Vendo que nos olhamos sem entender direito a explicação, ela resumiu ainda mais objetivamente:
- Ele pagou pra ver, Andressa! A princípio, eu entendo que ele não quis te afrontar e concordou que você tivesse a experiência, mas sem a querer de verdade. Ele aceitou só para não te frustrar, entendeu?
[CONTINUANDO]
- É isso mesmo, Túlio? Você não queria? Mas… Então, por que não me disse desde o começo? - Perguntou a Andressa, com um semblante chateado.
Eu a olhava e não sabia o que dizer, o que responder. Eu até sabia, mas não queria chateá-la ainda mais porque sinceramente, eu me sentia um covarde por não ter tomado as rédeas da situação antes, deixando que tudo corresse de forma que poderia acabar num grande desastre. Desastre: a verdade era que eu quase causei um. Como ela não tirava os olhos de mim, senti que precisava falar algo:
- É complicado…
- Complicado como? Eu sou a sua mulher, não deve haver segredos entre a gente.
Sentindo um clima hostil, uma quase tempestade se armando, Virgínia saiu em meu socorro:
- Amor, Andressa… Ele se sacrificou em nome do amor.
- Sacrificou!? Não quero sacrifício algum! Eu só pensei que… Poxa! que… que… - Suspirou sem conseguir concluir o raciocínio e começou a chorar.
Virgínia foi buscar outro copo de água e lhe entregou, aguardando que ela se acalmasse. Quando ela conseguiu falar, não concluiu raciocínio algum, apenas dizendo um simples:
- Desculpa!
Eu a abracei e beijei a sua testa na melhor das intenções, mas isso só a fez chorar novamente. Olhei para a Virgínia que sorriu e fez um movimento com a mão em círculos como se dissesse “deixa ela descarregar”. Foram minutos chorando. Sua maquiagem ficou uma tragédia, vítima de uma guerra de interesses inconfessáveis. Quando enfim parou de chorar, ela notou a forma como eu a encarava e já imaginou o que havia acontecido:
- Estou feia, né?
- Olha… Bonita não está. - Acabei sendo mais sincero que o necessário, mas o suficiente para fazê-la sorrir.
Ela pediu para usar o banheiro, queria retocar a maquiagem, e a Virgínia lhe autorizou. Assim que ela se trancou no reservado da sala, Virgínia me encarou e disse:
- Chorar é bom! Mostra que ela entendeu o rumo errado que as coisas vinham tomando e o risco que causou ao relacionamento de vocês, talvez até mesmo a agonia que te fez sentir.
- É…
- Confirma uma coisa que não entendi bem, foi a Andressa que abortou a iniciação de vocês?
- Dela, né?
- Isso dela! Foi isso que eu entendi?
- Sim. Depois do beijo no tal Valentim, ela parou tudo e não fez mais nada com ninguém que não fosse umas brincadeirinhas de leve e sempre na minha presença.
- E você ficou tranquilo?
- Digamos que foi um mal menor à vista do que poderia ter sido.
- Entendi. Posso fazer outra pergunta? - Eu concordei com um meneio de cabeça e ela partiu: - Túlio… Você tem alguma curiosidade relacionada a essa fantasia dela? Sei lá… Gostaria de também ser liberado ou de conhecer melhor esse negócio de meio liberal?
- Virgínia, olha só… - Tentei bolar a melhor forma de falar sem me expor, mas a sinceridade pareceu-me o melhor caminho: - Curiosidade eu tenho, tanto que andei lendo, pesquisando e até fomos eu e a Andressa num clube de swing, mas só para conhecer, dançar, assistir, não fizemos nada com ninguém! Agora, ter um relacionamento liberal, incluir outras pessoas, eu confesso que isso é algo que me assusta um pouco?
- Entendi. Além do… - Pegou o seu bloco e leu uma anotação: - Além do Alvarenga e da Adriana, vocês conhecem mais alguém que tenha esse tipo de relacionamento? Sei lá! Alguém que possa servir de parâmetro neutro para orientar vocês?
Neguei com a cabeça e me corrigi:
- Tem o Valentim, o Celão, que são os “PA’s” da Adriana. - Fiz aspas com os dedos e continuei: - Fora eles, não conheço ninguém. Não é normal conhecer pessoas desse meio.
- Não, não é mesmo... Ser diferente, assusta, e o ser humano teme o que não entende, por isso rejeita quem vive diferente do estabelecido pelo grupo social. Os liberais tendem a ser discretíssimos e só relaxam em ambientes bem específicos, mas dizem que quem é do meio consegue identificá-los mesmo em público por sinais, símbolos e certas atitudes.
- É! O Alvarenga e a Adriana mesmo a gente só descobriu por acidente…
- A história da câmera aberta, né? - Ela me interrompeu.
- Isso! A Andressa já contou para você, né?
Ela confirmou com a cabeça e continuou:
- Foi um descuido que normalmente os liberais não cometem, mas erros acontecem né? Pois é… - Deu de ombros, de uma forma que me deixou curioso.
Como ela não quis concluir o pensamento, deixei estar, mas senti que ela queria dizer algo ou, no mínimo, sugerir. Ela continuou:
- Se… Preste bem atenção! Eu disse “se”... Se eu conseguisse um casal confiável, totalmente neutro e isento, para conversar com vocês sobre a vida liberal, vocês estariam interessados?
- Seus pacientes?
- Não, não são. - Deu uma gostosa risada e explicou: - Eu nem poderia indicar meus pacientes. Seria, no mínimo, precário indicar quem precisa de tratamento para tratar, né? Esse casal que estou pensando, na verdade, é amicíssimo de uma prima minha, mas pelo que ela já me contou, são pessoas espetaculares, fora da curva mesmo, e o perfil deles me lembra bastante o de vocês, o de um casal já mais maduro, com família constituída, trabalho, etc., só que eles conseguiram encontrar um equilíbrio que vocês parecem ainda procurar.
- Olha, eu não vejo problema algum, acho até que pode ser bastante interessante. Eu só precisaria conversar com a Andressa.
- Não, sim, claro!
Andressa, inclusive, surgiu na porta do banheiro com a maquiagem retocada, mas com estava com os olhos levemente inchados, sua beleza ganhava nota seis de dez, talvez um sete quando sorrisse. Ela veio se sentar ao meu lado novamente e antes que eu ou a Virgínia falássemos da sua sugestão, ela tomou a palavra:
- Eu não quero mais… Agora quem não quer sou eu! Não posso arriscar o meu amor por uma noite, Virgínia. Desculpa, amor, eu juro que não queria te fazer sofrer. Juro!
- Andressa, ninguém está te culpando de nada! Só expliquei que vocês precisam tomar as rédeas da situação e decidirem vocês dois… somente vocês dois… - Disse Virgínia apontando para nós: - O formato, como, quando e com quem desejam dar um passo além, entendeu? Para mim, o único erro até agora, foi vocês terem se deixado levar excessivamente pelo casal de amigos. Fora isso, considerando que o meio liberal é algo bastante desconhecido, até que vocês se saíram muito bem.
A Andressa suspirou fundo e perguntou:
- Virgínia, assim… por curiosidade… Existe alguma forma da gente proteger, sei lá, blindar o nosso relacionamento se realmente a gente decidisse entrar nesse meio?
- Na teoria, eu poderia apresentar várias possibilidades para vocês, mas talvez nenhuma seja suficiente. - Disse a Virgínia, se recostando em sua poltrona, sem tirar os olhos dela: - Enquanto você estava retocando a maquiagem, conversei com o Túlio sobre uma possibilidade que pode ser melhor do que eu orientá-los baseada só na teoria.
Andressa deu uma rápida olhada para mim e voltou a encarar a Virgínia que continuou:
- Uma prima minha tem um casal de amigos que é liberal e que tem um perfil muito parecido com o de vocês dois. Perguntei para o Túlio se, caso eles concordassem, se vocês gostariam de conhecê-los, apenas para conversar com um casal isento e neutro, para aprender, ouvir as suas experiências, entende?
A Andressa ficou surpresa com a sugestão, mas não recusou. Em segundos, pareceu até mesmo ficar animada com a ideia de conversar com outros que não o Alvarenga e a Adriana. Quis saber mais sobre o casal, mas a Virgínia pouco tinha para falar:
- Não os conheço pessoalmente, querida. Eles são amigos da minha prima e as referências que eu tenho são ótimas, mas são apenas de conversas com ela. Só sei que são casados há tempos, têm filhos, boa formação e já encontraram equilíbrio no seu relacionamento.
- E como faríamos isso, Virgínia? - Perguntou a Andressa, mas se corrigiu, encarando-me: - Desculpa! Você topa, amor? Acha que seria legal?
- Por que não? Aprender é sempre bom e conversar com alguém do meio, mas de fora do nosso círculo, pode nos dar uma outra visão.
A Andressa encarou a Virgínia e insistiu na pergunta. Virgínia explicou:
- Vou ligar para a minha prima e perguntar o que ela acha a esse respeito, mas acho que precisarei de alguns dias, afinal, como eu disse, eles também têm a sua vida e precisaremos combinar a melhor forma, dia e hora para isso acontecer.
- Aqui? - Perguntou ansiosa a Andressa.
- Seria o ideal, até mesmo porque eu também estou curiosa, mas vou deixar o casal dar a sua sugestão também, afinal, eles seriam os protagonistas, não é? - Disse Virgínia.
Encerramos a sessão com um sentimento de trabalho bem feito, pelo menos para mim. Por sugestão da Virgínia, eu fui convidado a comparecer nas próximas, afinal, o assunto daquele momento da vida da Andressa me envolvida e seria interessante eu também participar dos debates para alcançar uma melhor solução. Concordei.
Saímos dali para um shopping, onde jantamos e decidimos assistir um filme qualquer, apenas para termos a chance de curtirmos um ao outro. Quase no meio do filme, recebo uma ligação de uma pessoinha irada porque ainda não havíamos ido buscá-lo. Acabamos abortando o filme e voltando para mundo real, fomos buscar o Júnior na casa dos meus sogros.
A vida voltou a sua rotina e fora uma mudança no padrão do casal Alvarenga e Adriana que agora nos tratavam como patrões durante o trabalho e amigos íntimos mas sem intimidades durante todo o restante do período, nada havia mudado.
Quase uma semana depois da sessão que tivemos com a Virgínia, ela entrou em contato com a Andressa dizendo que havia conseguido falar com sua prima que, por sua vez, havia falado com o casal que se dispôs a participar. Entretanto, a sua agenda estava bastante apertada e talvez apenas o marido pudesse comparecer e ainda virtualmente. Combinaram que o dia e hora, presencial para mim e Andressa no consultório da Virgínia e ele por videoconferência, de seu escritório.
O “encontro” seria em três dias, numa segunda-feira de manhã. Por mais estranho que pareça, não ficamos ansiosos, mas muito excitados em saber que teríamos contato com alguém do meio liberal, mas que não conhecíamos. A Andressa não perdia a chance de me provocar:
- Será que ele é bonito?
- Não sei. Por quê?
- Ué! Ele é liberal, né? Vai que ele gosta de mim.
- Caralho, Andressa, você só pensa em sexo!?
- Claro que não, amor. Credo… - Falou, simulando chateação, mas logo continuou: - Será que ele é dotado? Forte deve ser, né!?
- Andressa!? Porra!...
Ela caiu numa deliciosa gargalhada, quase chorando da minha cara, e se explicou:
- Estou brincando, meu bo-bi-nho! Vem aqui com a mamãe, vem!
Foi um final de semana quente, transamos duas vezes no sábado e três no domingo. Na segunda, quase perdemos a hora do compromisso por estarmos exaustos. Chegamos cinco minutos atrasados e a Virgínia já nos esperava, chateada por estarmos perdendo o tempo do nosso convidado especial.
Assim que nos sentamos, a Virgínia já foi nos apresentando ao seu convidado, um homem muito bem vestido com roupas sociais, terno e gravata, sentado na sala de seu escritório. Ele apresentava uma postura muito séria e imponente. Careca e com barba, confesso que não era nem de longe o homem mais bonito que já vi na minha vida, mas a Andressa parecia ter uma opinião diferente, pois não demorou muito para soltar um “Nossa!” bem baixinho ao meu lado. Seu nome era Mark, um advogado de uma cidade qualquer no sul de Minas Gerais. Feitas as apresentações, Virgínia iniciou:
- Andressa, Túlio, conforme já conversamos, este é o doutor Mark, um grande amigo da minha prima Denise. Eu teci breves comentários sobre o momento que vocês estão passando e pedi que ele nos contasse alguma coisa sobre as suas experiências no meio liberal, enfim, a parte boa, a ruim, os problemas que tiveram, tudo que ele julgue relevante e que possa trazer um norte para vocês.
Ele se mantinha calado, observando-nos atentamente enquanto Virgínia falava. Notei que ele fazia uma espécie de “Mudra” com os seus dedos enquanto isso, mas como não sou especialista, não consegui identificar qual. Quando a Virgínia lhe passou a palavra, uma voz marcante soou:
- Bem, a princípio, não sei se sou a melhor pessoa para falar sobre o meio liberal, mas se a doutora Virgínia acha que posso colaborar, tentarei o meu melhor. Ela me contou que vocês tem curiosidade e quase se deixaram levar por “amigos”... - Fez o gesto de aspas com os dedos e continuou: - Não façam isso. Teria sido um erro fatal.
Eu e a Andressa nos entreolhamos e ele entendeu ter acertado em cheio, continuando:
- Não estou culpando ninguém, mesmo porque quem sou eu para culpar alguém, não é? A vida é feita de erros e acertos, mas se vocês se deixarem levar pela vontade de outros, principalmente de outros que já estejam nesse meio, a chance de dar errado é imensa. Amigos de verdade não imporiam nada para vocês. Poderiam orientá-los, explicar como funciona, prepará-los para isso, mas nunca… Prestem atenção! Nunca imporiam essa forma de viver para vocês como se fosse a única forma correta de se viver.
Observei que a Virgínia também ouvia a tudo atentamente e concordava com a argumentação dele, fazendo sutis movimentos de cabeça nesse sentido. Ele não parava:
- Por sorte, pelo que a doutora Virgínia me falou, vocês ainda não deram o passo seguinte. Isso… foi… ótimo! - Falou pausadamente, dando um imenso valor a cada palavra: - Se vocês conseguiram entender os riscos e acho que entenderam pois procuraram ajuda profissional, têm uma chance imensa de fazerem uma escolha correta. Isso também demonstra maturidade emocional, pois estão com medo de se ferir ou ao parceiro nesse processo. Isso é mérito de vocês, de mais ninguém. Parabéns.
Virgínia sorria, às vezes olhava para a gente ou acenava positivamente com a cabeça. Nesse momento, passou a fazer algumas considerações com o doutor Mark sobre como eles começaram e ele se mostrava solícito em esclarecer as nossas dúvidas, sempre de uma forma cordial, mas sem medo algum de também criticar, se fosse necessário. Isso me acendeu um alerta, o de que eu precisava me tornar parte mais ativa no meu relacionamento, dividir as rédeas da situação com a Andressa, para não me arrepender depois.
Andressa parecia gostar do que ouvia, pois sempre que podia me fazia um carinho, dava um beijo na bochecha e tudo sem largar o meu braço. O doutor Mark começava a se soltar quando uma solicitação de entrada na reunião virtual de outro participante surgiu na tela. A Virgínia logo autorizou a entrada na sala virtual e um sorriso no rosto dele denunciava o óbvio. Na tela do consultório da Virgínia então se materializou a figura de uma bela mulher, de cabelos pretos, presos, e olhos esverdeados, madura, mas ainda assim belíssima, com traços delicados e uma postura bastante séria. Também estava vestida de forma social, com uma espécie de terninho, usando óculos que a deixavam com cara de intelectual, mas ao notar que já estava na sala, sua seriedade caiu por terra, derrubada por um imenso e acolhedor sorriso. Como dizem os mais jovens, ela “já chegou, chegando”:
- Nu! Mas homem mais lindo, Virgínia! Se eu soubesse que a reunião seria tão bem frequentada, teria ido pessoalmente participar…
A Andressa ficou confusa, pensando que o elogio tivesse sido direcionado para mim, pois olhou para mim, depois para a Virgínia, depois para a tela e, por fim, me encarou novamente:
- Ela tá falando de você!?
A mulher na tela deu uma sonora risada, aliás, eles dois, pois o doutor Mark a acompanhou. Assim que ela parou, voltou a falar, com um erro propositadamente bem puxado:
- Oi, morrrrrr da minha vida. Já tô com saudade, sabia?
- Faz uma hora e pouco que a gente não se vê, Nanda. - Ele respondeu.
- Nu! Sério!? Parece que já faz tanto tempo. Vai almoçar em casa?
- Vo… - Ele se calou, encarando ainda mais sério o monitor e disse: - Nanda, vamos focar no assunto, por favor? “Tempus fugit”!
- Lá vem você com essa língua de advogado… Coisa chata! - Ela voltou a sorrir e se apresentou, enfim: - Olá, bom dia para todos! Eu sou a Fernanda, esposa desse ranzinza aí no quadradinho ao lado.
A Virgínia tomou a palavra, cumprimentando-a, dizendo estar surpresa com a sua presença porque, a princípio, ela pensou que não participaria, mas a Fernanda explicou que conseguiu uma brecha em sua agenda e achou que poderia contribuir com uma ou duas palavrinhas:
- “Uma ou duas”!? Se ela desandar a falar, ninguém mais abre o bico. - Resmungou o seu marido com um sorriso sapeca no rosto, o primeiro naquela reunião.
- Ah vá! Me faz um favor? Fica quietinho aí no seu quadradinho, moço, que o papo aqui é para gente grande.
Uma grande expressão de surpresa e um meneio de ombro do doutor Mark deixando mais claro não ter entendido sua fala, foi o suficiente para ela dar outra risada, parando num grande sorriso e falando:
- Tá! Não fez sentido algum. Já entendi…
A Virgínia novamente tomou a palavra, fazendo um breve resumo da nossa reunião até ali. A Fernanda ouviu tudo concentrada e acenando positivamente. Ao final, Virgínia pediu:
- Gostaríamos de ouvir a sua experiência pessoal, Fernanda. Qual a sua impressão do meio liberal? Como proteger o casamento? Enfim, gostaríamos que você e o seu marido compartilhassem conosco tudo o que possa ser proveitoso para o casal.
A Fernanda colocou a ponta do dedão de uma das mãos na boca, por um instante desviando o olhar e após breves segundos disse:
- Então… Posso partilhar um pouco do que aprendi, mas a parte de proteger o casamento, eu deixo para o Mark. Ele é especialista nisso! Acho que se não fosse pela paciência de Jó que ele tem, a gente nem estaria mais junto.
- Não é bem assim… Tivemos problemas no meio da caminhada, mas o que enfrentamos qualquer casal poderia ter enfrentado, mesmo sendo monogâmico ou tradicional. O meio liberal apenas potencializa os riscos, porque nós abrimos a nossa intimidade de uma forma muito rápida e precária para um terceiro. Por isso é tão importante o casal ter um diálogo franco e aberto, para que não existam dúvidas entre eles e para que possam se apoiar, inclusive corrigindo eventualmente a conduta do outro.
- Nu! Que homem mais técnico… - Zombou a Fernanda, sorrindo: - Tem compromisso para hoje à noite, moço?
- Leva a sério, Nanda! - Ele retrucou, fazendo ela mudar de sorriso para um biquinho inconformado.
A Virgínia fez uma observação:
- Posso estar errada, mas a Fernanda parece ser a veia cômica do casal, estou correta?
Eles se calaram por um instante e a Fernanda falou:
- Não é que ele é chato mesmo!
Ele nada respondeu, mas abriu um sorriso enquanto negava com a cabeça. Como todos esperavam uma resposta, ele falou:
- Se não for para ser divertido, para que ficar casado? A Nanda é a minha melhor amiga e é natural que a gente queira se divertir com os amigos, não é? Principalmente com a nossa melhor amiga, não acham?
Todos acenaram positivamente, enquanto a Nanda abria outro grande sorriso. Virgínia novamente perguntou:
- Vocês já enfrentaram algum risco real ao relacionamento de vocês?
Pela forma como ambos fecharam o semblante, ela havia acertado num ponto delicado. A Fernanda foi a primeira a se manifestar:
- Já! Eu já me… - Calou-se, incomodada com algo.
- Ela já se apaixonou por um amante! Apesar de que, até hoje, ela não aceita a definição do que sentiu como uma “paixão”. - Disse o doutor Mark.
- Ok! Mas em minha defesa, eu nunca coloquei o nosso casamento em risco. - Ela retrucou.
- Conscientemente não, mas o fato de você ter tido mais do que tesão, de ter nutrido um sentimento por ele, já é um risco em si, concorda? - Falou o marido.
Ela entrelaçou os dedos, escondendo a boca atrás das mãos enquanto olhava para o monitor em silêncio. Alguns breves momentos depois, ela prosseguiu:
- Sim. E talvez esse seja o maior risco para quem se aventura na vida liberal, a de nutrir mais do que tesão por um eventual parceiro ou parceira, nutrir um sentimento, entendem?
O marido concordou com um meneio de cabeça e nós também. Ela continuou:
- Eu e o Mark temos alguns acordos, regras para nos proteger do mundo exterior. Bem… Na única vez em que demos uma aliviada nelas, o pior aconteceu... Não, não! Corrigindo: quase aconteceu. Desculpa, gente.
- Mas como então vocês superaram? - Perguntou a Andressa, curiosa, totalmente absorvida na narrativa daquela mulher: - Vocês devem se amar demais!
A Fernanda sorriu e concordou com um movimento de cabeça, falando:
- Sem dúvida! Amo o meu carequinha mais que pão de queijo e olha que eu A-MO pão de queijo. - Deu uma risada e explicou: - Mas amor também não é tudo, querida, talvez seja o mais importante, mas não é tudo. Se nós não tivéssemos abertura irrestrita para o diálogo, paciência, disposição em perdoar, não teríamos conseguido.
Todos ficaram em silêncio porque a Fernanda deu demonstração de ter ficado emocionada com alguma lembrança, mas logo o marido sorriu e brincou:
- Engole o choro! Engole o choro ou a cinta vai comer em casa mais tarde, sua safada! Na hora de chifrar é só sorriso, mas na hora de reconhecer o erro, choraminga!? Sem essa, né!
- Uiii! Essa sessão já valeu a pena para mim, Virgínia. - Retrucou a Fernanda, sorrindo, mas sem esconder os olhos ainda marejados: - Escutem bem o que vou dizer, queridos, não entrem nesse meio se não tiverem tudo isso que nós falamos, o risco não vale o prazer de uma transa.
Levantei uma mão, pedindo a palavra e a Nanda deu uma risada antes de falar:
- Não sou tua professora não, moço! Não precisa pedir para falar.
Todos deram risada e eu perguntei:
- Mark, posso fazer uma pergunta sem filtro algum, bem íntima mesmo?
- Uai! Pergunte! Não é para isso que estamos aqui?
- Olha, não se ofenda, mas… Como é assistir a sua mulher com outro cara? Se você a ama tanto quanto parece, como você faz com o ciúme e o medo de perdê-la?
- Essa é a pergunta, meu caro… - O Mark disse e tomou um gole de algo.
- Cê tá tomando café sem mim, safado!? - Falou a Fernanda.
- Quer dizer que eu só posso beber café com você?
- Uai! Não! Mas fica mais gostoso quando tô junto, não fica?
- Fica! Mas como você não está por perto, eu me contento com um cafezinho meio ruim mesmo… - Ele respondeu sarcasticamente.
- Invejei! Vou pegar um também. Já volto, gente. - Disse a Fernanda se levantando e saindo da frente de seu computador.
- É… Túlio, não é? - Confirmei com a cabeça e ele falou: - Os liberais só são liberais porque conseguiram, em algum momento, superar alguns conceitos estabelecidos pela sociedade. Por exemplo, a noção de que sexo só se faz com amor. Para nós, isso não existe, sexo é só sexo e amor é só amor! Amor nós fazemos com nossos parceiros e sexo com quem nos interesse, mas puramente por diversão, entendem?
- Sexo é instinto e amor é sentimento e comprometimento, né, morrr? - Falou a Fernanda que se sentava novamente em frente a tela do seu computador.
- Falei mentira?
- Não! Nenhuma. - Ela falou e tomou a palavra: - Eu, pessoalmente, acho que são dois os desafios para quem quer se tornar liberal: primeiro é esse, separar o sexo do amor; segundo, é abandonar superar a ideia de que, só porque estamos casados, somos apenas dos nossos parceiros. Gente, o casamento não pode ser uma prisão! O fato de eu estar casada não pode me impedir de buscar uma diversão por fora vez ou outra.
- Ahhh… - Resmungou o Mark e falou num tom de brincadeira: - Então não está satisfeita comigo?
- Se eu não estivesse satisfeita com você, já teria te abandonado há tempos. Homem não me falta. - Ela retrucou sorrindo e continuou: - Só que ele é o parceiro que eu escolhi para a minha vida. O peito onde eu gosto de me deitar para contar minhas alegrias e chorar as minhas angústias. A pessoa com quem eu quero brincar e me divertir todos os dias. O homem com quem eu confesso os meus medos e colho os melhores conselhos. Ele é simplesmente quem eu amo! Posso transar com outros, mas sempre vou amar apenas um.
- Putz! Rick que o diga… - Ele resmungou novamente.
- Ah, Mark, para! Já passou, né!? Vai ficar me cutucando até quando. - Ela falou meio chateada.
- Hummm… Mas cutucar é a melhor parte.
Eles ficaram em silêncio por um instante, ela meio chateada e ele com um sorriso sarcástico. Inclusive, foi ele que retomou a conversa:
- Estou brincando. Você sabe disso, não é? Mesmo essa passagem turbulenta serviu para nos reafirmar como casal e hoje podemos dizer que nada mais nos abala. Agora… Se for possível evitar esse tipo de transtorno, evitem, porque foi… muito… doloroso.
- Eu sei. Desculpa. - Ela falou.
- Para de pedir desculpas! Já superamos. - Ele insistiu.
- Mas, Fernanda, se você ama o seu marido, como se apaixonou por outro? - Perguntou a Andressa.
- Querida, eu amo o meu marido mais que tudo nesse mundo, e mesmo assim acabei gostando de outro cara. Aprendi da forma mais dura que ninguém controla o coração. Por isso, que agora a gente se fiscaliza de perto: só saímos juntos, nos divertimos juntos, aprontamos juntos e voltamos juntos para casa. Agora é “pá-pum”!
- E como você deixou de gostar do outro? - Insistiu a Andressa.
- Nu! Essa história é longa. Vamos ter que fazer uma conferência de uns três dias, pelo menos, para eu explicar como tudo aconteceu. - Disse e deu uma risada, tomando um gole de café: - Mas resolvemos, o importante é isso! Contamos com ajuda de terapeuta, eu contei com a ajuda do meu mozão e no final nós ainda contamos com a ajuda de uma ex-namorada do Mark, né, mor?
- Ô, Iara… Saudades, viu… - Ele falou, sorrindo maliciosamente.
- Ah, filho da pu… - Fernanda começou a falar, mordendo um sorriso, mas se controlou: - Desculpa, gente! Escapou…
A Andressa se encostou no meu ouvido e cochichou que adoraria conhecê-los pessoalmente, porque certamente deveria ter muitas boas histórias para nos contar e lições para nos dar. A Fernanda olhou séria para o monitor e falou:
- Quem cochicha o rabo espicha!
Virgínia entendeu o recado e pediu que ela compartilhasse com todos, afinal, aquilo era uma sessão conjunta e qualquer opinião seria válida. Vermelha igual a um pimentão, a Andressa falou:
- Ah, gente… Eu só disse para o Túlio que gostaria de conhecer vocês pessoalmente. Gostei de vocês! Eu só queria conversar pessoalmente.
A Fernanda tomou um novo gole de seu café, enquanto olhava algo ao seu lado e falou:
- Dia dez, eu estarei aí na “capitar”...
- Eu não vou, Nanda, você sabe. Tenho audiência aqui. - Rebateu o marido.
- Por que você não vai à tarde? A gente podia aproveitar e esticar por lá. Faz tempo que não vamos num clube de swing. - Falou se remexendo na cadeira e soltando um “Uhull!” no final.
O marido passou a mão na careca, coçou a barba na altura do queixo, olhou fixamente em algum local na parte inferior do seu monitor e falou:
- Mas é numa quinta! Sexta, eu ainda trabalho. Não estou com a vida ganha.
- Ara! Eu também vou trabalhar na sexta, só que aqui. Você podia dar um jeito, né?
- Para mim, não vai dar. Sinto muito. - Ele falou, mas se justificou após: - Fiquem tranquilos, vamos nos encontrar um dia. Também quero conhecê-los. Só não dá para ser por agora.
- Queremos! - Falou a Fernanda.
- Posso só fazer uma última pergunta? - Pediu a Andressa e ambos concordaram com um movimento de cabeça: - O amor pode tudo?
Eles pareceram ficar confusos num primeiro momento, mas a Fernanda falou pouco depois:
- Eu acho que sim! O amor verdadeiro entre duas pessoas pode tudo.
Já o Mark, introspectivo até então e com o semblante mais carregado, discordou:
- Não, não pode! O amor não pode, por exemplo, servir de muleta para que um traidor exija o perdão do outro! Traição não é um erro, é uma escolha consciente e para mim é falta de caráter! - Pensou por um instante e concluiu: - Mesmo porque se for inconsciente já não é sequer traição: aí é crime!
- Credo, mor! Quer dizer que você não me perdoou ainda? - Falou a Fernanda.
- Você não me traiu, já conversamos sobre isso! Quando aquela situação com o Rick surgiu, você me falou antes de ficar com ele e eu te autorizei a ir em frente mesmo longe de mim. Você foi honesta comigo e eu afrouxei as nossas regras. Se formos pensar bem, o erro foi mais meu do que seu, pois se eu não tivesse agido assim, talvez nada disso tivesse acontecido.
- Ou eu pudesse ter te traído na surdina… - Ela resmungou.
- Aí não estaríamos mais juntos, porque traição eu não perdoo!
- Mas eu acabei gostando dele, coisa que você sempre me alertou que não aceitaria. - Ela insistiu.
- Gostando não, você se apaixonou por ele. - Ele a corrigiu de uma forma séria: - E não aceito mesmo! Mas você foi honesta comigo desde o início, inclusive, confessou à distância esse sentimento por ele, lembra?
- Lembro… - Ela deu um gole em sua xícara e falou: - Nu! Cê não sabe como me dói toda vez que lembro a carinha que você fez naquele dia.
- Bem, esse assunto foi superado e está encerrado. - Ele falou e encarou a câmera: - Túlio e Vanessa…
- Andressa! - A minha esposa o corrigiu.
- Andressa, desculpa… Túlio e Andressa, se vocês dois não tiverem total certeza de que querem entrar nesse meio, não entrem! Se um de vocês disser não, o outro não faz. Se um de vocês falar talvez, o outro não faz. Somente o sim de ambos autoriza a experiência, entenderam? Na dúvida, como dizemos em Minas, “foge pro mato”.
Todos riram da sua forma de explicar, mas ninguém o contestou e a Fernanda falou:
- E se experimentarem, na primeira oportunidade, sentem de frente um para o outro, olhem nos olhos e conversem, compartilhem os seus sentimentos, o que foi bom, o que não foi, só falem um para o outro e avaliem se vale a pena continuar. O diálogo é essencial para não haver mal entendidos.
Por fim, o doutor Mark voltou a falar:
- Túlio, você me perguntou agora há pouco, como era assistir a Nanda transando com outro e como eu faço com o ciúme e o medo de perdê-la. Pois bem… Quando você faz amor com a sua esposa, você não se desdobra para lhe dar prazer, fazê-la feliz, querer satisfazê-la? É a mesma coisa! Eu amo ver a minha esposa tendo prazer no sexo, seja comigo ou com outro, me excito pra caralho com isso, mas eu também gosto de participar, além de assistir. Eu sou o que se pode chamar de corno ativo.
Todos deram risada da forma como ele falou que pareceu não compreender o porquê das risadas:
- O que? Sou, uai! Se você aceita que a sua mulher seja de outro, você é um corno. - Falou e riu também: - Mas não sou manso, nem aceito humilhação. Já o ciúme vai existir sempre, mas se você confia, ele acaba servindo de tempero para o tesão. Parece contraditório, eu sei, mas é muito gostoso. É… Não dá para explicar, só experimentando para entender. Quanto ao medo de perdê-la, se você confia e nutre o amor por ela todos os dias, temer para quê, né, Nanda?
- Ô… “Benzadeus” que ocê continue assim, morrrr! - Ela falou sempre forçando o erre.
Após nova rodada de risadas pela forma que ela respondeu, a Virgínia perguntou:
- E você, Fernanda? Gosta de assisti-lo, não tem ciúme ou medo de perdê-lo?
- É, Fernanda Mariana, você gosta de me assistir? - O Mark perguntou, com um tom zombeteiro.
- Primeiro, Fernanda Mariana é a sua mamãezinha! - Deu uma risada e se explicou: - Odeio o meu nome composto! Querem me ver brava, é falar “Fernanda Mariana”. E respondendo a sua pergunta, Virgínia, gostar eu não gosto, mas já aconteceu e eu deixei rolar. Acho que eu sou meio ciumenta…
- Há! Não brinca… Meio ciumenta!? - Perguntou o Mark, dando uma sonora e debochada gargalhada: - Ciumenta e meio, você quer dizer, né?
- Há-há-há! Bobo! - Ela desdenhou com uma risada falsa e continuou explicando: - Já assisti, já participei com outra, mas eu não curto muito... Agora, medo de perdê-lo para outra eu não tenho. Confio nele de olhos fechados.
Antes de encerrarmos a sessão que já se arrastava para dentro do horário reservado ao próximo paciente, a Andressa pediu se podia trocar número de celular com eles e a Nanda explicou:
- Uma regrinha nova nossa, mas que tem funcionado bastante, é mulher troca celular com mulher e homem troca celular com homem. Assim qualquer um que se interesse por você terá que passar pelo seu marido e vice-versa, entenderam? Parece que não é nada, mas o simples fato do seu companheiro poder filtrar o contato, ajuda bastante a evitar mal entendidos.
Trocamos os números de telefone e a Nanda novamente se adiantou:
- Quero fazer diferente dessa vez, mor, se você concordar, é claro. Vou criar um grupo de nós quatro. Assim todos falam com todos, pode ser? Também gostei de vocês e queria apadrinhá-los, mas sem segundas intenções e independentemente de se tornarem liberais ou não, entenderam? Só quero ajudá-los para decidirem melhor.
O doutor Mark concordou e ela montou o grupo de imediato, dando um simples “Olá” que nós também respondemos de imediato. Apenas ele não se manifestou e ela o cobrou, escrevendo ele na sequência:
Mark - “Estou aqui, mulher complicada da minha vida! Olá para todos!”
Despedimo-nos enfim e encerramos aquela sessão. Em casa, eles foram assunto por dias, mesmo porque a Andressa começou a trocar mensagens com certa frequência com a Fernanda, sempre no período noturno. A Andressa vinha literalmente alugando o tempo da Fernanda, questionando, falando, interagindo, aprendendo. Eu acompanhava tudo pelo grupo, mas não interagia tanto, aliás, foram poucas as vezes em que eu e o Mark participamos.
Nossa vida seguia normalmente. Passaram-se quase dois meses do aniversário do Alvarenga quando ele nos convidou novamente para passar um final de semana na sua chácara. A Andressa foi direta:
- Só nós quatro ou teremos a companhia de certas pessoas?
A Adriana deu uma gostosa risada e falou:
- Ué! Eles são seus amigos também, Dre. Mas fica tranquila, dessa vez, será só um evento família.
Combinados, partimos para lá no sábado de manhã. Ao chegarmos, para a nossa surpresa, o Valentim também estava. Só que dessa vez a Andressa também levava uma surpresa a tiracolo que fez questão de exibir assim que descemos do carro:
- Trouxe o Juninho com a gente, Dri. Como você disse que seria uma coisa mais familiar, achei que não teria problema trazê-lo. Fiz mal?
A cara de surpresa da Adriana respondia por si, mas ainda assim ela o recebeu e acolheu muitíssimo bem. Foram dois dias de curtição, sem quaisquer excessos, sem desvios e sem que a minha esposa saísse do meu ou do lado do nosso filho. Quando voltamos, ela me explicou que a Adriana pediu inúmeras vezes desculpas pelo Valentim estar lá, dizendo que ele apareceu sem ser convidado:
- Pode ser, mas é muita coincidência ele aparecer justamente no dia em que nós estamos lá também, não acha?
[CONTINUA]
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, MAS OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL PODEM NÃO SER MERA COINCIDÊNCIA.
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