nojinho de suor? Tu bebeu minha porra como quem toma nescau com leite, Gabriel.

- Uma coisa não tem nada a ver com a outra. - ele conseguiu segurar a minha mão e me puxar pra mais perto.

- Tu és um mimadinho do caralho. - ele me soltou e subiu em cima do meu corpo. Eu estava cansado demais para resistir.

- E tu não gosta? - nossos rostos estavam colados; ele deu um sorrisinho.

- Gosto até certo ponto. - seu membro que estava meia bomba, começou a enrijecer.

- Qual ponto? - ele se aproximou e passou sua língua quente pelo meu pescoço, até chegar a minha orelha, onde ele deu uma leve mordida na minha orelha.

- O ponto em que eu tô cansado e quero dormir. Você tá em cima de mim, de pau duro e eu sei perfeitamente que em 10 segundos você vai tentar abrir as minhas pernas de novo. - ele sorriu.

E antes que eu pudesse seguir a minha linha de raciocínio, ele me beijou. Não era qualquer beijo, era o nosso beijo, de uma forma que reduzia o mundo ao redor à experiência de sentir a maciez e doçura dos seus lábios e do seu gosto que se misturava ao meu. Ele não fez aquilo por fazer, foi proposital, e me dei conta disso quando minhas pernas se abriram e ele se encaixou no espaço entre elas. Quando se trata de conseguir o que quer, ele não deixa de ser um Pacheco Leão. Os Pacheco Leão sempre conquistam tudo o que querem, se Caetano me queria, era isso que ele teria, ainda que somente por uma noite.

*

Todas as cortinas da casa estavam abertas, incluindo as do meu quarto, o que significa que às 07:00 o quarto estava completamente iluminado. Era outono no Rio, transição do verão para o inverno, as noites podiam ser ocasionalmente frias, e os dias certamente seriam terrivelmente quentes. Aquela noite havia sido quente de todas as formas possíveis. Eu estava cansado, mas desperto, desde sempre, meu sono dependia da escuridão completa, e aproveitando que os raios de sol me despertaram, decidi me levantar para começar a viver o dia. Naquele dia, a princípio, não haveria gravação, apenas tratamento de material, e dessa parte, eu não participava, seria um momento exclusivo do diretor com a montadora do filme. Significava, então, que era um raríssimo day off na minha rotina.

Ao contrário de mim, Caetano dormia morgado. Ele acordaria dali a 40 ou 45 minutos, naturalmente, sem despertador, mas seu sono foi devidamente interrompido por uma série de tapas que eu desferi no seu corpo enquanto gritava furiosamente.

- Seu filho da puta do CARALHO, eu não acredito que você teve coragem. - ele despertou assustado, tentava se proteger dos meus tapas, ao mesmo tempo em que tentava entender o que estava ocorrendo.

- Porra, Gabriel, PARA! QUE QUE TE DEU, CARALHO?! - ele me conseguiu me segurar com firmeza e me deu uma leve chacoalhada para me tirar do transe maníaco odioso em que eu estava.

- Aconteceu que eu sou um otário, né, Caetano. Eu não acredito que eu caí nesse teu papinho de que queria me trazer os papéis do divórcio. - tentei me soltar, mas ele me segurou com mais força, tentando me obrigar a olhar nos seus olhos.

- Do que você…- e antes que ele pudesse concluir a sentença, eu puxei o seu celular. Ele emudeceu e me largou.

- Eu troquei o seu celular pelo meu, mesmo modelo, mesma senha… mesma tela de fundo - uma foto nossa, eu ainda não havia mudado, nem ele -, mas assim que eu abri o whatsapp, me dei conta que não era o meu celular. Eu tava pronto pra guardar, mas aí tinha essa mensagem em destaque. Eu não deveria abrir, sei que foi incorreto, mas eu precisava ter certeza que você me fez de otário, e eu não sei porquê, eu me surpreendi. Tu me fez de otário pra caralho.

- Gabriel, não é o que parece.

- É o que parece, sim, Caetano. Você contratou o André pra ficar na minha cola, ou o que mais significa uma mensagem dele pra você, 10 minutos depois de ter me deixado aqui em casa, te perguntando se tudo tinha ocorrido conforme o planejado, te chamando de “chefe” e falando que tava animado pra ouvir os detalhes hoje no escritório?

- Deixa eu me explicar, por favor. - só de cueca, ele tentou se aproximar de mim.

- Não. Isso é um advérbio de negação com sentido completo. Você é advogado e sabe o quê isso significa. Eu vou entrar no meu banheiro pra tomar um banho, e quando eu sair, eu não quero nenhum vestígio que você passou por aqui. Não quero sinal dessa noite e nem da sua existência. Antes de sair, confirma que tu tá levando os papéis do divórcio, eu também quero esquecer que já estive na tua vida.

Ele tentou falar, mas eu não queria ouvir. Entrei no banheiro e bati a porta com toda a força que havia em mim, queria que ele entendesse o tamanho da minha raiva. Ele colocou o André na minha cola, como herdeiro de uma das famílias mais influentes da cidade, ele mexeu seus pauzinhos e conseguiu descobrir sobre o filme e onde eu estaria. Todas as minhas coordenadas foram passadas para o André, e pelo que pude entender, por estar rodando várias cenas em estúdio, ele não conseguia provocar um encontro, mas em um dia de externa, ele conseguiu intervir e provocar um falso encontro. Ele esteve lá o dia todo, só aguardou o momento certo para se mostrar e agir. Tudo me irritava ao máximo, mas quase ter transado com o André era o que mais me enojava.

Ele não foi contratado para transar comigo, mas iria fazer isso como parte de algo, e o conhecendo bem, faria para unir o útil ao agradável: dar um afago no patrão e no seu próprio pau. Como eu fui otário. Todo dia sai de casa um malandro e um otário, naquele dia saíram 2 malandros e eu não era nenhum deles.

*

O final daquela semana seguiu o padrão pós-primeira separação: tentativas sem fim de contato por ligação, mensagens e afins, só que agora em dobro, já que André tentava se justificar de alguma forma, por razões que eu não conseguia compreender plenamente. E à medida que aquela situação escalava para níveis absurdos, mais eu mergulhava no trabalho. O período de gravações, que havia sido prorrogado, entrou em sua reta final durante aquele caos, eu precisava escolher batalhas, e a batalha escolhida foi a do audiovisual.

Mas como em uma cena de roteiro mal escrita e diagramada, em uma das muitas noites frescas de outono, em que uma brisa fria corria na Voluntários da Pátria, enquanto eu chegava em casa, de táxi, após mais uma rodada de pós-produção, não pude deixar de observar aquele corpo alto e forte sentando no banco da praça em frente ao meu condomínio. Ainda cogitei descer do táxi e ir para outro lugar, mas naquela situação em que havia muitos errados, eu, definitivamente, não era um deles. Respirei fundo e segui em direção ao prédio, no fundo, torcendo para que ele não tivesse observado a minha chegada, mas ele observou e correu até a portaria.

- Gabriel, por favor, não entra assim. - ele segurou o pesado portão da entrada.

- André, larga esse portão, ou eu vou fazer força até essa merda arrebentar a sua mão.

- Deixa eu tentar me explicar, porra.

- Se você não tivesse tentado me comer pra ganhar pontos com o teu chefe, não ia ter que se explicar de porra nenhuma.

- Ok… tentar te levar pra cama foi um erro profissional, mas não um erro pessoal.

- Como é?

- Eu deveria ter sido profissional do começo ao fim, mas me deixei levar, Gabriel. Eu cedi a um impulso… o impulso de ficar contigo. Sempre tive vontade, só não fiz nada antes porque tu era casado, e com um grande amigo meu. - ali ele quase me desmontou, mas tentei me manter firme.

- Por que eu estar separado dele agora te faz menos amigo dele? - ele revirou os olhos

- Você sabe o que eu quis dizer.

- Na verdade, estar separado dele fez com que vocês se tornassem ainda mais amigos, já que até o mesmo cara vocês tavam querendo dividir e… - ele me cortou

- Deixa eu falar, Gabriel. - ele estava impaciente

- E não me corte! Você acha que eu sou algum palhaço? Você aparece no meu trabalho, me beija, tenta transar comigo, e ainda tá recebendo do meu ex pra fazer tudo isso? Eu sou uma piada pra

- O VELHO TÁ MORRENDO, PORRA!

O grito que ele deu foi suficiente para chamar a minha atenção e das pessoas ao nosso redor, mas enquanto elas apenas olharam e seguiram a vida, eu estava completamente estatelado. “O velho” era a forma como desde sempre André se referia ao pai do Caetano. Era a forma reduzida de “O Velho Pacheco Leão”, em oposição ao “Novo Pacheco Leão”, como Caetano era conhecido entre os amigos de faculdade.

- O Seu Alberto tá o que? - estava incrédulo o suficiente para dar a atenção que ele queria.

- Câncer terminal. O cara já entrou em cuidados paliativos faz uns 2 meses.

- Desde quando você sabe disso? Desde quando eles sabem disso? - eu estava atônito.

- O diagnóstico saiu um pouco depois de você voltar pra cá. Foi por isso que o Caê tava alucinado atrás de você, foi por isso que ele me contratou e é por isso que ele tá aqui no Rio. Ele veio assumir a função administrativa do pai, dar apoio pra mãe e acompanhar o tratamento. Eu entrei como uma espécie de VP dele, o braço direito e um pouco o esquerdo, também.

Precisei me sentar no chão do hall, tudo finalmente fazia sentido. A insistência não era tão somente pelo desejo de retomar a relação, era também pelo desejo de ter com quem contar, mais ainda: de ter para quem contar. É óbvio que a culpa veio, mais do que ter me separado, eu havia, no momento mais difícil, deixado meu melhor amigo sozinho, ainda que eu não soubesse do problema. Pela minha cabeça só me passava que eu não estava lá, e eu deveria estar, independentemente da situação.

- A história do divórcio, que ele me contou, era real? - ele se sentou ao meu lado, observando, assim como eu, o fluxo de carros da Voluntários da Pátria.

- Sim e não. Os papéis eram uma forma dele conseguir a tua atenção, mas ele não pretendia assinar, nem queria que você assinasse. Eu deveria ter intermediado a situação, mas eu… - ele respirou fundo - eu cedi a um desejo antigo.

Nos encaramos pela primeira vez desde tudo, e dentre o tanto de coisas que eu ainda precisava entender, rever e aceitar, aquilo não era uma prioridade. Não era o momento pra eu me debruçar em torno do que havia acontecido nas últimas horas com André. O que quer que aconteceu, o que quer que poderia ter acontecido caso Caetano não estivesse nos esperando naquele hall, agora, era somente uma quimera. No fundo, eu sabia que o André mexia comigo, em algum lugar que eu não entendia, mas não era o momento do desconhecido emergir à superfície.

- Onde ele tá agora?

*

Tudo foi rápido, quando dei por mim, eu já estava dentro de um táxi, seguindo para o local onde Caetano estava. No meio do caminho, todos os medos, inseguranças e incertezas apareceram. Eu não tinha respostas, não sabia o que estava fazendo, nem o que queria fazer, mas sabia que eu precisava ir, ainda que não soubesse os porquês.

Quando o táxi parou, meu coração estava aos pulos, cada passo dado em direção àquela grande casa branca, parecia como na primeira vez em que fui lá, como seu namorado. Ainda que estivéssemos separados há meses, os portões seguiam sendo abertos para mim, acho que ninguém me retirou do cadastro do condomínio, como se acreditassem que inevitavelmente eu fosse retornar ali.

Caminhei rapidamente em direção à porta principal e toquei a campainha. Minhas mãos suavam e meu coração estava acelerado, mas tudo se acalmou quando a porta se abriu. Caetano, usando um short simples, de ficar em casa, e uma camisa de manga preta, com os cabelos levemente bagunçados - a forma como ele secava, com a toalha, gerava esse aspecto.

Ele me olhou confuso, certamente não esperava me ver ali, depois de tudo que ocorreu.

- Gab… - ele ameaçou sorrir

- Por que você não me contou? - imediatamente, seu rosto fechou.

- O André que te contou?

- E importa? - ele abriu caminho para que eu entrasse. A casa, as cores e os móveis permaneciam os mesmos, com a exceção de que aquela casa, outrora tão cheia de vida, estava silenciosa, como um mausoléu.

- Eu te procurei, eu quis te contar, mas você tava num outro momento. Eu não quis mais atrapalhar. - ele se sentou no sofá, e eu me sentei ao seu lado.

- Se eu soubesse, eu teria ficado do teu lado, não ia te deixar sozinho, Caetano.

- Eu sei disso. Tu ia ficar comigo por pena. Do que que ia adiantar? Não era o que eu queria. - nem 2 minutos dentro daquela casa e ele havia conseguido me irritar.

- Você acha que é isso? Que eu sinto pena de você? Que eu iria ficar por pena? Eu fiquei quase 10 anos com você e o final seria pena?

- Então ia ser por que, Gabriel? Eu não te fazia mal? Tu não tava se sentindo preso, desvalorizado e sozinho? Foi isso que tu me disse. Tu queria ser livre e eu não ia te prender. Meu pai ia continuar morrendo de qualquer forma, então que pelo menos eu achasse que tu tava bem, e se fosse longe de mim, então que fosse. - ele também se levantou

- Você é um otário - eu queria gritar, mas não queria romper aquele aparente silêncio dos demais cômodos.

- Eu que sou o otário? Eu que fiz de tudo pra te manter bem, manter a minha família e tentar me manter bem? - ele se aproximou, seu rosto já estava vermelho.

- Você é um otário, porque só você não percebeu que eu tava desesperado pra ter tua atenção. Só você não se tocou que eu te amava e tudo o que eu mais queria era tá com você. Você tava casado comigo e não conseguiu entender isso? - à medida em que eu falava, mais ele se aproximava.

- Eu achei que era o melhor a se fazer. Eu tava cansado de te ver triste, só queria te ver bem. - minhas costas encostaram em uma das paredes, ele seguia se aproximando.

- Eu tava certo sobre o que eu sentia, mas eu errei na maneira de me expressar, eu fui imaturo.

- Tá bom. E você conseguiu o que tu queria desde o começo? - seu corpo estava rente ao meu.

- O que você acha que eu queria? - ele cheirou o meu pescoço, me fazendo suspirar.

- Me superar. - suas mãos tocaram a minha cintura.

- Não! - fechei meus olhos.

O resto foi consequência, suas mãos pressionaram a minha cintura, e tanto quanto é previsível o nascer do sol, nos beijamos. Eu sabia pouco sobre onde havia acertado e errado nos últimos meses, mas, sem sombra de duvidas, sabia que não havia superado ele, e que muita coisa ainda precisava ser vivida por nós. Eu não entenderia tudo nem ali, nem naquele momento. Depois, depois.

“Eu não consigo te esquecer

Eu tenho medo de voltar

Mas a vontade de te ver

Supera”

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Comentários

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João, você entrega uma leitura totalmente diferente da que se vê por aqui, e por isso adoro tanto seus textos, você sabe! Escreva mais para seus fãs! Heheeh

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Sempre que vejo algum texto seu por aqui eu fico curioso e envolvido pelo título, mas nunca tinha lido nada, por não seguir séries... Hoje resolvi ler esse achando ser um conto único, mas agora, ao terminar, vi se tratar de uma série, vou ler o anterior. Gostei muito do seu estilo. Texto muito bem escrito e elaborado. Parabéns!!!

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UAU. Que show de conto, que história mas e agora uso minha imaginação e decido o que quero que aconteça ou você vai nos presentear com uma continuação para esse espetáculo maravilhoso que você criou? Cara, parabéns texto sensacional e uma situação que merece mais..............

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Muito boa sua história. Continue a escrever esse conto. Espero que tenha um final feliz para o casal.

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Muito boa sua história. Continue a escrever esse conto. Espero que tenha um feliz

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