Passei a tarde dedicado ao Bruno, percebendo o quanto ele estava crescendo rápido e ficando cada dia mais esperto. A cada sorriso e tentativa de segurar meu dedo, eu sentia um orgulho imenso. Conversar com Letícia sobre ele acabou trazendo à tona mais coisas sobre o futuro dele. Ela mencionou a ideia de fazermos o exame de DNA, "para tirar a prova dos nove", como disse. Para mim, no entanto, não havia dúvidas — Bruno era a minha cara, e até minha mãe tinha reforçado isso, mostrando uma foto minha de bebê. Ainda assim, entendia que Letícia talvez precisasse dessa certeza, para si e para Bruno.
Durante nossa conversa, Letícia compartilhou que, apesar de no início ter pensado em dar um rumo independente à vida após o nascimento, hoje o sentimento era diferente. Ela se via aberta a uma guarda compartilhada, embora soubéssemos que ainda era cedo para definir as coisas. Por enquanto, o assunto seguia sem muita pressão, mas o que quer que acontecesse, sabia que faria tudo para estar presente.
Mais pro fim da tarde, Caio chegou, e foi direto pegar Bruno no colo, chamando-o de "dindo", mantendo o plano que havíamos feito de ele ser o padrinho. Aquilo trouxe leveza ao ambiente. E após alguns momentos mais com Letícia, nos despedimos. Caio e eu saímos para tomar um açaí próximo à casa dela, e finalmente, chegou o momento de encarar a conversa que ele mencionara.
Nos servimos no self-service de açaí e cada um montou sua tigela, caprichando nos toppings, mas logo que nos sentamos, senti que a leveza inicial começava a se desfazer. Entre conversas triviais, percebi o olhar do Caio se fixando em mim de uma forma mais séria, até que ele finalmente soltou:
— Então... nem sei bem como começar essa conversa, mas é sobre o Bernardo.
Meu coração apertou, e naquele instante, tive a sensação de que estava prestes a ouvir algo que não queria. Caio continuou, escolhendo as palavras com cuidado.
— Quando vocês terminaram... ele me procurou. — Ele fez uma pausa e respirou fundo antes de seguir. — E não foi a primeira vez. Naquela outra briga de vocês, quando ele flagrou eu, você e o Luís Ricardo... ele veio atrás de mim depois, mas eu não dei corda. Só que, dessa vez... bom, desculpa, Rafa, mas eu acabei não resistindo. Eu sempre gostei do Bernardo, sabe? A gente sempre teve uma química muito boa, e agora... as coisas estão diferentes. Ele está mais maduro, eu tô morando aqui na capital... e, bom, a gente ficou.
Meu peito parecia afundar com cada palavra que ele dizia. Ele estava ali, tentando ser sincero comigo, mas tudo o que eu sentia era uma mistura de raiva, frustração e... uma pontada de compreensão.
— Desculpa, Rafa — Caio continuou, enquanto eu ainda tentava processar tudo. — Mas eu nunca escondi o que sentia pelo Bernardo. Tá, talvez tenha escondido no início, mas você sabia... desde o começo, eu contei que rolou algo entre a gente. Sempre tive a sensação de que havia algo mal resolvido com ele, mesmo quando estava no mesmo ambiente com vocês dois. Eu me sentia estranho, por mais que tentasse fingir que tava tudo bem.
Encarando a tigela à minha frente, soltei um suspiro, procurando forças para responder.
— Tudo bem, Caio. Eu sei como é se apaixonar pelo Bernardo. Sei que errei com ele... errei feio, em coisas que ele nem imagina. Mas é estranho ter essa conversa agora. E, sinceramente... não tenho muito o que dizer. Só que... se vocês estão bem, que sigam em frente.
Caio colocou a mão no meu ombro, como quem tenta oferecer apoio, mas isso só me fez querer me afastar.
— Rafael, não quero que você fique chateado comigo, de verdade. Você é meu irmão, cara.
Olhei para ele, tentando manter uma expressão neutra, mesmo que as emoções fossem intensas demais por dentro.
— Caio, eu não tô com raiva. E entendo você — respondi, pausando para absorver o peso do que estava dizendo. — Só quero que você faça o mesmo que me pediu quando comecei a sair com o Bernardo: não me conte nada. Não quero saber de nada.
Ele assentiu, respeitoso, e ali, entre açaís pela metade e um silêncio espesso, o passado parecia finalmente tomar um rumo novo... e eu ficava só com as memórias e as marcas de tudo o que tínhamos vivido.
Após a conversa tensa e aquele silêncio pesado com Caio, a única coisa que eu queria era me afastar um pouco e organizar meus pensamentos. Então, ao invés de seguir direto para casa, mudei o rumo e fui para a praia. A paz que o som das ondas e o cheiro do mar me traziam era incomparável. Sentei na areia, deixando os pés se enterrarem e observando o horizonte, tentando digerir tudo o que estava sentindo.
Eu amava o Bernardo, mas ele tinha seguido em frente — e eu precisava aceitar isso. Se ele tinha procurado o Caio tão logo após o término, era porque provavelmente ele não sentia o mesmo que eu. Talvez um dia, num futuro incerto, nossos caminhos pudessem se cruzar novamente, mas decidi ali que não me apegaria a essa ideia. A vida estava tomando um novo rumo, e eu queria focar nisso. Havia muito pelo que seguir adiante: minha faculdade dos sonhos, minha irmã Sofia, e até a pequena Zoe, que eu esperava conhecer melhor um dia.
Conforme o dia passava, resolvi animar um pouco o meu final de semana. Peguei o celular e enviei uma mensagem no grupo do WhatsApp com João Pedro e Felipe: “E aí, o que vão fazer hoje à noite?” Eles responderam rápido que também não tinham planos, então sugeri uma saída para a boate. O Felipe, animado, disse que conhecia um bar-balada que naquela noite teria uma festa de funk e prometia estar cheio de gente bonita. Gostei da ideia, e combinamos de nos encontrar em casa às 22h e seguir para a festa juntos.
O clima entre nós estava leve e divertido, e a amizade entre eu, João Pedro e Felipe parecia ganhar novas camadas a cada encontro. A atração entre mim e Felipe surgiu meio que por acaso, como acontece entre amigos que acabam ultrapassando a linha da amizade depois de algumas bebidas. Nenhum de nós jamais declarou abertamente: “sou gay”. Tudo simplesmente fluiu, e, de alguma forma, sabíamos que estávamos no mesmo time.
Quando chegaram em casa, já passava das 21h. Eu ainda estava no quarto me arrumando, apenas de toalha, e o João Pedro já se jogou na cama como se fosse dono dela, enquanto Felipe me deu um tapa de leve. Perguntei como seria o lugar onde iríamos, e Felipe, animado, respondeu que haveria muita gente bonita, o que me deixou empolgado. Decidi abrir o jogo sobre minha situação: “Estou precisando seguir em frente. Meu ex já está, e eu tô na pilha de ficar com alguém novo.”
Felipe riu e me incentivou: “Hoje você sai desse marasmo. Vai ter muito cara gato por lá.” Já João Pedro, sempre com seu jeito descontraído, riu e entrou na brincadeira: “Então bora fazer o esquenta, porque hoje também quero sair do zero. Ontem vocês me deixaram de vela!”
Num impulso, brinquei, agarrei João Pedro por trás e dei um cheiro em seu pescoço: “Não seja por isso, piranha, tem Rafinha aqui pra todo mundo.” Ele riu, e a atmosfera ficou ainda mais descontraída.
Com toda aquela cumplicidade, acabei tirando a toalha e colocando uma cueca na frente deles, sem cerimônia. Normalmente, eu não teria feito isso, mas a confiança entre nós estava em outro nível. Ficamos bebendo, ouvindo música, e Felipe até tentou nos ensinar alguns passos de dança, embora eu e João Pedro fôssemos um desastre. No entanto, com as bebidas nos deixando mais soltos, fomos nos permitindo experimentar. O riso era contagiante, e a noite prometia. Já estávamos mais do que prontos para sair e curtir aquela noite.
Chegamos ao bar e logo percebemos a vibe agitada do lugar. A fila se movia rápido, e enquanto aguardávamos, meus olhos já captavam a beleza das pessoas ao redor. Felipe não mentiu; tinha muita gente atraente ali, e o ambiente era algo completamente novo para mim. Diferente das boates onde eu costumava ir com o Bernardo, esse lugar tinha um charme próprio. Com muitas plantas decorando o espaço e uma varanda acolhedora com vista para a avenida, o cenário era convidativo. O aquário — como Felipe chamou — ficava lá dentro, e realmente fazia jus ao nome, sendo do tamanho de uma kitnet onde o DJ tocava um som animado que fazia todo mundo dançar até o chão.
Compramos algumas fichas para bebida e nos misturamos à multidão. Eu observava cada rosto, sentindo aquela sensação de liberdade de solteiro pela primeira vez em muito tempo. Em pouco tempo, troquei olhares com um cara e o beijo foi inevitável. Nomes foram ditos e, como a noite pedia, cada um seguiu seu rumo. Esse seria o meu novo lema: curtir sem apego. Beijava um, olhava para outro, e o espírito da noite me abraçava.
No meio da festa, de repente, cruzo olhares com o Gustavo — aquele mesmo colega da fábrica, dono da famosa "bunda grande" que sempre chamou minha atenção. Ele parecia surpreso em me ver ali, e com um sorriso confiante, fui até ele:
— Gustavinho, você por aqui! — brinquei, puxando-o para um abraço, e senti sua reação meio surpresa.
— Não sabia que você curtia esses lugares… — ele falou, com um sorriso tímido.
— Ah, curto sim, curto muita coisa… — pisquei o olho para ele, deixando no ar uma provocação. Ele mordeu os lábios e, com um sorriso de canto, respondeu:
— Não esperava por isso, mas... que tal a gente dançar uma música?
Mal acabei de dar mais um gole na cerveja, e ele já me puxava para o aquário. A pista estava lotada, e ficamos próximos à parede enquanto Gustavo mostrava todo o gingado, descendo até o chão e me olhando com aquele olhar provocante. Não resisti: puxei-o para um beijo, e ele retribuiu com intensidade. No calor do momento, sussurrei no ouvido dele o que tinha pensado desde o primeiro dia que ele entrou na fábrica. Ele riu com malícia e sugeriu:
— Vamos ao banheiro.
Em segundos, estávamos numa cabine, trocando beijos, e o clima esquentava ainda mais. Quando ele sugeriu algo mais, e perguntou sobre camisinha, mas, como nenhum de nós tinha, ele recusou dizendo que não transava sem capa. Ao invés disso, ele se ajoelhou e abocanhou meu pau rapidamente e o momento que tivemos foi intenso e sem pressa. Depois de nos recompor, voltamos para a festa como se nada tivesse acontecido.
Reencontrei João Pedro, que estava de olho em um cara ruivo, e Felipe conversava com um homem mais velho. Nos juntamos depois e ficamos nós três, bebendo e comentando sobre tudo que tinha rolado na noite. Quando o sol começou a nascer, por volta das cinco da manhã, decidimos que era hora de ir para casa. Fomos juntos, sem pressa, com aquela sensação de uma noite bem aproveitada.