Estava feliz pelo Natal e por ter me aberto com minha mãe, que aceitou bem o fato de eu ser gay e de estar namorando Bernardo. No dia seguinte, acordei e, ao checar meu celular, vi uma mensagem do Alysson pedindo o número da minha mãe, dizendo que a Cláudia havia pedido o contato dela. Achei curioso, mas acabei enviando e avisei minha mãe sobre o pedido. Na tarde, Bernardo veio para o meu apartamento e passamos o dia juntos, saboreando as comidas que ela tinha trazido e assistindo a alguns filmes. O clima estava leve e aconchegante, como uma família em paz.
Na sexta-feira, tive que resolver algumas demandas da fábrica que o Alysson havia me pedido. Minha mãe ficou no apartamento, e eu sabia que o domingo marcaria nossa volta para o Alto. Eu planejava levá-la de volta, resolver alguns assuntos por lá e retornar para a capital, onde passaria a virada do ano com Bernardo e Alysson na casa de praia.
Enquanto eu estava na fábrica, recebi uma mensagem da minha mãe dizendo que iria encontrar-se com Claudia para fazer algumas compras. Sorri, contente ao ver que o clima amistoso do Natal tinha aproximado as duas. Ao voltar para casa à noite, percebi que ela estava serena, quase com um brilho diferente no olhar, um sorriso tranquilo que não via há tempos.
Enquanto minha mãe preparava o jantar, ouvi o som de uma notificação e, por curiosidade, olhei para o celular dela. Para minha surpresa, vi uma mensagem do Silas: “foi muito bom a tarde com você.” Fiquei paralisado ao perceber que minha mãe havia se encontrado com ele. Rapidamente, juntei as peças: a mensagem que Alysson mandou pedindo o telefone da minha mãe devia ter sido a pedido de Silas. Senti uma mistura de surpresa e desconfiança, mas decidi não questioná-la. Por mais que a situação me causasse inquietação, eu não queria invadir sua privacidade. Esperei que ela me contasse naturalmente, afinal, pelo bom humor dela, parecia que tinha sido uma tarde agradável.
No sábado, passamos o dia com Bernardo, Claudia e Alysson, num clima leve e alegre. Minha mãe e Claudia desenvolveram uma amizade inesperada, o que me deixava feliz e um pouco mais tranquilo. Mas, no fundo, o encontro dela com Silas ainda me incomodava.
No domingo, voltamos para o Alto. Alysson e Claudia insistiram para que ela ficasse para o Ano Novo, mas ela preferiu passar com minha tia e agradeceu o convite e a hospitalidade. No caminho de volta, imaginei que ela comentaria algo sobre Silas, mas o assunto nunca veio à tona, o que me incomodava ainda mais.
Já no Alto, encontrei Caio. Passamos boa parte da segunda-feira juntos, conversando e colocando o papo em dia, e, curiosamente, não rolou nada entre nós. Ele estava prestes a se mudar de vez para a capital, onde começaria a trabalhar com o deputado e ingressaria em uma faculdade de jornalismo. Fiquei feliz por saber que ele estaria por perto, já que minha vida também estava cada vez mais atrelada à capital.
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Passamos o Ano Novo em uma linda casa de praia que o Alysson possui. A casa, de dois andares, exalava elegância e sofisticação. Situada à beira-mar, suas amplas janelas envidraçadas revelavam uma vista espetacular do oceano, e uma varanda espaçosa no segundo andar oferecia uma visão panorâmica das ondas quebrando suavemente na areia. No interior, a decoração era chic e moderna, com móveis em tons neutros, combinando madeira rústica e detalhes contemporâneos. Havia uma área de lazer completa com piscina, espaço gourmet e lounges onde nos reunimos para ver os fogos de artifício. Era um refúgio perfeito para uma virada de ano tranquila, ao lado de alguns amigos do Alysson e da Claudia.
Sofia passou a virada com a mãe, e Silas não apareceu. Sofia mencionou que, após o Natal, ele e Yves tiveram uma briga feia, chegando ao ponto de falar em separação. Não pude deixar de ligar isso ao fato de que elq soube que sou filho do Silas, e ao possível envolvimento dele com minha mãe. Minha vida, que até pouco tempo era pacata, agora parecia uma novela, e os próximos capítulos eram impossíveis de prever.
Preciso esclarecer algumas coisas neste ponto. Minha vida estava em uma fase de calmaria e descobertas, e os laços com minha família estavam se fortalecendo. Muitas situações e mudanças ocorreram nesse período, que preferi não descrever com tantos detalhes para manter o texto mais dinâmico. Sobre o relacionamento com Bernardo, posso dizer que tínhamos algo bom. Nos víamos quase todos os dias e, naquela altura, eu já sabia que o amava; ele me fazia sentir completo. No entanto, minha imaturidade pesava, o fato de trair o Bernardo, e ficar e transar com outras pessoas. Só mais tarde eu entenderia as consequências dessas falhas.
Também quero destacar a amizade que comecei a desenvolver com Brenda, a assistente da fábrica na capital. Ela pegava carona comigo sempre que possível, e logo nos conectamos, trocando confidências e histórias. Nossa amizade se fortaleceria cada vez mais, e sua presença seria mais notável com o passar do tempo. Mas quis mencionar isso agora para que fique claro que essa amizade não surgiu de repente.
O Ano Novo foi um momento especial. Como sempre, eu estava fascinado pelo mar — o som das ondas, o cheiro salgado do vento e a energia daquela imensidão. Confesso que o ambiente ali também despertava em mim outro tipo de fascínio, minha tara por ver homens de sunga e suas malas marcando, o tio Alysson passava o dia de sunga e despertava algo em mim, e, junto com o calor do verão, me dava um certo “fogo”. Eu também passava o dia de sunga, assim como Bernardo, e, no meio de tanta intimidade e liberdade, a atração entre nós crescia ainda mais.Eu e o Bernardo transavamos todos os dias, fosse na praia a noite ou em casa, todo aquele clima me deixava com bastante tesão, eu descontava tudo comendo o Bernardo. Foi uma virada de ano cheia de intensidade e paixão, e algo me dizia que aquele ano de 2015 traria grandes surpresas e mudanças, com muitas histórias ainda por viver.
A primeira surpresa de 2015 veio como esperado: o resultado do Enem. Minha nota em redação foi realmente baixa, e isso inviabilizou a possibilidade de entrar em Medicina numa federal. Eu já imaginava, então, não foi um choque, mas trouxe à tona uma decisão que eu vinha adiando: a conversa definitiva com o Silas. No fundo, ainda não estava pronto para enfrentar tudo isso, mas o Alysson, que acompanhava meu esforço na fábrica e conhecia meus sonhos, acabou tocando no assunto durante uma tarde de trabalho.
— E então, vai entrar na particular? — ele perguntou, direto, enquanto organizávamos algumas pendências na fábrica.
— Ainda não sei, tio… não queria ter que conversar com o Silas sobre isso.
— Já falei com ele, e para ele não tem problema nenhum pagar sua faculdade.
Suspirei, incerto.
— Tio, sei lá… Não queria depender dele, entende? Não queria nada do meu pai.
Ele ponderou, com um tom compreensivo, mas insistente:
— Olha, Rafael, é seu direito. Posso até intermediar isso por você, se preferir. Digo que você vai cursar a particular, ele cobre os custos, mas respeitando seu espaço. Vocês podem ir se entendendo aos poucos, como foi no Natal, de forma… leve.
Fiquei pensativo. A ideia fazia sentido. Talvez fosse uma maneira de alcançar o que eu queria sem pressões, mas ainda com o apoio necessário.
— É uma boa ideia. O senhor faria isso?
Alysson sorriu, como quem já esperava minha resposta.
— Claro que sim. Quero ver você bem e correndo atrás dos seus sonhos.
Eu já vinha pensando sobre isso. Queria cursar Medicina, e se o Silas tinha condições financeiras, aceitar essa ajuda não deveria ser um problema. Falei com minha mãe, que me incentivou, e as coisas aconteceram como o Alysson havia planejado. Ele realmente intermediou a “conversa” com o Silas, que cuidou da minha matrícula e dos pagamentos necessários. Como eu já tinha passado na prova da particular, bastava agora oficializar tudo e começar o curso. Meu plano para o ano era equilibrar o início da faculdade com o cursinho de redação que eu faria na capital, focando em um dia conseguir a aprovação na federal e, enfim, seguir independente.
No final de janeiro, outra grande mudança chegou: o nascimento do meu filho. Era oficial, ele tinha o olhar verde da família, aquele traço marcante do Silas e do Bernardo, que eu mesmo não havia herdado, mas aparentemente transmiti. Não precisávamos nem de teste de DNA. Ver aquele par de olhos me encarando pela primeira vez trouxe um sentimento único. Eu sabia que queria oferecer a ele tudo o que me faltou: amor, presença, e os valores que vêm com caráter e educação, bem além de qualquer questão financeira.
Poucas semanas depois, uma outra reviravolta aconteceu: meu relacionamento com o Bernardo chegou ao fim. Em uma madrugada intensa, enquanto fazíamos amor, meu telefone vibrou com uma mensagem. Era do Luís Ricardo, dizendo que estava bêbado e queria me ver. Bernardo notou a notificação e, com o olhar sério, me questionou:
O clima de tensão tomou conta do quarto assim que o Bernardo viu a mensagem. Ele segurou o telefone, encarando a tela como se tentasse encontrar ali uma resposta para o que estava acontecendo. E então, com a voz carregada de raiva e mágoa, ele quebrou o silêncio.
— Rafael, o que significa isso? — Bernardo perguntou, os olhos apertados de suspeita.
— Cara, nem falo com ele mais… — tentei desviar o assunto, mas era tarde demais.
— Não fala mais? E essa mensagem, então? "Tô bêbado, quero te ver"? — Bernardo ergueu o celular, a voz ficando cada vez mais alta.
— Bernardo, para com isso! Você tá ficando doido! Vai ficar surtando por causa de uma mensagem? — revirei os olhos, tentando parecer casual. — Nem faz sentido, faz tempo que não troco uma palavra com ele!
— Quem? O Luís Ricardo? Cara, nem falo com ele mais… — tentei desviar o assunto, mas era tarde demais.
— Não fala mais? E essa mensagem, então? "Tô bêbado, quero te ver"? — Bernardo ergueu o celular, a voz ficando cada vez mais alta.
— Bernardo, para com isso! Você tá ficando doido! Vai ficar surtando por causa de uma mensagem? — revirei os olhos, tentando parecer casual. — Nem faz sentido, faz tempo que não troco uma palavra com ele!
— Você tá fazendo uma tempestade num copo d’água, isso sim! É só o Luís Ricardo, caramba! Ele é passado, e…
— Passado?! — Bernardo gritou, cortando minha frase. — Você acha que eu sou idiota? Já não bastou o que aconteceu? Acha que eu vou cair nesse papinho de novo?
Fiquei sem resposta, mas ele não esperou. Esticou a mão de novo, os olhos faiscando de raiva. — Então, ou você me dá o celular agora… ou acabou. Eu tô falando sério, Rafael.
Senti o peso da situação desabar sobre mim. Relutante, entreguei o celular, sem nem saber o que ele faria com aquilo. Com os dedos trêmulos de raiva, Bernardo digitou e enviou uma mensagem. “Vem pra minha casa, igual naquela vez que você esteve aqui.”
Em segundos, o celular vibrou com a resposta. “Tô indo.”
Bernardo ficou imóvel, a expressão chocada. Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ele olhava para mim. — Ele já esteve aqui… Como você pôde, Rafael? Depois de tudo que a gente passou, de tudo que você disse pra mim. Eu confiei em você, porra! E você… você ainda manteve contato com ele o tempo todo?
— Bernardo, me escuta… — minha voz saiu baixa, sem jeito. — Não é o que você tá pensando…
— Não é o que eu tô pensando? — Ele riu novamente, mas dessa vez com a voz quebrada. — Como pode ter coragem de me olhar nos olhos e mentir assim? Você… você não presta, Rafael. Eu me esforcei tanto pra gente dar certo, pra confiar em você, mas você só me engana!
Eu queria me defender, mas as palavras não saíam. A verdade é que eu não tinha uma resposta que pudesse consertar aquilo. Vi uma lágrima escorrer pelo rosto dele, e cada palavra parecia rasgá-lo por dentro.
— Sabe o que é pior? — Bernardo murmurou, quase como se falasse consigo mesmo. — Eu me dediquei, Rafael. Te amei com tudo o que eu tinha. E você… brincou com tudo isso, com cada momento que a gente passou junto. Você sabe o quanto eu odeio mentira, sabe como eu me sinto sobre isso.
Ele começou a pegar suas coisas, enfiando-as na mochila com mãos trêmulas, os olhos fixos no chão.
— Bernardo, não faz isso, por favor. A gente pode resolver isso… Eu sei que errei, mas… — Minha voz mal saía.
— Resolver? — Ele me encarou, com os olhos vermelhos. — Rafael, não tem como resolver algo que você destruiu. Isso aqui é o fim. Acabou. — Ele jogou a mochila sobre o ombro e, antes de sair, fez uma última pausa, me encarando. — Tudo o que a gente construiu, todos esses momentos… tudo se tornou mentira, por sua causa.
E com isso, ele virou as costas e saiu pela porta, deixando para trás o som de seus passos e o eco da última palavra. "Acabou."