**Capítulo 1: O Despertar**
Maicon se olhava no espelho pela terceira vez naquela manhã. O reflexo sempre o incomodava, mas ele nunca soube exatamente por quê. Com seus traços delicados, os olhos azuis profundos e o cabelo loiro cortado rente, ele parecia diferente dos outros meninos da sua idade. Os colegas já tinham uma postura mais masculina, enquanto ele, aos 18 anos, continuava com um corpo que não parecia seguir o mesmo caminho.
Vivia com o pai desde que se lembrava. A mãe nunca dera importância a ele, nem a seu pai. Partira quando ele ainda era pequeno, e não deixou saudades — ao menos, não para Maicon, que não sabia o que era ter uma mãe. O pai fazia o que podia, embora fossem mais silêncios do que palavras trocadas entre eles.
Naquela manhã, o desconforto era diferente, mais intenso. Havia uma verdade que sempre estivera ali, mas que ele só agora começava a ver com clareza. Ele sentia como se houvesse alguém dentro dele, esperando para emergir. Não era o menino que todos viam, mas outra pessoa, que queria viver.
Seus dedos trêmulos passaram pela linha do maxilar, o toque familiar, mas ao mesmo tempo tão estranho. Ele nunca tinha pensado em deixar o cabelo crescer, sempre o mantinha curto, mas dessa vez, decidiu: não iria mais cortá-lo. Algo dentro dele se rebelava contra a imagem no espelho. Havia alguém alii, escondida sob a pele de Maicon, e ela não podia ser ignorada.
Com o coração batendo forte no peito, ele tentou afastar o pensamento, mas a ideia parecia mais real a cada segundo. "Eu não sou essa pessoa." pensou, e o alívio que isso trouxe foi quase tão grande quanto o medo. O mundo ao seu redor, especialmente seu pai, não estaria pronto para isso. Mas ele começava a estar.
Ainda assim, o que isso iria custar? Afastamento de amigos, familiares. Ele não podia lidar com isso, não agora. Precisava se arrumar e ir para a escola; as provas finais estavam chegando, e ele precisava se concentrar em ir bem. Tomou seu banho, vestiu o All Star, a calça jeans e a camisa de sua banda favorita. Pegou a mochila e saiu do quarto. Como de costume, Roger, seu pai, já tinha saído para o trabalho. Trabalhando tanto para proporcionar uma vida confortável para Maicon, o relacionamento entre os dois se tornara distante e sem intimidade.
O café estava pronto na mesa, preparado por Roger antes de sair. Maicon serviu uma xícara e tomou rapidamente, tentando afundar os pensamentos da manhã no mais fundo de sua mente. Comeu uma fatia de pão com queijo e presunto, lavou a louça e deixou tudo em ordem antes de sair. Precisava chegar à parada de ônibus em 10 minutos.
Ao sair de casa, encontrou Cláudia, sua vizinha. Eles seguiram juntos, conversando sobre amenidades e sobre as provas que se aproximavam.
Na parada de ônibus, Jean já os esperava. Seu melhor amigo desde os cinco anos, Jean era tudo o que Maicon não era: cabelos castanhos, olhos cor de mel e um sorriso doce. Jean sempre foi confiante, e os dois eram inseparáveis. Maicon sentiu uma pontada estranha no peito ao vê-lo.
— Bom dia, Cupim! — Jean o saudou com o apelido carinhoso. O hábito de Maicon de roer madeira na infância lhe rendeu esse apelido engraçado.
— Bom dia pra você também, Cláudia. Parece que você está mais bonita hoje. — Jean lançou um sorriso charmoso para ela, evidenciando a queda que tinha por Cláudia.
Cláudia revirou os olhos, mas sorriu de leve. — Encantador como sempre, né, Jean?
Maicon riu, divertindo-se com a situação. — Vocês dois, hein... E aí, Jean, preparado para as provas?
Jean suspirou, teatral. — Fiz um resumo da matéria de ontem. Estudei a noite toda, mas não lembro de porra nenhuma!
— Talvez usar suas piadas ajude a ganhar nota. — Cláudia riu.
Jean ergueu as sobrancelhas. — Muito engraçado, Cláudia. Mas falando sério, preciso ir bem. Senão minha mãe me mata.
O ônibus chegou e os três embarcaram, continuando a conversa sobre uma série que estavam acompanhando juntos. Chegando à escola, seguiram para a sala de aula. A professora de História, Marília, já estava lá, aguardando seus alunos.
— Bom dia, meus queridos! — Ela disse ao entrar. — Prontos para a prova?
A turma respondeu em uníssono que sim.
— Muito bom! Nada de estojos, celulares. Quero ver só caneta, lápis e borracha sobre a mesa. Entendido?
Marília, com seus 27 anos, era uma das professoras mais jovens da escola. Cabelos ruivos, sardas espalhadas pela pele branca e olhos verdes brilhantes, tinha seios médios e o quadril mais largo, ela era uma paixão secreta de Jean. Maicon sempre soube disso, mas hoje o pensamento o incomodou. Ao ver o jeito que Jean olhava para Marília, sentiu um aperto no peito que não soube explicar. Seria possível que, além dos conflitos internos daquela manhã, agora começava a perceber que sentia algo mais por seu melhor amigo? Não era hora para pensar nisso. Precisava se concentrar na prova.
As folhas foram distribuídas, e como sempre, Marília foi esperta em preparar provas diferentes para evitar colas. A manhã seguiu, a primeira prova foi concluída. Todos se preparavam para a segunda, de Física, com o professor Hélio, conhecido pelo humor sombrio e pelas provas difíceis.
— Bom dia, turma! — Hélio disse com um sorriso travesso. — Espero que estejam preparados, porque minha prova está de tirar o couro.
E estava mesmo. Jean chutava a maioria das respostas, enquanto Cláudia, que sempre foi boa em Física, achou a prova fácil. Maicon se saiu razoavelmente bem, considerando todo o tempo que passou estudando. No final, respirou aliviado.
No intervalo, Jean exclamou: — Que prova foi aquela? O Hélio é sádico!
Cláudia riu. — Eu achei tranquila.
Jean revirou os olhos. — Claro, nerdola.
— Cala a boca, Jean! — Cláudia retrucou, divertida.
Maicon riu junto com os amigos. — Eu mal aguentei aquela prova. Chutei quase tudo!
— Depois da aula, vamos no Calabouço do Dragão? — Jean sugeriu. — Preciso de um café gelado. O que acham?
— Fechado. — Maicon respondeu. — Depois dessa, eu mereço um doce.
— Eu também aceito. — Cláudia concordou. — Estou morrendo de vontade de comer um brownie.
Com os planos traçados, eles voltaram para a sala. A última prova do dia seria de Português, a mais tranquila. A professora Olga era conhecida por dar uma facilitada.
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O dia de provas finalmente chegava ao fim. Com o sol de fim de tarde se escondendo entre as nuvens e o calor ainda persistente, os três amigos seguiram seu caminho em direção ao Calabouço do Dragão, a cafeteria onde gostavam de passar o tempo.
Jean foi o primeiro a falar, com o tom animado de sempre:
— Cara, eu mal posso esperar pelas férias! Já fiz minha lista do que vou fazer. Vocês sabem que vou virar o maior jogador de "Dungeon Quest" da cidade, né?
Cláudia riu, ajeitando a mochila no ombro. — Só você mesmo pra passar as férias jogando, Jean. Eu vou aproveitar pra relaxar, vou pro sítio da minha avó. É tão longe de tudo... sem sinal de celular, sem barulho. Vai ser perfeito.
Maicon, que andava ao lado dos dois, sorriu enquanto ouvia a conversa, mas sua mente estava um pouco distante. Ele pensava em como seria o próximo mês, não só com as provas terminadas, mas também com todas as coisas que sentia. As dúvidas, as inseguranças... Aquele aperto que sentira ao olhar para Jean durante a aula ainda estava lá, e ele não sabia como lidar com isso.
— E você, Maicon? — Jean o cutucou levemente. — Quais são seus planos pras férias?
Maicon piscou, voltando ao presente. — Ah, eu não sei ainda... Acho que vou aproveitar pra ler alguns livros, jogar um pouco também. Quero tentar não pensar muito na escola por um tempo.
— Ah, qual é! — Jean fez uma careta. — Ler nas férias? Você precisa de aventura, mano! A gente podia acampar! Sério, seria irado! Eu, você e a Cláudia, no meio do nada, com um monte de marshmallows e histórias de terror.
Cláudia deu uma risadinha. — Certeza que você não ia durar uma noite no meio do mato, Jean. Ia se borrar de medo no primeiro barulho estranho.
Jean ergueu as sobrancelhas, fingindo indignação. — Eu? Medo? Duvido! Você que ia gritar com qualquer bichinho.
— Aí, eu até toparia essa ideia de acampar. — Maicon disse, pensando que talvez uma mudança de cenário pudesse ajudá-lo a clarear a mente. — Mas sem aquelas barracas minúsculas, hein. Preciso de espaço!
Jean deu um tapa amigável no ombro de Maicon. — Aí sim! Vamos planejar isso. Vai ser épico.
Eles riam e continuavam a conversa, enquanto o cheiro de café e doces começava a invadir o ar. Logo avistaram a fachada do Calabouço do Dragão, com suas luzes piscando e a decoração temática de dragões e cavaleiros. Ao entrar, o trio foi direto para o balcão, onde Jean já estava com água na boca.
— Um café gelado pra mim, e uma fatia daquele bolo de chocolate monstruoso, por favor. — Jean pediu, sempre com o apetite de alguém que nunca tinha comido o suficiente.
Cláudia pediu um brownie, como havia dito antes, e Maicon ficou em dúvida por um segundo, mas acabou optando por um frappuccino de caramelo.
Enquanto se acomodavam numa mesa, a conversa sobre as férias e os planos continuava. Jean estava empolgado com a ideia de passar o máximo de tempo jogando e talvez, só talvez, arranjar uma namorada — algo que ele mencionava casualmente, mas que Maicon sempre achava que havia um fundo de verdade.
Já Cláudia planejava tirar fotos da natureza no sítio e passar um tempo desconectada do mundo. Maicon, por outro lado, sentia que suas férias poderiam ser a oportunidade de finalmente começar a entender quem ele realmente era — ou, pelo menos, dar o primeiro passo para isso.
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Na cafeteria, os três riam e se divertiam enquanto tomavam seus cafés e devoravam doces. A conversa fluía leve, sobre planos para as férias e os acampamentos que poderiam fazer juntos. No entanto, o cansaço começava a abater o trio, e o horário avançava rapidamente. Cláudia, percebendo a demora do ônibus, sugeriu:
— Gente, acho melhor pegarmos um Uber. A essa hora, o ônibus vai demorar.
Jean concordou prontamente, sentindo o sono começar a bater. — Concordo, tô mortão.
Maicon pediu o Uber, e logo o carro chegou. O caminho de volta foi silencioso, o cansaço tomou conta de todos, e os olhos de Maicon começaram a pesar. Cláudia foi a primeira a descer no prédio dela, despedindo-se dos dois com um sorriso sonolento:
— Até amanhã, meninos. E vamos falar mais sobre o acampamento, hein!
— Claro! Boa noite, Claudinha — respondeu Jean, enquanto Maicon acenava.
O Uber seguiu, deixando os dois rapazes a algumas quadras de suas casas. Maicon, ainda envolto em pensamentos conflitantes, virou-se para Jean e, meio sem pensar, sugeriu:
— Ei, quer subir lá em casa e jogar um pouco? A gente não tem escola amanhã cedo, pode ficar de boa.
Jean pensou por um segundo, mas sorriu e aceitou. — Por que não? Vamos nessa.
Ao chegarem na casa de Maicon, o pai dele, Roger, estava sentado na poltrona de leitura, imerso em um de seus livros e com uma xícara de chá ao lado, como sempre. Um hábito herdado de sua avó inglesa.
— Olá, meninos. Como foram as provas hoje? — perguntou Roger, levantando o olhar do livro.
— Nossa, tio, a de física foi terrível, mas o resto foi tranquilo — respondeu Jean, jogando a mochila no canto da sala. — E o trabalho, tá tudo indo bem?
Roger sorriu, sempre cortês. — Indo muito bem, Jean. Como sempre, cheio de reuniões e relatórios.
Maicon se aproximou, tirando os tênis e suspirando de cansaço. — Pai, o Jean vai ficar um pouco aqui pra gente jogar. Tudo bem?
— Claro. Só não fiquem até muito tarde, amanhã vocês precisam descansar. — Roger se levantou e foi para a cozinha. — Vou preparar o jantar. Jean, vai jantar com a gente?
Jean não pensou duas vezes. — Opa, com certeza, tio! Só vou avisar minha mãe.
Enquanto Jean mandava a mensagem, Maicon o levou para o quarto. Ao entrar, Jean olhou em volta e soltou uma risada.
— Cara, teu quarto tá cada vez mais "Fortaleza do Nerd". Só faltou o escudo do Capitão América na parede.
Maicon deu um sorriso tímido. O quarto estava lotado de bonecos, pôsteres de filmes e videogames. — Você sabe como é, né? Eu coleciono tudo que posso.
Eles ligaram o videogame e logo começaram a jogar. Jean, como sempre, era competitivo, mas sem perder o humor.
— Mano, eu vou te arrebentar nesse jogo. — Jean provocou, enquanto segurava o controle com foco total.
Maicon deu risada. — Veremos, Jean. Veremos.
A noite avançava, os dois jogavam e trocavam provocações, como sempre faziam. Jean era mestre em tirar sarro, mas no meio do jogo, ele mudou de assunto, com um tom mais sério.
— Cara, você reparou hoje como a Marília tava diferente? Tipo, ela tava incrível. Sei lá, acho que tô ficando mais afim dela do que eu pensei.
Ao ouvir isso, Maicon sentiu uma pontada no peito. Tentou disfarçar, mas o desconforto era visível. Mesmo assim, forçou uma risada.
— A Marília? Você e essas ideias de mulheres mais velhas, hein, Jean? Tá virando uma tendência pra você? — tentou brincar, mas por dentro, os sentimentos eram outros.
Antes que Jean pudesse responder, o celular dele vibrou. Cláudia tinha criado um novo grupo de mensagem chamado "Acampamento dos Nerdolas", e logo em seguida, uma mensagem dela chegou: *"A viagem melou, mas e se a gente levasse o acampamento a sério? O que acham?"*
Jean sorriu, levantando o celular. — Ei, olha isso, Claudinha tá falando pra gente organizar o acampamento de verdade. O que você acha?
— Eu topo — disse Maicon, ainda tentando afastar a confusão de sua mente. — Vamos ver os detalhes amanhã no intervalo.
Nesse momento, Roger chamou os meninos para jantar. Ele havia preparado uma lasanha de frango, o prato favorito de Maicon, e aparentemente, o de Jean também, já que ele repetiu três vezes.
— Tio, essa lasanha tá surreal! — elogiou Jean, se servindo mais uma vez.
Roger sorriu, satisfeito. — Fico feliz que gostou, Jean. Quando precisar, pode vir comer aqui.
Após o jantar, já era tarde, e Jean acabou decidindo dormir na casa de Maicon, como muitas outras vezes. Mas para Maicon, desta vez era diferente. Quando foram para o quarto, o calor estava forte. Jean, à vontade como sempre, tirou a camisa e vestiu uma samba-canção emprestada de Maicon.
Eles se deitaram, conversando sobre o novo jogo que seria lançado em breve. Jean falava e falava, mas Maicon, sem conseguir evitar, desviou os olhos para o corpo do amigo. O peito nu de Jean, seus braços... seus olhos finalmente repousaram na samba-canção, e sua mente, involuntariamente, começou a imaginar. Como seria o pênis do seu amigo? Esse pensamento o atingiu com força, como um choque. A confusão o consumia, e ele mal ouvia o que Jean dizia.
— Maicon? Tá me ouvindo?
Maicon piscou, voltando à realidade. — Desculpa, eu... me perdi nos pensamentos sobre as provas de amanhã.
Jean, desconfiado, olhou para ele por um segundo, sem entender totalmente, mas percebeu algo diferente. Havia algo no olhar de Maicon que nunca havia notado antes. Aquilo provocou uma curiosidade nele, mas ele logo afastou o pensamento. Maicon era seu amigo, e ele gostava de mulheres. Mas, por um breve instante, a dúvida pairou no ar.
— É... bom, vamos dormir então. Amanhã tem mais prova — disse Maicon, rapidamente, se virando na cama, tentando afastar os pensamentos que o perturbavam.
Jean deu de ombros, desejando boa noite. Mas Maicon ficou deitado, com os olhos abertos, sentindo o peso das emoções e a culpa que começava a crescer dentro dele.