Kaique nunca gostou de falar sobre o problema renal, a hemodiálise ou o transplante. Isso nos foi avisado previamente. Ele vivia normalmente, brincando, sorrindo e fazia isso com a energia de umas 100 crianças, fazia o seu tratamento, tomava medicação para anemia e nunca reclamava de nada, apenas não curtia quando o assunto era mencionado.
Fomos conversar com Milena, para esclarecer o que o Kaká tinha e pedir para ela não tocar no assunto, a não ser que ele falasse alguma coisa.
Expliquei todo o problema, falei que as vezes ele ia chegar mais tarde na escola por causa das sessões e disse por cima sobre a fila do transplante. Ela escutava atentamente, quieta, de um jeito que geralmente ela não é.
- A pró disse que a gente pode viver com um rim, o Kaká pode ficar com um meu – falou quase chorando
Juh colocou ela no colo e abraçou dizendo: - Isso que você disse foi lindo, meu amor... Mas não dá, eu não ia aguentar ver meus dois bebês em uma sala de cirurgia e também você não tem idade para isso.
- Eu não sou mais bebê, o Kaká que é, ele é mais novo que eu – disse meio brava
- Os dois são meus bebês – respondeu Juh fazendo cócegas nela, acabando com a marra que ela achava que tinha
- E meus também, sempre vão ser – falei para ela que ainda ria
- Mas vai demorar muito pra chegar o rim dele? – Perguntou voltando a ficar séria
- A gente não sabe, sua mamãe e eu faremos uns exames que vão dizer se podemos ou não doar mas é um pouco complicado. Temos que torcer muito, certo? – disse-lhe
- Vou pedir muito para Deus que dê certo – disse com um sorrisinho fofo no rosto e eu a enchi de beijinhos
- Quero te pedir dois segredos – falei fazendo um suspense – não toca nesse assunto com seu irmão, pode machuca-lo, Mih assentiu
- Qual a outra coisa? – Perguntou ansiosa
Um dos jeitos que encontramos de evitar o ciúme entre eles nesse início foi deixar Milena sabendo de cada passo e inserir ela nas coisas. A gente queria passar todo amor que sentíamos para o Kaique, sem que Milena se sentisse mal ou menos amada do que ela era.
- Queremos que você organize a festa de boas-vindas do Kaká lá na Pousada porque a nossa família inteira vai conhecer ele no sábado – disse Juh sussurrando
Foi possível visualizar sua animação imediatamente.
- Você precisa descobrir tudo que ele gosta, decidir o tema e escolher um presente – falei
- MÃE, ELE PRECISA DE UM CAVALO! – disse pulando no meu colo, segurando meu rosto com as duas mãos e me encarando de perto
Comecei a rir e disse: - Filha, você tem que saber se ele gosta de cavalos primeiro
- Eu vou perguntar – e saiu correndo
Ficamos rindo no sofá, estiquei o braço chamando Juh e ela veio, segurei seu rosto da mesma maneira que Mih segurou o meu, fazendo-a rir, e a beijei.
- Saudade de você, amor – falei enquanto enchia o pescoço dela de beijo
- Pensei que só eu estava assim, que bom que não – e me deu outro beijo
Fomos colocar os dois para dormir, ia ser a primeira noite do nosso filho em casa, então foi cheia de carinho e avisos de que qualquer coisa ele poderia bater na porta do nosso quarto que estaríamos lá para ele.
Ao passar pelo quarto da nossa filha, vimos ela ajoelhada rezando agarrada com um anjinho que tinha ganhado da minha sogra, ouvimos com clareza as palavras rim e Kaká. Júlia focou emocionada e eu dei um selinho nela, esperamos a oração ser finalizada e entramos.
Mih fez sinal de silêncio e nos chamou com a mão, eu já fui rindo imaginando o que sairia daquela conversa secreta.
- Eu descobri muitas coisas! Falou orgulhosa sussurrando
- Ah, é? Conta! – Disse Juh animada
- Eu estava brincando de aniversário com meu irmão e falei que o meu ia ser de A Bela e a Fera (acho que tinha lançado a live-action nesse ano e ela estava viciada) e o Kaká disse que o dele ia ser de futebol, o jogador preferido dele é o Neymar mas ele não gostou nadinha que ele foi pra o PSG, então coloca ele com a camisa do Brasil ou do Barcelona.
- Você arrasou na entrevista, filha, ele não percebeu? – Perguntou Juh
- Não, e mãe... Ele disse que adoraria montar em um cavalo – disse tentando me convencer
- Ele monta no seu – falei rindo
- Não tem problema, mas eu fiquei muito feliz quando ganhei o meu, acho que ele vai gostar de ter um só dele... – argumentou
- Vou pensar... - falei com um sorriso de canto
- Acho melhor eu ligar para meu pai separar logo – disse Juh
- Isso!!! – comemorou Mih
- Que isso? Eu não concordei com nada – fingi
- Mas a mamãe manda na senhora – falou rindo e fazendo a gente rir também
- É, isso é verdade – concordei com ela e beijei a muié que manda em minha vida
Após muitos e muitos beijinhos, nos despedimos e fomos para o nosso quarto. Assim que entramos tranquei a porta e encostei Juh para um beijo que nos deixou sem fôlego de tão demorado que foi, a gente estava precisando daquilo.
- Eu te amo tanto, meu amor! – disse olhando nos seus olhos que sorriam junto com seus lábios
- Eu também te amo, amor! – respondeu me enchendo de selinhos
- Pensei em a gente poderia assistir alguma série ou um filme. O que acha?
- Acho uma ótima ideia! Me respondeu
Eu tomei banho enquanto ela fazia um pouco de pipoca, enquanto eu colocava The Good Place na tv, uma série que ainda não tínhamos terminado, ela tomou o dela. Entre um episódio e outro, carícias e muitos beijos... Apagamos no 3º episódio da noite!
Acordei umas 03h com batidinhas na porta, Juh também. Fui abrir e meus dois anjinhos surgiram com seus lençóis nas mãos.
- A gente pode dormir juntinho hoje? – Perguntou Mih com um sorrisinho
- Olhei para Juh rindo e ela me perguntou rindo também: - O você acha, amor?
- Eu acho que precisamos de uma cama maior! – e agarrei os dois jogando em cima da mamãe deles
- De quem foi a ideia? Perguntei
- Não posso contar – disse Mimi
- Eu deixo, conta – falou Kaká
E eu fui ficando curiosa, pela expressão no rosto de Júlia, ela também.
- O Kaká ficou com medo e foi deitar comigo mas a gente não conseguiu dormir então dei a ideia de tentar aqui – disse minha filha
- Ahhhh, medo de que, amor? – perguntei
- Não sei, ficou muito escuro e cama era tão grande... – disse em um tom triste
- Amanhã a gente dá um jeito nisso, tá? – disse Juh e abraçou ele
- E você, mocinha, tá de parabéns, eu quero vocês sempre assim, um protegendo o outro - falei e Mih sorriu
10 min depois e as bênçãos já estavam dormindo, levei chutes e pontapés a noite inteira mas valeu a pena, os três amores da minha vida estavam ali e isso me bastava. A ideia de uma cama maior era super válida, porque estava sobrando cada vez menos espaço para mim.
No outro dia, os dois prontos para escola. Kaká super animado, Mih disse que ia apresentar tudo para ele e iam poder jogar bola porque era dia de educação física.
Juh pediu para eu ir matricular ele, porque ela ia ter uma reunião logo cedo e a gente queria que ele começasse o mais breve possível.
Ao sair do carro, Mih já agarrou o irmão pela mão e saíram correndo para sala.
- Amor, só não agarra a secretária de novo, tá? - disse Juh
Eu ri e respondi: - E a coordenadora, pode? - e dei um beijo antes de entrarmos
Tudo certo, fui para clínica que ainda estava meio parada mas onde eu estiver, nunca faltará trabalho. Sempre arranjo coisa para fazer, em questão profissional eu não consigo ficar quieta. Passei o dia inteiro por lá, e a tarde estava resolvendo a questão do marketing, precisava melhorar urgentemente.
Recebi uma ligação de Juh e ela disse: - Amor, você precisa vir aqui na escola, eu não entendi direito mas parece que teve uma briga envolvendo Mih e o Kaká tá machucado... Não vão me aceitar como responsável dela, melhor você vir logo, quando chegar lá na sala eu te atualizo.
Eu confirmei e fui voando, não recebi as atualizações, mas não fazia sentido eles terem brigado, pareciam estar se dando tão bem, eu tinha recebido foto deles se divertindo durante o dia... E se tivessem brigado, o que será que tinha acontecido para chegar ao ponto do Kaique estar machucado?
Quando cheguei Milena estava abraçada chorando com Juh e o Kaká tranquilo fazendo carinho nas costas dela tentando acalma-la com a camisa cheia de sangue e a sua boca estava partida.
Eu ia perguntar o que houve quando uma mulher pulou quase em cima de mim gritando: - Olha como meu filho está por causa dos seus! - e apontou para um menino que estava no canto, ele também tinha a boca partida e a camisa manchada de sangue
Então pensei, bom... Provavelmente o menino e Mih se desentenderam e houve uma briga com os dois que estavam machucados. Mas também não fazia sentido, Kaká parecia ser muito pacífico.
- Alguém pode me explicar o que aconteceu? - Perguntei decidindo ignorar a mulher
Mih veio chorando e eu a carreguei e ela repetia sem parar: "A culpa foi dele, mãe, eu juro".
Várias interrogações passavam pela minha cabeça, mas encostei onde estava o restante da minha família, queria saber como Kaique estava.
- Oi, lindo, tá tudo bem aí? - Perguntei apontando para a boca dele
- Tá, Mih foi o máximo, muito radical - falou animada
- Kaká! - sussurrou Juh - Não fala assim, filho - e olhou para frente
- Amor, e as atualizações? - Perguntei
- Esqueci, amor... - quando ela ia começar a falar a diretora entrou na sala e começou a contar o que aconteceu mostrando as imagens das câmeras.
Na educação física, enquanto jogavam futebol, o menino se irritou com um drible que tomou do Kaique e pulou em cima dele dando um soco na boca, que partiu imediatamente. Milena, que estava na arquibancada, não perdeu tempo e aplicou um golpe de defesa do jiu-jitsu chamado Americana. Geralmente, é quase que inofensivo, e pelo que já ouvi falar, se aprende nas primeiras aulas. O problema foi a velocidade que ela partiu para cima do menino e como obviamente ele não parava quieto, o cotovelo foi com tudo na boca dele, partindo.
A mãe do menino murchou vendo as imagens, Juh respirou aliviada e eu também. Nenhum dos meus filhos tinham feito nada de errado, um apanhou e a outra só defendeu o irmão.
O menino e Mih levaram dois dias de suspensão, Kaká ficou triste pela irmã, mas em casa explicamos que estava tudo bem e as atitudes tomadas foram corretas. Só bati um papo com Mih depois para ela não achar que era ok, sair dando golpe adoidado por aí, reforcei que só nesses casos de defesa que aceitaria e ela repetia: "já entendi, maaaae" sem paciência alguma.
Quando ela ligou para o pai e contou ele perguntou: - Mas e o golpe executou direitinho? Foi encaixado?
- Siiim! - respondeu animada mas me olhou e fingiu não estar feliz em ter aplicado, rs!
- Amor, quando o Kaká chegou todo ensanguentado na minha sala me chamando, você nem imagina o susto que eu levei... - disse Juh
- Se eu tomei com a sua ligação, nem imagino você... - falei
Aproveitamos o tempo a mais e fomos em uma loja para comprar algumas coisas para o quarto do nosso filho, ele escolheu tudo, nossa filha tinha razão, ele gostava mesmo de futebol, escolheu quase tudo com essa temática. A única coisa que fui eu quem escolhi, foi um abajur, aparentemente ele tinha medo de escuro.
Arrumamos tudo e ficamos no quarto dele conversando e ele soltou: - Mih, eu te amo, obrigado por me ajudar hoje, você é a melhor irmã do mundo!
Ela se derreteu inteira ali, sorriu para ele, o abraçou e respondeu: - Eu também te amo, a gente sempre vai se proteger, irmão!
Juh e eu? Bom, acho que nós desmontamos de tanto amor, o primeiro eu te amo foi para Mimi.
Mais tarde nos despedimos dos dois, cada um no seu quarto, abajur aceso, tudo certo para uma boa noite de sono.
Quando acordei pela manhã e observei só a minha bela esposa na cama, pensei: "ufa, deu tudo certo" mas quando levantei e fui conferir os quartos, vi que os dois dormiam na cama de Mih. Ele estava no canto da cama virado de costas para ela que o abraçava, cada um enrolada em um lençol.
A menina que desde que nasceu dorme esparramada, me espremendo e quase me expulsando da cama. Estava ali quietinha, o lençol intacto, os travesseiros todos no lugar certo... Para mim, quase um milagre!
Esperei Juh acordar para mostrar a ela e ficamos apreciando a cena um pouquinho antes de acorda-los.