CAPÍTULO 10: Ninguém está aqui para dormir - FINAL

Um conto erótico de Novatinho
Categoria: Gay
Contém 26909 palavras
Data: 16/08/2024 02:30:41
Última revisão: 21/10/2024 00:32:04

Capítulo revisado. Versão definitiva, sem romantização literária.

Aqui estão os quatro capítulos que condensei de forma mais vaga e poética na primeira publicação. Além disso, gostaria de avisar que alguns leitores mais sensíveis podem se sentir incomodados em determinados momentos. Foi um desafio escrever este material, mas espero que a leitura seja agradável.

Como agradecimento a todos que me acompanharam, trago o que há de melhor no desfecho desta história. Desta vez, deixo a vocês a responsabilidade de decidir sobre a veracidade dos fatos apresentados.

***

CAPÍTULO 10 - PARTE I

AS JANELAS DE LÉO – 1 / 5

Enquanto as palavras de Léo ainda estavam frescas em minha mente, vi-o dar as costas e desaparecer sob a superfície da piscina. A serenidade que ele exibia parecia forçada, e a graça dos seus movimentos na água tinha uma desesperança oculta. Cada braçada era como um esforço para esquecer, cada respiração, uma tentativa de aliviar o peso que carregava. Seus pensamentos pareciam mais profundos que seu próprio mergulho.

Pensei no que tínhamos passado juntos, suas esperanças de futuro que um dia compartilhou comigo. As lembranças específicas de como suas escolhas afetaram sua vida voltaram à tona. Pesava muito sobre ele, e mesmo para mim era difícil entender completamente sua posição. O desejo de recomeçar era evidente, mas percebi que, antes de seguir em frente, ele precisava lidar com suas incertezas emocionais e eu com as minhas.

— Você pode vir até aqui, Léo? Vamos conversar, irmão. - Minha voz cortou o silêncio que se formara entre nós. Léo lançou-me um olhar frio, quase indiferente.

— Léo, por favor, precisamos pensar com calma. — Insisti, frustrado com seu desinteresse. Ele parecia já ter decidido, mas algo em mim queria uma solução pacífica.

¬Léo continuava mergulhando e emergindo, enquanto eu, parado na chuva, sentia-me cada vez mais impotente. Seus olhos eram janelas para uma verdade que eu ainda não compreendia. Queria compartilhar algo importante, mas seus sentimentos eram um emaranhado que dificultava nossa conexão. Eu vacilava entre tentar compreendê-lo e lidar com minha própria frustração.

Era absurdo como a raiva borbulhava em mim, tão intensa quanto a dele. Havia tanto a ser feito, mas o tempo parecia escasso. Não podia ceder à exaustão; precisava agir, romper a barreira emocional que nos afastava. Era hora de ser mais do que mero espectador da minha vida, de lutar por algo melhor naquele dia.

¬- Você não precisa disso. Você é mais do que isso. Pensa um pouco. - Falei, esperando que minhas palavras abrissem caminho através de suas defesas.

Embora quisesse ajudá-lo, minha voz soava desanimada, o que me fez hesitar. Sentei-me à beira da piscina transformada por Léo em seu domínio intransponível.

Poucos segundos depois, ele parou em um dos cantos da piscina. Tentou me encarar, mesmo com a chuva obscurecendo nossa visão. Aproximou-se, a voz acompanhada de um sorriso triste: — Pedro, eu já pensei com calma. Todos os dias. Não dá... preciso fazer isso por mim.

Ouvi suas palavras com descrença, pois nem ele parecia certo de suas ações. Sua voz oscilava entre resolução e vulnerabilidade.

Enquanto ele falava, suas palavras incertas sugeriam que uma reconciliação com Caio poderia ser a chave para o que ele estava enfrentando. Talvez fosse seu desejo reencontrar essa amizade, seu orgulho escondido. Um acerto que, se conduzido com cuidado, poderia ser possível.

— Sei... te entendo, Léo... Posso ajudar? — perguntei, sentindo que finalmente minha oferta de ajuda poderia fazer sentido.

Léo levantou as sobrancelhas, surpreso. — Ajudar? - Havia um pedido não dito em sua pergunta.

— Sim, ajudar. Somos amigos, certo? — Sorri, tentando aliviar a tensão.

Eventualmente, Léo cedeu. Saiu da piscina, pingando não apenas água, mas sua necessidade de quebrar as janelas que o isolavam em medo e orgulho.

Ao ficar em pé ao meu lado, um breve silêncio se instalou, enquanto as gotas de chuva nos conectavam àquele momento significativo. Sua postura indicava decisão, mas ainda vulnerabilidade, uma batalha interna que era invisível.

— A única certeza que tenho é que... talvez pareça idiota... - A insegurança em continuar era tão grande quanto a minha em estar preparado pra escutar. - Você... me freia, tá ligado? E isso é muito foda.

Aquilo me tocou seriamente. A idéia de ser uma âncora para ele, em momentos em que tudo parecia interminável, era assustadora e esperançosa ao mesmo tempo. Como a mão hesitante, ele a estendeu a mim e logo a segurei e o cumprimento, tão comum de pessoas usadas diariamente, logo foi substituído por um breve abraço curto porem firme. Caminhamos em direção ao quarto, determinados a buscar uma solução melhor que não envolvesse os absurdos que necessariamente haviam passados em sua mente.

Estávamos prestes a entrar em um território desconhecido, guiados pelo desejo de reescrevermos o que parecia ser um final amargo. Sabia que juntos lutaríamos para dar o melhor de nós.

Suas janelas estavam se quebrando, mas um pensamento fugaz cruzou minha mente: eu conhecia o homem que ele queria ser. Mas será que eu realmente conhecia o homem que ele era agora? Quanto peso Léo carregava sozinho, sem que eu pudesse alcançar? Esses pensamentos me acompanharam, trazendo à tona a complexidade de nossas vidas e a imprevisibilidade das escolhas que ainda teríamos que enfrentar.

***

TEORIA DO SILÊNCIO – 2 / 5

Eu o acompanhei em silêncio, hesitante sobre como persuadi-lo; qualquer palavra parecia fora de lugar. Eu ansiava por um confronto de ideais. Ele, talvez, por um guia. As notas confusas em nossas mentes pareciam finalmente encontrar uma harmonia. O silêncio tornou-se, aos poucos, uma melodia de solidariedade.

Sentamos à beira da cama, tão próximos que o ar entre nós parecia ter vida própria, carregando palavras não ditas. Nossas mãos, descansando uma sobre a outra, pareciam medir a temperatura entre nós. Léo estava perdido em pensamentos, oscilando entre descrença e esperança em relação a Caio.

A iluminação fraca do quarto, combinada com o som distante da chuva, nos cercava de sombras que pareciam refletir nosso estado interior. Permanecemos lado a lado, parados, mas já tendo saído do ponto de partida.

Eu esperava uma brecha para falar, quando ele me olhou e sorriu. Compartilhamos um sorriso espontâneo, um raro momento de leveza, que aproveitávamos. O silêncio deixou de ser um medo após alguns minutos.

O toque do meu celular quebrou nossa bolha; era meu pai ligando. Atendi a chamada, tentando tranqüilizar Léo com um olhar. Enquanto escutava atentamente meu pai, Léo se concentrava em decodificar minhas reações.

— Ei, coroa! — Tentei ao ouvir meu pai concluir, mas já havia encerrado a chamada.

— O que foi? — Léo perguntou um tanto assustado em sua voz.

— Ia só dizer a ele que a gente estava por aqui quando eles chegassem. Para destrancar a porta da cozinha para gente... — voltei e me sentei ao seu lado novamente. Enviar uma mensagem seria a melhor maneira de restaurar o silêncio que estava nos fazendo bem.

Enquanto digitava, alternava o olhar entre o celular e ele, balançando a cabeça sem parar como um "João Bobo". Léo me olhou seriamente antes de perguntar:

— E o que foi que ele disse? Eles estão vindo já? E o camarada lá? — Sua pergunta, apesar de marcada por seriedade, tinha, ao meu ver, sinais de preocupação, mesmo que distante com Caio.

— O Luiz tá lá com eles. Estão vindo daqui a pouco. Parece que estão resolvendo alguma coisa lá, mas estão vindo... — tentei encerrar, mas seu olhar me forçava a continuar. — Meu pai está preocupado com Caio, vai dizer ao Luiz que se sentiria melhor que ele dormisse no térreo com a gente.

— Por quê? Ele não já está melhor? — Léo interferiu ansioso para que eu fosse mais ligeiro com as palavras.

— Ele só quer que ajudar. Acho que ele pensa que Caio pode querer usar sabe?

— Seu pai é assim com todo mundo? – A preocupação com Caio parecia incomodar Léo.

Eu acenei com a cabeça, ainda omitindo o principal. Levantei-me para pegar água, o som dela enchendo o copo alinhou meus pensamentos. Léo, distraído em suas próprias teorias, aceitou o copo com um aceno. O momento pedia uma quebra do silêncio.

Coletei os copos vazios, sentindo que era hora de discutir o que nos preocupava. Sentei-me novamente, decidido a abordar a questão. Depois que eu tivesse certeza do que poderia acontecer e de como eu poderia influenciar, eu decidiria o que falar para ele. Mas me conhecendo bem, acho que, independentemente do rumo da conversa, minha escolha teria sido a mesma.

Com um suspiro sutil, virei-me para Léo, enquanto ele encarava a chuva que tamborilava contra a janela. — Léo, — comecei, hesitante. — Você acha que, depois de tudo, você e o Caio... você acha que vocês podem voltar a ser o que eram?

Ele permaneceu em silêncio por um momento, os olhos fixos à distância. Eu o imaginava revivendo memórias antigas entre eles.

— Não sei, Pedro, de verdade. — Resolvi deixá-lo preencher a resposta após um silêncio necessário. — Às vezes sinto que tem coisas que a gente pode perdoar, mas... não sei se consigo. — Respondeu ele, a voz soando distante, quase sonhadora, como se estivesse falando mais para si mesmo do que para mim.

Refleti sobre o que ele dissera, lembrando de como ele conseguiu descrever para mim Caio como um irmão, alguém com quem dividia sonhos e planos. Eu poderia ser ingênuo, mas ninguém conseguiria fazer uma descrição tão profunda, a ponto de me gerar ciúmes, de uma amizade que deixou de valer a pena.

— Mas você já pensou no que tinham antes? Na praça de esportes, nas noites de jogos no celular? — Insisti, tentando entender se ainda via um caminho de volta para tudo aquilo. — Eu sei que ele errou, mas se conversar direito a gente pode conseguir entender ele também.

Léo soltou um suspiro pesado, e pude ver uma expressão mista de saudade e amargura em seu rosto. Parecia que ele via verdade em minha reflexão.

— No início, tudo parecia tão fácil... tinha apoio, sabe? A gente se entendia só com um olhar. — Ele fez uma pausa, perdido em suas lembranças. — Mas é difícil colocar tudo de volta no lugar... ele sabe o quanto eu queria sair do grupo. Como posso confiar de novo?

A pergunta me deixou sem argumentos por alguns segundos, mas eu senti a profundidade de seu dilema. Voltar à amizade seria difícil, pois ela envolvia confiança que eles compartilhavam. E se recuperar a amizade não fosse necessariamente a saída? Os conflitos de Léo sempre foram sobre si mesmo. Sobre como sua imagem espelhava para os outros. Mesmo sem saber disso naquele momento, argumentei do jeito que sentia que era o certo.

— Eu entendo demais esse homem, sabe? Mas e se você não focasse na sua amizade? Alguma coisa pode sair de bom, né? — Sugeri, dentro de mim já sabia pra onde eu iria se houvesse hesitação. — Vocês passaram por muita coisa juntos. Tem que ter pelo menos um final sadio, sem peso.

— Será? — murmurou, parecendo ponderar. A batalha entre raiva e desejo de paz não parecia mais tão distante. — Mas eu preciso saber de Caio por que ele fez isso comigo.

— Você acha isso tão importante? Mesmo sabendo que não vai voltar a amizade?

— Como assim? — Ele pareceu curioso sobre minha forma de pensar.

— Léo, veja só, cara. — Dobrei a perna na cama para focar em seu rosto, ele me acompanhou e ficamos de frente um para o outro. — Se você souber. Se Caio realmente te falar o porquê de tudo isso... você acha que vai ficar satisfeito, seja a justificativa dele boa ou não?

— Pedro, mas e eu como entro nisso tudo? — Perguntou implorando para que eu o convencesse de algo. — Como eu vou lidar sabendo que fui usado? Vou seguir assim? Sabendo que fui um otário?

— O que você tem a ver com isso, homem? Você sabendo ou não da verdade, você acha que vai mudar o que vão pensar de você?

— Não, né? Mas pelo menos não vou errar de novo.

— Eu acho que a gente sempre erra. Pelo menos às vezes o erro pode ajudar a conhecer algo melhor. - Ele aprofundava mais seu olhar em mim. Enquanto eu tentava mostrar para ele o óbvio sem precisar verbalizar, mas sua fragilidade e sua autoestima precisavam daquilo.

— Acho que o perdão é o melhor para você, sabia? - Resolvi falar. Não era o certo, pois ele precisava encontrar sua própria força, mas eu ia adivinhar naquela época e no calor do momento?

— Perdoar? Assim acho que não consigo não, Pedro...

— Consegue sim. E pelo que já ouvi falar, faz bem à pessoa. —Interrompi mesmo com a voz falhada.

- E Caio não vai pedir perdão a mim, Pedro. Isso eu sei. Não sei nem como perdoar ele.

Eu silenciei novamente e vi que talvez ele não fosse a melhor resposta naquele momento, então resolvi falar algo que nunca falei pra ninguém. Algo que só eu e meu pai sabia sobre mim. — Eu perdoei uma pessoa sem nem saber o que é perdão.

— Quem? — Léo perguntou sussurrando; talvez temendo ser algo difícil para mim.

— Minha mãe. — Comecei enquanto ele via incrédulo minha espontaneidade. — Ela deixou a gente faz muito tempo, Léo. Nem lembro o rosto dela e não olho as fotografias que meu pai deve guardar em algum lugar.

— Vixe, Pedro. Deixa quieto, cara. Vamos mudar de assunto. – O rosto dele parecia temer ouvir muito mais do que a mim falar.

— Calma aí, Léo. Eu te escutei desde ontem, várias vezes, senti sua dor, senti cada palavra sua pedindo ajuda. – Falei calmo, sem parecer que estava cobrando uma recompensa. Ele Pareceu entender.

- Você ta certo... eu tenho que te ouvir. Deve ser difícil pra você isso aí.

- Você entendeu errado, cara. – Toquei em seu ombro. - Eu não preciso falar isso e não é difícil pra mim.

- E por que tocar nesse assunto, Pedro? – ele notavelmente estava sem entender nada.

- Por que acho que você deve perdoar Caio, cara.... E se eu te contar isso sobre mim vai te ajudar a entender por que é a melhor forma.

Léo baixou a cabeça envergonhado e, em silêncio, pediu para eu continuar.

Eu já não queria mais medir palavra nenhuma. Precisava ser espontâneo, mesmo que isso significasse abrir uma janela minha que eu havia fechado há muito tempo. E seja lá o que acontecesse, eu teria sido fiel a mim mesmo.

***

AS JANELAS DE PEDRO – 3 / 5

“Depois que minha mãe deixou a gente, meu pai precisou contratar uma moça para que eu pudesse conseguir dormir. A secretária passou a chegar mais cedo para abrir a porta do meu quarto, antes de eu acordar, para que eu não sentisse medo, pois a moça ia embora depois que eu adormecia”. Enquanto contava isso para Léo, senti minhas mãos se agitarem nervosamente e passei-as pelo cabelo, tentando afastar as lembranças.

— Quantos anos você tinha? — Léo perguntou, inclinando-se para frente, atento.

— Uns seis, acho. — Respondi, olhando fixamente para o chão por um momento. — Meu pai fez isso porque eu tinha medo do escuro. Todo dia era igual e, nessa época, ele trabalhava durante o dia. Eu acordava e a porta do quarto estava aberta, só a secretária estava por lá.

Léo assentiu devagar, e vi a compreensão em seus olhos. — Deve ter sido difícil. Você ficava sozinho?

Respirei fundo, apertando as mãos contra os joelhos. — Sim, mas teve uma noite... acordei na madrugada com muito medo. Foi a primeira vez que vi a escuridão sem ninguém por perto. Acabei indo até o quarto do meu pai. Parei na porta quando o ouvi chorar...

Léo arregalou os olhos, surpreso. — E o que você fez?

— Quando ouvi o som da garrafa, percebi que ele estava bebendo e me escorei na parede do lado de fora. Ele nunca me viu. — Dei de ombros, mas meus dedos não paravam de se mexer.

— Você foi lá outro dia? — Léo inclinou a cabeça, parecendo preocupado.

Assenti. — Sim, toda madrugada. Às vezes ele estava dormindo, mas eu ficava lá. Até que um dia... o choro dele era tão baixo, tão silencioso... parecia que a dor dele tinha atravessado a porta.

— Por que você diz isso? — Ele perguntou, sua voz suave, quase um sussurro.

— Porque eu não aguentei nesse dia. Acabei chorando alto. Tão alto que ele escutou mesmo com o som ligado. Ele desligou o som e quando me viu ali sentado, de cabeça baixa e chorando como ele nunca me viu, me abraçou e choramos juntos. Eu pedia várias vezes para ele não chorar pela mamãe...

Léo ficou em silêncio por um momento, absorvendo tudo. Finalmente falou: — Eu nem imaginava que você tinha passado por isso.

— Ele chorava e pedia para eu parar porque aquilo estava doendo muito nele...

— Você conseguiu parar, Pedro?

— Eu lembro que eu disse para ele que nunca mais ia chorar se ele prometesse não chorar mais por ela. — Lembrei-me do sorriso aliviado do meu pai. — Ele prometeu junto com um abraço tão forte que às vezes eu ainda sinto seu aperto em mim.

— Pedro... — Léo pegou minha mão de cabeça baixa. — Você é muito forte.

— Não, Léo. Eu preciso ser, cara... — Fiz sinal com a mão para ele subir a cabeça e eu continuar. — No outro dia, ele decidiu reformar o andar de cima da casa. Fez um quarto grande para ele e mandou isolar a parte de frente do andar para alugar.

Léo se endireitou, tentando imaginar a mudança. — Isso foi rápido assim? Ele fez isso?

— Foi. — Concordei, cruzando os braços, tomado pelo frio do passado. — Ele começou a fazer plantões à noite, passava mais tempo comigo. Reformou quase toda a casa e até perguntou o que eu queria que ele fizesse diferente para mim.

— E você pediu o quê? — Léo perguntava curioso e com um sorriso discreto.

— Eu não queria nada... ele já estava reformando a casa toda. — Falei disfarçando o riso, querendo aumentar sua curiosidade.

— Mas você pediu, né? Fale a verdade. Você era criança, alguma coisa você deve ter pedido.

— Eu pedi para ele me dar uma banheira... – falei um pouco envergonhado. – eu era criança e costumava brincar no banheiro do coroa.

— Ele fez, né? Me deixa ver lá, mais tarde. — Léo pediu, mostrando a discrepância entre nossas realidades.

— Você já viu e já tomou banho nela... — falei com a voz baixa, talvez de vergonha.

Léo se levantou rápido e foi à janela do quarto. Olhou para fora e olhava para mim. — Seu pai fez uma piscina na sua casa para você?

— Ele fez para nós dois. — Eu sorri e me levantei para ficar ao seu lado. — Ele queria o máximo de tempo comigo. Me ensinar a nadar era uma forma da gente ficar junto.

— Massa, viu. Seu pai é o cara... — ele falava enquanto olhávamos a agitação da piscina em meio à chuva. — Mas deve ter demorado isso, né? Essa reforma?

— Muito tempo... me lembro que a gente se mudou de quarto várias vezes durante a reforma.

— E você nunca mais acordou de madrugada? — sua voz parecia temer perguntar isso.

— Desde aquele dia até o fim da reforma, ele sempre dormiu comigo. — Ele sorriu, aprovando a atitude de meu pai. Sorri de volta. — Depois que cada um se separou para seu quarto, eu percebi, só depois de muitos meses, que já não tinha mais medo do escuro.

Léo me abraçou de lado e deu um beijo na minha testa. — O que ele fez com o quarto? Aquele em que ele dormia? — ele perguntou, ainda não compreendendo a minha real mensagem.

— Foi o único cômodo que ele não reformou. Ele está lá do mesmo jeito. Pelo menos eu acho... Só entrei lá uma vez quando a diarista me chamou. Eu só fiquei na porta.

— Deve ser grande lá, né?

— Muito grande. Acho que deve ser metade do andar onde vocês estão. É comprido.

— Pedro, não leve a mal, não; mas se seu pai não mexeu no quarto... — ele hesitou, mas viu que meu rosto estava receptivo ao que ele ia dizer. — Talvez ele ainda não tenha esquecido sua mãe.

Eu sorri para ele. — Talvez... eu nunca perguntei. Mas pode ser que ele use como um memorial para nunca esquecer da promessa que a gente fez. Eu considero assim.

— É... mas isso é de encabular.

— Não tanto... sabe o que é mais estranho? – perguntei e ele subiu a sobrancelha esperando eu responder. — É que hoje eu acho que você vai precisar dormir lá com Caio...

— É o quê? — Léo me soltou com cuidado e com uma cara de espanto. — Dê as ideias certas, Pedro.

— Tô falando sério. Tem outros quartos lá, mas são pequenos. Não dá para vocês dois.

— E por que eu? — falou com o rosto já mudando.

— Meu pai disse que ia se sentir melhor com você lá. — falei calmo. Eu estava muito leve e confiante depois de ter falado sobre mim para ele.

— E Luiz?

— Ele me falou que ia pedir para ele ficar lá por cima mesmo, para não deixar o andar sem alguém responsável.

— E eu não sou responsável, não?

— Eu acho que ele confia em você, Léo. Luiz não passou uma energia boa para o coroa não, depois de hoje.

— Você sabe que eu posso fazer uma besteira. Você sabe disso.

— É aí que eu queria que você me escutasse. — Me aproximei dele e o chamei para deitar.

— Isso que eu falei para você... Hoje eu e meu pai estamos bem, porque a gente resolveu deixar para trás.

Léo tentava falar, mas eu pedia que ele me escutasse. Expliquei que meu pai sabia o porquê dela ter ido embora, mas nunca me disse e eu nunca perguntei.

— Tudo que eu perguntar para ele sobre ela só vai me levar a outra pergunta e isso não acaba nunca... só ia fazer a gente esquecer daquela promessa.

Léo permanecia calado, enquanto eu olhava para o teto. Os olhos tentando cerrar. Percebi que realmente estava com sono quando me assustei ao sentir o corpo dele esbarrar no meu. Escorou seu rosto em meu peito e disse que eu estava com sono e que precisava dormir.

— Ninguém vai dormir aqui, Léo... você tá me deixando apreensivo, cara. — falei um pouco irritado por ele perceber meu sono. Percebi os músculos do seu rosto rindo.

— Você está rindo, peste? — falei dando-lhe um cascudo de leve na cabeça. — Qual a graça?

— Lembrei de uma música... gosto muito dela... quer ouvir? Cadê seu celular? — Falou batendo a mão solta em cima de mim pelo colchão.

— Léo... — segurei sua mão e pedi para ele parar. — Isso não é hora para música, não.

— Deixa de besteira, Pedro. — Deu um beijo no meu peito.

— Cara, por favor: Pegue o celular de Caio, apague o vídeo e deixe isso para trás.

Léo continuou em silêncio. Entendi que nada mais poderia ser feito.

E assim ficamos, em silêncio novamente, mas um silêncio que parecia menos solitário. Léo talvez estivesse pesando os dois caminhos. Ora pensava que ele se preparava para um confronto direto com Caio, ora pensava que ele estava encontrando forças para não se deixar consumir pela indignação, mas sim canalizar essa energia em algo que pudesse restituir sua dignidade.

Me rendi pelo medo. “Léo, me prometa que não vai fazer nenhuma besteira... por mim”. Falei baixo enquanto olhava pela janela a frequência da chuva diminuir. O rosto de Léo parecia tranquilo.

Os minutos se arrastavam, e nesse instante, ouvi um suave ressonar de Léo, seu corpo relaxando completamente. O desejo de me render ao sono era tentador, mas a necessidade de estar alerta prevalecia. Sua respiração fraca me avisava que ele já havia dormido. De repente, ouvi sua voz muito baixa sussurrar, com sua respiração quente atingindo meu peito: “Eu prometo, Pedro”. Era difícil de entender em meio a exaustão física e mental se eu realmente ouvi sua voz dizer aquilo. Ou era meu subconsciente me respondendo pra que eu finalmente descansasse. Seja lá o que tenha acontecido, meu corpo relaxou e o abracei mais perto de mim.

Em poucos segundos, o acompanhei no sono, sem lembrar que meu pai estava a caminho.

***

A FRAGILIDADE DOS LAÇOS – 4 / 5

Acordei meio atordoado, com os sentidos confusos e a mente enublada. Ao meu lado, Léo estava sentado, seu perfil suavemente iluminado pela luz que filtrava pela janela. À primeira vista, parecia que eu havia mergulhado em sonhos por horas.

— Não queria te acordar — ele disse, a voz suave como um sussurro, prendendo meu olhar com uma expressão de preocupação. — Dei um beijo na sua testa. Já estava indo.

— Eu dormi faz muito tempo? — perguntei, esfregando os olhos com a mão, tentando dissipar a névoa do sono.

— Acho que só uns 30 minutos. Quase o mesmo que eu — comentou ele, lançando um olhar para o meu celular, como se estivesse contando o tempo.

Meu coração disparou ao perceber o ambiente ao redor, uma onda de desespero me invadiu. A porta do quarto estava escancarada.

— Por que a porta tá aberta? — minha voz saiu como um sussurro apressado, mal escondendo o pânico que começava a crescer.

— Seu pai acabou de sair...

Me levantei num salto. Minha respiração se acelerou. Olhei para Léo, que agora estava em pé, a expressão confusa e preocupada.

— Ele viu a gente? — A tensão na minha voz cresceu, sentindo os olhos quase saltarem da minha cabeça.

— É, né? — Léo disse, tentando manter um tom casual.

— Como assim, Léo? — Exigi, minha voz tensa subindo um tom à medida que a preocupação transparecia. — Cara, me explica melhor!

— Não sabia que você ia ficar assim... — ele respondeu, sua feição tornando-se um pouco mais séria.

— E como não vou ficar? A gente tava agarrado como um casal, Léo! — protestei, as mãos subindo para o alto.

— Achei que a gente era — ele brincou, um sorriso travesso nos lábios. Era tentativo aliviar a tensão, mas só fez aumentar minha inquietação.

— Deixa de zoeira, Léo! — eu ri nervosamente, mas ainda sentado na cama, o tom dele continuava a me incomodar.

— Relaxa, mano. Seu pai é diferente do que eu pensei, de verdade — ele deu passos para trás, parecendo querer espaço. — Você tinha razão o tempo todo. Desculpa por não ter te escutado.

— Léo, o que ele falou sobre ver a gente assim? — minha voz estava firme, mas as mãos tremiam.

— Nada! — Ele respondeu rápido demais, como se quisesse fechar um capítulo. — Ele me acordou pedindo desculpas e quis saber se eu poderia dormir com Caio, porque estava preocupado em deixá-lo sozinho. Achei até que ele queria que eu ficasse aqui com você pela forma como falou...

— Só isso? ele ficou com raiva? Mudou o rosto? Eu vou com você! - A possibilidade de ter machucado meu pai me deixou inquieto.

—Não senhor, amanhã você tem aula! — Léo interrompeu, trazendo-me de volta à realidade. — Ele disse que podia te deixar dormindo aqui mesmo.

- Eu não vou mais dormir. Eu não preciso. – falei já querendo sair da cama, mas sem coragem de prosseguir de fato.

- Você precisa parar de falar essas coisas. – Léo ria.

-Falar o que? Você tá viajando Léo? – falei com a voz já alterada.

- É essa música que não sai da minha cabeça, homem. Foi mal.

- Você deve tá levando na brincadeira, né? – falei não com raiva e sim com um tom de não compreensão. E me afoguei nos pensamentos enquanto Léo foi ao meu lado. Me dizendo o quanto meu pai reagiu naturalmente.

As palavras dele trouxeram uma leve calmaria ao meu turbilhão interior, mas a confusão persistia. Uma mistura de vergonha e medo ainda se agitava em mim. Léo hesitou ao tentar me abraçar, vendo que eu estava distante. O medo dominava minha mente. Medo de abraçá-lo e me entregar ao que aquele toque poderia significar; medo de continuar essa conversa e, acima de tudo, medo de sair daquele quarto e encarar o olhar do meu pai, que acabara de ficar ciente de tudo.

— Pedro! — A voz de Léo cortou o silêncio que nos envolvia, soando mais firme agora.

— Hãm? — respondi, a boca entreaberta, presa em lembranças de um ambiente carregado de vergonha.

— Lembra que você me disse hoje que eu não conhecia seu coroa? Eu conheci. E você? Tem certeza que conhece ele?

Léo me deu um beijo suave na testa, mas estava se apressando para sair, como se minha tristeza estivesse chegando até ele. O riso nervoso que escapou de seus lábios só ressaltava a tensão.

— Não quero deixar seu pai esperando... Meu sogro — ele disse, tentando descontrair enquanto passava a mão na cabeça.

Surpreendi-me ao dar um sorriso forçado, que surgiu involuntariamente, mas ele não pareceu notar a mudança abrupta no meu humor. Quando ele fechou a porta atrás de si, um grito silencioso ecoou dentro de mim. As emoções que lutei para conter agora se descontrolavam. Encolhi-me na cama e, sem aviso, quis derramar as lagrimas que eu continha desde criança, fui contido pela lembrança do meu pai. Chorar e quebrar aquela promessa longe dele só me faria pensar que o estava traindo e que eu poderia esperar qualquer coisa dele.

A confusão sobre meus sentimentos por Léo parecia ainda mais intensa. Cada olhar e cada toque gentil me deixavam perplexo. Eu ansiava por mais, uma parte de mim desejava explorar essa conexão, mas a dúvida me consumia: estava realmente pronto para sair da zona de conforto? O jeito que ele me fazia sentir queimava em meu interior, e o medo de rotular nossa relação como algo mais me paralisava. Era uma linha tênue entre a amizade profunda e um amor emergente, e eu não sabia se estava disposto a atravessá-la.

O que eu realmente queria de Léo? Essa pergunta se repetia em minha mente, sem resposta, enquanto o peso da incerteza me envolvia como uma coberta pesada. Eu queria entender o que se passava dentro de mim.

Lembrei-me do jeito que Léo me olhava, da forma como ele me fazia sentir — como se entre nós houvesse uma conexão poderosa que ia além da amizade. Essa percepção queimava em mim. continuar a ignorá-la me paralisava.

Com um último suspiro, deixei-me ser levado pelo cansaço. Enquanto o sono puxava meus pensamentos, a decisão de que, ao acordar, eu deveria ser honesto sobre o que sentia por Léo, deveria ser por onde eu deveria começar. Era o que eu finalmente precisava: não apenas enfrentar meus medos, mas abraçar quem realmente eu queria que estivesse comigo no futuro.

Adormeci.

***

ENTRE O CÉO E O INFERNO – 5 / 5

Ao abrir os olhos, imediatamente peguei o celular. A luz suave me despertou, revelando que já próximo da meia noite. Levantei-me devagar, como se carregasse o peso de toda a noite sobre mim. As lembranças dos momentos antes de adormecer ainda estavam vívidas, e os sentimentos confusos que senti ao lado de Léo me deixavam agitado. A tensão da conversa, o jeito como ele me olhou; tudo girava incessantemente na minha mente.

Decidi que seria melhor retornar ao meu quarto, onde eu poderia me reconectar com a minha rotina. A chuva estava quase parando, e os contornos do exterior da casa se tornavam indistintos sob a leve neblina que envolvia a cidade, criando uma atmosfera de serenidade. Caminhei descalço pelo alpendre lateral, e o ar fresco da noite invadiu meus pulmões com uma sensação revigorante. O chão de madeira fria sob meus pés, aliado à quietude da noite, me atraía cada vez mais para o conforto da cama.

A antiga porta dos fundos de madeira escura abria para a cozinha, um espaço exageradamente amplo, considerando que só meu pai e eu morávamos ali. A cozinha, com suas superfícies frias, tinha uma ilha central de inox que reluzia. O ambiente, vazio e solene, refletia a calmaria do clima. As paredes neutras eram adornadas por azulejos de um azul profundo que absorviam a luz, tornando o espaço mais sombrio, mas de uma maneira que poderia abraçar qualquer pessoa.

A partir do ponto de entrada, quatro direções eram possíveis: a área de lazer de onde acabara de sair; o corredor principal, a minha frente e à minha direita, que levava à área principal da casa, onde estava meu quarto. uma escada em espiral, imediatamente à minha esquerda, que conduzia ao andar reservado ao meu pai; e, por fim, um corredor um pouco distante da porta, paralelo ao corredor principal. Esse corredor levava aos quartos de hóspedes, raramente usados, onde em particular havia o quarto que meu pai e eu evitávamos. Era lá que Caio deveria estar dormindo com Léo, a pedido do meu pai. Uma onda de alívio me percorreu ao perceber que a tranquilidade do ambiente indicava que tudo estava bem.

Dobrei a direita em direção a geladeira. Enchi um copo com suco de maracujá e avancei pelo corredor principal em direção ao meu quarto. Ao chegar lá, tirei a sunga úmida, molhei-me brevemente e me sequei. Depois, vesti uma bermuda e procurei uma camisa que costumava usar pra dormir quando o sono estava um pouco distante. As vezes nem vestia só amassava nas mãos até pegar no sono. Lembrei que tinha colocado a camisa no ombro e subido ao andar superior na madrugada anterior, depois de descer para pegar as cervejas. Sorri com a possibilidade de Léo ter guardado a camisa para mim.

Tomei o suco e deitei com um pensamento estranho surgindo. Percebi que agi com Léo da mesma forma que Caio agiu com ele; a única diferença era que não o ameacei. Isso me despertou completamente. Fui injusto com ele, e mais uma vez, ele foi tratado como alguém sem valor. Pensei: "Como fui egoísta". Evitei tanto ser uma lembrança ruim pra ele que acabei vacilando sem perceber.

A calmaria em excesso, me fez pensar que talvez Léo tenha me escutado e decidido deixar a raiva para trás, apesar do nosso último contato não ter sido dos melhores. Parecia até um padrão. Considerei o quão divertido seria chamá-lo para dormir comigo no quarto. Se Caio estivesse adormecido, poderíamos passar um tempo juntos, e eu poderia me desculpar por ter sido grosso. Eu havia exagerado. O cansaço do dia não me permitiu refletir claramente sobre tudo. Movi-me e sentei na cama, ponderando meus próximos passos.

Refleti sobre como eu iria chegar lá. Acordá-lo? O que eu faria? Também imaginei como seria estranho entrar naquele quarto novamente. Da última vez que fui lá, havia apenas uma cama e uma mesinha de cabeceira. Ficava imaginando como seria aquele quarto sem nada para preenche-lo. Deveria ser um grande vazio. Talvez houvesse uma janela voltada para o beco, mas não tinha certeza. Lembrava-me de que a ventilação era muito boa, ou seria um ar-condicionado? Naquele momento, eu não conseguia lembrar com clareza. Se os dois estivessem lá, não poderiam estar na mesma cama; isso seria demais para Léo aceitar. E se ele tivesse desistido e ambos estivessem acordados se drogando? Meus pensamentos estavam tumultuados. Era difícil me controlar.

Deixei os “se” e, descalço, saí do quarto. A cada passo, as lembranças de Léo despertavam em mim uma rebeldia e um desejo confuso que eu ainda lutava para entender. O calor que ele emanava, o brilho nos olhos quando ríamos juntos, tudo isso tocava meu coração, embora a dúvida de como ele me encararia ainda existisse.

Ao cruzar a cozinha e entrar no corredor, notei um breve sopro de luz por debaixo da porta. A luz do quarto ligada àquela hora era estranho. Ou seria impressão minha? Corri com o passo leve. A necessidade de saber se ele e Caio estavam dormindo cresceu a cada instante. Meus sentidos estavam em alerta, cruzei várias portas e hesitei ao parar em pé de frente ao quarto. O silêncio era opressivo, como se a casa estivesse prendendo a respiração, esperando eu encontrar coragem para agir.

Meus dedos tremiam ao tocar a maçaneta do quarto que já me causara tanto sofrimento, e meu coração disparou novamente. A curiosidade me puxava para o desconhecido. Esse conflito interno entre o desejo de saber e o medo do que poderia encontrar me fez hesitar, mas as lembranças de Léo insistiam em não me deixar em paz. Seu rosto teimava em aparecer na minha mente, e a última conversa se repetia, intensificando minha necessidade.

Respirei fundo, tentando acalmar os pensamentos que se acumulavam. O que eu realmente queria? A resposta permanecia nebulosa, mas a necessidade de confrontar essa tensão, mesmo que significasse enfrentar meus medos, se tornava cada vez mais clara. Quando empurrei a porta devagar, encontrei uma cena tão surreal diante de mim que, por um instante, considerei recuar.

A primeira imagem que vejo é Caio deitado numa rede, erguida entre a parede da porta e a imediatamente a frente. Vestia uma camisa polo azul escuro e coberto por um lençol quase transparente de tão fino. Atrás dele, um vazio imenso de espaço sem moveis e cuja a única luz principal não conseguia clarear suficientemente o espaço. Aquela falta de preenchimento me dava a sensação que o quarto havia mudado de tamanho.

A pele pálida de Caio, deixava-o como uma sombra do que costumava ser, ou da versão que conhecia. O tecido colorido da rede o envolvia, e a expressão preocupada em seu rosto, apertava meu coração. A cena me deixou inquieto, lançando-me em um estado de angústia que eu não sabia como enfrentar.

Abri um pouco mais a porta e no canto bem a sua frente, Léo, estava sentado na cama, com a postura rígida e os olhos fixos em um ponto invisível, como se estivesse perdido em pensamentos. Sua expressão era indecifrável e inquietante, uma máscara que ocultava emoções dolorosas. Estava apenas com uma bermuda.

O silêncio naquele quarto era esmagador. A realidade que tomava conta dos meus sentidos era sufocante. O que fazer? O que dizer? Antes que pudesse organizar minhas idéias, vi uma faca brilhando e uma quantidade, a meu ver, alta de cocaína envolta em um saco plástico transparente. Ambos muito próximas uma da outra e repousando na cama bem ao lado de Léo. Falhei a respiração. Deixei que as palavras saíssem.

— O que vocês estão fazendo? — perguntei, com a voz mais firme do que esperava. Os glóbulos dos meus olhos prestes a saltar pra fora.

Minhas palavras claramente os perturbaram. Aqueles dois pares de olhos penetrantes cravaram em mim, cada um comunicando, à sua maneira, uma mensagem aterradora.

***

***

***

CAPITULO 10 - PARTE II

O BOM, O MAL E O FEIO – 1 / 4

Fechei a porta atrás de mim, quase que instintivamente.

— Você está bem? — Léo perguntou, sua voz transparecendo uma ternura inesperada.

— Bem? Como assim, Léo? Você prometeu, cara.

Léo abaixou a cabeça, suas emoções conflitantes à flor da pele, e eu podia ver o sofrimento refletido em seu rosto. Enquanto isso, Caio, deitado, provocava, seu riso ecoando de maneira perturbadora:

— Boa, garoto! Dá-lhe nele. Vai! Vai!

Léo lançou um olhar nervoso para Caio, e a tensão no ar aumentou instantaneamente. Eu tentei conter a indignação na minha voz ao me dirigir a Caio:

— Por que você faz isso com ele? O que você quer, Caio?

— Você não sabe nada sobre mim, moleque! — Ele respondeu com uma gargalhada que me irritava.

— Caio! Não levanta a voz pra ele. — Léo interveio, sua voz trêmula, como se ele mesmo estivesse se perdendo no caos.

— Opa! Desculpa aí, viu, Léo! — Caio se moveu de lado na rede, gargalhando alto. — Você é uma figura...

— Você não tem jeito, né, Caio? — Léo respondeu, vindo em minha direção, enquanto meus olhos fixavam-se na faca e na droga sobre a cama, como duas ameaças reais. O ar carregava um cheiro estranho, que me deixava inquieto. — Pedro, não era pra você vir pra cá. Já estava resolvendo tudo.

— O que você vai fazer com isso aí? — perguntei, desviando o olhar do que não queria ver. Léo se aproximou e tentou me encarar.. — Uma arma branca, Léo? E essa droga? Por que isso tudo, cara?

— Ele está decidindo como vai me matar. Burro demais ainda não resolveu se vai ser overdose ou se vai me esfaquear até morrer... — Caio disse com uma seriedade que cortou meu coração. Recuei de Léo, como se a proximidade pudesse me queimar. — Veio ajudar, Pedrinho?

— Cala a boca, imbecil! — Léo gritou e então tocou meu braço, tentando me manter calmo. — Pedro, ele está tentando confundir você. Fica tranquilo, viu?

— Cuidado aí! Seu namoradinho tá “tekado”, pode machucar você. — Caio debochou, como se estivéssemos em um de seus jogos doentios.

Léo virou-se, olhando para a faca, e meu coração disparou. Eu não queria que ele fizesse nada que pudesse se arrepender. Puxei Léo de volta, sentindo suas mãos tremendo.

— Segura o doido, Pedro! — Caio era incontrolável, e sua aparência debilitada rapidamente me desviou do que realmente importava. — Ele hoje tá pra qualquer coisa!

Léo se soltou de mim e foi em direção a Caio com os punhos cerrados. Pedi a ele que parasse, mas ele hesitou quando Caio se encolheu na rede, implorando com uma expressão de medo:

— Por favor, não faz isso, Léo! Eu tô com medo! — Sua voz, cheia de desespero, confundia meus pensamentos.

Puxei Léo de volta, temendo que algo terrível acontecesse. — Não faz isso. Já conversamos sobre isso.

— Pedro, não deixa ele chegar perto de mim, por favor... Ele já tentou me sufocar com o travesseiro hoje.

Léo respirou fundo, tentando se conter ao olhar para mim. Caio, num momento revelador, sorriu com olhos cheios de psicopatia. “Ainda quero dar um “teko” no pó e uma mamada na pomba gostosa do Pedro.”

— Para! — gritei para Caio. Virei-me para Léo, que parecia completamente perdido.

— Cara, você não é normal... Pra que fazer isso? – perguntei.

— Léo falou da gente pra você?

— Falou sim. Por isso era pra você não querer isso...

— Pedro, Pedro, Pedro... achei que você fosse o inteligente aqui. — Caio tentava prender os cabelos, sua frieza insuportável transparecendo. — Olhe mais de perto, que você vai saber!

— O quê? — perguntei, confuso e inquieto com a situação.

— Burro que nem o namoradinho... — Caio riu, olhando para a cama, que se tornara o centro de um jogo mortal. — A porra da faca na cama! Eu que sou o malvado aqui?

— Sim! — Léo respondeu de maneira seca.

Caio se dobrou de lado na rede. — Então você é o quê?

— Eu sou aquele que vai terminar o que você começou, porra! Cala essa merda de boca, Caio! — Léo gritou, pegando a faca na cama e apontando-a para Caio, firmemente, mas sem avançar.

A tensão se intensificou, e eu sentia meu coração batendo acelerado.

— Calma, Léo! — tentei intervir, mas a situação estava evoluindo rapidamente.

— Você gritando assim vai assustar seu namoradinho... – Caio parecia provocar Léo de todo jeito.

Caio percebeu a mudança de expressão no meu rosto. Era como se a beleza de Léo estivesse se dissipando, não apenas em aparência, mas na essência de quem ele era.

Léo notou meu semblante assustado. — Pedro, você não deveria estar aqui!

— Eu sabia que ele ia vir... — Caio continuou olhando para o teto. Sua voz, genuína a princípio, logo foi substituída por um sorriso perturbador. — Você tinha mesmo que pedir ajudinha ao filhinho do papai?

O ar estava pesado de tensão, e a claustrofobia da situação me deixava inquieto. — Léo, me dá isso aqui. — Tomei a faca de suas mãos, mas o movimento desajeitado entre nós acabou me cortando a palma.

— Opa! Saiu o primeiro corte Tramontina! — Caio debochou, mas não dei ouvidos.

Léo parou, largando a faca no chão, imediatamente me puxou para sentar na cama.— Desculpa, Pedro. Foi mal... espera aí. — Ele pegou a fronha de um travesseiro e pressionou contra o corte, um gesto que me fez sentir alívio e preocupação.

Senti, finalmente, após o toque cuidadoso de Léo, sua temperatura fria, e me lembrei da menção anterior de Caio sobre estar "tekado". O impacto das palavras dele agora fazia todo o sentido e reforçou meu terror. — Você usou mesmo, Léo?

Ele olhou para mim, com um vago misto de culpa. — A gente fala disso depois. Aqui não é bom pra gente conversar... só vai dar munição pra ele provocar a gente.

— Esqueci que sou o malvado aqui... — Caio interrompeu, rindo de forma debochada. — Eu tô escutando, sabia? Haha.

— Vai se foder! — Léo respondeu, sem tirar os olhos de mim.

— Vocês dois são fofos, sabiam? — Caio continuou, seu sorriso nada amigável ampliando a tensão. — Lindos! O virgem e o viciado! O casal PER-FEI-TO! — Riu, movendo o cabelo do rosto, como se estivesse se divertindo com o nosso desespero.

— Ele tá doente, Léo. Deve ser os medicamentos que tomou. — Falei em seu ouvido, com a voz o mais baixa que consegui. — Ele não sabe nem o que tá dizendo.

Léo inclinou a cabeça para mim, um olhar de dúvida e frustração cruzando sua face. — Pedro, ele não tá...

— Vamos seguir o plano? — interrompi. — Cadê o celular dele? A gente apaga o vídeo e acaba com isso, né? A gente vai pra meu quarto e ele fica aqui até amanhã.

Os olhos de Léo estavam nublados de tristeza, uma mistura de desespero e esperança. — Eu tentei

Caio riu ironicamente. — Ele já apagou essa merda de vídeo, boyzinho...

O silêncio reinou enquanto eu buscava os olhos de Léo, esperando uma explicação que não viria. Ele tentou articular palavras, mas parecia completamente travado.

— É complicado, Pedro...

Naquele momento, percebi que não era apenas sobre o vídeo. A complexa rede emocional e a amizade tensa entre Léo e Caio se misturavam em um caos difícil de desvendar. Sabia que estava entrando em território desconhecido, sem saber se estava pronto para lidar com isso.

***

QUEDA LIVRE – 2 / 4

Caio disparou, sua irritação refletida nos olhos. — O idiota é tão burro que nunca pediu ao Luiz para ver isso. O vídeo que salvei não tinha nem resolução nem áudio. Ninguém saberia que éramos nós dois. — A ênfase na última palavra saiu com desdém, enquanto ele fixava um olhar penetrante em Léo. — “BU-RRO”!

Nesse instante, o silêncio era como um espectador atento, e eu sabia que não havia como voltar atrás. — E por que isso tudo, Léo? — perguntei incrédulo.

— Ah... — Caio anunciou — você ainda acha que Léo é o bonzinho aqui? Você sabe o que ele fez comigo mais cedo? Depois que seu pai saiu daqui?

Virei o rosto pra Caio, me deixando atento.

— Olha a covardia, Caio! — Léo falou, tentando impedir.

— Covarde, eu? — Pedrinho, você conhece ele? — perguntou retoricamente, mas me deixou inquieto. — Antes de seu pai sair, Léo me cobriu... Sabia, bebezinho?

— Para, Caio! — Léo tentava impedir Caio de continuar. Eu me levantei e não desviava o olhar de Caio.

— Depois que o doutor saiu, ele me jogou no chão como se eu fosse um vira-lata. Me deu vários chutes até que eu viesse até a rede. — Caio deu uma pausa. Parecia querer hesitar. — E você sabe o que mais, Pedrinho? Tentou me sufocar. — Sorriu, virando os olhos pra Léo satisfeito. — Esse é o "amor" que você idolatra.

Após ouvir as acusações de Caio, uma mistura de sentimentos tomou conta de mim. Estava diante de um cenário onde as máscaras caíam, revelando nuances obscuras das personalidades que achava conhecer. O silêncio que se seguiu às palavras de Caio parecia berrar verdades que até então estavam encobertas. O fato de que Léo poderia ter sido capaz de tamanha violência era algo que feria a confiança que eu depositava nele.

Fiquei me perguntando sobre nossa natureza humana — a linha tênue entre o que mostramos aos outros e o que está no íntimo. Caio, por outro lado, mesmo sendo provocador, estava agora no papel de vítima, e isso alterava completamente a dinâmica entre nós. Cada relato que saía dos lábios de Caio não era apenas uma acusação a Léo, mas também um desafio à minha própria percepção.

Quem eu estava disposto a acreditar? A amizade que compartilhava com Léo parecia desmoronar à medida que novas camadas de desconfiança eram adicionadas. O que eu achava ser uma relação sólida se mostrava frágil, edificada sobre a areia das aparências.

Enquanto ponderava sobre tudo isso, percebi que a situação exigia uma abordagem cuidadosa. Não era mais apenas uma questão de confiança cega. Precisava ouvir, questionar, estar atento às narrativas — e, principalmente, discernir o que era justo e verdadeiro. Ao me ver no espelho do olhar de Caio, compreendi que a busca pela verdade seria o próximo passo inevitável nesse caminho tortuoso.

— Pedro! — Léo me chamou de volta, enquanto eu me desviava em pensamentos. Segurando meu rosto com suas mãos geladas. — Cara, você me conhece.

— Só não conhece melhor que eu. — Caio vociferou, tentando contradizer.

Léo não desviou o olhar de mim, mesmo com a provocação.

— Isso não se faz, Léo. Cara, eu to assustado só de pensar nisso. Você só precisava do celular.

— Eu só não quero ser o culpado, Pedro! — Léo sussurrou, confuso. — Confia em mim, por favor!

Era difícil entender o que eu via e até onde podia aceitar de cada um, mas era notável, pra mim, a dor do breve abandono que Léo estava sentindo.

— Me diz que você não fez isso! — afirmei, querendo o manter firme.

— Eu não sei o que fazer. — Ele falou confuso. - Tem um motivo pra eu ter feito isso..., mas queria que você confiasse em mim.

-Confiar como? – Perguntei com a voz decepcionada. – Quando eu cheguei eu vi você com a faca e a droga.

Léo irritou com o domínio de Caio sobre meus pensamentos. — Você acha que tá no controle né Caio? – Léo gritou sem me soltar - Acha que pode ficar brincando com a gente assim?

— Ah, vai se lascar, Léo. – Caio falou irritado.

— Conta pra ele, Caio! Você vai continuar nisso mesmo?

- E fazer eu sair por culpado? – Caio aumentou a voz. Isso me fez subir a vista pra Léo. Seu olhar era verdadeiro.

- Pedro, escuta: essa faca não é minha.

- É mesmo não. Ela é da cozinha do doutor. - Caio insistia nas piadas.

- Depois que seu pai subiu, falei pra Caio que eu sabia de tudo e que mesmo assim eu ia deixar pra trás.

- Ia porra nenhuma! Você é rancoroso, Léo! – Caio interrompia e eu já não sabia mais em que acreditar.

- Eu subi pra pegar o celular dele e vestir uma roupa. – Léo começou. - Quando voltei vi que ele tava estranho. Fui verificar ele, achando que ele tinha pó escondido e achei a faca em baixo do travesseiro.

- Defesa, meu amigo! – Caio justificava.

- Como assim, Léo? – eu olhava pra ele e pra Caio. Sem saber ao certo o que pensar. – E o pó?

- O pó eu peguei na bolsa dele, quando procurava o celular. – Léo amarrou as pontas. - Ia pedir pra ele se juntar a mim pra deixar essa vida quando eu descesse.

- Mas usou né? Eu sei que usou quando foi no banheiro! – Caio falou tentando desestabilizar a gente.

- Eu usei sim! Mas foi porque eu estava com sono. - Léo respondeu sem virar pra Caio. - Não queria arriscar dormir e Caio fazer alguma coisa.

— Sério, cara? — perguntei, sentindo o peso vindo à minha consciência. Léo balançou a cabeça levemente pra me dar segurança.

— Que gracinha... O casalzinho tá se unindo agora? — Caio provocou, tentando recuperar a vantagem, mas o tom de sua voz estava mais vacilante.

-É por essas coisas que eu me irritei com você, Caio!

Entendi a impulsividade de Léo, e o abracei amigavelmente, sentindo a tensão em seus músculos diminuir gradativamente no nosso abraço. Sua respiração contra o meu pescoço trouxe uma paz inesperada pra mim. Nos afastamos um pouco e Léo deixou sua testa em meu ombro, enquanto eu inclinava minha mão acariciando sua cabeça. Ele pediu desculpas por ter feito eu desconfiar dele. Eu estava mergulhado naquele momento e ele totalmente vulnerável por finalmente ter acreditado nele.

De repente, uma pressão intensa me atingiu no abdômen. Cinco dedos cravaram-se em minha pele, me puxando violentamente para longe de Léo. A força do puxão foi instantânea, separando-nos antes que eu pudesse registrar o choque nos olhos de Léo, que me perfuravam com terror silencioso e desesperado. Caio estava por trás de mim.

Léo, já abatido por sua rendição emocional, não teve tempo nem força para reagir àquele movimento traiçoeiro. Mesmo assim, sua voz encontrou a coragem em meio à sua vulnerabilidade:

— Caio, não! Larga ele! — gritou, cada palavra carregando a dor da impotência.

Fechei os olhos sem saber por que Léo estava paralisado à minha frente. Quando abri os olhos, a realidade me recebeu com o frio da lâmina contra meu abdômen. Léo repetia incansavelmente: “Me perdoa, Pedro.”

O medo nos olhos de Léo era apenas uma sombra do pânico que se apoderava de mim.

***

O JOGO EM QUE SOMOS AS PRÓPRIAS PEÇAS – 3 / 4

A pressão do metal contra o meu corpo era uma tortura psicológica; meu coração batia descompassado. Estava encurralado entre o medo e a impotência, sentindo meu corpo tremer. Cada toque da lâmina parecia marcar minha alma. A visão de Léo, com os olhos marejados e um semblante de desespero, intensificava minha angústia.

— Fala, Léo! —O desespero pulsava com cada batida do meu coração ao ouvir a voz de Caio. – Fala agora!

— Pedro! — Léo exclamou, a voz transbordando preocupação e raiva. O impulso dele em avançar foi instantâneo, mas Caio o deteve.

— Não se mexe, Léo! — Caio ameaçou, pressionando ainda mais a faca contra a minha pele.

— Caio, para! Isso é entre nós, irmão. Deixa o Pedro fora disso! — Léo implorava enquanto Caio divertia-se, brincando com a faca sobre minha pele.

Eu me sentia completamente encurralado. Minha aflição era tanta que tremia. Léo chorava ao me ver em pânico.

— Boa! Voltamos a ser irmãos! Agora seu irmão vai precisar de um canudo e um prato. Vá lá atrás...

— O que você quer, Caio? O que pensa que vai conseguir com isso? — Léo questionou, tentando manter a calma. Ele sabia que provocá-lo era arriscado.

— Eu quero que você me odeie! Simples assim! — Caio aguardou a reação de Léo, enquanto percebia que ele já estava rendido. — Traz um canudo e um prato pra gente. Ta surdo?

— É o quê? — Léo perguntou, sem entender.

— Tá surdo? — Caio gritou próximo ao meu ouvido, aumentando meu nervosismo. — Um canudo, porra!

— Tem chave aqui, Caio. — Léo, tremendo, pegou a chave da porta.

— Eu não cheiro em chave, você sabe disso. — A voz de Caio era doentia. Que tipo de viciado você se tornou, Léo?

— Vá lá, Léo. Na cozinha deve ter canudo... — Léo evitava olhar diretamente para mim, envergonhado. — Léo! Lá em cima da geladeira, lá em cima! — tentei alertá-lo que chamar meu pai seria a melhor saída. Ele me olhou e pareceu entender.

— Ah! Traz um copo de água, me deu sede! — O tom de Caio mudou de imperativo para malicioso. — Eu queria leite, mas pode demorar. — Usou a mão do braço que me prendia para me apalpar.

Léo mexeu a boca, sutilmente. Fiz sinal com a mão para ele se acalmar. — Eu volto logo, cara. Espere aí, viu? — falou, olhando mais para mim do que para Caio.

— Léoooooo! — gritou Caio assim que Léo abriu a porta e saiu apressado. Logo ele voltou. — Me dê essa chave, aí! — Léo jogou a chave perto de nós, e Caio a colocou no bolso. — E não pense em subir lá no quarto do doutor... você sabe o que eu posso fazer, né?

— Eu não ia...

— Vá logo, carniça! — Caio era maligno, suas palavras partindo-me ao meio.

Léo disparou pelo corredor escuro da casa. Seus passos apressados me davam agonia.

— Você sabe o que tá fazendo, Caio? — falei quando senti seu aperto aliviar.

— Calma, Pedro. Você se meteu nisso porque quis.

— Pra que fazer isso? — tentei dialogar com ele. Seu braço agarrado em mim, passou a segurar a faca, deixando sua mão direita livre para alisar meu rosto.

— Eu já disse, Pedrinho.

— O quê? Léo odiar você? Você não acha que já deu muito motivo pra ele?

— Pedro, você é muito bonito, sabia? Gostoso. Mas não entendo por que se envolver com Léo. — Fiquei calado, processando suas palavras. — Você ainda não entendeu nada, né?

— Eu sei que você pode ser melhor que isso.

— O playboy, você não tem vocação pra ser coach, não. — Caio riu, e eu achei a piada estranha, quase engraçada. — Ninguém morre hoje!

A declaração de Caio fez eu acreditar que ele queria apenas se divertir com tudo aquilo. Mas eu não poderia confiar nas reações imprevisíveis de Léo, que já havia me mostrado que podia explodir em segundos. Resolvi aproveitar que Caio estava menos furioso e arriscar uma nova abordagem.

— Olha, Caio — minha voz agora tinha um tom mais calmo, buscando um espaço de diálogo. — Eu sei que você está com medo de que Léo faça algo com você, mas eu garanto que não vai. Essa atitude não resolve nada. Podemos conversar sobre isso.

Caio hesitou por um instante, a expressão momentaneamente vacilante antes de voltar à sua provocação habitual. — Conversar? Você realmente acha que isso é uma conversa? Não, meu amigo, isso aqui é um jogo que eu cansei de perder!

Precisei desviar a atenção dele, fazer algo que o deixasse confuso. “Se é um jogo, também quero jogar”, pensei.

— Eu não quero que você machuque Léo, Caio. — Falei, segurando a mão livre dele e conduzindo-a para baixo. Pressionei sua mão no meu membro, tentando dominá-lo pela perspectiva de um jogo de sedução que não queria, mas era forçado a jogar.

— Tá falando sério, Pedro? — sussurrou em meu ouvido, tentando me manipular à sua vontade. – Você apensa que é isso que eu que quero? Acho que você ainda não entendeu nada.

— Sério, cara! Eu sei que você dá valor. Deixa a gente sair que quando ele dormir eu volto aqui pra gente se curtir. — Minha voz tremia, o nojo tomando conta de mim ao dizer isso.

— Você não é mais cabaço então, playboy? — perguntou, lambendo meu pescoço. — Fez gostoso com ele?

— Fiz sim! — respondi, esforçando-me para manter o disfarce. — Mas posso fazer melhor com você.

— Tô ligado. — Caio parecia ceder.

Enquanto eu falava, refletia sobre o que dissera, tentando ser convincente, como se estivesse incorporando a própria essência de Caio. Concluí que essa poderia ser nossa única chance de escapar daquela situação.

— Será que você é tão bom assim? — Caio perguntou. — Já sabe como terminar isso, né?

Nesse momento, ouvi os passos de Léo se aproximando. — Me dê uma chance, mano. — eu dizia, enquanto pedia ao universo que Léo entendesse meu jogo ao entrar no quarto. Mas talvez o universo não conseguisse penetrar naquele ambiente fúnebre. — Você vai gostar.

Léo voltou com um prato, um copo de água e uma nota de cinco reais que provavelmente pegou da carteira do meu pai. Colocou tudo na mesinha ao lado da cama e se posicionou, aguardando a próxima ordem de Caio. O olhar triste de Léo me fez questionar se conseguiria manter o papel que estava incorporando. Parecia difícil demais para ele suportar.

Caio pediu que Léo preparasse as porções riscadas no prato e recebeu a nota enrolada. Pediu para eu segurar o prato próximo ao meu ombro e aspirou várias linhas, enquanto a faca pressionava minha pele; estranhamente, não era o lado afiado que estava em contato. Entreguei o prato a Léo com o braço estendido.

— Agora sim, Pedro. — A voz de Caio estava alterada. Desceu a mão fria pelo meu abdômen.

Quando Caio percebeu que Léo equilibrava o olhar em nós, desceu a mão rapidamente para baixo da minha bermuda e, com uma pressão em meu órgão, levou os dedos ao nariz. Ele aspirou tão forte que notei, mesmo pela visão periférica, a transformação em seu rosto. Movi a cabeça para o lado, repugnado pela sua devassidão. O nojo que sentia se inflamou em uma explosão de indignação. Não consegui ver como Léo reagiu.

— Você é muito escroto, palhaço! — Soltei a frase com toda a força que estava segurando, cuspindo em resposta à sua atitude.

Caio me arrastou para a parede com uma violência tão súbita que mal tive tempo de processar. Ele me pressionou contra a superfície.

— Tá achando que eu sou comédia? — gritou, elevando a faca em direção ao meu pescoço. Minha reação entregou tudo: o terror que sentia se estampou em meu rosto.

Observando a cena, percebi que o jogo agora estava em um nível diferente, e eu me sentia mais vulnerável do que nunca. As peças estavam no tabuleiro, porém o que eu queria fazer e o que eu poderia fazer estavam se distanciando, como espectros em uma tempestade. Eu precisava agir, mas o terror dentro de mim agora já havia se enraizado e me mantinha paralisado.

***

FRATURA EXPOSTA – 4 / 4

Caio me encarava com ódio, e eu já não sabia onde isso ia dar. Léo chamava por ele, mas Caio não dava ouvidos. Eu escutava, mas não desviava os olhos da lâmina voltada para mim.

— Escroto? Sou não... Você ainda vai ver o que é escrotidão. — Quando ele viu meus lábios tremendo, por algum motivo, aliviou a pressão em meu corpo, deu um sorriso debochado e me puxou de volta à nossa posição inicial.

— Léo? — Só consegui pronunciar isso ao vê-lo de joelhos no chão.

— Tá vendo aí? Esse covarde no chão. Se eu fosse você, eu nunca mais queria papo com ele. — Caio fez uma pausa, voltando a mão novamente por cima da bermuda apalpou meu membro, mas dessa vez era para complementar sua fala. — Olha aqui, seu viciado! Com uma pomba gostosa dessa, você deveria ter passado a noite com ele, e não ficar aqui, procurando alguma forma de se acabar.

— Caio, eu falei a verdade. Eu não ia fazer nada com você. — Léo levantou a cabeça para olhar nos olhos de Caio.

— Você acha que eu acreditei naquilo? Que você ia deixar pra trás? Você é um moleque! Não tem coragem nem de me odiar, imagina de gostar do boy aqui.

— Ca-Ca-Caio... Cara, tá aqui oh! Eu trouxe o que você pediu. Por favor, solta ele, cara! — Léo implorou, se ajoelhando bem à nossa frente.

— Coisa linda, hein? Você chegar a esse ponto? Bem que eu sabia... Quando a gente chegou aqui e eu ouvi você dizer que tinha achado o filho do doutor “O maior presença” .... – balançou a cabeça ao perceber ele chorar. Ouvi um fungar vindo de Caio, mas deduzi que era do pó. - Sabia que ia se rebaixar assim logo, logo.

Léo não parava de implorar e chorar de joelhos. Eu fechei os olhos para não ver aquilo, mas apenas ouvir meu coração apertava em agonia. Caio deu um chute forte em Léo, fazendo-o cair no chão. Tentei avançar para ajudá-lo, mas Caio mantinha a pressão em mim.

— Se comporta, boy. Ainda temos tempo — falava enquanto roçava seu corpo contra mim, e eu fechava os olhos para diluir o nojo que sentia dele. — A diversão ainda nem começou.

— Caio, o que você ainda quer de mim, cara? — Léo falava, e por um momento tive a sensação de que Caio estava querendo acabar com aquilo. Sentia seu corpo afrouxar do meu sutilmente.

— O que eu quero de você? Tem certeza de que você está me perguntando isso? - Caio repetia indignado.

Léo subiu lentamente do chão.

— Eu quero minha vida de volta, cara. – Léo era sincero. – Quero sua amizade.

— Amizade? Eu não quero sua amizade.

Me mantive estático, consumido pela possibilidade de ele realmente me machucar enquanto sua voz começava a ficar chorosa.

— Você pensa que eu não vi vocês dois na praia? — Caio falou, cortando a voz. — Você é tão burro assim, Léo?

— Caio, o que isso tem a ver?

— Sério, otário? Tá falando isso mesmo? Tem noção, não? — disse, sério, sem deboche na voz.

Eu já não sabia o que pensar. Só estava existindo ali.

— Eu só quero que você deixe ele. – Léo chorava. Com o rosto coberto pelas mãos.

— Sabia, moleque? Ele te contou? — Caio gritou no meu ouvido, sem deixar de olhar pra Léo. — Desde que a gente chegou aqui, que ele pastora você... ver você chegando do colégio, ver você saindo à tarde, ver você voltando à noite. É um lunático! — e beijou meu pescoço enquanto repetia os movimentos da lâmina pelo meu corpo. – A vocação dele é se drogar e agora perseguir você.

O reconhecimento de que Léo já era interessado por mim desde que chegou. Era reconfortante e desesperador em meio a posição que a gente se encontrava. Lembrei quando ele me pediu para não ter relações com Caio, e fui otário suficiente para não ouvi-lo. Caio estava apenas tentando machucá-lo. Nunca devia ter cedido na madrugada anterior. Aquilo deve ter contribuído de alguma forma para tudo o que estava acontecendo. Mas eu via que quem mais sofria era Léo. Sua angústia me sufocava mais do que mil facas encostadas em meu corpo. A situação estava apenas piorando quando Léo começou a ficar ofegante de chorar e implorar.

— Você não sabe de nada, Léo. – Caio renovava as provocações.

Léo, nessa hora, já não tinha reação e só olhava pra mim, chorando e pedindo desculpas.

-Para de chorar e cheira logo essa porra. – A voz de Caio parecia compreensível, mesmo induzindo Léo ao pó.

Léo se levantou e se sentou na cama pra enrolar a nota novamente. “Não diga nada, vai ser melhor se ele usar. Acho que até você devia”. Olhei de lado indignado com as frases soltas de Caio.

Léo havia se rendido. Talvez porque interpretou aquilo como outra ordem. Não importava a motivação, mas aquilo ali na minha frente já não me atraía. Era como se visse a derrota maior que Léo poderia alcançar naquele estado. Caio tinha chegado ao limite da humilhação contra Léo. Ou eu pensava que sim. Enquanto Léo se afundava no prato; Caio, bruscamente, puxava um dos lados da rede de seu armador e o jogou no chão.

– O quê? por que você jogou no chão. – perguntei confuso.

- Cala a boca, Pedro! Confie em mim! – sussurrou em meu ouvido e se dirigiu a Léo. -Traz o prato aí, pau no cu.

Dei uma cotovelada em Caio de leve, mas ele não reagiu ao meu movimento espontâneo. Segurei o prato que Léo me entregou com a vista baixa. Fique segurando o prato e me perguntei porque Caio estava demorando a aspirar.

— Olha aqui, Leo! — Caio exclamou. Eu já previa mais uma provocação.

Leo subiu a cabeça com os olhos vermelhos e esperou. Eu já virei o rosto e fechei os olhos. De repente ouvi um “Sssssssss” acompanhado de um formigamento em alguns pontos da minha pele. Não demorou muito pra eu abrir os olhos e perceber que Caio havia soprado todo o conteúdo do prato. Parte dele na minha pele.

- Você tá doido? – reagi sem pensar e joguei o prato que por sorte caiu sobre a cama.

-Tá com raivinha? Queria um teko é, Pedrinho?

- Caio, não me provoque. - Léo reagiu.- você já brincou demais. Não mexe mais com Pedro.

- Tá nervosinho também? – Caio me puxou lentamente pra próximo da escrivaninha. Giramos 90 graus. Ele coletou o copo. E virou em um gole. O olhar de Léo era penetrante nele. Não desviava. — Vai fazer o que? Seu viciado!

- Caio! tá bom! – falei nervoso. Já não aguentava mais. Eu estava prestes a me soltar a força.

— Você não se segura né? Eu consigo jogar tudo isso fora, sem nem pensar. – Caio ria de um jeito descontrolado. - Ele não tem controle não, Pedro. Usuário do nível dele é assim.

- Já disse pra parar de mexer com Pedro! - Léo falava se contendo na voz.

- Ou o que que, seu merda? – Caio gritou e lançou o copo vazio contra a parede atrás de Léo.

Aproveitei a distração dele e tentei tirar a faca de perto de mim, mas caio foi ligeiro e pegou ela com a mão livre, aumentando a força do braço no meu corpo.

— Vai! — Caio sussurrou em meu ouvido.

Então, num movimento ágil, Caio me soltou, prendendo meu corpo apenas com uma mão. Uma onda de desespero me consumiu ao tentar me desvencilhar, mas o riso de Caio ecoou de forma sardônica, dirigido a Léo, como se estivesse se divertindo com nosso desespero.

Léo, em um impulso, tentou me ajudar, e quando estendeu a mão, Caio me puxou de volta, mantendo-me próximo a ele. Hipnotizado pelo terror, eu apenas ouvia o riso de Caio.

— Preste atenção, bebê. – Caio sussurrou.

Com um movimento inesperado, ele me empurrou com toda a força que sua mão esquerda podia e me deu um chute forte, fazendo eu colidir contra o chão frio e duro, como se eu fosse apenas um brinquedo quebrado. O eco do impacto se misturou ao grito aflito de Léo.

Olhei pra Caio, e ele apontou a faca pra mim. – “Sai de perto de mim, animal! VAI!” O momento se transformou em uma cena absurda de desespero, onde minha condição de vulnerabilidade estava mais clara do que nunca. Me arrastei pra o mais longe que deu e bati contra a parede ao lado da porta.

Enquanto eu ajustava meu corpo com a dor que eu senti, vi Léo me olhando. Sua boca se abrindo em um silêncio espesso, como se estivesse tentando entender a brutalidade da ação que acontecera diante dele. A incredulidade fazia seu olhar brilhar, mas logo a expressão em seu rosto se transformou em uma ira estrondosa que reverberava em seu corpo tenso. Virei os olhos pra Caio, seus olhos brilhando com um prazer sádico enquanto ele dizia: "É ele que você escolheu, Léo?" Em seguida, atirou a faca para trás dele, se perdendo no escuro do quarto onde a luz não atingia.

O medo maior já tinha ido, embora minha dor corporal fosse forte.

-Léo vamos embora. – falei em meio a dor, mas percebi sua fúria. Minha carne tremia com o olhar de Léo se transformando enquanto se virava pra Caio. Os dentes trincados e as mãos cerradas. Antes que eu pudesse me recompor, vi Caio abrir os braços em um gesto de desafio pra Léo. Um sorriso cruel se formando em seus lábios, revelando uma satisfação perturbadora de ter atingido Léo.

— Não, Léo! — gritei, a voz tremendo de indignação e desespero. – Vem cá! Olhe pra mim!

Léo hesitou por um breve instante, seu peito subia e descia com a respiração ofegante. Dessa vez não era pra me mostrar um espetáculo.

Sem ouvir meu apelo, ele avançou.

***

***

***

CAPITULO 10 - PARTE III

OS TONS OBSCUROS DE UMA AMIZADE ESQUECIDA – 1 / 6

Léo avançou com a determinação de um soldado em campo de batalha, os músculos tensionados e os olhos fixos em Caio. Parecia que tudo ia ser resolvido com aquela investida. Caio, percebendo o movimento, tentou desviar, virando-se rapidamente para o lado. No entanto, Léo foi mais rápido; com um movimento ágil, agarrou o colarinho da camisa de Caio com um aperto firme.

— Você tá maluco, Caio? — Léo gritou, avançando o rosto. — Precisava fazer isso com o Pedro?

Antes que pudesse reagir, Léo desferiu um soco direto no rosto de Caio. O impacto fez a cabeça de Caio se inclinar brutalmente para o lado, e ele instintivamente levou uma das mãos ao rosto, uma expressão de dor se formando em suas feições. O corpo de Caio se arqueou ligeiramente, mas Léo não deu pausa.

— Cadê a valentia, covarde? — Léo dizia enquanto os dois se moviam pelo quarto.

Caio, em movimentos desesperados com os braços, tentava se soltar de Léo, que o aterrorizava com um sorriso silencioso.

— Responde, Caio! — Léo ergueu Caio pelos ombros. — Por que fazer isso com o Pedro?

Caio tentou falar, mas Léo o atingiu de novo, agora no queixo, contorcendo os lábios de dor.

— Ei, para com isso! — Caio pedia, a voz quase sem vida.

Léo balançou a cabeça e, com um impulso, jogou-o contra o chão, seguido de um chute, repetindo a agressão que Caio havia feito comigo. — O cachorro aqui é você, otário!

Eu sabia que aquilo havia terminado. Léo não continuaria, especialmente após organizar a rede no chão e manter a arma à vista no fundo do quarto. Enquanto Léo cuidava da organização, vi Caio ainda no chão, com o rosto suado e manchas de sangue. Ele me encarou, mas falou com Léo.

— Só isso? — Sua voz era séria, mas um sorriso de insatisfação surgia. — Foi só isso que você aprendeu com seu pai?

Ao ouvir Caio, lembrei do impressionante salto de Léo na piscina mais cedo; percebi que seus movimentos de luta não eram de amador. Não culpei Léo por não ter contado isso antes, já que nunca surgiu nas nossas conversas.

Eu apenas não conseguia entender por que Caio desafiaria alguém com experiência em luta. Era uma atitude estúpida, e sua tentativa fútil de instigar Léo não me preocupava. Léo fingia ignorá-lo.

Enquanto Caio tentava se levantar, eu já me preparava para sair do quarto com Léo, deixando Caio em sua frustração.

— Você não vale a pena, Caio. — Léo falou calmamente, enquanto recolhia a rede e a prendia no armador. — Chutar cachorro morto não faz sentido.

Caio riu, mas o que me incomodou foi vê-lo tirar a camisa com uma atitude alterada. — Léo, posso fazer só uma pergunta?

Léo já se afastava, pronto para sairmos. — Faça o que quiser, Caio. Estou fora dessa loucura. Desisti de você.

Quando Léo se virou, segurando a faca de forma segura, ele me olhou com um sorriso enquanto eu já me preparava para abrir a porta. Caio interrompeu a calmaria. — Você diz que chutar cachorro morto não vale a pena... Tente chutar uma cadela para ver como é diferente.

Léo parou e olhou para Caio, com a fúria voltando ao seu rosto. Soltei a maçaneta e, mesmo sentindo dores, me movi em direção a Léo para evitar um novo confronto. Desatento, não percebi quando Caio se aproximou e criou uma barreira à minha frente, fazendo-me cambalear para a outra extremidade do quarto. Tropecei levemente na parede, e embora o impacto tenha sido suave, o riso de Caio o tornou evidente e provocativo: “Chutei a cadela uma vez, mas não deu dessa vez, oh. É massa... chutar sua CA-DE-LI-NHA!”.

Recuperei o equilíbrio e cheguei até Léo, tentando dissuadi-lo. "Ei, Léo. Vamos embora daqui. Ele só quer te irritar." Léo me ouviu e, reconhecendo a instabilidade de seu temperamento, entregou-me a faca.

Caminhamos em direção à porta, enquanto Caio se movia lateralmente, colocando-se entre nós e a parede oposta à porta. Minha mão já tocava novamente a maçaneta.

“Ei, garoto. Achei que você era o macho aqui.” Caio retomou as provocações. “Quem é que fode quem mesmo? Estou confuso agora.” Suas palavras não me afetavam; apenas me inspiravam pena. “"Léo não escuta isso." Concentrei-me na porta, mas então senti a respiração de Léo mudar. Ele girou o corpo em um movimento fluido, colocando um calcanhar na porta e, com o outro pé à frente, impulsionou-se rapidamente em direção a Caio. Quando me virei, vi Léo colidir com seu ombro direito com o peito de Caio. O movimento, rápido e inesperado, pegou Caio de surpresa e o desequilibrou, lançando-o contra a parede com um som abafado.

O impacto trouxe silêncio ao ambiente por um momento. Léo permaneceu parado, encarando Caio com um olhar firme, respirando profundamente e esperando sua reação. A ombrada não foi apenas um golpe físico; foi uma declaração silenciosa de força, lembrando Caio de que sua tentativa de confronto era em vão. Agora mais contido, Caio apenas ofegava contra a parede.

— Caio, pare! — Léo ordenou, ainda que a voz soasse cansada. — Estou exausto disso, cara! Porra!

— Sempre se achou o bonzão, né? — Caio, de joelhos, rebateu com amargura.

— Melhor parar isso... Quero uma vida nova, mano! — disse Léo, com mais firmeza. — Você está paranóico!

— É... a culpa pelo atraso da sua vida é minha, né? — A voz de Caio ficou serena.

— Não é isso! Eu já resolvi... — Léo respondeu mais calmo. — Não quero te machucar.

Léo começou a se afastar, mas Caio interrompeu com um pedido de desculpas em tom choroso. Léo me olhou, incerto. Eu balancei a cabeça em desaprovação, duvidoso de uma mudança repentina, mas hesitei em intervir diante de uma possível reconciliação. Caio repetia várias vezes, mas algo nele me deixava sem crença. Ele se mostrou muito teatral em suas atitudes.

— Caio... não sei o que dizer, cara.

— Diz que você é meu amigo, que vai me perdoar. — Caio escondeu o rosto nas mãos, envergonhado por sua rendição.

— Caio, eu que peço perdão. — Léo se aproximou, tocando levemente o ombro de Caio. — Fui fraco e covarde ao te agredir.

— Eu sei, eu sei... você luta tão bem... fui um idiota, né? — A resposta de Caio era irônica, mas Léo não percebeu e se inclinou mais próximo.

— Por isso digo que fui covarde... — Léo continuou enquanto Caio tocava suavemente sua mão. — Fiquei nervoso quando esse homem chutou Pedro, mas não deveria ter te agredido.

— Eu mereci aquilo... provoquei... nem devia pensar em encostar no Pedro.

Léo mudou um pouco a expressão, mas aparentemente ignorou o tom duvidoso de Caio.

— Pedro, foi mal, viu? — Ele falou, sem me olhar. Senti um leve cinismo em suas palavras. Mesmo assim, achei que seria melhor responder de alguma forma e coloquei o punhal na minha bermuda para aliviar a tensão. “Pedro, não fique assim, mano.” Tentei dar apoio sem me alongar muito.

— Fica assim não, irmão! — Léo disse, apertando o ombro de Caio.

— Irmão? Será que eu mereço isso de você? — Caio transmitiu muito peso na fala, reforçando a ideia de que minha experiência anterior estava confundindo meu julgamento e de que ele realmente estava sendo sincero.

— E por que não, cara?

— Sei lá, Léo... Sempre achei nossa amizade meio estranha, sabe. — Caio parecia se menosprezar, carregando a experiência dolorosa que Léo tinha consigo mesmo.

— Caio, não se preocupe. Léo gosta de você. Isso foi apenas uma briga de família. Vamos deixar pra lá. — falei, tentando não permanecer tão fora do ambiente.

— Será que a gente consegue deixar tudo pra LÁ? — Caio me olhou de forma diferente. A cadência na sua voz me deixava aflito e confuso; não sabia em qual hipótese acreditar. Permaneci calado, mas com os olhos atentos, tentando identificar a mínima alteração em seu corpo.

— A gente consegue, sim! — Léo afirmava confiante, se esforçando para erguer Caio, que pressionava o próprio corpo contra o chão. Léo se abaixou para ficar na mesma altura. — Não tem nada de estranho na nossa amizade, parceiro.

— Não tem, não... você tem razão... — Caio voltou ao tom irônico. — Mas você nunca me falou que sabia lutar... Seu pai que me disse um dia.

Os rostos estavam próximos, e Léo não percebeu a mudança sutil na expressão de Caio.

— Isso é besteira. Nunca falei porque achei que você soubesse.

Caio fez uma pausa, permitindo que o corpo de Léo se erguesse ligeiramente mais rápido. Percebi que algo estava para acontecer.

— Léo, vem cá rápido. Minha mão tá sangrando de novo. — Inventei a desculpa, tentando alertá-lo. Era tarde demais.

— Então, se é fácil adivinhar o que um irmão pode fazer... você deve saber de mim também. — Caio disse.

— Léo, se liga! — Alertei com firmeza.

Léo olhou para mim, e Caio, num ágil movimento, se ergueu, acertando um soco direto no estômago de Léo, que curvou-se de dor com as mãos na barriga enquanto se afastava de Caio. “Ahhhh!” O grito de Léo encheu o quarto de agonia.

— CAIO! — Léo gritou, seu rosto avermelhado de surpresa, enquanto via os punhos de Caio avançando em sua direção. Com muito esforço, conseguiu desviar, usando as mãos para impulsionar-se e levantar.

Léo se esforçava para esquivar dos socos direcionados a pontos vulneráveis, mas Caio encontrou uma abertura e o acertou na mandíbula. Instintivamente, Léo bloqueou o golpe seguinte com o antebraço, fazendo Caio recuar e tentar um chute alto em direção à cabeça de Léo, que rapidamente se agachou e empurrou Caio para trás. Tudo aconteceu em uma velocidade que apenas segundos podiam descrever aquela sequência de movimentos.

Apesar de ofegante, Léo esboçava um sorriso de satisfação, misturado com a decepção por precisar recorrer à força novamente. Caio, por outro lado, parecia mais cruel com seus punhos do que havia sido com a faca que antes me ameaçava.

***

FAÇA UMA ESCOLHA – 2 / 6

Os dois giravam pelo quarto, e Léo parecia mais focado, ressentido por precisar usar a força novamente. Eu, sem experiência em lutas, não queria me envolver; a possibilidade de enfrentar alguém era alheia a quem eu sou. Sentia medo de que um movimento errado pudesse causar sérios problemas, então mantinha a faca protegida para evitar complicações.

— Engraçado, né, Léo? — Caio dizia, já suado.

— O que foi agora? — Léo perguntou, tentando chutar Caio, que sorria e se desviava facilmente. Não estava claro se brincavam ou se a seriedade do começo havia voltado.

— Sei tanto sobre você e nunca percebeu que eu sabia brigar...

— Não sou idiota, Caio. Sempre soube. Desde que vi você se movimentar na praça com os patins... — Léo afirmou, mantendo a defesa firme. — Só não achei que fosse tão bom.

— Nunca perguntou... Por quê? — Caio falou, inclinando a cabeça ligeiramente, suas sobrancelhas arqueadas em desafio, enquanto um sorriso astuto brincava em seus lábios.

— Pra quê, Caio? — Léo devolveu outra pergunta, os olhos fixos nos de Caio, ainda mantendo sua postura defensiva, mas com uma curiosidade evidente surgindo em seu olhar.

— Porque irmãos devem conhecer um ao outro, né? — Caio retrucou, sua voz suavizando um pouco, embora o brilho intenso nos olhos indicasse que ainda estava em alerta.

— Já falamos sobre coisas mais importantes, Caio... Lembra? — Léo replicou, sua expressão relaxando por um momento, como se relembrasse memórias compartilhadas, a sombra de um sorriso se formando em seus lábios.

— Lembro de tudo. Mas quero te contar como aprendi. — Caio disse, baixando um pouco a guarda, sua voz carregando uma mistura de nostalgia e seriedade, enquanto avançava um passo, ansioso para compartilhar um pedaço de seu passado.

— Estou ouvindo. — Léo sorriu curioso, enquanto o clima pesado parecia aliviar ao recordarem o passado.

Caio abaixou os punhos e deu três passos rápidos. Fingindo um ataque, desarmou Léo com um cruzado que abriu um corte em seu supercílio. Léo protegeu os olhos, soltando um grito rouco, enquanto Caio explicava que havia aprendido "na dor", e se afastou.

Eu queria sair e buscar ajuda, talvez meu pai pudesse conter a situação. Sentia-me dividido entre esperar Léo dominar Caio ou gritar por socorro. Léo estava vulnerável, e a intenção de Caio era um enigma. Já havia provocado, ferido, arriscado a amizade... mas até onde ele iria? Matar? Improvável.

Léo mostrava um ar de incredulidade e mágoa, as palavras saindo cheias de dor: "Por que você fez isso, cara?" Eu desejei ajudá-lo, mas hesitei por medo.

Léo protegeu o olho esquerdo, enquanto Caio prendia o cabelo de forma improvisada. Ao atacar novamente, Léo tentou um chute, mas Caio desviou, segurou sua perna e o derrubou no chão. Apesar de Léo cair, admirei a habilidade de Caio; o movimento foi bem executado.

Caio, gesticulando exageradamente e zombando, dizia: — Você pensa que só você sabe fazer esses movimentos “bonitinhos”?

Léo estava claramente vulnerável, sua necessidade de reagir era clara, mas seu corpo não obedecia. Caio colocou seu joelho sobre o braço direito de Léo, pressionando também parte de seu abdômen, e girou ligeiramente o corpo de Léo para imobilizar a mão esquerda, que antes protegia o olho, deixando-o totalmente indefeso. Com a mão esquerda, Caio pressionava o rosto de Léo contra o chão, arrancando dele gemidos de dor. Assisti a tudo aquilo paralisado, consumido por uma sensação sufocante de impotência.

— Vamos acabar com esse showzinho logo, irmão. — Caio declarou, enquanto Léo soltava gritos abafados.

A vontade de implorar para que Caio parasse crescia em mim. Temia pelo que poderia acontecer, mas queria que Léo soubesse que eu tentei de alguma forma ajudá-lo. Minha mente não parava de pensar em como ele se sentiria ao perceber que eu o havia abandonado, mesmo depois de prometer que estaria ao seu lado.

O tempo passava a passos de tartaruga, enquanto os dois se encaravam. Léo, com o olho semi-fechado, exibia amargura, enquanto Caio, com as mãos trêmulas, parecia dividido entre finalizar a luta ou buscar alguma reconciliação.

Nenhum dos dois parecia notar minha presença. Léo fechou os olhos, e a mão de Caio, que mantinha firmemente o rosto de Léo no chão, deixou sua têmpora desprotegida e exposta, como um alvo. Quando vi o braço livre de Caio começar a se erguer, entrei em alerta. Eu não sabia exatamente o que aquilo significava, mas parecia ameaçador.

Um instinto primitivo clamava para eu intervir no confronto, que ficava cada vez mais perigoso. Meu coração batia acelerado, como tambores de guerra, e minhas mãos trêmulas se fecharam ao redor do punhal preso à minha cintura. O desejo de terminar com aquele ciclo de violência era maior que meu instinto de autoproteção.

Observei a faca em minha mão e questionei de onde vinha tanto ódio. Caio parecia à beira de um ato violento, e eu, embora trêmulo e dolorido, ponderava se reagir à violência com mais violência seria certo. Aquele quarto se assemelhava a um cativeiro retendo um ciclo interminável de raiva, porém os sentimentos em jogo eram mais profundos. Cada um de nós carregava as marcas do que havia ocorrido, não só físicas, mas em nossas almas também.

A imagem de meu pai surgiu em minha mente. Entendi que arriscar minha vida significava mais para ele do que para mim. Deixei-me cair ao chão novamente, assumindo a posição fetal. Aceitei que a situação era algo que apenas eles dois poderiam resolver entre si.

***

LAMENTOS – 3 / 6

Minha impotência em interferir era tão forte quanto a lembrança de que eu mesmo havia alimentado em Léo uma possível reconciliação, mais cedo, no quarto da piscina. Foi um pensamento que ele regou com fé e acabou sendo preso nas armadilhas de Caio. O peso do fato de que o perdão nem sempre se aplica atingiu-me em cheio. Eu me sentia mais jovem do que realmente era, com uma mente imatura frente às experiências emocionais que deveriam me moldar. Cada pensamento sussurrava a dúvida de que talvez minha ingenuidade tivesse contribuído para aquela situação, tornando ainda mais desconfortável minha incapacidade de agir.

Todos nós estávamos exaustos, tanto física quanto emocionalmente. Eu precisava ao menos tentar. — Caio... não faz isso, por favor. — Reagi, nervoso.

Caio levantou a cabeça imediatamente em minha direção, obstruindo a visão de Léo com os dedos. Seu olhar, para mim, era enigmático, quase como um pedido de socorro. Eu deveria estar muito cansado para considerar que Caio pudesse ser uma vítima nesta história. Lembrei das palavras do meu pai, que costumava dizer quando falávamos sobre algum livro: “Pedro, quando se tem duas pessoas em uma história, sempre há duas versões.” Tentava abrir minha mente.

Caio então voltou o rosto para Léo, agora com os olhos cobertos, e começou a abaixar a mão como se, de alguma forma, meu pedido tivesse ressoado nele, ou talvez ele tivesse percebido a ilógica de suas ações.

— O que foi que aconteceu com a gente, parceiro? — Léo perguntou, as lágrimas brotando enquanto sua visão se desobstruía, observando Caio diminuir a pressão sobre seu corpo.

“Por favor, por favor”, sussurrava para mim mesmo e fechei os olhos, permitindo-me sonhar que tudo aquilo chegasse ao fim. Caio finalmente se afastou, virando o rosto para a penumbra do quarto, onde nem eu nem Léo podíamos ver sua expressão.

— Por que você não reage, caralho? — Caio retrucou, e sua frase saiu carregada de uma decepção estranha.

O corte no rosto de Léo parecia ter estancado, mas sua pele estava salpicada de sangue coagulado. O temor crescia em mim ao ver Léo se levantar do chão; corri, aproveitando o afastamento de Caio, como se estivéssemos fugindo de um tigre selvagem. Léo me deu um beijo no ombro, sua careta de dor evidente, e pediu para que eu me afastasse. Olhei para ele, carregando uma expressão de dúvida, mas logo percebi, através de seu olhar, que ele acreditava que tudo daria certo a partir daquele momento.

Enquanto eu me movia para me sentar na cama, Léo tocou no ombro de Caio, como se estabelecessem um elo que eu não compreendia. — Eu cansei de reagir, Caio... — ele disse, com uma sinceridade que reverberava naquele espaço carregado de tensão.

— Eu só queria que você visse. — Caio disse, afastando o ombro da mão de Léo, como se estivesse quebrando algum orgulho próprio. — Sempre foi mais fácil para você!

Léo retrucou, balançando a cabeça. — Caio, não foi fácil pra mim... Eu também tenho meus problemas. — A voz de Léo era firme, mas tingida de uma vulnerabilidade que não podia esconder.

— Que problema seu pode ser maior que o meu, Léo? — Caio desafiou, a indignação misturada com dor.

— Muitos, Caio. — Léo falava enquanto pressionava o polegar e o indicador contra o canto dos olhos, lutando contra as lágrimas. — Um deles é ver meu grande amigo assim... se afastando de mim, me traindo.

Nesse momento, Caio se virou, revelando os olhos marejados, embora a expressão rígida ainda encarasse Léo. O medo e a raiva ainda estavam presentes, mas um leve toque de arrependimento começava a surgir. Ele olhou para o chão, como se as respostas que buscava estivessem escondidas nas marcas do combate.

— O que você sabe de traição, Léo? Acha que eu não sou capaz de sentir sua dor? — ele murmurou, seus músculos tensos lentamente relaxando.

— Eu… não sei. — Léo respondeu, agora com a voz mais estabilizada, mas repleta de dúvida.

Caio começou a desprender seu coque bagunçado, olhando para Léo de forma diferente. A incerteza me envolveu, fazendo-me questionar se ele estava preparando um novo movimento traiçoeiro. A maneira como ele tremia ao ter aquela conversa me fez perceber o quão distantes eles estavam. Era como se uma barreira invisível os isolasse de tudo ao redor. Minhas palmas se uniram em frente ao rosto, e suspirei, imaginando um término amigável.

— Se você prestasse atenção... se durante todo esse tempo me julgando, parasse um dia para tentar se colocar no meu lugar... eu acho que você entenderia. — As palavras de Caio reverberavam na sala, aumentando a tensão entre os dois.

— Eu juro que tentei, Caio... — começou Léo, a voz trêmula, sem conseguir mostrar seu rosto por inteiro.

— Se você olhasse tudo que aconteceu com mais atenção...

— Não ia adiantar, Caio... O que ia ser resolvido?

— Talvez você não achasse que eu fosse tão mal quanto você pensa, né? — falou encolhendo os ombros.

— Cara, mesmo assim... ia ser tudo do mesmo jeito.

— Será que ia, Léo? — Caio era enigmático. Suas palavras me confundiam ainda mais; falava em códigos que pareciam intrincados, um mistério que nem Léo conseguia desvendar.

— O que eu tenho certeza, mano, é que a gente já perdeu tanta coisa na vida... — Léo baixou a cabeça, soluçando de dor, uma agonia que penetrava a minha alma.

— Eu sei, Léo. Eu sei! Eu sei! — Caio gritou, sua voz carregada, mas não de raiva. O temperamento dele parecia mais acessível, como se estivesse abrindo uma janela para sua vulnerabilidade.

— Eu sou seu amigo, Caio. — Léo disse, cruzando os braços e se agarrando a si mesmo, como alguém tentando se proteger do frio intenso.

— Eu fui um filho da puta com você, Léo. — Caio falou, incapaz de desviar o olhar do chão, movendo-se de um lado para o outro em um espaço restrito, como se a ansiedade o consumisse.

Nesse momento, Léo se aproximou e parou o movimento desordenado de Caio, segurando seu pescoço com uma mão firme. Foi um gesto tão diferente, carregado de uma verdade tão poderosa que pude sentir a força daquele contato mesmo à distância. Finalmente, senti que as coisas estavam encontrando o caminho certo. Meu rosto começou a relaxar ao ver os dois mais próximos. Um sorriso de satisfação fraternal iluminou o rosto de Léo, enquanto o de Caio se contorcia em dor e culpa.

— O que aconteceu com a gente? — Caio repetiu a pergunta não respondida de Léo, quase suplicando por compreensão. — Eu desisto. Você é demais, Léo.

— Vem cá! — Léo exclamou, prendendo-o em um abraço, a voz trêmula de emoção. — A gente ainda pode fazer a diferença, mano! Sonhar... lembra?

— Eu já disse que lembro... Eu não estava mentindo, cabra burro. — Caio respondeu, mantendo um tom de deboche, mas agora rendido e correspondendo ao abraço.

— Tudo vai dar certo, parceiro. — Léo falava, tentando me olhar de lado, um sorriso que me trouxe tranquilidade. Dessa vez, não havia jogos. Tudo parecia fluir de forma natural.

A faca ao meu lado no chão parecia insignificante, especialmente ao sentir que, por um breve momento, tudo voltava a se alinhar. Mas, infelizmente, Léo foi acometido pela necessidade de continuar o diálogo que deveria ter terminado no abraço.

— Agora, eu me sinto mais forte. Com você de volta. — Léo disse, um brilho de esperança nos olhos.

— Deixa de drama, Léo. — Caio retrucou, brincando com a sensibilidade de Léo. — Comece de novo, não.

— Tô falando sério, mano. — Léo se desprendeu de Caio e, com um gesto puro, ajeitou o cabelo do amigo. — Você sabe que agora eu vou sair do esquema, né?

— É... eu até posso tentar sair. — Caio respondeu, sem muita empolgação, como se estivesse apenas tentando atender às expectativas de Léo.

— Foco! Agora eu quero mudar tudo. — Léo exclamou, me olhando com um sorriso, enquanto eu retribuía, ainda carregando o peso dos eventos. — Agora, com você me apoiando, eu consigo melhorar de vida para que eu e Pedro possamos nos ver mais vezes.

Caio girou a cabeça em um pequeno ângulo, lançando um olhar triste em minha direção, balançando a cabeça em desaprovação. — Sério isso, Léo?

— Sério, mano! — Léo insistiu, tentando puxá-lo para um novo abraço, mas Caio, em um movimento inesperado, empurrou-o levemente. Léo, pego de surpresa, foi lançado contra a parede.

— O que foi, homem de Deus? — Léo exclamou, perplexo com a reação inusitada, enquanto eu já me preparava para o que sabia que estava por vir.

— Papo torto, mané. — Caio gritou, parado, com a indignação viva. — Você pedir pra apoiar vocês dois... você só pode estar brincando comigo.

Léo ficou em silêncio e, ao me olhar, a mensagem era clara: ele não entendia o que tinha acontecido, mas sentia a tensão no ar.

— Fracassado! — gritou Caio, com os lábios tremendo, sem saber se a raiva que emanava era de fato por Léo ou por ele mesmo.

Léo se desencostou da parede, a testa franzida e a expressão esforçando-se para parecer amigável. Os olhares tristes e violentos que trocavam, somados à tensão em seus corpos, eram o prenúncio de que uma nova luta estava prestes a eclodir. Contudo, desta vez, seria uma luta emocional, e certamente a mais violenta e dolorosa para todos nós.

***

OLHE MAIS DE PERTO – 4 / 6

Agarrei a faca enquanto os dois se encaravam, escondendo-a sob a cama. Não ia arriscar.

— Pedro, sai daqui! — Léo pediu, a urgência na voz.

— Como assim? Vou não! — respondi, agindo como uma criança teimosa. — Sem você, não.

— Vai proteger, o bebezinho? — Caio debochou.

— Não mete ele nisso, Caio. — Léo falou sério, a expressão no rosto escondendo a ameaça que sua voz carregava.

— Quer impressionar ele, né? — Caio se virou para mim, e eu o olhei sem medo, cansado de ser uma sombra naquele quarto. — Tá com carinha feia, Pedrinho? O que foi?

A provocação de Caio me irritou, e eu me levantei. — Cara feia é a sua, maluco! — gritei, vendo as expressões de deboche que ele fazia.

— Pedro, fica na sua. — Léo pediu, tentando manter a calma.

— Ele tá machinho agora, Léo... — Caio reagiu, empolgado em querer desequilibrá-lo. — Do jeito que você gosta. Quando eu esmurrava sua cara safada enquanto você gemia com minha pomba no seu rabo.

— Caio, você não vai me envergonhar, não. — Léo falava devagar, tentando disfarçar o ódio que crescia dentro dele. — Pedro, sabe tudo de mim.

— Sabe? — Caio respondeu com sarcasmo.

— Ei, revoltado! — eu chamei Caio.

— PEDRO! — Léo me alertou, mas não surtiu efeito.

Quando Caio se voltou para mim, soltei o que estava preso. — Você é rancoroso com a vida porque Léo não quer você.

— Vai se foder, viado!

— O viado aqui é correspondido, e você vai viver só!

— Eu devia ter cortado sua garganta! — Caio avançou, seus olhos denunciando a raiva enquanto se movia em minha direção agitado.

— EI! — Léo segurou Caio pelo ombro, afastando-o da minha direção. — Pedro, sai daqui! Vai lá em Luiz e chama ele! Vai!

— Já disse que não vou sair daqui sem você, Léo! — afirmei, contundente.

— Vai não? — Caio trincou o silêncio me olhando. — Então deixa eu perguntar.

— Caio! — Léo interveio, percebendo que um veneno saía da boca suja de Caio. — Deixa disso, cara!

— É muita proteção... Você talvez nem goste dele, Léo! — Caio falava, olhando para Léo, mas tentando talvez penetrar minha mente com sutileza.

— Você não sabe nem o que é gostar, Caio! — Léo respondeu, a voz firme.

— Porra! Vai ser burro assim no quinto dos infernos, caralho! — Caio se desequilibrou ao ouvir Léo seguro, e sua voz transcendeu em desespero. — Você que não sabe o que é gostar...

Interferi, minha voz se tornando uma vítima do silêncio que me dominava. — Ele sabe sim. Aprendeu comigo!

Caio riu perversamente. — Outro burrinho... — Ele olhou para mim e apontou para Léo. — Já pensou que esse fracasso aqui só quer se aproveitar de você? Porque seu pai tem dinheiro?

— Caio, você não sabe o que está dizendo, irmão. PARA! — Léo falava, tentando manter o equilíbrio.

— Você é um mal amado, isso sim! — gritei. — Já pensou que ele quer ficar comigo porque eu não sou estúpido nem viciado como você?

Léo avançou para me proteger da reação automática de Caio, colocando seu corpo entre nós. A situação estava fugindo do controle, e Léo se continha, os punhos cerrados, percebendo que eu estava fora de mim. Ele tentava manter a sanidade emocional, mas essa luta verbal estava se tornando uma ameaça. Não via mais em Caio o desejo de brigar; era perceptível que, se ele quisesse, poderia facilmente me atingir. Aquilo tudo que ele gerava era apenas uma forma de desestruturar todos nós, de brincar com os sentimentos frágeis de Léo e minha imaturidade.

— Quer saber? Que se foda tudo mesmo! — Caio gritava, afastando-se de Léo, que agora estava ao meu lado como um cão de guarda. — Se eu sou viciado, Pedro, é graças a ele aí do seu lado.

— Caio, por favor, mano. Você tá descontrolado. — Léo mantinha os olhos fixos em Caio, uma intensidade crescente na expressão.

— Você que levou ele pra esse grupo doente. — Eu falei, enquanto Léo me segurava, mesmo sem eu mostrar sinais de que partiria pra cima de Caio.

— Ele entrou porque quis! Se viciou e quis se drogar com o dinheiro. — Caio retrucou, com desprezo na voz.

Léo sentiu as palavras de Caio penetrarem como facas afiadas. Sua expressão endureceu, e a tensão em seu corpo se tornou visível, como uma tempestade se formando dentro dele. A cada repetição das acusações que o atingiam, era como se um novo pesar se acumulasse em seu peito, desencadeando frustração e dor.

— Você que me viciou! — Léo gritou, o rosto avermelhado de raiva, as mãos cerradas em punhos. Ele buscava controle, respirando fundo, mas a raiva começou a consumir seu interior. Seu corpo tremia sob a pressão das palavras, e seu olhar tornava-se afiado, pronto para atacar.

— Eu não fiz nada! Você quis entrar no esquema! — A voz de Caio ressoava cheia de desprezo.

— Eu cheguei a esse ponto porque você escondeu aquele vídeo de mim! — Léo gritou, reprovação transparecendo em cada sílaba.

— Eu escondi aquela porra de vídeo pra ter você perto de mim! — Caio confessou, sua voz desgastada, quase rouca, como se estivesse à beira do desespero. — Se não tivesse feito isso, você nunca ia ter essa porra de motivação que eu admiro.

— De novo isso? Se você realmente gostasse de mim, Caio, teria me deixado ir... — Léo se virou, sentando-se na cama, cobrindo o rosto para evitar mostrar as lágrimas que se formavam.

Caio tentava esconder o choro, virando-se de costas para nós. Léo, com o rosto coberto, se manteve em silêncio enquanto eu me aproximava e me sentava ao seu lado. Foi então que ouvimos Caio quebrar o silêncio. — Eu tenho culpa de ter deixado você amarrado... isso eu até aceito. Mas eu tentei me afastar de você...

— Quando? Me lembre aí! Porque não sei quando foi isso. — Léo falou, erguendo o rosto e limpando as evidências do choro.

— Quando comecei a me vender e usar pó pra tentar esquecer essa dor que sinto quando olho pra você. — Caio arqueou os ombros, prendendo um soluço de um choro que transparecia a dor por trás de suas palavras.

— Você era meu amigo, devia ter dito algo pra mim. — A voz de Léo tremia, sem parecer entender o que Caio revelou.

— Dizer essa porra é muito fácil, né? — Caio se virou, indignado. — Pra você é tudo tão simples... sempre pensando o pior de mim...

— Eu não tenho culpa, Caio. Você que aparentou querer o pior de mim.

— Luiz me disse uma vez que eu ia me destruir gostando de você.

— O Luiz é outro doido que nem você... esse bagulho aí que você tá falando é o maior caô.

— O grupo todo sabe! — Caio gritava, implorando para que Léo o entendesse. — Você que nunca prestou atenção!

— Sabe de nada, Caio. — Léo falava enquanto minha mente, apesar de confusa, estava mais focada. — Você tá só querendo me confundir.

— Se você soubesse o que passei em casa pra voltar a falar com você... — Caio falava amargurado. — Perdi o contato com o velho quando mamãe descobriu que eu tava no pó. Voltar a falar com você só piorou.

— E por que você voltou, Caio? Era pra ter deixado do jeito que estava. — Léo não estava prestando atenção.

— Porque você precisava de mim. Do dinheiro pra ajudar lá na sua casa... — Caio falou, e minha mente foi recompondo o compasso.

— Mentira sua! — O rosto de Léo se contorceu. — Você me chamou porque foi egoísta, queria me controlar.

Léo olhou para baixo, tapando a vista. — Você só quer saber de brincar comigo, colocar eu no fundo do poço, destruir minha vida. — Ele soluçava com a cabeça baixa.

— Nem eu falando você consegue entender, né? Por isso a gente precisa passar por isso, Léo. — A voz de Caio não tinha mais filtros.

O maior insight da minha vida aconteceu quando levantei a cabeça e me deparei com a expressão mais dolorosa que eu já havia visto até então. Caio foi pego desprevenido e, quando notou, aceitou que era tarde demais para continuar escondendo de mim. Nos encaramos, e minha boca lentamente se abria enquanto ele gesticulava os lábios sem emitir som: “Conseguiu entender agora?”.

Os lábios de Caio tremiam. Olhei nervoso para Léo, que estava debruçado e chorando, e voltei meu rosto para Caio. Várias lembranças vieram à mente, mas a mais forte foi ele dizendo: “Olhe mais de perto...”.

Deixei escapar a respiração que estava presa e finalmente compreendi o motivo de tudo o que Caio havia feito até então.

***

AS JANELAS DE CAIO – 5 / 6

Enquanto Caio me encarava, uma onda de memórias começou a assolar minha mente. Frases que ele pronunciara em momentos de raiva, dor e vulnerabilidade ecoavam em minha memória, como uma orquestra fúnebre.

“Pedro, Pedro, Pedro... achei que você fosse o inteligente aqui.”

“Olhe mais de perto que você vai saber!”

“Eu que sou o malvado aqui?”

“Eu quero que você me odeie!”

“Você ainda não entendeu nada, né?”

“Ninguém morre hoje!”

“Isso aqui é um jogo que eu cansei de perder!”

“Você ainda pensa que é sobre isso? Ainda não tá vendo do que se trata, né?”

“Acho que você ainda não entendeu nada.”

“Já sabe como terminar isso, né?”

“Não tem coragem nem de me odiar”

“Eu não quero sua amizade.”

“Você pensa que eu não vi vocês dois na praia?”

“Você não sabe de nada, Léo.”

“Cala a boca, Pedro! Confie em mim!”

“Preste atenção, bebê.”

“Se você prestasse atenção...”

“Se você olhasse tudo que aconteceu com mais atenção...”

Consegui entender que a intenção de Caio sempre foi encontrar alguma forma de Léo o odiar. Aquilo tudo que ele fez nunca teve a intenção de machucar Léo, mas sim de sacrificar a si mesmo para conseguir esquecer Léo. É muito mais fácil esquecer uma pessoa que o odeia do que uma pessoa que é compreensiva. Carregar uma máscara para si e outra para o mundo deve ser doloroso.

Caio mexeu os lábios novamente, me transmitindo um pedido de desculpas. Sua face era a mais gentil e acolhedora que eu já tinha visto em alguém, como se outra pessoa estivesse me olhando. Virei o rosto, tentando não acreditar, enquanto minha falta de voz impedia de controlar o retorno de Caio ao seu personagem.

— Você sempre se colocou acima de todo mundo, né, Léo? — Caio começou a gesticular e dar voltas de um lado para o outro. — A culpa de tudo é sempre dos outros... você não passa de um drogado!

— Caio, eu não sei por que você tá dizendo isso. Me perdoa, cara. — A voz de Léo estava mudando, a vulnerabilidade começando a dominar seu tom, como se, no fundo, ele tivesse entendido a mensagem de Caio, mas estivesse em negação.

— Perdoar pelo quê? Por me desprezar? Ou por me trocar por essa desgraça? — Caio apontou para mim, com o ódio tentando encobrir a dor que sentia ao ter que refazer mais uma tentativa de Léo o odiar.

— Não fala assim com ele, Caio! — Léo pediu, levantando-se. Minha mão estática alcançou seu braço, mas foi jogada de lado pelo início de um descontrole emocional de Léo.

Caio já havia feito de tudo comigo. Ele sabia que não era suficiente para atingir Léo, pois falar de mim já havia mostrado que não o afetava da forma necessária. Aquilo me deixava um pouco tranquilo, mas, para minha surpresa e infelicidade, Caio realmente o amava e sabia como acabar com tudo. Talvez nunca tivesse usado o que era preciso porque temia que Léo não tivesse apoio emocional em seguida. Ver que eu saberia conduzir a situação de alguma forma talvez o deixasse mais à vontade para fazer o que viria a seguir.

— Quer saber mais, Léo? Você é um fracassado! Não conquistou nada esse tempo todo. — Caio exibia o desprezo e deboche que me irritaram durante tanto tempo, mas agora sua máscara era translúcida para mim. Eu conseguia ver a dor ao ter que vesti-la. Era como se finalmente eu tivesse penetrado todas as camadas dele.

— Caio, para. A gente resolve de outro jeito. — Eu falei, tentando o impedir, sem saber no momento suas intenções.

Caio ignorou. Responder a mim com ironia deveria ser difícil para ele. Ele já estava suportando muita dor para ter que desferir mais injúrias contra mim.

— Você sabe que eu tentei, parceiro. Sempre que posso ajudo eles. — Léo falava com uma tristeza insuportável.

Eu sentia a dor por mim, por Léo e por Caio.

Tentei agarrar Léo, enquanto ele chorava pedindo para Caio não falar dos pais dele. Eu não entendia como Léo não via os olhos de Caio. Era tão claro para mim.

— Léo, ele não está dizendo isso de verdade. Preste atenção!

Vi Caio suspirar, talvez por ter encontrado a deixa ou por sentir que não conseguiria aguentar mais tempo.

— Pedro, ele é burro. Deve ser o pó que está torrando a pouca inteligência dele.

— Mano, é sério — a preocupação emergiu na voz de Léo, que se preparava para agir. O ambiente parecia à beira de uma explosão.

— Caio, não faz isso, cara. Por favor! Isso não vai acabar bem! — tentei.

Caio não me olhou, mas notei a boca se contrair de angústia antes de sepultar qualquer tentativa de paz naquele quarto.

— Não vai acabar bem para você, Pedrinho. Já disse... Léo não é homem para você... vai ser difícil seu pai aceitar um filho se envolver com um NOIDADO... um fodido e NOIADO!

Caio repetiu, com sua máscara saboreando cada letra da palavra, mas sua dor era tão real quanto a minha e a de Léo.

— Como é, Caio?!

Levei a mão ao rosto e virei em sinal de desistência. E quando Caio finalmente respondeu a Léo: “Você é um fracasso de gente, seu NOIDADO!”, fechei os olhos e meu corpo girou de súbito em desespero ao ouvir a pancada violenta de um murro que rasgou o ar abafado do quarto, acompanhada pelo grito de dor de Caio.

Era a dor da pior agressão que alguém pode receber: daquela pessoa que se ama.

***

O QUE RESTOU DE NÓS – 6 / 6

"Repete, seu bosta!" Minhas mãos pressionavam meus ouvidos, tentando bloquear os gritos de Léo, enquanto meus olhos permaneciam fechados, impedindo-me de assistir à violência dos golpes que ele desferia. A voz estridente de Léo ecoava repetidamente, enquanto a resposta pesada de Caio vinha entre os baques de seu corpo contra a parede.

"Repete, repete, repete..." As ordens de Léo para Caio pareciam ser dirigidas a mim, pois sua voz ressoava incessantemente em minha mente. Eu cerrava os olhos com força, tentando afastar a imagem de Caio da minha mente. Cada soco era mais agonizante que o anterior. As paredes vibravam com a intensidade da discussão, quase como se o próprio espaço sentisse.

Eu havia testemunhado o ápice da cumplicidade entre eles e, por um pequeno descuido, estava ali, sendo a causa de todo aquele tumulto. Agora, tudo isso estava se desfazendo, e minha única reação era permanecer imóvel de costas para eles.

"Repete..." A voz de Léo soava sem fôlego. "Repete, para mim..." O quarto não emitia mais os sons de pancadas. "Repete, agora..." Olhei para trás e vi Léo forçando o antebraço contra o pescoço de Caio, prendendo-o à parede, enquanto seu outro punho mirava o rosto de Caio coberto pelos cabelos.

Corri e agarrei o braço de Léo com toda a força que conseguia, mas ele estava rígido. Não conseguia mover nada. "Repete, infeliz!" Léo estava tão nervoso que nem percebeu que eu o segurava pelo braço. Com um movimento descuidado, Léo acertou meu queixo, o que me fez gemer de dor e cambalear para trás. Levei a mão à boca e vi sangue escorrendo. Léo soltou Caio e, para meu total desespero, olhou para mim, vendo o sangue que escorria no meu rosto, mas não se aproximou. Apenas arregalou os olhos de ódio e gritou: "Já disse para você sair desse quarto, Pedro!"

Minha incredulidade foi interrompida quando vi Caio com as mãos sobre os joelhos, a cabeça inclinada, cuspindo sangue no chão. Léo, ainda com a expressão carregada de ódio, ordenou que eu saísse. Sem hesitar, agarrou meu braço, arrastando-me em direção à porta.

Sem aviso, Caio agarrou meu braço e o de Léo, tentando desesperadamente me libertar. — Solta ele, Léo! — Caio dizia. Léo reagiu empurrando Caio ao chão, soltando minha mão. Meu pulso estava vermelho, e Caio, ferido, parecia implorar para que eu saísse dali.

Léo, surpreendido pela intervenção de Caio, recuou ligeiramente, mas logo seu olhar de fúria se voltou para Caio. "Ah, então é isso? Você está encenando agora para me colocar contra o Pedro?" acusou Léo, seu tom cheio de desconfiança e raiva, olhando nos olhos de Caio à procura de alguma traição invisível.

"Léo, você perdeu o controle..." Caio disse com dificuldade, tossindo enquanto pressionava a costela. Léo, porém, estava indiferente, procurando algo pelo quarto. "Descontrole, é? Você vai ver ainda," murmurou, enquanto eu vi que era a faca que ele estava procurando.

Ao perceber sua intenção, eu precisava tirar a faca do quarto e trancá-la. Com Léo distraído, fui até a cama, peguei a faca e a coloquei na cintura. Sinalizei para Caio que precisava da chave. Caio, desesperado e possivelmente temendo a insanidade de Léo, veio em minha direção, tirando a chave do bolso, com a intenção de sairmos e trancar Léo. Entretanto, Léo percebeu seu movimento e veio em nossa direção, pensando que Caio pretendia me machucar.

Caio se atrapalhou ao se aproximar de mim, e a cena parecia uma briga, especialmente aos olhos de Léo. Consegui tomar a chave de Caio, joguei a faca fora e tranquei o quarto, escondendo a chave.

Léo puxou Caio para longe de mim. "Vou mostrar a você, Caio! Quer machucar Pedro, é? Cansou de apanhar, não é?" — Léo vociferava. Caio foi jogado no chão novamente, enquanto eu insistia: "Léo, ele não ia fazer nada. "Você é bom demais, Pedro," comentou Léo, insano.

Com o corpo ferido e a respiração ofegante, Caio começou a se erguer lentamente do chão. Seu rosto era uma mistura grotesca de marcas e cortes, desfigurado pela brutalidade dos golpes. O lábio estourado, os olhos arroxeados e inchados, um fio de sangue escorrendo de sua sobrancelha. Ele lutava contra a dor que pulsava em seu corpo, determinado a buscar uma última conexão.

— Léo… — balbuciou, a voz fraca, lutando para formar palavras. Mas a angústia se misturava ao desespero, transformando sua tentativa em um murmúrio quase incompreensível, que se perdeu.

Léo, ainda ofegante, observava Caio se levantar, o próprio corpo se sentindo exaurido. Cada respiração era mais difícil que a anterior.

Quando Caio finalmente conseguiu se erguer, estendeu a mão, um gesto de perdão, apesar de toda a dor e destruição que os cercava. Seu olhar, mesmo com a desfiguração, brilhava com um misto de arrependimento e esperança. Porém, Léo, ainda tomado pela fúria dentro dele, não conseguia ver além da raiva que o consumia.

Num impulso irreprimível, Léo lançou-se mais uma vez. Em um ataque brutal, desferiu um golpe que acertou Caio no rosto. Caio foi lançado para trás, sua cabeça atingindo o chão com um baque seco, enquanto sangue jorrava de sua boca e nariz, manchando o chão de vermelho. O corpo de Caio caiu já inconsciente.

Léo, agora parado e ofegante, ficou ali por um momento, com a adrenalina se esvaindo. Parecia cansado, como se tudo o que aconteceu naquele quarto tivesse desabado sobre seus ombros. Ele olhou para o chão, onde Caio estava prostrado.

— Léo! — gritei ao conseguir me levantar, com a vista ainda embaçada. Seu olhar vagou, por um instante, até mim.

— O que foi que eu fiz… — murmurou Léo, caindo de joelhos ao lado de Caio, exausto. Sua fúria pareceu se desfazer no rastro de cansaço. Seus olhos se fecharam, parecendo transmitir uma sombra de dúvida junto a um custo emocional elevado.

Foi ao chão.

Me levantei rangendo os dentes e olhei para o chão, um mar de sangue, Caio desfigurado, sem sinais de vida. Um tremor de choque atravessou meu corpo, paralisando-me por um instante. Dei passos trôpegos para trás, a mente em frangalhos, lutando para escapar da visão horrenda à minha frente. Minhas mãos foram à cabeça em desespero, como se assim pudesse bloquear a cruel realidade.

Quando percebi a profundidade da tragédia que se desenrolara, fui tomado por um pânico avassalador, enquanto tentava processar a transformação do que um dia fora amizade em agressão brutal.

Um grito desesperador escapuliu de meus lábios: “Aaaaah!” — um uivo de desespero que parecia ter sido solto pela primeira vez. O espaço estava saturado com um silêncio opressivo, apenas interrompido pelo som da minha respiração entrecortada.

“Me perdoa, coroa.” Finalmente, as lágrimas se soltaram, escorrendo pelo meu rosto enquanto a realidade começava a se petrificar. A única coisa que eu podia fazer era observar, impotente, o colapso de duas vidas diante de mim.

Destranquei a porta com o corpo fraco. Corri para fora do quarto e, ao sair, fechei a porta como se pudesse desfazer tudo o que tinha acontecido ali. Olhei através do corredor, e meus joelhos fraquejaram. A escuridão, junto ao silêncio, me arrastou para o mesmo lugar onde, anos atrás, eu havia chorado fortemente pela última vez.

O medo do escuro ressurgiu, e ali, escorado contra a porta, tudo o que eu queria era um abraço do meu pai para me puxar de volta à sanidade e restaurar o que ainda restava de mim.

***

***

***

CAPITULO 10 - PARTE IV

O QUE FAZER QUANDO A ESCURIDÃO VENCE? – 1 / 6

As lágrimas escorriam livremente, e o desespero se transformava em um choro contido, enquanto a sensação de solidão aumentava. — Aparece, por favor... cadê você?

Sentia-me paralisado, como se algo ou alguém estivesse me segurando, dificultando cada respiração, que parecia falhar cada vez mais sob a pressão sufocante no peito. A pouca iluminação da cozinha aparecia ao final do corredor, mas minha visão se turvava, e o chão parecia sumir. Meu raciocínio estava sufocado, e minhas mãos tremiam ao entender que o medo do escuro era real, e estar ali desamparado se tornava gradualmente mais difícil.

Tentei encontrar forças, mas parecia que, se conseguisse, a realidade se tornaria mais confusa, e meu medo e desorientação só aumentariam. Depois de tentar puxar ar inúmeras vezes, o medo de morrer sufocado me gerou adrenalina e consegui me levantar.

Corri sem rumo, meus passos deixavam rastros de pânico por sentir a presença estranha de alguém perto de mim. Em alguns momentos, fechava meus olhos, mas a visão de Caio me assombrava, e ao abrir os olhos, minha visão embaçada permitia que meus pensamentos me dominassem. Era impossível não pensar em toda destruição emocional que presenciei e vivenciei naquele quarto.

Não reconhecia onde estava; o corredor parecia mais longo e sinistro. Era como afundar em um looping de pânico. Os gritos de dor de Caio repetiam em minha mente. A visão de Léo caindo, sem conseguir dizer o que queria, misturava-se tempestivamente em minha cabeça. Todo aquele escuro à minha frente parecia esconder uma ameaça, e me sentia voltando aos 6 anos, tentando fugir de monstros escondidos por detrás dos móveis.

A necessidade de gritar era grande, mas minha voz falhava, e a garganta travava quando tentava emitir um som. Mesmo diante do desespero, não cogitei subir os degraus na cozinha e chamar meu pai. Seria uma escolha para a qual não estava preparado. Explicar a ele aquilo tudo era como confessar que existiu; queria apenas que ele chegasse até mim sabendo de tudo o que ocorreu e dissesse que estava tudo bem.

Tentava voltar ao quarto para saber se realmente aquilo havia sido verdadeiro, mas minhas pernas não obedeciam. Procurei o celular e não lembrava onde estava. Queria fortemente Marcelo ali comigo, mas meu raciocínio era pesado e turvo. Lutei por vários momentos antes de decidir seguir o caminho do corredor principal. Corria movido pelo instinto e, por várias vezes, fui impedido por móveis que se camuflavam na escuridão que já havia retomado o controle sobre mim. A luz mais forte que enxergava vinha da porta lateral que dava acesso ao pequeno vão onde estava a escada de hóspedes. Atravessei a porta que, provavelmente, meu pai deixou apenas encostada mais cedo, talvez para dar acesso facilitado ao Luiz, caso fosse preciso ver o Caio.

Disparei escada acima, ainda ofegante, com passos que atravessavam dois degraus por vez. Ao chegar ao andar, meus pés apressados ficaram trêmulos ao saber que precisaria pedir ajuda a Luiz. Tinha medo de sua reação. A imagem dele em minha mente era de uma pessoa irritadiça, mas era tudo que eu tinha naquele momento, visto que eu já havia descartado chamar meu pai. Cheguei à suíte, e a batida na porta foi um desespero físico, como se cada golpe pudesse também desalojar toda a ansiedade.

Quando Luiz finalmente abriu a porta, sua aparência jovem, vestindo apenas um calção com bordados de cores fortes, só não destruía a imagem dele como adulto por seu cabelo prateado marcar sua idade madura. Seu olhar confuso parecia implorar por resposta, ainda em ritmo de maresia.

— O que houve, rapaz? — ele perguntou, a voz ainda sonolenta, tentando despertar completamente. Seus olhos semicerrados mostravam que ele ainda lutava contra o sono. — Aconteceu alguma coisa com Caio? Cadê seu pai?

A presença de Luiz, inicialmente uma ameaça em minha mente, tornou-se inesperadamente reconfortante; mesmo assim, aquelas perguntas deixaram minha boca como um deserto, e mal consegui emitir uma palavra coerente.

Ele franziu a testa, deu as costas para mim e procurava algo na cama bagunçada, aparentava ser seu celular, pois assim que o encontrou, o largou e foi ao banheiro. Minha feição de desespero pareceu ofuscada no escuro fora do quarto, então entrei sem ser convidado. Ele falava algo consigo mesmo, como se ainda não tivesse estranhado eu bater à porta de seu quarto de madrugada. Tentar um diálogo com ele pela primeira vez tornava a situação embaraçosa.

Ouvi-o murmurar para si mesmo: "Marcelo... não posso nem sonhar que você abriu a boca..." As palavras eram baixas, mas a preocupação em sua voz não passou despercebida. Vi-o lavar o rosto com calma, fazendo-me acreditar, em minha mente confusa, que sua presença não seria mais reconfortante. Minha crise interna aumentou, e me permiti descansar as pernas ao sentar na cama de seu quarto, a cabeça baixa e as mãos tensas sobre o colchão. Meu corpo reagiu ao pedir socorro em silêncio.

— Pedro... — ouvi sua voz perturbada, parecia que tinha notado meu desespero interno.

Eu soluçava quando o vi e, com muito esforço, gaguejei. — Me ajuda, Luiz... por favor.

Senti os braços de Luiz me puxarem da cama e me colocarem de pé. Ele me observava calado. Depois de um breve momento, Luiz me olhou nos olhos e notei a preocupação em seu rosto, tão marcante que superava seu estado de sono. Ele percorria meu corpo, notando detalhes como a tremedeira, o suor, a ferida na boca, e a marca visível de angústia: a forma como eu apertava as mãos.

Percebi, naquele instante, que ele havia captado a magnitude do meu estado, e a preocupação em seus olhos fez desaparecer a sensação de sonho que eu vivia. Até então, havia um abismo entre o que pensava ter visto e o que era real, porém esse abismo figurou-se apenas como uma tentativa fracassada do meu cérebro me proteger quando verbalizei. “Caio… ele… está lá embaixo. Ele está machucado! Eles precisam... de ajuda... eu não sei, não sei!” Minha voz saia como se estivesse destruindo um vácuo.

Luiz, cada vez mais ciente, parecia tentar escapar de alguma conjectura. — O que foi, Pedro? Como assim? — Ele também estava apavorado, mas minha percepção não estava tão aguçada.

— É o Léo! O Caio... ele provocou o Léo... — falava tentando manter a ordem dos acontecimentos. — Mas Caio não queria fazer aquilo... Caio queria... Ele está ferido! Eu... não sei o que fazer! — eu falava sem conexão nenhuma. Não havia como construir uma frase completa.

— Pedro, olha aqui para mim. — Luiz me olhou com um olhar tão penetrante que notei sua firmeza. — O Caio tá vivo?

Baixei a cabeça enquanto Luiz me pressionava por uma resposta. Pedi para ele parar de gritar, mas sua voz, apesar de firme, não tinha alteração no tom. Era uma percepção causada pela minha agitação. “Eu não sei! Eu não sei, Luiz!”

— Seu pai sabe de alguma coisa? — perguntou, sem obter resposta. Eu estava perdido. Ele aguardou alguns segundos e reformulou com a voz alta, não com grosseria, mas para tentar me alertar da urgência. — PEDRO! O Douglas viu alguma coisa?

Olhei para ele assustado pelo grito, mas que me despertou. — Não, senhor. Ele tá dormindo.

Com um “ótimo”, Luiz desprendeu-se de mim e, com agilidade, trocou o calção por uma bermuda preta e vestiu uma regata da mesma cor.

— Eles brigaram por causa... — tentei explicar.

— Não precisa mais nada, Pedro. Eu acho que já sei o que aconteceu... — Ele parecia onisciente, quando o vi responder pegando o celular repousado na cama.

— E o que você vai fazer? — perguntei, sentindo algo nele me contagiar.

— Não, Pedro. Eu não vou fazer nada sozinho. — falou puxando-me pelo braço, como se fôssemos amigos. — Cuida, Pedro!

Saímos do quarto e descemos a escada com tamanha velocidade que parecia que meu corpo estava esquecendo seu colapso. Minha surpresa ao ter Luiz ao meu lado aliviou um pouco o terror que eu precisaria presenciar novamente. A adrenalina da urgência era, aos poucos, um possível remediador do que, mais tarde, eu saberia ter sido minha primeira crise de ansiedade.

***

QUANDO O MEDO FALA E A ALMA RESPONDE – 2 / 6

— Você sabe onde é?! — perguntei ao perceber que ele estava na dianteira, através do corredor principal.

— Eu estava com seu pai, mais cedo quando voltamos do hospital! – respondeu meio sem fôlego. – Fui até o quarto com eles.

Ao chegarmos à cozinha, parei Luiz antes que ele entrasse no corredor onde estava o quarto em que Léo e Caio estavam. Ele parou sem que eu fizesse esforço. Ficamos calados por algum momento, olhando a escuridão do corredor rompida muito fracamente pela fresta de luz saindo por debaixo da porta. Estar ali, a poucos passos do lugar que me transformou, fez com que Luiz expressasse em seu rosto o pensamento do pior. O silêncio parecia ficar tenebroso. Luiz olhava ao redor e pareceu compreender meu nervosismo.

— O que eu vou ver ali naquele quarto, Pedro? — Luiz perguntou, dirigindo-se à geladeira, seus músculos tensos como se estivesse se preparando para uma batalha. Ele tentava amenizar meu medo, mas sua ansiedade era evidente pelo jeito que suas mãos tremiam levemente ao tocar na prateleira, buscando um copo.

— Eu acho que Caio tá... — parei, incapaz de concluir o pensamento de uma morte lá em casa. Meu peito apertou e me deixou em silêncio.

O fato de me preocupar mais com Caio do que com Léo me angustiava, mas sabia que, se Caio não estivesse vivo, Léo sofreria as consequências.

— Não, Pedro. — Luiz se serviu de um copo de água que aparentemente era destinado para mim, mas não pareceu se importar. — Você está nervoso, menino. — Ele me olhou nos olhos, tentando me transmitir alguma segurança.

— O Léo vai ser preso, né? — falei como uma criança, permitindo-me ser vulnerável na frente de Luiz. — O senhor vai conseguir me ajudar?

Luiz ergueu a sobrancelha enquanto me observava com uma sutil desaprovação, e um leve sorriso surgiu em seus lábios, mesmo em meio à gravidade da situação. Bem no fundo, lembrei do que Léo me falou sobre ele não gostar de ser chamado de senhor. Seria cômico se o momento não fosse tão sério.

— Pedro, eu vou lá primeiro. Para tentar acalmar você. — Ele desceu o copo, com a fisionomia segura, porém já sabia reconhecer o medo quando o via no rosto de alguém.

Respirei fundo, tentando controlar o desespero que ainda me envolvia. A maturidade e presença dele começaram a me trazer de volta. Minha respiração começava a fluir melhor.

Ele seguiu com passos firmes, enquanto eu caminhava lentamente em direção à entrada do corredor. O medo e a ansiedade me guiavam. Observando Luiz se aproximar, decidi que tinha que avançar. No meio do corredor, vi Luiz parado após abrir a porta, seus olhos se arregalando com surpresa, e a preocupação sendo mais bem refletida. Ele entrou como um raio.

Corri e, ao entrar no quarto, vi Luiz de pernas dobradas dividir sua atenção igualmente entre os dois. Seu olhar percorria Léo e Caio sem preferência, apesar de Caio estar mais machucado. A visão de ambos quase me derrubou novamente, e a adrenalina evaporava aos poucos, dando lugar à tristeza.

Me senti aliviado ao sentir a descrença de Luiz. Parecia que eu havia encontrado empatia e não me sentia mais tão só.

Luiz se levantou, pesaroso. — O que aconteceu aqui, Pedro? — O medo sufocante e a dor do que estávamos enfrentando eram maiores que qualquer explicação. Em vez disso, respondi com um olhar silencioso, um apelo sincero por compreensão. Luiz respirou fundo, fazendo um esforço visível para manter a calma.

Olhei para Léo e me aproximei dele, tocando sua testa. Ele estava respirando com dificuldade e parecia vagamente consciente, distante, mas completamente desorientado.

— Ele está bem — Luiz falou devagar. — Caio... já não sei.

Olhei para Caio. Ele ainda estava inconsciente. Hematomas escuros e o sangue seco manchavam sua pele pálida. "Eu não posso deixar que ele morra, Luiz!" implorei, quase desesperado. Sentia-me dividido entre a preocupação com a vida de Caio e o medo cruciante de ver Léo pagando pelas suas ações. Luiz me olhava e percorria os dois, com pensamentos vívidos em minha interpretação. Estávamos em um dilema.

— A situação é grave, mas ainda estão vivos, é o que importa. — Luiz falou, a voz controlada.

— Vai ser o jeito chamar ajuda, né? — perguntei, encarando-o com expectativa. A intervenção médica era tentadora, mas a pressão de manter a situação em segredo me fazia hesitar.

— Calma! — Luiz disse, segurando meu braço com firmeza, seus olhos focados em mim como se tentasse transmitir coragem. — Se nós fizermos isso agora, Douglas vai descobrir tudo. Precisamos pensar com clareza.

Suas palavras acalmaram meu pânico, mas, ao mesmo tempo, geraram um lampejo de racionalidade em meio ao frenesi. Léo ficaria bem com meu suporte, mas deixar Caio assim, vulnerável e sem ajuda, me lançava em uma espiral ainda mais intensa de ansiedade.

- Como vai ser, então? – indaguei.

—Não podemos deixar qualquer indício do que aconteceu aqui. Douglas... ele não pode descobrir. — Luiz enfatizou, seus ombros se tencionando, como se o peso dessa responsabilidade estivesse sobre ele.

Enquanto ele falava, as paredes da casa pareciam se fechar ao nosso redor, amplificando minha sensação de claustrofobia. A imagem de Caio deitado, a respiração quase inexistente e o rosto irreconhecível, ardia na minha mente como uma ferida exposta.

— O que vamos fazer, então, Luiz? — perguntei, sentindo a urgência em cada sílaba. — Precisamos ajudar eles.

Ele se virou, olhando para os dois, e então olhou novamente para mim, como se estivesse formando um plano em sua mente. A expressão dele era de foco e determinação, sinalizando que tínhamos que agir rápido, mas de forma pensada. Ele se aproximou de Léo, examinando seus ferimentos rapidamente.

— Precisamos colocá-los em outro lugar — disse Luiz, sua voz firme, como um chamado para a ação. — Essa situação pode ficar feia se não agirmos rápido.

— Não! — protestei. — Ele precisa ficar aqui. Eu... eu cuido dele! — falei, voltando minha preocupação para Léo.

Luiz me encarou com surpresa, mas percebi que havia um entendimento em seu olhar. — Não disse para tirarmos eles daqui da sua casa. A gente tem que achar um lugar para cuidar deles até eu pensar o que fazer.

— E como isso vai ajudar, Luiz?

Luiz se inclinou e começou a pegar Caio cuidadosamente. — Marcelo me falou que tem um quarto fora da casa, né? Seu pai disse para mim, antes de eu subir, que você estava com Léo mais cedo nesse quarto.

Olhei para ele sem entender o que ele queria fazer. — Tem sim!

— Consegue levar Léo para lá? — ele suspirou enquanto suspendia Caio nos braços. — Acelere, pegue ele e vamos logo para esse quarto.

Concordei enquanto tentava erguer Léo, sentindo a adrenalina fluir novamente em minhas veias. A pressão estava em cada nervo do meu corpo. Com um esforço conjunto, fizemos o caminho até o quarto da piscina. A caminhada me fez entender que os ajudar seria impossível em meio a todo o caos que o quarto estava. Um lugar tranqüilo seria uma alternativa bem consciente.

Ao chegarmos, coloquei Léo na cama e Luiz deitou Caio no chão, dizendo que seria melhor, pois estava com muito sangue em seu corpo e o chão, de certa forma, seria melhor para prestar os primeiros socorros. Com mãos trêmulas, liguei todas as luzes do quarto. Agir em segredo, com a mesma urgência que um médico em uma sala de emergência, começou a se formar em minha cabeça, mas a pressão da responsabilidade era desestimulante. Confiei que Luiz tinha uma base de conhecimento sólido em primeiros socorros.

— Você vai precisar de quê? — perguntei rapidamente. — Tem muita coisa aqui e algumas na cozinha.

— Eu quem pergunto, Pedro. É você quem vai adiantar eles. — Luiz me lançou um olhar sério, sua expressão desafiadora.

— O que, Luiz? — falei, fingindo não entender, mas sentindo um aperto no coração.

— Marcelo me falou de você... falou muito! Como é que ele chamava você? Espera aí... — Luiz franziu a testa, um sorriso maroto começando a surgir. — Tá na ponta da língua...

— Luiz, eu não...

— PRODÍGIO! — gritou. — O irmãozinho prodígio dele, que sabia de tudo um pouco.

A confiança de Luiz me impactou, fazendo-me lembrar dos ensinamentos de meu pai nas horas ociosas entre nós. A recordação da infância, as lições sobre primeiros socorros, agora pareciam distantes sob a pressão do momento.

— Luiz, eu nunca fiz isso assim. Eu já fiz algumas coisas... tipo curativo para os vizinhos. Limpar uma ferida..., Mas nada era desse jeito — eu falava, a voz hesitante enquanto tentava escapar da responsabilidade que agora pesava sobre mim.

— É o suficiente, garoto. — Ele disse isso olhando nos meus olhos, como se quisesse que eu sentisse a importância da situação.

— Eu... sim, mas e se eu errar? E se eu piorar as coisas? A culpa vai ser toda minha! — a angústia transparecendo em meu tom.

— Olha, se você sentir a pressão aumentando, respire fundo e se concentre. Lembre do que você precisa fazer. Você é filho de Douglas! — Luiz tocou no ponto que poderia mexer com meu ego. Falar que sou um reflexo do meu pai me motivou.

— Eu ainda tô nervoso, Luiz. — O medo escapulia de meus lábios, a insegurança ecoando na sala.

— Não tá não — ele disse, balançando a cabeça. — Quando você me acordou, estava fora de si. Não conseguia pronunciar uma palavra... Agora tá aqui e não vejo nem rastro do pânico em você mais.

— Eu tenho medo de não conseguir, sabe? — confessei.

— Nunca tive contato com você, menino. Nem confio em você o suficiente. Mas acho que você tem o suficiente dele aí para tentar o melhor. — Apontou para Léo.

— Mesmo assim... E minha preocupação com Caio é igual pela vida dele...

— Vamos combinar assim: se você ver que não consegue de jeito nenhum, eu mesmo subo as escadas e chamo seu pai. Explico tudo pra ele...

— Certeza?

— Agora você precisa me prometer que vai dar o seu melhor.

A pressão e a angústia foram esmagadas. Percebi que eu era mais que a sombra de um covarde. No quarto, enquanto os dois calçavam o caminho onde estávamos agora, eu fui apenas uma sombra. Era hora de mostrar que eu seria capaz de muito mais. A situação era desesperadora, mas havia um senso de propósito ali. O caos se tornava um pouco mais suportável, pois sabíamos o que éramos obrigados a fazer. Sem dramatizar o momento, acenei lentamente com a cabeça para Luiz.

Decidimos que eu iria me concentrar nos primeiros socorros, enquanto Luiz voltaria ao quarto da briga e esconderia todos os vestígios do confronto que acontecera lá. Quando Luiz saiu do quarto, satisfação e surpresa me envolveram ao perceber a parceria inesperada que havia se formado entre nós.

***

QUANDO SE TEM A CHAVE, NÃO SE VÊ JANELAS – 3 / 6

Trinta minutos haviam se passado desde que Luiz saiu. O tempo parecia escorrer por entre meus dedos enquanto finalizava os cuidados com Léo. Depois de cuidar de Léo, minha atenção se voltou para Caio, cuja situação me preocupava profundamente. Precisava estar 100% focado nele, por isso o deixei por último.

Ajoelhado no chão do quarto, ao lado de uma luz suave que entrava pela janela, comecei a limpar o rosto de Caio com soro, tentando remover o sangue seco para ver melhor as lesões.

Foi então que Luiz voltou ao quarto, sua presença marcada por um suspiro de alívio misturado com a seriedade do momento. “Já arrumei a bagunça no quarto,” ele anunciou, inclinando-se sobre mim para avaliar a situação. “Precisa de ajuda aqui?”

“Sim, por favor,” respondi, sem desviar o olhar preocupado de Caio. “Pode me ajudar a limpar o resto dos ferimentos dele?”

Luiz se ajoelhou ao meu lado, pegando um pano limpo e continuando a tarefa com dedicação. Enquanto trabalhávamos, o silêncio do quarto foi preenchido pelo som suave de nossas vozes, um antídoto contra a tensão que nos cercava. Ele começou a falar, quase como um desabafo. “Sabe, sempre foi difícil pra mim esconder do Léo o quanto Caio se importa com ele.”

“Por quê?” perguntei, enquanto examinava cuidadosamente os hematomas de Caio.

“Caio sempre se preocupou com Léo, mas usou a chantagem do vídeo íntimo para manter Léo por perto,” explicou Luiz, suas palavras refletidas por de anos de experiências. “Ele sabia que, se Léo se afastasse, poderia se afundar nas drogas.”

Assenti, começando a entender a complexidade da situação. “Léo me contou que sair do grupo Tekados seria mais fácil pra ele. Disse que estar com vocês o afundava mais.”

Luiz parou por um momento, seus olhos vagando por memórias distantes. “Léo não se conhece o suficiente. A solidão, a vulnerabilidade dele... só quem o conhece bem sabe...” Aquilo me fez ouvi-lo atentamente. Uma nova perspectiva parecia melhor pra mim. “Ele foi se tornando um rapaz importante pra mim. Muitas vezes, apaguei os vídeos que ele gravava porque não suportava vê-lo triste em vender sua imagem. Quando está drogado ele não se importa... é solto... é uma pessoa diferente.”

Ergui os olhos para Luiz, vendo nele não apenas um mentor, mas um homem lutando contra o peso de decisões difíceis. “E como ele ganhava dinheiro... se você não usava os vídeos dele?”

— Caio sempre dava uma parte do seu dinheiro pra eu entregar a ele — Luiz falava baixo, parecia temer que Léo escutasse. — Ele nunca soube disso. Caio queria que Léo pensasse que o dinheiro era dele. Ele tem bastante dinheiro guardado...

— Léo me disse que o dinheiro que eles ganhavam era pouco... Caio ajudava como? — perguntei, tentando visualizar coerência.

— E é! Por isso Caio continuou com os programas. Pra Léo não desconfiar, Caio me usou pra levar ele até os clientes quando era preciso — Luiz suspirou. — Nem sua moto ele comprou ainda, por receio de Léo se sentir inferiorizado... Eu o ajudei porque, de certa forma, Caio também aparenta ser instável.

Eu me atrapalhei um pouco, Luiz percebeu logo e perguntou se tinha falado demais. Balancei a cabeça, fervendo ao perceber o quanto tinha sido injusto com Caio sem saber do que ele já fizera por Léo.

— Imagino as coisas que Léo deve ter falado pra você, mas acredite em mim, Pedro — Luiz falava cada palavra com cuidado. — Tem verdade no que ele diz, mas muita coisa ele criou para lidar com sua fraqueza... Ele acha que os meninos e o grupo são uma conspiração... uma vez ouvi dizer que ele comentou que havia tráfico de pessoas envolvido. Ele fantasia demais... é muito emotivo.

— Eu percebi, mesmo nesse pouco tempo — comentei, sentindo desabafo na fala de Luiz.

— A primeira vez que saí com ele, estava muito drogado e tinha acabado de discutir com minha esposa — ele disse, seus olhos sombreados por lembranças.

— Você é casado? — perguntei, surpreso com a revelação.

— Poucas pessoas sabem — Luiz respondeu, evitando meu olhar.

— Marcelo sabe? — a pergunta saiu antes que eu pudesse pensar duas vezes.

— Marcelo sabe tudo o que precisa saber — Luiz afirmou com um suspiro.

Enquanto ele me falava que quando passou o efeito da droga no outro dia se sentiu com remorso por ter instigado Léo a usar cocaína e, por isso, transferiu um valor alto pra ele. Sua voz parecia estar carregando culpa. Eu não quis entrar em detalhes, mas fiquei curioso sobre a situação em relação a Marcelo.

— Luiz, desculpa aí, mas vou te perguntar uma coisa... — falei, e Luiz apenas concordou como se não temesse responder nada. — Você realmente é apaixonado por ele? Por Marcelo?

— Ainda não sei — ele respondeu pensativo.

O choque me atingiu. — Sério? Você ainda não sabe o que realmente sente por Marcelo? — perguntei com incredulidade.

— Não gosto de dar nome a nada. Cada pessoa é o que escolhe ser — Luiz foi direto.

Luiz transmitia sabedoria e confiança. Me veio desejo de ir além. — Você... se considera gay? — precisava saber. — Desculpa se estou sendo invasivo.

Luiz arqueou uma sobrancelha, curioso pela pergunta. — Não vou me incomodar se você parar de me chamar de senhor — sorriu, e eu retribui o gesto. — E você? Está se sentindo em dúvida sobre você? — ele me questionou.

— Não tive tempo ainda pra pensar — admiti, me sentindo agitado, mas sabendo que aquele ambiente e momento eram seguros. Ter essa conversa explicitamente com alguém seria difícil, mas nunca imaginei que a primeira pessoa com quem eu faria isso seria Luiz.

— Você precisa de tempo ou da aprovação do seu pai pra saber? — ele perguntou com uma expressão séria.

— Tenho medo de falar sobre isso com ele, mesmo sabendo que ele me viu com Léo mais cedo, deitados juntos — confessei.

Luiz assentiu, compreendendo.

— A aproximação de vocês dois foi muito intensa e rápida. Pode ser que vocês precisem desacelerar — sugeriu.

— Eu não sei como conduzir a situação entre nós — disse, sentindo-me confuso sobre o futuro.

Luiz olhou para mim com uma expressão pensativa.

— Olha, apesar de eu gostar do Léo e sintir que fiz errado em ajudar Caio a prendê-lo, fico feliz, porque se eu não tivesse feito isso, Léo nunca teria conhecido você — ele disse.

— Por que você acha que o Léo é apaixonado por mim? — perguntei, intrigado.

— Não disse que ele é apaixonado por você. Disse que fico feliz por ele ter conhecido você — ele me corrigiu rindo. — Mas não acho difícil. Ele chegou a salvar uma foto sua no celular, você voltando de bicicleta da escola — Luiz explicou, com o rosto sério.

— Sério? — retruquei, achando que ele estava brincando.

— É verdade! Caio me mostrou — ele insistiu e ria lembrando da situação — Fiquei até com medo de ele se descontrolar... sei lá. Nós dois ficamos preocupados pensando ser aquele tipo de pessoas obcecadas por outra. Ele é instável... você viu né? Esses dois são mais parecidos do que imaginei um dia.

— Eu vi um pouco disso nele, mas comigo parece ser diferente — balancei a cabeça, confuso.

Luiz ligava a lanterna do celular para encontrar alguma ferida exposta na cabeça de Caio.

— Não sei por que Léo se apegou a você tão rápido. Mas desconfio... — falou, mostrando-me um corte já estancado.

— Eu me apeguei a ele também — respondi, limpando a ferida na cabeça de Caio com água oxigenada.

— Ele tem um instinto de protetor..., você é mais jovem que ele e tem a cara de animalzinho indefeso — riu. — Talvez ele sonhe em ter uma pessoa assim. Sem ter a vivência das drogas, isso poderia dar a ele motivação pra sair desse mundo.

Enquanto terminávamos de tratar os ferimentos de Caio, refleti o quanto eu e Luiz nos aproximamos em tão pouco tempo e decidi soltar algo que me incomodava.

— Vou te dizer, Luiz... eu tinha um ódio de você quando Léo falou sobre o envolvimento que você teve com o vídeo — confessei, sentindo receio em compartilhar aquilo.

Luiz pareceu surpreso, mas logo sua expressão se suavizou. — Eu entendo, Pedro. Você só tinha a versão do Léo. Qualquer um ficaria na sua posição — ele respondeu calmamente.

Senti um peso se aliviar, mas a culpa ainda pesava em mim. — E como vai ser com Léo e você a partir de agora? — perguntei, curioso com o que Luiz achava da situação.

— Mesmo que ele queira, não vou aceitar ele no grupo — Luiz afirmou com firmeza. — Já tenho muita culpa... ele vai decidir agora o que fazer.

Aquilo me atingiu como um soco no estômago. — E Caio? — perguntei, buscando em sua expressão alguma resposta. — Depois disso tudo, como ele vai ficar?

— Não faço ideia. Apesar de conhecer os sentimentos de Caio por Léo, não o conheço bem — Luiz respondeu, sua expressão refletindo preocupação.

— E eu devo contar tudo a Léo sobre ele? — indaguei, hesitante.

— Não! É melhor ele pensar o pior. Caio sofreu muito buscando esse ódio de Léo — Luiz aconselhou, e suas palavras ressoaram em mim. — Se precisar falar algo pra ele, tente não falar nada que o faça procurar Caio, pode ser?

— Eu sei. Pode ficar tranquilo... Ele tentou irritar Léo de todo jeito. Algumas vezes achei que Léo tinha chegado ao limite do ódio... nem quando Caio precisou usar a força comigo — disse, tentando sanar as duvidas comportamentais que tinha sobre Léo.

— Você tá entendendo? Caio só machucou você porque achou que seria suficiente... – Luiz falou tentando prender os cabelos de Caio. e resmungou em seguida. - Cabelo grande esse de Caio. A gente podia aparar né? – falava sorrindo, deixando o ambiente descarregado de responsabilidade.

Lembrei-me de como Léo só ficou realmente preocupado quando a faca na mão de Caio foi em direção ao meu pescoço e falei pra Luiz.

— Tenho certeza de que Caio não ia fazer nada com você...

— Eu sei! Já entendi. Léo talvez não se perdeu porque pensava que eu estava em risco de vida.

— É, mesmo assim. Essa história de faca é perigoso.

- Foi difícil, Luiz. -comentei.

-E o que foi que fez Léo se descontrolar de vez? — Luiz perguntou, coletando os itens que usamos para descartar.

— Caio o chamou de noiado — respondi, envergonhado.

Luiz balançou a cabeça, como se desconfiasse. — Um dos meninos do grupo ficou tão viciado que, antes de se internar, ficou conhecido como o "nóia do grupo". Depois, ele fugiu e roubou os pais — contou Luiz, sua voz carregada de um peso que não conseguia ignorar. — Talvez isso tenha afetado Léo..., mas ele nem chegou a conhecer esse rapaz... só ouviu a história.

Eu concordei e encerramos o que podíamos fazer por Caio. Léo já se mexia na cama e Luiz fez sinal de silêncio, chamando-me para fora.

Senti que o vínculo entre mim e Luiz se fortaleceu. Entre trocas silenciosas de compreensão e gratidão, criamos um espaço seguro onde, apesar de todas as dificuldades e segredos sombrios, havia também esperança de cura e redenção.

Quando Luiz saiu com Caio nos braços, me virei para Léo. Tive a ligeira sensação de vê-lo fechando os olhos antes de eu sair.

***

UM BREVE ADEUS – 4 / 6

— Vou levar Caio para minha casa até que isso desapareça nele. — Luiz falava enquanto íamos em direção à garagem.

— O que eu vou dizer ao coroa?

— No caminho, passo um áudio para ele, dizendo que precisei levar Caio para casa porque não estava aguentando o Léo passando sermão nele por causa das drogas.

Concordei, reconhecendo que, embora esconder a verdade não fosse ideal, naquele momento parecia ser a única maneira de lidar com o que havia acontecido.

— E o Léo? — perguntei abrindo o portão da frente. — Você vem buscá-lo?

— Volto à tarde para pegar nossas coisas. Léo vai decidir o que fazer. Não quero que ele continue se sentindo preso.

O momento da despedida estava próximo, e eu já sentia saudades de Caio. Queria conhecê-lo de verdade. E Luiz já era uma presença confortável para mim. — Obrigado, Luiz, por estar aqui. Eu não sei o que faria sem você. — Eu realmente me sentia assim. A presença dele tinha sido uma âncora em meio a todo o caos.

— Você vai ficar bem, Pedro. — Ele falou enquanto acomodava Caio no banco traseiro. Fechou a porta, deu uma leve batida em meu ombro e ouvimos um sussurro dentro do carro. Luiz ligou a lanterna e apontou para Caio, que fechou os olhos. Luiz mudou a direção da luz, e me inclinei.

— Pedro, eu... eu sinto muito por tudo isso. — Caio falava com dificuldade. — Nunca quis que as coisas chegassem a esse ponto.

Luiz não se envolveu e eu logo falei para ele não se preocupar. Peguei sua mão. — Você vai ficar bem, Caio.

— Um dia eu vou consertar tudo o que fiz com você. — disse ele, com sinceridade na voz.

— Não precisa pensar nisso, Caio. — falei, sem entender completamente suas palavras.

— Eu juro! — Ele falou, e seus olhos foram fechando.

— Ele tá com sono, Pedro. — Luiz fez uma pausa. — Entre, Pedro. Léo vai precisar de você quando acordar.

Assenti. — Fiquem bem, vocês dois. Cuidado com a estrada — pedi, mas Luiz, com um sorriso, sacudiu um saco de cocaína. Rimos, parecia uma piada interna nossa.

O motor do veículo roncou, e eu me afastei um passo, Luiz acenou com a cabeça e, em um último gesto, deu uma rápida batida no teto do carro, como um sinal de despedida. O carro se afastou lentamente, deixando para trás a escuridão da noite enquanto eu permanecia ali, observando-os partir com o pensamento fixo nas últimas palavras de Caio: “Eu juro.”

Quando as luzes do carro desapareceram na distância, desviei meus pensamentos e entrei em busca do que realmente era importante para mim.

***

NÃO HÁ HORA PRA DORMIR – 5 / 6

Quando cheguei ao quarto, encontrei Léo acordado, mexendo no meu celular. Parecia estar jogando. Parei na porta, encarando-o, e um silêncio estrondoso se instaurou. Nenhum de nós parecia saber o que dizer.

Léo largou o celular e tentou se sentar na cama. Quando conseguiu, olhou para mim vulnerável.

— Você vai me perdoar? — perguntou Léo, com a voz baixa.

Senti um frio na barriga, mas me aproximei lentamente, sentando-me ao seu lado. Um sorriso involuntário surgiu em meu rosto.

— Acho que gosto de você, Léo — confessei, e a simplicidade da frase parecia ter sido intensificada pela minha rendição.

Léo abriu o rosto, surpreso. Havia algo em sua expressão que me fez sentir que ele não acreditava nisso. — Eu não mereço tanto de você — ele respondeu, a voz tremendo levemente.

— O pior já passou — tentei confortá-lo, mesmo sabendo que as palavras eram mais fáceis de dizer do que de viver.

— Você acha que o Caio vai ficar bem? — Léo perguntou, com os olhos concentrados na minha boca um pouco inchada.

— O que você escutou, Léo? — perguntei enquanto ele beijava meu queixo.

— Acho que o final... escutei Luiz pedir para você não falar algo para mim.

— É melhor você não pensar mais nisso. Nada vai acontecer de ruim, nem para o Caio nem para você — assegurei, querendo que ele acreditasse nas minhas palavras. — Me prometa que não vai atrás disso. Pode ser?

Léo concordou e me puxou para a cama com um abraço. Quando bocejei, ele me disse que eu precisava dormir, por causa da aula. Olhei para o relógio e percebi que já eram mais de 5 da manhã.

— Não preciso mais dormir agora — respondi, tentando disfarçar a exaustão. — Não tem como eu ir para a aula hoje.

Léo riu, e aquele som me trouxe de volta ao nosso momento naquele quarto na noite anterior. — Por que você sorri quando eu falo que não quero dormir?

— Eu estava lembrando de uma música — Léo explicou, ainda sorrindo. – já falei.

— Sim! A música... lembrei. Qual é? Quero ouvir — disse, curioso.

Ele começou a procurar a canção no celular, enquanto eu me sentia ansioso para saber mais. Quando encontrou, mostrou a faixa para mim.

— Olha, o nome é "No One’s Here to Sleep" — disse ele, com os olhos brilhando.

— Não conheço essa música — confessei.

— É uma que eu escutei na primeira noite aqui, quando tomava banho. Apareceu como sugestão no Spotify. Gostei da melodia, mas não entendia nada — ele respondeu, pensativo. — Quando fui ver a tradução, me lembrei das noites que passei virado sem dormir.

Senti um aperto no peito ao ouvir isso, mas queria conhecer a música. Apertei o play e me senti capturado por ela, sem entender seu significado. A música nos envolveu em um silêncio compartilhado. A noite estava longe de ser perfeita, mas havia algo reconfortante na companhia um do outro, mesmo em meio ao caos.

— Não entendo nada, mas é boa de se ouvir — comentei, prestando atenção na melodia suave que preenchia o ambiente. — Deixa eu ver a tradução.

Léo sorria quando eu li a tradução: “Ninguém está aqui para dormir.” Olhei para ele, e rimos juntos pela coincidência da noite, antes de continuarmos escutando a música.

A música continuava tocando, preenchendo o ar com emoções que palavras não conseguiam expressar. Era como um pacto silencioso entre nós.

O mundo exterior, com suas complexidades e ruídos, se desvaneceu, restando apenas a suavidade do momento. O ritmo da canção nos confortava, como se cada nota estivesse sussurrando segredos de um passado compartilhado e de um futuro incerto. Seus olhos brilhavam, e percebi que aquela música estava tocando algo profundo dentro dele.

— Pedro, você já pensou no que vai fazer daqui pra frente? — ele perguntou suavemente, como se não quisesse quebrar a magia do momento.

Senti uma onda de emoção subir em meu peito. Era como se a melodia estivesse capturando todos os nossos momentos juntos, todos os risos, as lágrimas e as conversas significativas, condensando em uma única experiência sensorial. O mundo poderia desmoronar lá fora, mas ali, naquela cama, éramos inquebráveis.

Léo me olhava com intensidade, seu rosto tinha uma expressão que variava entre nostalgia e esperança.

— Ainda não consegui pensar nisso — confessei, desviando o olhar para os lençóis, que agora estavam um pouco desordenados sob nossos corpos. — Se eu pudesse parar o relógio...

— Eu entendo — respondeu ele, com a voz mais tranquila. — Mas e a gente?

A questão flutuou entre a gente, e o tempo pareceu se estender ainda mais, como se o universo estivesse aguardando a minha resposta. Olhei novamente em seus olhos e vi sinceridade, um desejo genuíno de compartilhar algo mais profundo.

— Eu quero, Léo. Quero, mas ainda preciso me resolver com meu pai. Tem a Carla. Mais tarde preciso conversar com ela— disse, sentindo meu coração acelerar e tentando usar a sabedoria de Luiz como guia para minha fala. — A gente pode ir devagar, para saber como vai ser, né?

Ele sorriu enquanto a música chegava ao fim, envolvendo-nos em seu abraço sonoro. A última nota da canção se dissipou lentamente, e um silêncio confortável tomou conta do quarto. A tensão dos últimos dias parecia ter sido dissolvida, deixando uma sensação de paz.

— Obrigado — Léo murmurou, e eu sabia que ele se referia ao nosso vínculo, à maneira como conseguíamos entender um ao outro em meio ao caos de nossas vidas.

— A gente vai ficar bem — respondi.

Nos beijamos, e com um movimento brusco de surpresa nos desprendemos ao ouvir a porta se abrir e meu pai entrar no quarto com uma expressão confusa, segurando a faca que eu havia jogado no corredor.

Engoli em seco antes de perceber que precisaria mais do que uma história de última hora. Era necessário usar o que sempre usei com ele: a verdade.

***

A CURVA DO INFINITO – 6 / 6

Apesar da situação inusitada de encontrar uma faca no corredor, ela não estava manchada de sangue. O desespero do meu pai foi substituído por tranquilidade quando me viu. Sem perguntar nada, ele apenas me abraçou, e notei Léo com a cabeça baixa, escondendo a mão enfaixada por debaixo do lençol.

— Você tá bem, meu filho? — ele perguntou, olhando para nós com uma expressão confusa.

— Eu preciso conversar com você, pai — respondi, tentando manter a calma enquanto sentia a tensão aumentar.

Ele franziu a testa e olhou para Léo, e, para nossa surpresa, puxou sua mão enfaixada, convicto do que ia ver, o que me deixou confuso. — Vocês deveriam ter me chamado.

Olhei para Léo, que estava tão surpreso quanto eu. — Pedro, meu filho, eu sou seu pai. — Sua voz confessava que ele tinha ciência do que havia acontecido.

— Pai, eu ia contar — falei, querendo redenção, mas curioso.

— Recebi uma mensagem do Luiz. Ele me explicou tudo. — Ele falou, tranquilizando-nos de qualquer confusão.

Léo olhava meu celular, lendo alguma coisa, enquanto meu pai perguntava se ele estava sentindo alguma dor. Léo balançou a cabeça, agradecendo. Peguei o celular da mão dele, que tinha uma mensagem de um número não salvo.

(Mensagem de Desconhecido para Pedro): "Pedro, espero que você não se chateie. Falei a verdade para seu pai. O que ele precisava saber, somente. Não entrei em detalhes que não me pertencem. É meu sinal de agradecimento. Nada que comece com mentira vai longe. Um abraço para você."

Eu sorri de nervoso, mas suspirei de alivio por não ter que mentir.

Léo se levantou da cama e pediu desculpas. — Eu vou sair para vocês conversarem — disse ele, dando alguns passos em direção à porta.

Para minha surpresa, meu pai interrompeu:

— Espera, Léo. A gente vai com você.

— Mas, pai, eu realmente quero conversar... — insisti.

— Conversar o que, meu filho? Vocês já passaram por muita coisa de ontem pra hoje. — Ele disse, com uma calma que não combinava com a minha inquietude.

— É sobre a gente, pai. — Falei, vendo Léo baixar a cabeça ao lado da cama. Parecia que ambos estávamos esperando o pior.

— Eu vi vocês dois ontem, meu filho. O que mais quer falar? — Ele falou e se virou para Léo. — Você podia ficar com a gente mais uns dias. Luiz disse que você não tá trabalhando agora e que você tá livre.

As últimas palavras do meu pai fizeram Léo deixar escapar um choro. Meu pai se levantou e foi até ele. Meus olhos deixaram cair lágrimas sem freio. Meu corpo gelou dos pés à cabeça quando o vi abraçar Léo.

— Eu sei que você tem um problema, rapaz. — Uma das suas mãos pressionava a nuca de Léo, que chorava como um desabafo preso, e meu pai talvez fosse para ele o pai que podia sentir a dor de um filho. — Se você quiser, eu consigo ajudar você com isso... Besteira, rapaz. Você é muito novo. Você não é viciado, não.

Conseguia sentir a magnitude das palavras e o quanto elas significavam para Léo enquanto ele pedia desculpas ao meu pai, que ignorou e o soltou sutilmente, me vendo chorar.

— Ei, coroa. Foi mal, mas eu não aguentei — falei enquanto secava o rosto com o dorso das mãos. — Chorei ontem e agora de novo.

— Pedro, eu sei que você é muito fechado por dentro por causa daquela falsa lembrança sobre o choro — ele falava, e eu já tentava manter o olhar firme. — Eu tenho tanto orgulho de você, meu filho.

— Por que falsa lembrança, pai?

— Porque você carrega esse fardo desde criança. Nunca falei porque achei que poderia nos afetar.

— Falar o quê?

— Pedro, eu choro quando é preciso. Nunca deixei. Ontem mesmo, chorei antes de dormir... - ele disse, como se revelasse algo simples, mas que me pegou de surpresa.-

Antes de me deitar, lembrei de vocês dois na cama, juntos.

Assustado, olhei para ele. — Você sentiu desgosto? — perguntei, minha voz tremendo levemente.

Ele balançou a cabeça. — Antes de acordar Léo, fiquei uns cinco minutos olhando vocês... meu filho, você tinha um rosto tão descansado, parecia tão... como posso dizer?

— Feliz? — Léo perguntou emocionado.

— Não... não é só isso. Vocês pareciam gostar da presença um do outro. Eu não posso dizer mais. Vocês precisam descobrir por si mesmos — concluiu com um sorriso leve nos lábios.

— E tudo bem para o senhor isso, pai?

— Pedro, não basta apenas não chorar. As pessoas felizes de verdade também precisam sorrir — seus olhos sinceros me encarando. — Eu nunca desconfiei que você pudesse ter essa escolha, mas sabia que você não era feliz de verdade.

Aquele momento de vulnerabilidade compartilhada me fez perceber que talvez houvesse mais espaço para entendimento e aceitação do que eu havia imaginado. E, enquanto trocávamos palavras, Léo de repente estava conosco, sorrindo e se sentindo acolhido. Saímos do quarto e fomos à cozinha, sorrindo os três como se nada tivesse acontecido na noite anterior.

A luz suave da manhã começava a entrar pelas janelas, trazendo um novo ânimo ao ambiente que, há algumas horas, era claustrofóbico. Léo, totalmente a vontade, se ofereceu para ajudar meu pai a preparar o café da manhã.

Estávamos preparando mais do que o necessário. Eu preparava um suco fresco e os observava, vendo a interação entre os dois fluir de forma natural. Léo se movia ao seu lado, cortando frutas na mesa. O cheiro do café fresco preenchia o ar, misturando-se com a sensação de renovação. Sentia que havia encontrado um novo começo, não apenas para mim, mas também para o Léo.

***

Nota do autor

Aquele dia marcou um final feliz que durou quatro meses, até que os conflitos entre nós culminaram em decisões difíceis, levando-nos por caminhos e experiências que ainda nos perseguem. A descoberta da sexualidade a certeza da aceitação do meu pai veio junto ao deslumbre da descoberta de um mundo novo. Isso o fez fazer escolhas difíceis e nos separou por muitos meses até decidirmos, em novembro de 2023, viver uma vida real, sem a idealização de que os sentimentos são imutáveis.

Estamos cientes, hoje em dia, que essas experiências que tivemos longe um do outro, assim como as deste primeiro relato, geram conflitos entre nós de forma recorrente. Contudo, essas outras vivências são difíceis de serem escritas, pois envolvem temas difíceis pra quem está em um relacionamento, como incesto, prostituição, orgia entre outros. As vivencias que temos são ricas pra os consumidores da plataforma, mas há toda uma questão psicológica entre a gente, que já está sendo trabalhada com a escrita; então em breve voltarei aqui para compartilhar com vocês.

Forte abraço, seus lindos!

***

CURIOSIDADES

• Os capítulos “LÉO E CAIO – PARTE 1 E 2” foram escritas quase totalmente por “Léo”, eu os adaptei e corrigi antes de publicar. Iria ter a parte 3, mas ele não conseguiu escrever;

• O título da música que dá nome a esse capítulo foi a inspiração pra condensar a história de 20 dias em uma única noite, mas vimos que não havia como fechar o ciclo se não continuássemos os acontecimentos a partir de “Ruptura do grupo”;

• A música fez parte daquele dia e ouvimos frequentemente. Seu significado consta no endereço: https://www.letras.mus.br/naughty-boy/no-one-is-here-to-sleep/significado.html;

• O grupo dos tekados existe e ainda está ativo, porem o nome dele é outro bem diferente;

• Caio tem seqüelas na cabeça devido ao conflito do capitulo 10. Hoje em dia ele é evangélico;

• Nenhuma cena íntima foi criada, apenas adaptada. Todas aconteceram.

***

NOTA DA PRIMEIRA PUBLICAÇÃO (apenas agradecimentos)

Agradeço a todos que comentaram e votaram. Embora poucos tenham dado feedback, suas opiniões foram cruciais para nos mostrar que não estávamos sozinhos. O feedback forma um elo entre autor e leitor, permitindo que vocês contribuam para a narrativa. Agradeço especialmente ao JOTA, que sempre deixou comentários fiéis em todos os capítulos.

Obrigado à plataforma e a todos que nos acompanharam do começo ao fim, em silêncio ou não. Agora é tempo de descansar. Um forte abraço!

***

Aviso Importante ao Leitor:

Este conto é uma criação original e está protegido pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. O plágio, que é a cópia ou uso não autorizado deste material, é um crime e pode resultar em penalidades legais severas. A reprodução, distribuição ou qualquer outra forma de utilização deste conto sem a permissão expressa do autor é estritamente proibida.

Para obter permissão ou para mais informações, entre em contato pelo e-mail: novatinhocdc@outlook.com.

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Foto de perfil de NovatinhoNovatinhoContos: 14Seguidores: 24Seguindo: 9Mensagem Olá, sou um jovem apaixonado por leitura e escrita! Meu coração pertence à literatura clássica, e não sou muito fã da literatura pós-moderna. Minhas preferências literárias se inclinam para obras da era romântica e realista, e alguns dos livros que mais amo são "Drácula" de Bram Stoker, "O Vermelho e o Negro" de Stendhal, e "Crime e Castigo" de Dostoiévski. Tenho uma gula insaciável por aprender e explorar novas ideias. Espero me tornar um profissional um dia, e acredito que para ser bom na escrita, é essencial ler bastante, viajar, conhecer pessoas e acumular experiências ricas. Estou aqui para compartilhar meus relatos e aprender com o de vocês. Se você gostar dos meus contos, adoraria ouvir sua opinião! Comentários construtivos são sempre bem-vindos, pois me ajudam a crescer como escritor. No entanto, não tolero ofensas pessoais. Vamos juntos explorar o maravilhoso mundo da literatura!

Comentários

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Um amigo me infernizou até eu começa a ler. Não gostei no começo por causa da putaria. Muita droga tbm. Mas li todinho. Fiz a conta só pra dizer isso kkkk. Ameii o capítulo. Chorei muito. Se você escrever de novo eu venho aqui

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Agradeço muito por ter dado uma chance à leitura. Pode ficar tranquilo, que são temas complicados não só pra você.

Sabia que, de alguma forma, esse último capitulo iria tocar em alguns leitores.

Diz a seu amigo que apareça por aqui pra comentar. Rsrs.

Obrigado, pela disponibilidade. Forte abraço!

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Maravilhoso!

Bom saber que ainda estão juntos…

Acompanhei dia a dia das publicações, mas realmente jamais deixei comentários! Você é um bom escritor também!

Abraços

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Opa! Estamos sim, tem dias bons e dias ruins , mas continuamos na luta. Obrigado pelo comentário. Fico feliz por ter gostado. Abraços!

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Estava ansioso por esse capítulo! E obrigado pela menção no final hahaha. Sua história foi me cativando e era impossível não comentar em cada capítulo! Realmente espero que escrever tenha ajudado a digerir algumas coisas, pelo menos pra mim foi importante para encontrar um equilíbrio. Fiquem bem!!

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