Quando mudei de cidade, tomei uma decisão precipitada porque estava acontecendo tanta coisa que a minha cabeça ficou um pouco bagunçada. Eu queria sair logo de lá e comprei uma casa, a princípio, tinha sido um bom negócio mas se eu pensasse melhor, teria alugado antes para saber se era ali mesmo que eu queria ficar.
Tínhamos bons vizinhos, não nos atrapalhava em nada, eram educados e poucas vezes houve confusão mas estava me incomodando o fato de ser um imóvel muito limitado, ficava em um condomínio com pouca opção recreativa e era longe dos lugares que mais gostamos de frequentar.
A prioridade agora, era achar um lugar para formar a minha clínica, eu tinha um projeto que já estava pronto, para um lugar específico mas infelizmente, havia sido vendido há pouco tempo. Queria um bom lugar, bem centralizado, e agora que se encaixasse no planejamento. De início, a preferência era que fosse próximo a nossa casa, mas fui tirando essa ideia da cabeça pela localização. Visitei alguns lugares com Juh, e depois de muito tempo achamos um legal, o prédio antigo já havia sido demolido, o que facilitava um pouco mais para mim. Fechei negócio!
Ao chegar em casa, começamos a reunir os documentos necessários para levar ao cartório, queríamos algo bem simples e no final de semana seguinte faríamos a cerimônia, ou como minha muié costuma dizer, o casamento de verdade.
Os olhinhos de Juh brilhavam enquanto organizava tudo em pastas, ela estava radiante, genuinamente feliz e eu também, desejando que aquele mês passasse voando.
Liguei para meus pais para contar que consegui comprar o terreno para a clínica e meu pai que é fascinado por obras, ficou todo animado marcou para passar uma semana aqui em casa, ele e a minha mãe. Quando chegaram, meu pai já quis ir logo visitar o local e fui lá com ele, que amou, ficou impressionado com a planta baixa e já ligou para um monte de gente para adiantar tudo.
- Vai ser meu presente de casamento para você essa obra! - falou
Eu fui tentar intervir porque eu não o levei lá nessa intenção, mas nem tive oportunidade, ele me abraçou e falou novamente: - Nem tente, não se nega presente ainda mais do próprio pai - e ficou por isso mesmo.
Meu pai já fez muita coisa por mim, e eu fico um pouco receosa quando ele me aparece com essas ainda hoje. Saí de casa bem nova e sempre me virei sozinha por achar que não deveria dar trabalho algum aos dois, se eu precisasse pedir algo, não por orgulho, mas eu me sentiria um peso.
Comentei sobre o valor que eu tinha para a obra e o conselho que ele me deu foi, vender a minha casa e comprar uma próxima do terreno por ser um lugar melhor. Eu gostei da ideia, mas eu teria que conversar com Juh e com certeza deixar para resolver isso mais para frente, já era demais para minha cabeça.
Quando voltamos, minha mãe estava sentada entre Juh e o meu ex tomavam café, a minha noiva acompanhava Mih, que estava no seu colo, com um suco. Que cena!
Minha filha veio falar comigo e já soltou: - Mãe, vou participar do campeonato de jiu-jitsu desse ano... - em um tom nada feliz
Fiquei surpreendida, porque ela sempre foi chamada e nunca quis, no futebol ela vai viaja com o time, ganha, perde, empata, nós acompanhamos torcendo e tudo. No Jj sempre foi diferente, mais por incentivo do pai, para não decepciona-lo ou até por inspiração. Milena é muito boa nos dois esportes mas o jiu-jitsu sempre foi algo que ela faz por respeito e não por amor.
- Mas você quer isso, amorzinho? - Perguntei
Ela acenou que sim com a cabeça e não me convenceu
- Tem dedo seu nisso, não tem? - Perguntei para o pai dela
- Faço parte da comissão dela agora - falou orgulhoso - conheço um talento quando vejo um, e nossa filha é!
- Faz parte da comissão AQUI? - Perguntei aflita
- Sim, estava até vendo com Júlia se ela me aluga o apartamento dela já que vou aparecer mais por aqui, pena que não está disponível
Na verdade estava disponível, sim, mas ela foi inteligente em dizer que não.
Novamente esse traste tentando uma aproximação forçada, usando Mih e ainda tinha o fato dela talvez estar fazendo algo por pura pressão.
Esperei ele ir embora para conversar com minha filha, questionei se ela realmente queria, deixei claro que ninguém iria obriga-la a participar. Ela não mudou de ideia mas não parecia nada animada com a competição.
Fiquei super estressada com isso e fui tomar banho, no final dele, Juh entrou no banheiro.
- Como você tá, amor? - Me perguntou
- Afff, estou com tanta raiva desse fdp, sempre querendo reaparecer, fazendo isso com Mih... - comecei a chorar de raiva
Me enrolei na toalha e ela me abraçou para me acalmar, fazendo um carinho de leve no meu rosto com uma mão e nas minhas costas com a outra, ficamos um tempo assim e deu certo, minhas emoções se reestabeleceram e fomos para o quarto.
- Conseguiu saber algo por ela? - Perguntei para Juh
- Não, só falou que vai tentar ganhar...
- Tenho certeza que isso é coisa dele, amor, você mesma já viu ela negar campeonato. - falei
- Eu espero muito que ele não tenha feito nenhuma chantagem ou pressão porque pode fazer mal para ela, e se fosse algo que Mih quisesse muito, a gente saberia, ela fica extremamente empolgada com essas coisas...
- Vou passar isso para a psicóloga dela... - falei
- É, e vamos continuar reforçando que ela só vai se quiser, é o que podemos fazer... - disse-me
Finalmente voltamos a sala, pedimos pizza para despistar o clima meio ruim que ficou e funcionou, contei sobre o que meu pai aprontou com a obra e as reações foram as melhores possíveis, minha mãe já sabia e agradeceu aos céus por eu não ter embargado os planos do coroa.
Já prontas para dormir, conversei com Júlia sobre a ideia do meu pai e ela curtiu, desde que, pudesse ajudar vendendo também o seu ap, mas concordamos que deveria ser um assunto tratado mais para frente porque nós não conseguiríamos dar conta de tanta coisa ao mesmo tempo.
Os dias foram passando, e iniciou o bendito campeonato, Milena dormiu com o pai então só a vimos quando chegamos no ginásio, minha filha estava uma pilha de nervos e foi só a gente se aproximar que ela começou a chorar.
- Eu tô com medo de perder e o papai ficar triste - falou nos meus braços
- Assim vocês não ajudam - falou o pai dela para a gente
Olhei para ele como quem diz: "é sério que essa é a sua preocupação agora?"
E ele tentou reverter: - Para de chorar, amor, você não vai perder!
Carreguei Mih e disse: - E se você perder, não tem problema, vão ter outros campeonatos para você ganhar se você realmente quiser competir. Ninguém vai ficar triste porque sabemos como você é talentosa e esforçada.
Ela foi se acalmando...
Juh tirou do braço uma xuxa personalizada, tinha escrito "Mih" e falou: Olha o que eu trouxe para você, vai te dar sorte!
- Não pode usar pulseira competindo! - se apressou em dizer o pai dela
- Não é pulseira, é para prender o cabelo - falou Milena animada
Juh prendeu o cabelo dela e mostramos a nossa que era igual com o nome dela.
- Ahhhh, e eu não ganho? - Perguntou o pai dela fingindo imã chateação
- Mas papai você nem tem cabelo pra prender assim - falou já rindo e indo para o seu colo
Nos despedimos, tínhamos que ir sentar no nosso lugar e eu pedi ao traste e rezei a Deus para que ele não estragasse o psicológico de minha filha por causa de uma luta.
Seriam quatro lutas, duas com direito a repescagem e duas que seriam mata-mata. A primeira ela não demorou muito, entrou, finalizou a outra garota e passou de fase, a segunda foi por contagem de pontos, a terceira foi a mais demorada, também por contagem, um verdadeiro teste para cardíaco porque ela iniciou perdendo e virou no final do tempo limite. Nessa ela correu para abraçar o pai, estava classificada para a final, conseguimos dar um beijinho nela porque ele a trouxe rapidamente, estávamos bem atrás da comissão técnica do time.
E a final... a adversária desistiu, Milena venceu e... odiou!
O pai dela jogava ela para cima, gritando, correndo e quando chegamos para comemorar também, ela dizia: - Como eu vou saber se eu sou boa mesmo se eu não ganhei lutando?
- VOCÊ É CAMPEÃ! VOCÊ É ÓTIMA! - o pai gritava orgulhoso
- Parabéns, meu amor - falei pegando a campeã no colo - para chegar na final você lutou muito então comemore sua vitória, você é ótima e eu não precisava de competição nenhuma para saber disso!
Ela começou a ficar sorridente e mais feliz
- Mih você arrebentoooou, parabéns, poderia me ensinar um pouco, não é? - disse Juh
- Eu te ensino, mamãe - falou animada
- Se você quiser, nosso time tem vaga para treino - falou o pai de Milena
- Naaaaao - disse Juh rapidamente - Mih dá conta, com certeza dá
- Tira o cavalinho da chuva, ô - falei também
Teve um mini pódio, com entrega de medalhas e depois fomos nós três tomar um sorvete para comemorar.
- Ainda bem que eu ganhei porque eu amo vir aqui - falou se lambuzando inteira com a casquinha de chocolate
- Eu acho que a campeã merece levar sorvete para casa também - disse Juh
- Ebaaaaaaaaaaa! - ela comemorou
- Tá bom então, campeã, sorvete para casa também! - concordei e dei um beijinho gelado nela
Próximo da sorveteria tem um parque aberto, e Milena pediu para brincar um pouco, deixamos.
- Amor, eu não sei se aguento ir novamente, não... Se aquela primeira finalização que Mih deu fosse nela, eu ia morrer do coração.
- É muito pega daqui, pega dali, não entendo nada, só sei que ganhou quando o juiz levanta a mão ou quando o técnico começa a comemorar.
Para a paz do coração de Juh e minha paz mental, depois desse dia, Milena nunca mais quis competir no jiu-jitsu. Que fique claro que se partisse da vontade dela, eu apoiaria e ficaria louca em cada campeonato, assim como é no fut, mas por pura pressão de terceiros em cima do meu pingo de gente com apenas 8 anos, nunca!
A obra da clínica estava indo muito bem, em algumas semanas seria finalizada e eu poderia levar o mobiliário que estava no ap de Juh por enquanto.
Mais três amigos iam trabalhar lá; eu e Carlos de psiquiatras e João e Laura de psicólogos. Laura é a colega entre eles que eu mais gosto porque ela tem uma grande responsabilidade: deixar a cabecinha do meu amor no lugar, rs!
Todos são grandes profissionais que eu já conhecia há anos, e confiava no trabalho. Infelizmente nessa área existem muitos picaretas, que se aproveitam da maior fragilidade humana em momentos extremamente vulneráveis. Nos conhecemos e aproximamos justamente por causa disso, nós também lutamos denunciando esses casos e espalhando informação de verdade por aí!
A clínica é uma realização pessoal mas também coletiva, estávamos muito entusiasmados com tudo e ansiosos para a inauguração que também se aproximava.
Obs 1: Mih tem a xuxinha até hoje, não usa mais no cabelo para não desgastar mas no braço sempre que precisa fazer algo importante ou quando sente medo em alguma situação. Quando Juh precisou fazer a cirurgia recentemente e também quando houveram as complicações, ela não tirava de jeito nenhum, mas em uma das visitas ela passou para o braço da mamãe dela e disse: - Vai te dar sorte!
Obs 2: Eu não sei os nomes técnicos das coisas referente ao jiu-jitsu, regras, golpes ou pontuação. Falei sob a minha perspectiva de mãe de jiujiteira. A única finalização que sei o nome é "Americana", em outro capítulo vocês entenderão o porquê, inclusive eu gostaria muito que o nosso amigo Victor pudesse chegar nesse, foi algo que eu disse a ele que contaria conversando nos comentários, mas tenho certeza que lá do céu ele ficará empolgado em saber.