XXVIII
Acordar na cama do Betão com seu cheiro tão próximo de mim. Foi uma situação no mínimo inusitada.
Ele dormiu em cima de um edredom no chão, o rosto sereno, os braços largados, as pernas também largadonas tomando todo o espaço no chão e entrando por baixo das camas.
Eu estava com uma perna caída dormente. Meus dedos tocavam o chão gelado e por isso acordei. Eu levantei antes de ele abrir os olhos.
"Talvez a experiência de ontem tenha feito o trabalho por mim e ele tenha visto que não sou a pessoa indicada para ajudá-lo", pensei, e não senti alivio ao formular isso, "eu gostei...".
Mas assim que pisei os pés na rua, recebi uma mensagem do Betão dizendo "vamos fazer de novo?", e durante o restante do dia, tudo que fiz, tudo que lembro de ter feito mesmo, foi esperar.
A segunda sessão aconteceu na noite seguinte.
Betão mais uma vez me ajudou a escapar de Juarez que vivia me cercando querendo mamadas e fodidas que eu não estava afim de ceder.
- Você quer aquela música de novo? - inqueri.
Ele deitou em cima de um tapetinho no chão apoiando a cabeça em um travesseiro, enquanto eu passava óleo em suas costas e deslizava com minhas mãos por seus músculos das costas.
- Pode ser a mesma?
Eu acionei o play em "Che gelida manina", e emendei em uma pergunta boba mas que veio a minha mente.
- Em quem foi seu primeiro beijo?
"Isso é tão adolescente Yuri..." me censurei enquanto ele ronronava e respondia:
- Nossa não faço ideia, você sabe o seu?
Ele respondia entre arfadas e arquejos com os olhos fechados relaxando sob minhas mãos. Era gostoso tê-lo assim mole como por efeito direto de meus dedos em sua pele untuosa. Alegre, respondi:
- É claro que sei, - sorri - acho que pertenço a uma classe de gays em extinção. Lembro do primeiro menino que me apaixonei. Lembro do primeiro beijo entre homens que eu vi.
Betão fazia uma caras e bocas de desagrado mas não dizia nada enquanto eu falava isso.
- Aposto que meu irmão não lembra de porra nenhuma.
Ele reclamou porque passei o punho fechado em cima de um nodo próximo a linha da sua coluna.
- Ele mesmo contou a vocês que era gay? - emendei no assunto.
- É mais ou menos isso... - Eu tou molão... - ele disse sorrindo aliviado.
- Ah que bom, - falei rindo - meus pulsos estão doloridos isso sim. Você é duro.
Ele não conseguiu conter uma gargalhada franca. Eu saí de cima das suas costas movendo os pulsos em movimentos circulares em frente ao meu rosto.
- Eu já saquei que isso tudo é uma enrolação Yuri, - ele disse de repente - mas você sabe fazer uma massagem e me deve isso já que mentiu.
- Eu estava tentando ajudar.
Ele segurou meus pulsos e massageou com os polegares dele. Suas mãos quentes e calosas criaram arrepios por meus braços.
- Eu sei, eu sei, e é bom poder falar sobre isso com alguém...
- Você é tão cheio de amigos, por que não fala com eles oras?
- Tá de brincadeira? Os caras só querem saber quantas xotas tu fodeu.
- Eita Betão, tu é muito dramático.
- Não sou não cara, - ele sorriu - não vai se ofender mas por você ser gay, é mais fácil para mim falar sobre esse assunto.
- Por que estamos falando baixinho?
Ele sorriu.
- Eu também queria saber - disse baixinho.
- Você já tentou procurar um médico de verdade?
- Não preciso de médio... - ele parou. - Pronto, já chega de massagem por hoje.
Eu estava mesmo ressonando e com os olhos cansados de sono, até meio vesgo, Betão olhava para mim com um sorriso meio frouxo nos lábios.
- Que foi? - perguntei.
- Sua cara de sono. Vai dormir vai.
Eu sacodi a cabeça achando um desafio dizer que eu estava com sono, "não estou com sono porra nenhuma".
- Vamos ao que interessa, - falei sério - e as mulheres cara, tá saindo com alguém?
Ele se empertigou juntando as sobrancelhas e enchendo o peito, passou a mão na nuca.
- Você me pegou, - ele disse - acho que estou gostando de uma pessoa.
- Isso é muito bom! - eu disse sincero. - Mostra que você ainda pode não é?
- Meio que acho que sim...
A música havia terminado. Betão deitou-se sobre o punho e ao cotovelo no chão, ele usava cueca e short folgado o que não permitia ver seu volume. Na real, eu nem pensava muito nisso enquanto estávamos conversando, o tempo passava depressa.
Betão levantou-se para tomar banho e eu deitei na cama pensando feliz que eu estava formando um laço de amizade com meu parceiro de quarto. Várias vezes acontecia de rirmos de alguma coisa, e eu nem sabia do que estávamos rindo mesmo.
Como idiotas.