Karina permaneceu ajoelhada, o coração em pedaços, a mente em completo caos. A devastação dentro dela era insuportável. Ela se levantou, tremendo, e saiu do escritório em um estado de choque. Cada passo que dava parecia mais pesado, como se estivesse caminhando em direção a um abismo. Ela sabia que sua vida, como conhecia, havia terminado.
Debaixo de dor e lágrimas, arrumou suas malas e com sofrimento agonizante vagou pela casa arrastando a bagagem pela casa. Despediu-se da filha prometendo que logo voltaria a vê-la, mas as circunstâncias incertas a faziam duvidar das próprias palavras. Com a mala pesada na mão e o coração ainda mais pesado no peito, Karina saiu pela porta da frente, tentando manter-se firme. Cada passo parecia um esforço monumental, suas pernas trêmulas pela intensidade das emoções. Ao atravessar o portão, seus olhos se ergueram involuntariamente, e ela viu uma figura familiar à distância, na esquina do quarteirão.
Bernardo estava lá, esperando por ela. Ele não deveria estar ali, mas parecia que o destino havia conspirado para colocá-lo em seu caminho naquele momento crucial. Seu rosto estava sombrio, uma mistura de culpa, preocupação e uma determinação silenciosa. Karina hesitou por um momento, o choque da situação misturando-se com uma onda de alívio ao vê-lo. Seu coração ainda o via como um porto seguro em meio ao caos. Era uma contradição dolorosa, mas naquele instante, ela precisava de qualquer apoio que pudesse encontrar.
Bernardo deu alguns passos em sua direção, a expressão no rosto suavizando ao perceber o estado dela.
— Karina — ele começou, a voz baixa e cheia de emoção.
— Bernardo, eu... não sei o que fazer.
Ele se aproximou mais, seu olhar firme e sincero.
— Eu sei que tudo isso é um inferno, mas eu estou aqui para você.
Karina sentiu uma pontada de esperança. Ela ainda estava magoada e desconfiada, mas a presença de Bernardo, alguém que conhecia seus medos e suas fraquezas, oferecia um conforto inesperado. Ela assentiu encontrando conforto em seus braços.
— Vamos sair daqui — disse ele.
Karina entrou no apartamento de Bernardo, sentindo-se exausta, olhos fundos e vermelhos e face rubra de tanto chorar, estava emocionalmente devastada. Bernardo, percebendo o estado dela, sugeriu:
— Por que você não toma um banho para relaxar? Vou preparar algo para você comer.
Ela assentiu, agradecida, e dirigiu-se ao banheiro. Lá dentro, o vapor quente logo começou a preencher o ambiente enquanto Karina deixava a água correr sobre seu corpo. A sensação da água quente proporcionava um alívio momentâneo, mas sua mente não conseguia escapar das turbulências do dia. Ela pensava em Augusto, na frieza com que ele a expulsara de casa, e no medo que sentiu ao saber que poderia perder Alice. As lágrimas novamente rolaram e se misturavam à água do chuveiro enquanto lembrava do rosto impassível do marido. Bernardo, por outro lado, era um misto de conforto e confusão. Ela havia encontrado algum alívio em seus braços, mas as complicações que ele trouxe para sua vida eram inegáveis. A dúvida a corroía.
Enquanto esfregava o cabelo, o barulho da água abafava os sons externos, e Karina permitiu-se um momento de vulnerabilidade total. Seu corpo tremia levemente, não só pelo cansaço físico, mas pela montanha-russa emocional que estava vivendo. "Como cheguei a esse ponto?" pensava, tentando entender onde tudo começou a desmoronar. Ela sabia exatamente. O fascínio pelo aluno brilhante a deixou de guarda baixa que a vez se render aos encantos do rapaz.
De repente, algo cortou seus pensamentos. Karina ouviu uma voz abafada vinda do outro lado da porta. Era a voz de Bernardo, e ele parecia estar ao telefone. Ela reduziu o volume do chuveiro, inclinando-se para escutar melhor.
— Ela já está aqui. Pode vir quando quiser — disse Bernardo, sua voz baixa e urgente.
O coração de Karina disparou. Ela sentiu uma onda de pânico tomar conta de seu corpo, seu instinto dizendo-lhe que algo estava terrivelmente errado. "Quem ele está chamando? E por que só agora?"
Desligando o chuveiro rapidamente, ela se enrolou na toalha e saiu do boxe, sua mente correndo com possibilidades. Ao se enxugar, sentiu a urgência de se preparar para qualquer coisa que pudesse acontecer. Vestiu-se com uma das poucas roupas que conseguira levar na mala, tentando manter a calma.
Abrindo a porta do banheiro silenciosamente, ela ouviu Bernardo ainda conversando, a voz agora um pouco mais alta e mais clara.
— Sim, pai, até daqui a pouco.
Aquela última frase foi um golpe no estômago de Karina. Seu pressentimento se confirmou. Ela sentiu a traição novamente, dessa vez cortando ainda mais fundo.
Tentando controlar a respiração e as lágrimas que ameaçavam transbordar, Karina sabia que precisava agir rapidamente. Ela não podia ficar ali, esperando para ser pega na armadilha que Bernardo e Alberto estavam preparando.
Com passos firmes e silenciosos, ela se dirigiu à porta da frente, a mente a mil enquanto buscava uma maneira de escapar sem ser notada. Sentia-se mais vulnerável do que nunca, mas também determinada a não se deixar vencer pela traição que a cercava.
Karina avançou sutilmente para a porta da frente, mas ao tentar abrir, percebeu que estava trancada. O coração dela acelerou, e o pânico se instalou. Ela virou-se rapidamente para confrontar Bernardo que saía da cozinha.
— Você me trancou aqui? — sua voz tremeu de raiva e desespero — Você e seu pai... vocês estão planejando algo, não estão? Eu ouvi tudo! Você me enganou esse tempo todo e eu caí igual uma idiota… de novo!
Bernardo, que ainda segurava o telefone, desligou abruptamente e levantou as mãos em um gesto de apaziguamento.
— Karina, calma. Não é o que você está pensando. Eu estou tentando te proteger.
— Proteger? De quê? De quem? — gritou, sua voz carregada de dor e traição — Você está trabalhando com Alberto para destruir minha vida! Você me usou!
Bernardo deu um passo à frente, sua expressão era de genuína preocupação.
— Karina, por favor, me escuta. Eu juro que não vou deixar nada de ruim acontecer com você. Eu estou tentando encontrar uma maneira de parar tudo isso. Eu me importo com você!
— Não acredito em você! Eu não posso mais acreditar em ninguém!
As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Karina enquanto ela recuava, sentindo-se encurralada.
— Você e seu pai só me trouxeram sofrimento. Você nunca se importou de verdade!
Ela correu em direção ao quarto de Bernardo, o único refúgio que lhe parecia disponível no momento. Trancou a porta atrás de si e encostou-se contra ela, tentando segurar os soluços que agora vinham em ondas incontroláveis. Do outro lado, Bernardo começou a bater na porta com força.
— Karina, abre a porta! Por favor, precisamos conversar. Eu sei que você está com medo, mas eu realmente quero te ajudar. Deixe-me explicar!
Mas as palavras de Bernardo soavam vazias para Karina. Ela deslizou para o chão, abraçando os joelhos e deixando as lágrimas fluírem livremente. Sentia-se presa em uma teia de mentiras e manipulações, sem saber em quem podia confiar. O peso da traição de Bernardo, que ela pensava ser seu confidente e aliado, esmagava seu coração.
Do lado de fora, Bernardo continuava a bater, sua voz cheia de frustração e desespero.
— Karina, por favor! Não fica assim. Eu só quero te proteger. Eu prometo que vou resolver isso. Só abre a porta e me deixa te explicar.
Mas Karina não conseguia mais ouvir. Cada batida na porta parecia um martelo em seu coração já frágil. Ela sabia que precisava encontrar uma maneira de sair daquela situação, mas, por enquanto, tudo o que conseguia fazer era chorar e tentar entender como sua vida havia se tornado esse pesadelo.
Da janela do quarto, ela observava a rua com os olhos embaçados pelas lágrimas. Foi quando o viu: Alberto, caminhando decidido em direção ao portão do prédio. O coração de Karina disparou, e o desespero que sentia cresceu exponencialmente. Sentia-se encurralada, como um animal em uma armadilha sem saída. Uma medida desesperada passou por sua mente. Ela olhou para a janela e, em um instante, a ideia de abrir e lançar-se do terceiro andar parecia ser sua única saída. Imaginou-se caindo, voando para longe daquele tormento e daquela dor, escapando de uma vez por todas. Seria como um pássaro escapando pela porta da gaiola aberta, livre das grades que a detinham. Tomada por essa visão, Karina se levantou e foi até a janela. Abriu-a, sentindo o vento tocar seu rosto molhado pelas lágrimas. Seus pensamentos estavam caóticos, a confusão e o desespero nublando seu julgamento. Respirou fundo, pronta para se entregar ao abismo.
Quando seus olhos focaram novamente na rua, viu várias viaturas estacionando em frente ao prédio. Dezenas de policiais emergiram dos carros, movimentando-se rapidamente em direção à entrada do edifício. Um S90 estacionou logo atrás e Victor saiu imponente acompanhado de mais meia dúzia de policiais.
As vozes furiosas e os comandos cortantes dos policiais dentro do prédio se misturavam com os gritos de Alberto e Bernardo. O tumulto se intensificou rapidamente, culminando em uma troca de tiros. Os estalos agudos das balas reverberavam pelas paredes, cada tiro ressoando como um golpe direto em seus nervos já desgastados. Instintivamente, Karina se atirou no chão, cobrindo os ouvidos com as mãos. Ela tremia, seu corpo encolhido em uma tentativa desesperada de se proteger. As lágrimas voltaram a escorrer pelo seu rosto enquanto sua mente corria com pensamentos aterrorizantes. O tiroteio parecia durar uma eternidade. Cada segundo esticado pela adrenalina que inundava seu corpo. Sua respiração era curta e entrecortada, o medo tornando difícil o simples ato de respirar.
De repente, um silêncio pesado caiu sobre o ambiente.
O barulho dos tiros cessou, mas o eco deles ainda vibrava nos ouvidos de Karina. Ela permaneceu imóvel, os olhos fechados com força, como se isso pudesse afastar a realidade cruel à sua volta. Tentou ouvir além da pulsação frenética de seu próprio coração, buscando qualquer sinal de que o pesadelo tivesse chegado ao fim.
Ela ouviu passos pesados se aproximando do quarto, seguidos por um bater firme na porta. Karina não conseguia mover-se, paralisada pelo medo. A voz autoritária de um policial irrompeu o silêncio.
— Senhora, abra a porta! Está tudo bem agora. Estamos aqui para ajudá-la.
Karina abriu os olhos, o medo lentamente se misturando com um lampejo de esperança. Ela se levantou com dificuldade, suas pernas trêmulas lutando para sustentá-la. Caminhou até a porta e, com mãos trêmulas, girou a chave na fechadura. A porta se abriu revelando um policial com uma expressão séria, mas gentil. Karina desabou em lágrimas, sentindo um misto de alívio e exaustão. O pesadelo parecia finalmente estar chegando ao fim.
Karina saiu do quarto e se deparou com um cenário devastador. O apartamento estava irreconhecível, como se uma guerra tivesse ocorrido ali. Móveis virados, cacos de vidro espalhados pelo chão, e, no meio de tudo, o corpo de Alberto jazia inerte sobre uma poça de sangue se formando ao seu redor.
Policiais vasculhavam cada canto, revirando tudo em busca de evidências. O som de suas vozes e dos rádios comunicadores preenchia o ambiente. Seu olhar foi atraído por Bernardo, que estava sentado no chão, encostado na parede. Ele havia levado um tiro de raspão no lado e estava sendo amparado por um dos policiais. Sua expressão era uma mistura de dor e alívio ao ver Karina sair do quarto ilesa. Seus olhos se encontraram, e por um breve momento, Karina viu a genuína preocupação e arrependimento no olhar de Bernardo.
Victor entrou no apartamento, desviando-se do corpo de Alberto com uma expressão sombria. Ele estava ao telefone com Augusto, a voz baixa e urgente. Ao ver Karina, ele fez um sinal para que ela esperasse um momento.
— Ela está bem, sem ferimentos e segura, Augusto — confirmou Victor ao telefone, com os olhos fixos nela.
Karina sentiu um alívio momentâneo ao saber que estava segura, mas a realidade da situação ainda pesava sobre ela. Ela olhou ao redor, tentando processar tudo. As traições, os segredos, e agora a morte de Alberto.
Ela se aproximou lentamente de Bernardo, que continuava a ser atendido pelo policial. Ele tentou sorrir para ela, mas a dor era evidente.
— Eu sinto muito, Karina. Eu nunca quis que isso chegasse a esse ponto — disse Bernardo, a voz fraca.
Karina não sabia o que responder. A dor e o tumulto dos últimos dias tinham sido insuportáveis. Tudo o que ela queria agora era um momento de paz, longe de toda a loucura que sua vida havia se tornado. Victor encerrou a ligação e se virou para Karina, colocando uma mão gentilmente em seu ombro.
— Vamos levá-la para um lugar seguro, Karina. Precisamos esclarecer tudo isso, mas agora você precisa descansar e se cuidar.
Karina assentiu, deixando-se guiar por Victor. Enquanto saía do apartamento, o peso da situação finalmente começou a se assentar em sua mente. Ao sair do prédio e passar pelo portão, Karina avistou Augusto. Ele parecia exausto, mas seus olhos estavam cheios de preocupação e alívio. Quando a viu, ele veio rapidamente em sua direção e a abraçou forte. Karina, envolta pelo calor e segurança do abraço de Augusto, rendeu-se aos prantos, a tensão e o medo dos últimos dias finalmente transbordando.
— Me perdoa, Augusto, por favor, me perdoa — disse ela, as palavras saindo em meio aos soluços.
Augusto segurou seu rosto entre as mãos, olhando-a nos olhos com uma expressão séria, mas terna.
— Karina, eu sabia o que estava acontecendo — começou ele com a voz firme — Victor tinha me procurado me contando das ameaças que ele vinha sofrendo. Descobrimos que era Alberto Lemes quem estava por trás de tudo. E quando descobri você estava sendo chantageada e que havia câmeras escondidas em nossa casa, percebi que poderia usar isso para atrair Alberto para uma emboscada. Precisava ser convincente para fazer ele acreditar que estávamos nos divorciando e que você estava sendo expulsa de casa. Por isso, Bernardo já estava de prontidão na esquina para levá-la para o apartamento dele.
Karina olhou para ele, a compreensão lentamente se assentando em sua mente e agora todas as peças se encaixaram. Ela sentiu um peso enorme ser retirado de seus ombros. Embora a dor das traições e das ameaças ainda fosse intensa, saber que Augusto estava ao seu lado, lutando para protegê-la, trouxe um alívio imenso.
— Eu só queria proteger você e nossa família, Karina — continuou — E agora, finalmente, podemos começar a reconstruir nossas vidas.
Fim