Passados alguns dias após a virada, e nós permanecíamos na pousada juntamente com meus pais, que resolveram ficar por mais um mês, principalmente por causa dos planos que meu pai e meu sogro tinham sobre a obra.
Levantei cedo para apreciar a vista e respirar aquele ar fresco. Após dias ensolarados, a chuva deu as caras por lá e estava um clima muito agradável. Fiquei um bom tempo sentada sozinha em um banco de madeira, pensando em absolutamente nada. O silêncio absoluto às vezes cai bem.
Com fome, resolvi preparar o café, montei a mesa, cobri e subi para o quarto. Achei que seria legal levar o de Juh, e assim fiz. Ao abrir a porta, deparei-me com minha linda esposa ainda dormindo, assim como todos, e toda encolhida. Aproximei-me, deixando a bandeja em cima de uma mesinha, e encostei na sua pele com as pontas dos dedos; estava fria. Deitei ao seu lado e cochilei um pouco. Ao despertar, já notei que seu corpo estava junto ao meu. Dei um beijinho no topo da sua cabeça, que a fez acordar, e nos enroscamos em um longo período de carinho matinal.
— Do nada esfriou — disse, dentro dos meus braços, com a cabeça sobre mim.
— Sim, o tempo tá bom pra... — dei um sorriso malicioso para ela e completei — pra ficar o dia inteiro de amorzinho...
— Eu sei bem o amorzinho que você quer fazer... — respondeu-me, vindo me beijar.
— Não seria má ideia, seria? — falei, apertando o abraço e descendo a mão para seu bumbum.
— Quero ficar de amorzinho — disse, em meio a um sorriso, sentando sobre minha cintura.
— A gente fica então, só não nessa posição, porque aí é exigir demais do meu autocontrole — puxei-a para que, pelo menos, deitasse sobre mim, e ficamos com o rosto coladinho.
— O que quer fazer nessas férias? Para onde quer ir? — perguntei, pois até então não tínhamos planos. Eu prometi que minhas férias durariam a mesma quantidade de tempo que a dela: dois meses e uns dias. Queria mostrar que me preocupava com o incômodo de Juh relacionado ao meu tempo de trabalho. Eu realmente me importava; seriam as férias mais longas da minha vida.
— Huuuuuum, a gente pode ficar só em casa mesmo? — perguntou-me, meio em dúvida.
— Podemos, mas não acha que as crianças vão se importar? — perguntei.
— Acho que a gente se vira bem. Dá pra fazer muitas coisas diferentes com eles tendo tempo livre e, antes de acabar, podemos ir ou para a casa dos seus pais ou para o interior. Acredito que vão gostar — disse, com um sorrisinho; provavelmente já estava querendo isso há um tempo.
— Você quem manda, gatinha — falei.
— Vamos descer para comer algo? — disse-me.
Só então me lembrei que já tinha trazido algo para ela.
— Vou tomar banho, mas trouxe seu cafezinho — e dei um beijo.
— Você é tão fofa comigo, amor — disse, segurando em minhas mãos.
E eu pensando: "Oxe, eu só trouxe um suco com pãezinhos".
Após toda a nossa higienização, já descemos com nossas malas para o carro. Kaká e Mih ficaram acordados até tarde, apanhando no dominó para os avós, e ainda estavam dormindo, mas o restante do pessoal estava reunido na área, conversando. aos cumprimentamos e ficamos na sala assistindo. Após um tempo, nossos filhos desceram, estavam mudos. Kaique sentou no meu colo e Milena no de Júlia.
— Nossa, que filhos mal-educados estamos criando, amor... Nem um bom dia — falei.
— Quanto mais um beijo na mãe — completou Juh.
— Vocês brigaram? — perguntei.
Não houve resposta, apenas olhares denunciando que sim.
— Por quê? — perguntou Juh.
— A gente estava brincando de fortaleza, e Kaique ficava derrubando meus travesseiros — disse Milena, com uma voz melancólica.
— Milena chutou o meu castelo e acabou com a brincadeira! — exclamou Kaique, bravo.
— Ah, pronto — falei. — E como é que se resolvem esses problemas? — perguntei.
— Conversando... — respondeu Mih, baixinho.
— E vocês não estão fazendo isso, não é? — perguntou Juh.
Kaique negou com a cabeça.
Milena se sente muito irmã mais velha; nesses momentos, fica perceptível. Levantou, pegou-o pela mão e foi para o sofá para se resolverem.
Enquanto ajeitava algo para eles comerem, Juh veio atrás de mim e me abraçou.
— É ruim vê-los brigando, porém saber que sabem se resolver e, mais ainda, saber que estamos ensinando-os a se resolverem é tão bom — disse-me, orgulhosa.
— Estamos criando bem, né? — falei, rindo.
— Ser mãe é tão legal — falou, empolgada, e eu achei fofo.
Seu sorriso era doce, encantador e convidativo.
— Assim eu não resisto — anunciei, antes de a envolver nos meus braços para beijá-la.
Olhei para o sofá e estava vazio; eles já estavam falando com os avós, e notei que mais algumas pessoas da família de Júlia chegaram.
Quando nos aproximamos, ouvi que meu sogro estava contando sobre a história dos avós dele, que eram israelenses, e que o sobrenome Oliver provavelmente veio da França e está relacionado à árvore Oliveira. Apontou para fora, onde há um grande pé.
Ele estava explicando isso para os amigos dos pais de Victor, porém quem mais prestava atenção a cada palavra dita era Milena. Com um olhar triste e abraçando as pernas, silenciosamente, as lágrimas escorriam em seu rosto. Na tentativa de que ninguém visse, virou o rosto para o lado, só que deu de cara com Juh, que já se agachava para conversar com ela.
Ainda chovia um pouco, mas Juh a carregou e foi em direção à árvore. Deitou com ela no seu peito e ficaram um bom tempo conversando. Aí sim, o pessoal da mesa começou a reparar e olhavam para mim, buscando uma resposta.
— Mih quer o sobrenome de vocês nos documentos... — falei.
— Oh, então acabei tocando em um assunto delicado — disse meu sogro.
— O senhor não tinha como saber, sogro. Ela se incomodou quando viu a documentação de Kaique. Estamos tentando conscientizá-la de que o importante é o amor que há em nossa família e que um nome não muda isso, mas infelizmente a afeta muito... — falei.
— Tudo isso pelo nome? — perguntou minha sogra.
— É melhor eu ir lá, não é? Eu que comecei com esse assunto — disse Sr. José, levantando-se.
— Deixa Juh terminar de conversar, é melhor — aconselhei. Ele assentiu e sentou novamente.
Voltei meu olhar rapidamente para elas, que ainda conversavam, e fui até Kaká, que estava ajudando a alimentar os cavalos. A propósito, o nome do cavalo dele é... Cavalo! Nem preciso dizer que Milena odiou; ela deu várias sugestões, mas meu filho argumentou que ele tinha muuuuita cara de cavalo.
— Agora é sua vez de ficar fortinho, amor, seu café já está lá — falei, passando a mão em seu cabelo.
— Vou ficar com saudade deles — falou, fazendo carinho em um.
— A gente sempre volta para vocês montarem a mil por hora e matarem do coração — falei, brincando, e ele riu.
Voltamos pela parte coberta e finalmente o papo havia acabado. As duas vinham em nossa direção, então esperamos. Pelo rosto animado da minha filha, tinha dado um bom resultado.
— Mãe, nós vamos levar uma muda do pé de oliveira para nossa casa — falou, animada. — Os Oliver têm a tradição de que, quando vão morar sozinhos, levam. Como a mamãe morava naquele apartamento, não dava, mas agora a gente vai levar e cuidar para, quando o Kaká e eu formos embora, levarmos as nossas.
— Como que cuida? — perguntou Kaique, curioso.
— Sair de casa? Quem disse? Vão morar pra sempre com a gente — brinquei, rindo, mas sentindo uma pontada no coração ao ouvir aquelas palavras com tanta naturalidade.
Eles riram, e Mih disse que também não sabia cuidar, porém Juh ia ensinar. Eu duvidava muito dessa última parte, já que nós não curtimos muito plantas, mas resolvi não interferir.
Os dois dispararam para finalmente tomar café, e meu sogro estava todo preocupado; dava para ver de longe.
— É tradição mesmo ou inventou? — perguntei.
— É verdade, eu só não me importava. Esse pé que tem aqui veio da fazenda do meu avô e lá no haras também tem um... Achei que ela ia ficar feliz em saber que vai fazer parte disso e, aparentemente, eu estava certa — me respondeu.
— Achei um fato superinteressante e você nunca tinha comentado — falei, abraçando-a.
— Eu só não ligava mesmo, amor... — me explicou.
— Então agora nós vamos produzir azeite? — perguntei, brincando.
— Eu não faço a mínima ideia de como se faz isso, mas tenho certeza de que é mais fácil do que manter um pé de oliveira no calor de Salvador — falou, com as mãos no rosto, mas de forma divertida.
— Dê seus pulos, Oliver — falei, rindo.
— Você esqueceu que também virou uma, foi? — disse, me empurrando.
— Eu posso fazer por diversão, mas é obrigação sua saber até quantas folhas tem um pé — e a agarrei novamente.
À tarde, a chuva havia aumentado e Kaique estava entediado, chamando Mih para brincar, mas nada parecia tão atrativo para fazê-la sair do colo de Juh.
— Bora montar, então? — sugeriu.
— Chovendo... Pode? — perguntou, vacilante.
Eu estava pronta para dizer um sonoro “não” quando minha bela esposa autorizou, e sem pensar duas vezes, os dois correram da sala.
Meus sogros, meus pais e eu fizemos a mesma cara interrogativa para ela: ??????
— Ué, gente, estão de férias — se justificou.
— Amor, tá chovendo, frio, imunidade de Kaique, todas as malas no carro, perto do horário da gente sair — falei.
— Amor, relaxa... É só água! — falou, rindo.
D. Jacira fez sinal negativo com a cabeça e eu ri, dizendo: — Não posso fazer nada, sogra, a senhora que criou essa muié mandona.
— Eu não, isso é coisa de José, que mimou demais — me respondeu, e meu sogro riu.
— Nada a ver, queria eu ter essa liberdade toda que eles têm — falou, meio sem querer, e assim que disse a última palavra, pareceu ter se arrependido.
— Não fale assim também — falou meu sogro, em um tom mais sério.
Meus pais, que sabem de toda a história de superproteção e são ótimos em mudar de rota nessas ocasiões, entraram em cena.
— Você é mandona, Juh? Só assim para dar um freio em Lore — perguntou minha mãe, enquanto meu pai falava sobre a futura obra com meu sogro.
— Mih diz que eu mando em todo mundo, mas eu acho que na maioria dos casos são resolvidos em um consenso, não é, amor? — me perguntou.
— Claro, claro... Em consenso, você diz o que quer fazer e eu concordo — brinquei e já a segurei para um beijinho, porque sabia que não era essa a resposta que ela queria.
No meu ouvido ela sussurrou: — Não era para eu ter dito isso, meu Deus!
— Relaxa, já passou! — respondi
Mas é verdade, tudo em nossa família é resolvido em conversa e buscamos nunca passar por cima de uma decisão da outra. Caso aconteça de ser tomada sem termos acordado antecipadamente, principalmente na frente das crianças.
(em mim, Júlia manda mesmo; o que ela disser é lei 🤣)
Depois de se sujarem dos pés à cabeça de lama, porque não ficaram só montando a cavalo, mas sim brincando de laçar um ao outro pelo pé, nossos filhos tomaram banho, e valeu a pena abrir mão daquele "não", pois a felicidade deles estava estampada.
Fiquei segurando o guarda-chuva enquanto Júlia pegava as roupas no carro.
— Ainda sobra para mim... — falei, fingindo reclamar.
— Porque você é um amorzinho — disse, me dando um beijo.
Quando ela entregou as roupas para as crianças, eles se olharam e riram.
— Mas mamãe, nem combina! — disse Mih.
— A minha também não — mostrou Kaká.
Realmente, não combinava. A de Kaique, principalmente.
— Culpa de vocês dois que embolaram as roupas na mochila... É só até chegar em casa... — falou, e eles foram rindo.
Quando fomos nos despedir, ouvi Juh agradecer baixinho à minha mãe por ter mudado de assunto, e elas combinaram de ligar mais tarde para as duas conversarem.
Tivemos uma volta tranquila. A pousada não fica em Salvador, mas é bem próxima, e mesmo assim os três Marias Sonecas dormiram, me deixando apenas na companhia de boas músicas.