Após a tentativa fracassada de ter relações com o Marcelo no edifício em construção, não voltamos a nos arriscar.
Comecei a conversar com Marcelo sobre a ideia de me assumir de vez. Falar para minha mãe que era gay e que estava namorando ele. Mas Marcelo era terminantemente contra.
Era público e notório que ele tinha vergonha de assumir publicamente que namorava um veado. Mas ele não dizia isso. Jogava a culpa na minha mãe. Dizia que ela era carola e que jamais permitiria isso. Ele tinha razão quanto a isso. Mas tenho certeza que isso era só desculpas. Se ele tivesse alguma intenção em me assumir, poderíamos perfeitamente sair de mãos dadas para escola, nos beijar na rua ou na escola, mas isso não acontecia. Pelo contrário. Quando estávamos em público era zero interação. Quase nem conversávamos. No intervalo da escola, ele nem ficava comigo. Se juntava com seus colegas de aula e fingia que não me conhecia. No entanto, se ele me via conversando com algum garoto na escola pronto, já rolava uma DR na hora da saída. Ele era super ciumento. Aliás, isso acontecia também com o Rodrigo e o Lucas. Eu não podia conversar com nenhum outro garoto que já dava rolo.
Um belo dia enquanto estamos indo para escola Marcelo me diz:
Patrick, eu tenho que te dizer uma coisa. Estou namorando uma menina da escola. Com isso não podemos mais nos ver.
Ele joga isso no seco e não fala mais nada.
Aquilo doeu profundamente na minha alma. Foi como sumisse os pés do meu chão. Eu não tive forças para falar, perguntar ou esbravejar. Apenas comecei a chorar baixinho enquanto caminhávamos em direção da escola. Ele acelera o passo e me deixa ali sozinho. Acabo desistindo de ir para escola e vou para uma praça próxima e me sento na sombra de uma árvore. Lá choro compulsivamente me lembrando de todos os momentos que tínhamos vivido desde a infância e de tudo que havia se passado nos últimos anos quando estávamos felizes e realizados com nosso quarteto inseparável.
Tudo tinha mudado para pior na minha vida em apenas 1 ano. Tinha perdido meus namorados, não tinha mais amigos e nem mesmo o ombro acolhedor de uma mãe para lhe contar minhas desilusões.
Voltei para casa e disse a minha mãe que não estava me sentindo bem. Que tinha vomitado no caminho para escola e que me sentia muito enjoado. Ela fez um chá para mim e fui me deitar. Dormi o dia inteiro. No dia seguinte, também não quis ir a aula. Ela ficou preocupada e quis me levar ao médico. Mas não deixei. Apenas voltei a dormir e assim fiquei o dia todo novamente.
No terceiro dia eu sai da cama com uma ideia fixa. Já chega, vou sair do armário e me assumir para o mundo.
Peguei minhas velhas roupas femininas que estavam escondidas embaixo do meu colchão e as vesti. Fui para o espelho e me maquiei meticulosamente. Depois, saí do quarto e fui até a cozinha falar com minha mãe.
Quando ela me olhou daquele jeito teve um susto.
Que isso Patrick? Porque você está vestido assim?
Mãe, eu preciso lhe dizer uma coisa. Eu sou gay.
Ela arregala os olhos com espanto e faz algo que jamais eu imaginária.
Ela pega seu chinelo e me dá uma tunda de laço. Mas bate com vontade, com ódio no coração.
Depois se ajoelha no chão e começa a rezar:
Senhor, livrai-nos deste demônio que se apossou da alma do meu filho. Ele está possuído senhor...
E assim ela fica por horas, rezando e chorando.
Eu vou para o meu quarto, mas não removo minhas roupas femininas. Eu estava decidido.
Quando chegou a noite ela entra no quarto e fica irritadíssima ao me ver ainda vestindo roupas femininas. Ela volta a me bater e me força a troca-las. Eu já estava cheio de hematomas pelo corpo e rosto de tanto apanhar.
Por fim ela me pega pelo braço e me leva para a igreja. Chegando lá ela fala com o pastor e lhe conta tudo que havia se passado.
Nos sentamos, ele proferiu alguns salmos, falou alguma coisa que não lembro e depois nos chama para subir no púlpito.
Irmãos e irmãs... hoje temos aqui um caso grave. Este menino, filho da irmã Graça está possuído pelo demônio...
O público imbecilizado da igreja responde com um uníssonoro:
OOooooo...
Aquele charlatão prossegue:
Ele está possuído pelo demônio da luxúria...
O demônio do pecado...
Temos que expulsar este demônio da alma desta criança...
Amém... responde os fiéis num som uníssonoro.
Vamos rezar o salmo 66 e depois o 27 para expulsar este demônio obsessor desta criança...
A vergonha que eu estava sentindo com tudo aquilo era indescritível.
Quando os fiéis terminaram de rezar aquele charlatão coloca a mão na minha testa e prossegue:
Sai demônio! Sai demônio! Eu te ordeno abandonar a alma desta criança!
Eu não sei se por nervosismo ou porque aquilo realmente era hilariante, mas comecei a rir muito.
Vejam meus irmãos, observem!!! O demônio está zombando do poder de Deus.
Ele força com a mão a minha cabeça afim de que eu fique de joelhos.
Saia desta alma pura espírito zombeteiro. E bla bla bla...
Por fim ele me puxa novamente para cima e me abraça.
Você será curado meu filho, Deus cuidará de você.
Ele diz para minha mãe voltar para as cadeiras para prosseguir o culto, mas que queria conversar com ela no final.
Assim fizemos e fui obrigado a assistir aquela chatice.
No final quando todos vão embora o pastor chama minha mãe para conversar.
Irmã Graça. Eu estou muito preocupado com você e com a saúde de seu filho. Acho que ele precisa de cuidados especiais. Ele precisa se afastar de todas as más influências, se afastar de seu ciclo de amizades, se possível até trocar de escola. Ele precisa também de uma referência paterna, ou seja, de um homem presente no dia a dia para que ele se espelhe, entende? Então lhe ofereço minha ajuda. Deixe este garoto morando comigo durante algum tempo. Assim tenho certeza que nenhum mau voltará a acomete-lo.
Minha mãe começa a chorar...
Pastor eu não tenho palavras para lhe agradecer. O senhor é um homem santo. Eu serei eternamente grata com você por isso.
Acabamos voltando para a casa no carro do pastor, afim de buscar minhas roupas. Eu e minha mãe preparamos uma mala de viagem enquanto o pastor aguardava na sala tomando café.
Acabei chegando a casa do pastor tarde da noite.
A história que se segue após minha ida para casa do pastor tem contornos inacreditáveis. Eu diria que é uma história digna de cinema.