- Está tudo bem. A minha mãe foi só mais uma vítima das circunstâncias, assim como você. - Então sorri e acariciei o seu rosto: - Mas você teve força e o apoio da sua mãe para mudar o seu destino. A minha mãe, mesmo contando com a ajuda de alguns familiares, não teve.
- Isso não está inteiramente correto. - Ouvimos a voz do padrinho que havia entrado e ouvia a nossa conversa próximo ao batente que separa a cozinha da sala: - Sua mãe não está morta.
[CONTINUANDO]
Todos o encararam em silêncio, surpresos, sem saber o que falar. A Lena foi a primeira a abrir a boca:
- De que você está falando, amor?
Ele coçou os olhos com uma das mãos, suspirou profundamente e expirou o ar e se sentou à mesa. Então, me encarou com um semblante pesado, falando:
- A sua mãe não está morta. Está enclausurada num convento na Bahia.
- Como é que é!? A minha mãe está viva! - Bufei, encarando-o e, pela primeira vez, alterando o meu tom de minha voz com ele: - E por que nunca me contou isso? É a minha mãe, eu tinha o direito de saber!
- Marcel, calma… - Ele pediu sem alterar o tom da voz, olhando triste para mim: - É complicado, nem sei como te explicar.
- É melhor ir abrindo a boca, porque estamos a um passo de brigarmos, e feio!
Ele acenou positivamente com a cabeça, olhando para baixo por um momento em silêncio, provavelmente ordenando o que precisava ser dito. Logo começou:
- Tudo o que você contou aqui está certo. Tudo, tudo, tudo… A única coisa que você errou é sobre a sua mãe. Ela foi realmente foi internada e quase morreu, quase! A sua avó era muito católica e vendo que a sua mãe precisava de mais que a ajuda que os homens podiam dar, como havia estudado num colégio de freiras, entrou em contato com uma antiga colega e ambas conseguiram um lugar num convento. A ideia inicial era afastar a sua mãe de tudo até ela se reequilibrar. Acontece que ela acabou encontrando um caminho na fé e ficou por lá mesmo.
- Lá onde!? - Perguntei.
- No convento, lá na Bahia…
- E por que ela nunca mais veio me ver?
- Marcel… - Suspirou profundamente triste: - Isso eu nunca entendi direito. A sua avó mesmo tentou convencê-la a voltar ou, pelo menos, vir te visitar, explicar a escolha dela, mas… Enfim, essa é uma pergunta que você terá que fazer diretamente para ela se quiser saber.
- Caramba! Caramba, caramba, caramba… - Repeti enquanto me levantava e seguia para o meu quarto, onde me tranquei.
Eu precisava ficar sozinho, pensar em tudo e decidir o que fazer, aliás, decidir já estava decidido: eu iria encontrar a minha mãe e cobrar uma resposta. Isso já era certo! Sentei-me na cama e fiquei tentando organizar os meus próximos passos, mas a verdade é que eu estava tão tenso, tão abatido, que não conseguia decidir nada. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas depois de um tempo, ouvi batidas e a voz da Chiquinha me chamando. Abri a porta e ela me encarava, triste. Eu a abracei e lhe dei um beijo na testa, pois não seria justo culpá-la de nada.
Voltamos à cozinha, onde apenas as mulheres estavam. Perguntei do meu padrinho e a Lena me explicou que ele voltou para o rancho, a fim de resolver a situação do meu pai:
- É melhor ele mandá-lo embora. Com ele lá, eu não volto!
A Lena entendeu a mensagem e foi até o rancho. Demorou quase meia hora para voltar:
- Está tudo resolvido. Ele já foi embora, mas ele disse que gostaria de conversar com você, se você quiser é claro. Parece que ele está na pensão da Neusa, lá na cidade. Fica até segunda de manhãzinha, depois vai embora.
Fiquei em silêncio por um instante e olhei para a Chiquinha:
- Vamos voltar pro churrasco? Acho que estou precisando beber até cair.
- Dou conta de carregar você não, hein! - Ela resmungou, sorrindo, mas com uma tristeza ainda no olhar: - Vou dar uma ajeitada na maquiagem e vamos.
Não sei o que a Emanuelle havia usado nela, mas, mesmo depois daquela choradeira toda, a maquiagem praticamente se mantinha intacta. Ela não demorou mais do que cinco minutos no quarto e retornou, brincando:
- O olho inchado eu não consigo resolver.
Voltamos para o rancho e as pessoas estavam bebendo, comendo, mas num silêncio quase tumular. Pedi que aumentassem o volume porque a festa precisava continuar e, aos poucos, a animação retornou, lenta, comedida, bastante tímida. A festa durou até altas horas, mas a animação não foi a mesma. Nesse meio tempo, a Manu veio se sentar próximo da gente e perguntou como eu estava. Agradeci a sua preocupação e expliquei para a Chiquinha que a Manu já conhecia a história do meu pai, o que ela confirmou com um movimento de cabeça:
- Mas como você sabia que aquele homem era o pai do Marcel? - Perguntou a Chiquinha.
- Não sabia! Mas quando notei que o Marcel travou e como aquele senhor tinha alguns traços bem parecidos com o Marcel, deduzi que poderia ser o pai dele, tanto que te falei para ir ficar com o Marcel, não falei?
- Falou…
- Pois é. Eu nem sei o que te dizer depois dessa, amo… - Calou-se, pigarreou e disse: - Amigo.
Minha noite foi horrível, cheia de pesadelos ou de lembranças distorcidas de situações que eu não sabia se se tratavam de lembranças ou de presunções baseada no que havia ouvido. Fato é que dormi pessimamente mal, aliás, eu e a Chiquinha que praticamente passou a noite em claro, preocupada comigo.
Tivemos a continuação do churrasco no domingo que transcorreu sem maiores novidades. A animação não foi a mesma do início do dia anterior, mas ainda assim foi bastante legal. Tivemos a chance de nos distrair, conversando, bebendo, comendo e até dançando bastante. Causou-me uma certa estranheza, a Manu e a Chiquinha ficaram um bom tempo juntas, conversando assuntos que eu preferia não saber qual, não pelo menos na presença da Manu. Esta inclusive retornou para Cuiabá no meio da tarde, praticamente na mesma hora em que os meus amigos se despediram de mim, mas já se comprometendo a voltarem no dia do nosso casamento.
Assim que todos os convidados foram embora, reunimos o núcleo principal da família num canto do rancho e a conversa girou em torno de dois temas principais, três na verdade: - meu pai, minha mãe e a Manoela:
- O que tem a Chiquinha? - Perguntei.
- Ué! A gente quer saber se vocês estão bem. Se tudo o que aconteceu abalou vocês.
Eu olhei para ela que me olhava apreensiva, mas sorri e a abracei, dizendo:
- Foi só um susto! Nada, nem ninguém vai me afastar da minha caboclinha.
Ela me agarrou o pescoço num abraço apertado e beijou a bochecha, agradecendo:
- Não tem o que agradecer. Eu te amo de verdade e sei que o que aconteceu não foi intencional da sua parte.
- Nem da parte do seu pai. - Disse o meu padrinho.
- Desse aí, eu não quero saber. Quero vê-lo bem longe de mim e da minha família, aliás, se possível quero não vê-lo nunca mais! - Falei, fazendo o meu padrinho morder os lábios, chateado.
- Então, presumo que você não irá falar com ele amanhã? - Ele insistiu.
- Nem amanhã, nem nunca! Eu te respeito demais, padrinho, mas nunca mais me coloque debaixo do mesmo teto que aquele lá ou a gente vai se desentender. Nunca mais, ok?
- Ele não vai, Marcel. O seu padrinho já entendeu. - Disse a Lena, acariciando a mão do marido que seguia chateado com a situação: - E a sua mãe? Você já pensou o que vai fazer?
- Já! Vou visitá-la. Quero conservar com ela, saber porque ela me abandonou. Quero pelo menos ouvi-la, tentar entender a decisão que ela tomou. - Olhei então para o meu padrinho e pedi: - Inclusive, preciso do nome do convento, telefone, endereço, enfim, tudo o que o senhor tiver dela, ok?
- Até o novo nome. - Falou a dona Zezé.
- Como assim?
- Ué! Se não me engano, depois que uma mulher se casa com Cristo, ela adota um novo nome. Seria bão ocê saber se é o caso dela e se for, sabê o novo nome.
Olhei para o meu padrinho que parecia surpreso e me respondeu:
- Isso eu não sei! A última vez que fui visitá-la e já faz um tempão, eu pedi para ver a Maria e dei o nome completo dela.
- Tá. Agora preciso ver com você como faremos daqui por diante. - Falei já olhando para a Chiquinha: - Como você quer fazer? Quer vir comigo para São Paulo ou tem que voltar para Natividade, para resolver a sua vida por lá primeiro?
Ela pensou por um instante, fazendo um biquinho e falou:
- Eu tenho que voltar. Tenho o meu trabalho e a faculdade. Não posso simplesmente abandonar tudo e me mudar. Nós já estamos entrando em setembro e se você concordar, eu acho que poderia ficar esse restante de ano lá. Daí resolvo a minha vida por lá e se você não se arrepender de ter me pedido em casamento, a gente vê como faz depois.
A proposta era prudente e bem resolvida. Dei risada apenas da forma como ela falou, sobre a possibilidade de eu me arrepender e brinquei:
- É mais fácil você se arrepender de mim do que eu de você.
- Há! Mas não é mesmo, queridinho. Se você me quiser mesmo, pode ter certeza que a gente vai se casar.
- Já que ocês falaram disso… - Disse a dona Zezé, chamando a nossa atenção: - Onde é que ocês vão se casá? Aqui, lá ou na capital?
- Eu caso em qualquer lugar. - Disse a Chiquinha, afobada, mas com um lindo sorriso.
- Eu vou deixar a Chiquinha decidir. Onde ela quiser, para mim está ótimo!
- Se vocês casarem por aqui, eu banco uma festança caprichada. - Disse o meu padrinho.
- Vamos deixar a Chiquinha pensar um pouco, ver as possibilidades, depois decidimos.
- Estou brincando com vocês, certo? Eu quero pagar a festa onde vocês decidirem se casar. É só me falar quanto fica que eu deposito a gaita. - Disse o meu padrinho.
Conversamos mais alguns assuntos, mas nada relevante. Dormi melhor nessa noite, apesar de ter ainda acordado duas vezes por conta de pesadelos. No pior deles, tive a visão do meu pai enrabando a Chiquinha que delirava no pauzão dele, elogiando o tamanho e grossura, e o pior, dizendo que não conseguiria viver longe daquela tora. Acordei suando frio e ela também, mas não contei desse meu pesadelo para não deixá-la ainda mais culpada.
No dia seguinte, já de posse dos dados do mosteiro, verifiquei que não ficava na Bahia, mas sim em Santa Luzia, Minas Gerais. Entrei em contato para me informar sobre as visitas às freiras. Soube que elas normalmente não recebiam visitas, por viverem em clausura total ao mundo exterior. Decidi não insistir por telefone, pois seria em vão. Eu tentaria pessoalmente. Quando expliquei para todos a minha decisão, a Chiquinha falou:
- Vou com você.
- Claro que não! Além de longe, pode ser que eu nem consiga falar com ela.
- Deixa eu ir com você. Posso fazer companhia então. Dar apoio. Eu tenho mais alguns dias de folga, então não vai ser problema algum.
Pensei um pouco, sem dar atenção a Lena e a dona Zezé que davam suas opiniões e falei:
- Quer saber… Vem comigo! Será a nossa primeira viagem juntos. Vai ser legal.
Arrumamos as nossas coisas e nos despedimos de todos ainda na segunda. Fomos para Cuiabá e pegamos um voo para Belo Horizonte. Pouco antes de entrarmos no avião, a Chiquinha apertou a minha mão e travou. Olhei para ela que foi direta:
- Nunca voei. Eu tô com medo!
- Estou com medo. “Repeat, please.” - Brinquei com ela, tentando puxá-la.
- Ah, vá à merda, Marcel! Tô com medo mesmo.
- Não precisa ter. Você vai gostar. É como… como andar num ônibus com suspensão ultra macia, literalmente você vai se sentir nas nuvens.
- Há-há-há! - Ela falou num tom de claro deboche: - Me engana que eu gosto.
- Confia em mim, caboclinha, você vai adorar.
As pessoas seguiram andando e eu ainda demorei alguns minutos para convencê-la. Fomos praticamente os últimos a entrar no avião. Ela seguiu tensa, temerosa e sacou, sei lá de onde, um rosário, começando a rezar ao meu lado, o que chamou a atenção de uma comissária:
- Primeira vez. Ela está bem. Fica tranquila. - Falei para a moça.
Os piores momentos foram a decolagem e a aterrissagem, momentos em que ela literalmente grudou no assunto com uma das mãos e na carne da minha mão com a outra. Durante o voo, ela até chegou a olhar pela janelinha, mas rapidamente voltava e tentava se distrair conversando comigo, comendo umas besteirinhas oferecidas pela comissária, enfim…
Chegamos em Belo Horizonte onde aluguei um carro e seguimos para Santa Luzia. Ali, dado o horário avançado, nos hospedamos num hotel. Jantamos num restaurante próximo e depois demos uma volta por uma praça tipicamente mineira, cheia de criança, casais, famílias. A Chiquinha estava adorando o seu novo “status” de mulher séria, noiva, e fazia questão de me agradecer a cada gesto que fazia por ela:
- Para de agradecer, sua boba! Estou fazendo isso de coração, porque quero te ver feliz.
- Eu sei, mas é que… é… Parece um sonho.
Dormimos e no dia seguinte, pouco depois do horário do almoço, rumamos para o convento. Ser atendido já foi uma luta e quando tudo parecia ganho, fomos encaminhados para um escritório, pois teríamos que obter a permissão da Madre Superiora, uma senhora de meia idade, com cara de pouquíssimos amigos, ou nenhum mesmo. Expliquei que queria visitar a minha mãe e a primeira reação dela foi me chamar de mentiroso, praticamente nos enxotando de lá. Por sorte, um padre, que parecia ser o chefão de todo o convento, estava passando pelo corredor bem no momento em que éramos “convidados” a nos retirar de lá e quis saber do que se tratava. Pedi para conversarmos num local reservado e ele nos convidou a entrarmos todos na sala da tal Madre Superiora. Ali fiz um resumo rápido da minha vida e de como havia descoberto que a minha mãe ainda estava viva, motivo pelo qual estava ali. Aquela mulher que, para mim, era o Pinguim disfarçado, parecia disposta a lutar:
- Nada do que disse justifica rompermos o voto de clausura, Monsenhor! Se é o caminho que Deus traçou para eles, devemos respeitar a vontade do Todo Poderoso.
- Se fosse há anos atrás, ele ainda uma criança, pedindo para ver a mãe, a senhora recusaria, Madre? - Perguntou o padre.
- Se fosse da vontade de Deus… - Disse, levantando levemente os ombros.
- Acha mesmo que Deus evitaria que um filho visse e abraçasse a sua mãe uma vez mais? Toda a vida é obra do Santíssimo. Nossos caminhos, às vezes, se dá por vias sinuosas, mas Deus sabe o que faz, e se ele revelou ao… Qual o seu nome mesmo, filho?
- Marcel, padre.
- Isso! E se Deus revelou ao Marcel que a sua mãe está viva e em vida monástica apenas agora, não vejo porque não possam se encontrar uma vez mais.
- Mas Monsenhor…
- Não, Madre! - Ele a interrompeu: - Já tomei a minha decisão. Vou permitir a visita do filho à mãe.
- A minha noiva poderia conhecê-la também? - Perguntei.
Ele ficou em silêncio por um instante, pensando a respeito e falou:
- Isso foge um pouco a relevância do encontro entre mãe e filho, mas considerando que ela é a sua noiva e que provavelmente saber que você irá constituir a sua própria família sob as bençãos de Deus a deixará muito feliz, irei abrir uma exceção…
- Monsenhor! - Refugou o pinguim, ficando de pé atrás da sua mesa.
- Madre, contenha-se!
- Eu farei uma carta para o Bispo, fique sabendo!
- Capriche então na letra e nos argumentos, porque a sua última foi pessimamente mal escrita.
Olhei para a Chiquinha que assistia a cena da discussão com os olhos arregalados, mas nada falamos. Ele então me perguntou o seu nome:
- Maria das Dores… Massa. - Falei.
- Mariinha!? Mas que surpresa. - Ele falou.
Por fim, ele disse que pediria para ela nos encontrar no salão da capela, aliás, ele próprio nos conduziu até lá, desejando que Deus iluminasse as nossas mentes naquele momento. Ficamos sentados num banco próximo ao altar e coisa de quinze minutos depois ouvimos a porta abrir e fechar. Olhei para a Chiquinha que apertou a minha mão e deu um sorriso, seguido de uma simples frase: “Vai lá!”
Levantei-me e vi que uma irmã se aproximava a passos curtos, mas rápidos. A sua face somava os anos de uma vida de espera por um dia que talvez ela nem imaginasse que chegaria. Suas mãos vinham sobrepostas uma à outra em frente ao seu ventre, como se dissessem o meu fruto, aquele que veio daqui, hoje está ali. Não durou muito. A poucos passos de distância de mim, seus olhos marejaram e uma das mãos foi em direção a sua própria boca, enquanto ela seguiu caminhando em minha direção. Quando estava a menos de meio metro, ela parou, em silêncio, contemplativa, mas agora, próximo a mim, eu reconhecia os seus traços como sendo os meus próprios. Era quase como um espelho, refletindo a mim mesmo anos no futuro, com a suavidade que é própria da feminilidade:
- Mar-Marcel!? - Ouvi uma voz feminina e suave.
Aliás, a melodia daquelas poucas sílabas que me tocou fundo na alma e encheu os meus olhos de lágrimas imediatamente. Naquele mesmo instante, a lembrança de um cântico qualquer de ninar, me veio à memória e eu sorri, saudoso da calma que me trazia. Sem saber o que dizer, apenas disse o óbvio:
- Oi, mãe.
Se a liturgia permitia ou não, eu não sei, mas ela se atirou nos meus braços, me abraçando e chorando. Chorei também e como chorei, mas a cereja do bolo foi ouvir a Chiquinha chorando ao nosso lado. A sua choradeira foi tamanha que acabou suplantando a nossa, além de chamar a nossa atenção. Como a Chiquinha não conseguia parar, ela me olhou e perguntou que era:
- É a Chiquinha, minha noiva.
- Noiva!?
- Isso! Vou me casar.
Ela arregalou os olhos e abriu um imenso sorriso. Depois, soltou por um instante e se sentou ao lado da Chiquinha, segurando a face dela com as duas mãos e obrigando a minha noiva a encará-la. Só então disse:
- Sua alma é maravilhosa, meu anjo! Fico muito feliz em saber que o meu filho te encontrou nessa vida e rezarei a Deus todos os dias que vocês possam ser muito felizes juntos.
Ela então beijou as duas faces da Chiquinha e a abraçou, acariciando as suas costas, enquanto seguia tentando acalmá-la. Quando ela se acalmou, só conseguiu falar:
- Sou muito mole… Posso ver essas coisas não!
A minha mãe esticou a sua mão na minha direção e me fez sentar ao seu lado, e disse:
- Não imagina como estou feliz em te reencontrar, ainda mais sabendo que vai se casar com uma moça tão especial.
- Hã… - Resmungou a Chiquinha, olhando para o chão, envergonhada de algo.
- O que foi, meu anjo? Disse algo que te ofendeu?
- Ahhhh… - Chiquinha gemeu e ainda sem coragem de encará-la, balançou sua cabeça em negação, somente após falando: - Especial nada! Sou uma baita de uma pecadora. Isso sim…
- Somos todos nós! Não pense você que só porque estou aqui, eu também não sou pecadora. Sou sim! E para expirar os meus pecados, rezo todos os dias pedindo perdão a Deus.
- Ai, se a senhora soubesse… - Falou a Chiquinha, enxugando uma nova lágrima.
Minha mãe me olhou, mas voltou a sua atenção a quem necessitava naquele momento. Então, ela perguntou:
- Você não tem jeito de ser violenta, então homicida você não é. Linda assim, eu tenho até um palpite, mas tenho receio de ofendê-la…
- A senhora acertou! - Disse a Chiquinha, suspirando fundo.
Minha mãe se surpreendeu por um instante, arregalando levemente os olhos. Depois me olhou por um instante e sorriu. Abraçou a Chiquinha e então disse:
- Francisca, me escuta… Você conhece a história de Maria Madalena?
A Chiquinha se surpreendeu, arregalando os olhos e balançou afirmativamente a cabeça:
- Então… Embora não seja consenso, a maioria acredita que ela era uma prostituta. Se era ou não, não é essa a questão, o que interessa saber é que Jesus Cristo a amou demais porque viu beleza em seu coração, e eu também vejo isso em você! Não importa o que você foi, fez, com quem esteve ou o porquê, importa somente quem você é e será daqui por diante. Se você se arrepender de coração dos seus pecados, Deus irá perdoá-la. No coração do Pai há espaço para todos e a salvação está a apenas um arrependimento de distância.
A Chiquinha a encarou ainda de olhos arregalados que começaram a ficar marejados novamente. Então, a minha mãe, pela primeira vez deu uma gostosa risada e disse:
- Ah não! Chorar de novo não! Assim a gente vai passar tempo demais só chorando e não vamos aproveitar esse nosso momento.
- Desculpa. - Falou a Chiquinha.
- Meu anjo, eu não tenho o que te desculpar. Se o meu filho te aceitou de coração, é porque você é especial. Já gosto de você como a uma filha. - Deu-lhe um beijo na face e se virou para mim: - Você será muito feliz com esta moça. Ela será um anjo na sua vida.
Eu sorri concordando e vendo que a Chiquinha agora já sorria por não ter sido rejeitada. Entretanto, a minha visita não seria apenas para fazermos boas novas recordações, pois eu tinha fantasmas que precisava exorcizar. Então, olhei para a minha mãe e disse:
- Eu… - Calei-me por um instante, mas não havia jeito fácil de perguntar, então entrei de sola: - Por que você me abandonou?
[CONTINUA]
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, MAS OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL PODEM NÃO SER MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DOS AUTORES, SOB AS PENAS DA LEI.