No outro dia, quando já estava me preparando para sair, me bati com uma mulher. Assim que ela me reconheceu, um sorriso brotou nos seus lábios.
— Lore! — exclamou, me abraçando. — Você trabalha aqui? Acabei de assinar meu contrato!
— Oi, Carol! — era a ortopedista do bar. — Hoje foi meu último dia. Você tem sorte; aqui é um ótimo hospital. Só não vou ficar para dar mais atenção à minha casa e à minha clínica.
— Ah, que pena... Achei que voltaria a te ver mais vezes... — lamentou.
— Bom... Vou indo, estou bem cansada e com saudade da família! — falei.
— Você pode me dar uma carona? Meu carro está na oficina — me pediu.
— Eu não acho que seja uma boa ideia, Carol... — falei, me distanciando.
Se fosse qualquer outra pessoa, eu daria a carona sem problemas, mas já conseguia enxergar más intenções nela.
— Por favor, Lore, ninguém vai saber. Aqui é horrível para chamar Uber e eu não vou avançar em você, só quero uma carona! — praticamente implorou.
— Claro que minha esposa vai saber, minha vida é um livro aberto para ela... — falei, rindo.
— Lore, eu só estou pedindo uma carona. Está com medo de mim? — perguntou.
— Eu só respeito muito meu relacionamento. Tenho uma família e prezo pela paz nela. Eu não sei qual é o seu intuito, e tenho uma leve impressão de que não é bom. — respondi, séria.
— Lore, eu só quero uma carona! — disse, sorrindo, como se eu estivesse exagerando.
Pensei um pouco e acabei cedendo. Ali era mesmo ruim para chamar carro de aplicativo, principalmente naquela data.
— Entra aí. Se alguma coisa me incomodar, paro o carro onde quer que a gente esteja! — falei, decidida.
Carol sorriu e entrou, imediatamente ajustou o banco e abriu uma maleta com inúmeros papéis. Ela pediu para eu deixá-la no Detran.
— Mas e aí, como está a família e como vai com a dona de cada pensamento, desejo ou aspiração sua? — me perguntou, em um tom irônico.
— Bem — falei, sem querer continuar o assunto.
E seguimos em silêncio até o seu destino, que era a caminho do meu, apesar dela nem ter perguntado.
— Por que você não põe tudo na maleta novamente e leva? — perguntei, impaciente, quando chegamos, enquanto ela se organizava.
— Preciso levar separadamente. Me ajuda com esses? Você só precisa subir, depois eu me viro.
Eu estava morta de cansaço e doida para chegar em casa. Sabia do ciúme de Juh e também que a doutora era bem dissimulada quando queria.
Subi uma escadaria imensa. Estava bem cedo ainda, então encontramos alguns funcionários. Ela pediu informações e indicaram onde devíamos ir.
Assim que coloquei os papéis numa cadeira de forma separada, dei tchau de longe e ia saindo quando ouvi três disparos.
Uma correria imensa; os seguranças partiram para a escadaria que havíamos acabado de subir e a funcionária do setor que estávamos trancou a porta e nos mandou abaixar (eu já tinha mergulhado no chão no primeiro disparo que ouvi). Devo ter ficado mais uns 30 minutos por ali e fui liberada.
— Não ganho nem um abraço de despedida? — perguntou, enquanto eu me afastava.
— Um aperto de mão está de bom tamanho — falei, esticando a mão.
— Você tem algum problema com a minha presença, não é possível! — falou, chegando perto.
— Caroline, essa foi a última vez que nós interagimos. Se Deus quiser, até nunca mais! — falei e saí dali. Foi a última vez que a vi.
Voltei com a cabeça pilhada. Assim que cheguei na pousada, vi a notícia na TV; a mulher assassinada era funcionária do Detran, e quem atirou foi o seu ex-marido, que logo após ingeriu veneno para tentar se suicidar, mas os seguranças conseguiram chamar uma ambulância a tempo e ele foi encaminhado ao hospital.
Achei que Juh estaria dormindo, mas não; estava molinha deitada na cama. Logo percebi que não estava bem.
— Cheguei, gatinha... O que houve? — perguntei ao dar um beijinho nela.
— Cólica, muita cólica, amor — respondeu, quase chorando.
— Tomou algum remédio? — perguntei.
— Sim, mas não passa de jeito nenhum — disse, com um rosto de dor.
— Então vamos logo na emergência daqui para você tomar algo mais forte — falei, encostando para um beijinho.
— Que cheiro é esse, Lore? — perguntou, quando me aproximei. — Esse perfume não é seu!
— Minha manhã começou bem agitada. Vou te explicando no caminho, mas vamos logo porque você não pode ficar assim, sentindo dor. — falei para ela.
Não é sempre, mas às vezes Juh tem fortes cólicas menstruais.
— Eu não quero ir, amor... — falou, enfiando o rosto no travesseiro.
— Mas vai... — falei, firmemente.
Avisei a minha sogra, que era a única acordada, e a levei para o carro. Assim que a ajudei a sentar, disse-me: — Amor, o mesmo cheiro insuportável da sua roupa está por todo o carro e com certeza mexeram no meu banco. Eu acho melhor você começar a me contar o que aconteceu porque eu não estou gostando nada disso. — Logo que terminou de falar, soltou um gemido de dor, pressionando o pé da barriga.
Eu tinha certeza de que Júlia não ia gostar de nada do que ia ouvir. Não tinha medo de um término ou algo assim, mas tinha medo de sua reação. Sabia que ficaria brava.
Fui dirigindo e contando: — Então, amor... Estava saindo do hospital e me bati com Carol, a ortopedista. — Nessa hora, a feição dela já mudou. — Ela vai trabalhar lá no hospital agora e me pediu uma carona até o Detran. Contei tudo que rolou e expliquei a tragédia que aconteceu também.
Juh ficou séria o caminho inteiro, evitando contato comigo, porém estava com muita dor. Assim que chegamos, preenchemos a ficha e ficamos esperando. Fui fazendo carinho nela até que recebi alguns beijinhos.
— Seu cheiro está horrível com esse perfume de puta — falou, toda bravinha.
— Eu vou dar um jeito nisso, gatinha — falei, rindo e dei um beijo nela.
Estava demorando um pouco e eu só via minha mulher piorar.
— Me leva ao banheiro, por favor — me pediu. Percebi que ela estava sem muita força e a apoiei.
Lá, ela começou a vomitar, foi ficando pálida e apagou nos meus braços. Dei um chute na porta e fui correndo com ela para colocar em uma maca. Uns três enfermeiros me seguiram (só em casa me liguei que eles estavam tentando carrega-la, eu não soltava e atrapalhei os coitados) e outros chamaram o médico. Logo ela acordou e só reclamava da dor.
— Tem alguma possibilidade de você estar abortando? — perguntou o médico.
— Nenhuma — ela respondeu.
— Tem certeza? — insistiu.
— Eu não fiz nem FIV, nem Inseminação Artificial... Então não tem possibilidade alguma de eu estar grávida — disse a ele.
Ele ficou olhando para ela de forma estranha e se dirigiu a mim: — Ela está sob efeito de álcool ou drogas?
— Oxe! — Exclamou Juh de fundo inconformada.
— Não, doutor, ela está com cólica... — falei, tentando ser paciente, coisa que, com sono, eu não sou.
— Acha mesmo que não há nenhuma possibilidade de ser um aborto? — perguntou-me.
— Eu sou a esposa dela e meus dedos nunca engravidaram ninguém, então afirmo que não... — falei, fazendo o restante da enfermaria rir, menos o médico.
Ele só me encarou bravo e começou a escrever na ficha.
(Acho que exagerei fazendo essa piadinha fora de hora, mas como vocês sabem, eu tenho um péssimo timing para isso.)
Ele disse que ia passar uma medicação para o fluxo alto, uma para a forte dor que ela estava sentindo e outra para o enjoo que ela sentiria pelo remédio ser forte.
Quando fui para perto de Juh, ela reclamou novamente do cheiro e eu resolvi trocar de roupa; tinha algumas peças limpas na mochila reserva. Conversei com uma das enfermeiras que me ajudou antes, expliquei que eu estava saindo de um plantão e precisava muito de um banho. Discretamente, ela me levou até o banheiro e rapidamente resolvi aquele maldito problema que Carol tinha me trazido.
— Assim tá bom? — perguntei, me reaproximando ao voltar para o quarto.
— Agora sim! — exclamou, tentando fazer um rosto animado.
Cheguei bem na hora da medicação; a bichinha já estava tremendo como vara verde. Segurei seu rosto virado para mim e algumas lágrimas envergonhadas desciam.
— Não fica assim, Júlia, a dor já passa — disse a enfermeira.
Ela não sabia que as lágrimas não eram somente pela dor, e sim pelo medo.
Eu sorri em agradecimento pela preocupação e perguntei quais eram as medicações.
— Tramal, Transamin e Plasil — me respondeu.
Eu não esbocei reação, o rosto de Juh estava quase colado ao meu e eu não queria assustá-la, mas, sabendo que Júlia tem ansiedade e que o Plasil geralmente causa uma reação extrapiramidal, talvez não fosse uma boa combinação.
Dito e feito... Alguns minutos depois, ela começou a se agitar e querer ir embora.
— Amor, tira isso de mim, vamos pra casa, por favor — começou a pedir incessantemente.
— Gatinha, já acaba, vamos esperar para não ter que voltar, ok?! — falei e dei um beijinho nela.
— Juro que não aguento ficar mais um segundo aqui, meu coração tá acelerado, eu quero ir embora. Tira o acesso e vamos, eu imploro — falou chorando e ofegante.
Expliquei o que provavelmente estava acontecendo, e tentei acalma-la. Ela estava vestindo uma camisa com botões, abri uns três e fiquei massageando levemente acima do seu peito, mais para manter um contato físico. Também incentivei a tentar respirar mais lentamente, cheirando a florzinha e assoprando a velinha. Fazia muito isso com Mih e Kaká, quando estavam chorando e isso a fez rir, porque apesar de ser um exercício funcional para acalmar, eu nunca consigo fazer a sério.
Depois de um tempo, já mais 'calma', ela falou 'irritada': — Esse médico passou isso de propósito!
— Amor, é uma medicação comum, a gente que deveria ter perguntado antes e informado o seu transtorno — falei.
— Não defende ele, Lore — disse brava, mas me pareceu fofa.
Achei melhor não discordar e só sorri, dando muitos beijinhos em seu rosto.
— Se essa medicação dá esse efeito colateral tão forte, devia ser proibida, não acha? — me perguntou.
Fiquei na dúvida se respondia com a minha opinião sincera ou não. Juh percebeu e disse sem muita paciência: — Pode falaaaaar...
Eu ri por ela ter percebido e disse: — É bem chatinho, mas não mata e livra do enjoo. Daqui a pouco passa! — falei, fazendo carinho em seu cabelo.
Logo meu amor adormeceu e eu fui junto; não estava aguentando ficar com os olhos abertos, me sentia destruída pelo cansaço.
Fomos acordadas com o final da medicação e Juh estava bem melhor; pelo menos o fluxo e a dor tinham diminuído, então ela recebeu alta e fomos embora.
Voltando, minha gatinha estava bem sonolenta, mas reclamando do cheiro do carro. Abri as quatro janelas e um vento forte tomou conta. Ela me olhava como se quisesse dizer: "não precisava disso", mas eu só pensava em chegar logo na minha cama (e ela estava bem engraçadinha daquele jeito).
— Amor, você está chateada? — perguntei quando chegamos, para não deixar nenhuma dúvida no ar.
— Ela te agarrou na hora dos tiros? — perguntou pensativa.
— Não, me abraçou quando nos vimos — repeti, pois já havia contado o que aconteceu.
— Aí o perfume grudou em você — falou.
— Foi, mas você sabe que eu já te contei tudo, não sabe? — perguntei.
— Tá tudo bem, amor, confio em você! — falou, me abraçando. — E obrigada, novamente você está cuidando de mim tão bem, mesmo estando muito cansada... — depois me beijou.
— Agora vamos tomar um banho e descansar — disse a ela, segurando suas mãos enquanto íamos andando.
Já estavam todos acordados e preocupados com Juh. Minha mãe me encheu de reclamações porque não respondi às mensagens, porém eu não tinha mais bateria; mesmo assim, ela permaneceu brava.
Falei que precisávamos descansar e fomos para o quarto. Quando passei por Loren, ela ria muito de mim. Primeiro imaginei que era por estar com uma cara péssima; depois achei que seria por minha mãe ter me dado um esculacho na frente de todos, porém não era nada disso. Juh parecia saber do que ela estava rindo, porque ela não sabe disfarçar nessas situações.
Pensei, pensei, pensei... E só consegui chegar a uma conclusão: — A ideia da lingerie foi sua, não foi, peste? — perguntei.
— Era uma surpresa para Victor, mas achei que minha cunhadinha precisava mais que ele; afinal, uma vingança é uma vingança... — disse sarcasticamente.
— Vocês planejaram tudo naquele dia que entrei no quarto e estavam falando de mim — falei pensativa.
Minha irmã confirmou, convencida, com um olhar de quem já tinha se divertido muito ao planejar aquilo.
— Esquece isso, amor... Vamos tomar banho, preciso muito de um banho... — falou Juh, me esticando pelo braço.
— Loren, você me deve uma, quero meu carro lavado quando eu acordar — falei, jogando a chave para ela, que não entendeu nada.
— Adorei a ideia! — disse Juh para mim. — Ele está precisando disso mesmo...
— Dói saber que você não vai me pagar hoje, mas saiba que sua dívida está correndo juros, amor — falei no seu ouvido.
— Eu acho que não devo mais nada ao reagir tão bem a essa situação em que você deu carona a uma vagabunda, não concorda?! — falou de uma vez.
— Faz assim, você me paga do jeitinho que eu quiser, e você cobra do jeito que achar melhor — falei no seu ouvido e ela virou assentindo e me dando um beijo.
Após o banho, dormimos até o início da noite. Passou novamente no jornal local o caso do feminicídio, só que com mais atualizações, houveram disparos mas a morte foi a facadas. Contei para o pessoal que eu estava presente e conversamos um pouco sobre. Foi um dia cheio, mas confesso que esse caso ficou na minha cabeça por um bom tempo. Não era para eu estar ali e, por alguns minutos de diferença, não presenciei de perto ou fui atingida.
Estávamos morrendo de saudade dos nossos filhos e fiquei sabendo por eles que a brincadeira da tarde foi lavar meu carro. Não sei se isso era animador ou desesperador! Digamos que a missão de tirar o perfume doce impregnado no carro foi bem-sucedida, mas talvez ele tenha ficado mais encharcado internamente do que deveria.