O som suave dos motores do avião parecia um ruído de fundo reconfortante enquanto Pedro e Luiz permaneciam em um sono leve, ainda de mãos dadas. Os dois haviam relaxado após as emoções das últimas horas, mas o destino tinha outros planos. De repente, uma turbulência forte sacudiu o avião, causando um sobressalto geral na cabine.
Pedro acordou com um pulo, apertando instintivamente a mão de Luiz como se buscasse um porto seguro. Seus olhos estavam arregalados, e sua respiração ficou rápida e descompassada. Luiz despertou sentindo a pressão na mão e virou-se imediatamente para ele.
— Pedro? O que foi? — perguntou Luiz, percebendo a expressão de pânico no rosto dele.
Pedro não conseguiu responder de imediato, tentando controlar a respiração, mas claramente em uma crise de ansiedade. Luiz se inclinou para mais perto, o rosto tomado por uma preocupação genuína.
— Ei, olha pra mim — disse Luiz, a voz baixa e calma. — Tá tudo bem. Isso foi só uma turbulência, é normal em voos. Respira comigo, tá? Inspire... e agora solte devagar.
Pedro tentou seguir as instruções, mas era evidente que estava lutando contra o medo. Luiz então soltou a mão dele por um momento, apenas para colocar a própria mão no rosto de Pedro, obrigando-o a focar em seus olhos.
— Estou aqui, Pedro. Você não está sozinho. Só se concentre na minha voz, ok?
Pedro finalmente conseguiu soltar o ar em um longo suspiro, ainda nervoso, mas começando a se acalmar. Luiz continuou murmurando palavras tranquilizadoras até que Pedro, com um sorriso fraco, assentiu.
— Foi só um susto — Pedro murmurou.
— Um susto grande, pelo jeito — Luiz respondeu, tentando aliviar o clima. — Mas você foi muito corajoso.
Naquele momento, a aeromoça passou pelo corredor e lançou um olhar rápido aos dois.
— Vocês são um casal muito bonito, sabia? — disse ela, piscando antes de continuar o trajeto.
Luiz ficou visivelmente corado, desviando o olhar enquanto Pedro soltava uma risada baixa.
— Acho que ela é fã de romances aéreos — Pedro provocou, ganhando apenas um olhar sem graça de Luiz.
Depois que o clima voltou ao normal, Pedro se inclinou mais para perto de Luiz, como se procurasse sua companhia para afastar qualquer sombra de medo.
— Você disse que não tem medo de nada, mas deve ter algo que te assusta — disse Pedro, tentando mudar de assunto.
Luiz hesitou, olhando para fora da janela.
— Talvez eu tenha medo de me abrir demais. De me permitir confiar em alguém a ponto de me machucar.
Pedro franziu o cenho, surpreso com a honestidade repentina.
— Parece algo difícil de superar, mas ao mesmo tempo, é isso que faz a vida valer a pena, não acha?
Luiz o encarou por alguns segundos, como se tentasse decifrar o significado por trás das palavras.
O avião cortava o céu, avançando em direção ao destino final, enquanto Pedro e Luiz dividiam o último trecho da viagem lado a lado. A turbulência que havia agitado os dois momentos antes ainda pairava no ar como uma lembrança, mas agora, com o clima mais calmo, os dois se encontravam mergulhados em uma conversa profunda.
— Luiz — começou Pedro, quebrando o silêncio enquanto o avião se estabilizava —, o que vai ser de nós quando esse avião pousar?
A pergunta foi direta, carregada de um misto de curiosidade e receio. Luiz franziu o cenho por um momento, ponderando a resposta.
— Não sei, Pedro. Acho que nunca pensei nisso.
Pedro inclinou-se levemente para mais perto, como se estivesse tentando diminuir a distância entre eles, física e emocionalmente.
— Eu não sou do tipo que costuma se abrir assim tão rápido, mas... você me faz sentir diferente. É como se a viagem tivesse sido um ponto fora da curva da minha vida.
Luiz desviou o olhar por um momento, olhando para o horizonte que se abria pela janela do avião. Ele suspirou, escolhendo as palavras com cuidado.
— Eu também gostei de te conhecer, Pedro. De verdade. Mas... eu tenho tanta coisa acontecendo. Estou no meio de um TCC, cheio de pesquisas, prazos. Minha vida está uma bagunça agora.
Pedro assentiu lentamente, mas não parecia desanimado.
— Eu entendo, mas isso não significa que você não possa tentar algo novo. Talvez... tentar algo com alguém que te faça bem.
Luiz o encarou, visivelmente dividido entre a racionalidade que sempre guiava sua vida e o sentimento novo que surgia entre eles.
— E se não der certo?
Pedro deu de ombros, com um sorriso pequeno, mas sincero.
— E se der?
A resposta pegou Luiz de surpresa. Ele ficou em silêncio por alguns instantes, tentando absorver as palavras de Pedro. O silêncio entre eles era confortável, mas estava carregado de emoções não ditas.
— Eu não estou dizendo que precisa ser algo definido agora — continuou Pedro. — Mas talvez a gente possa começar aos poucos. Sair, nos conhecer melhor.
Luiz parecia prestes a responder, mas foi interrompido por Pedro, que colocou a mão no bolso e tirou o celular.
— Vamos trocar nossos números. Assim, se você quiser, pode me chamar quando estiver mais tranquilo. Sem pressão.
Luiz hesitou por um momento, mas acabou pegando o celular de Pedro e digitando seu número. Em seguida, Pedro fez o mesmo no aparelho de Luiz.
— Agora você tem como me encontrar, e eu tenho como te encontrar — disse Pedro, com um sorriso que parecia iluminar seu rosto.
Luiz sorriu de volta, relaxando um pouco.
— Pedro, eu realmente gostei de te conhecer. Mas preciso ser honesto. Eu não sou muito bom em lidar com esse tipo de coisa. Relacionamentos, emoções...
Pedro riu baixo, balançando a cabeça.
— Você acha que eu sou? Acha que eu tenho tudo sob controle? Eu perdi minha mãe, Luiz. Desde então, tudo o que faço é improvisar. Mas você... você me faz sentir como se eu pudesse ter algo real de novo.
As palavras de Pedro atingiram Luiz em cheio. Ele respirou fundo, sentindo o peso do momento.
— Vamos fazer o seguinte — disse Luiz, finalmente. — Eu prometo que, se as coisas ficarem menos caóticas pra mim, eu vou te procurar. Eu só não quero te dar esperanças e depois não conseguir cumprir.
Pedro assentiu, compreendendo a sinceridade de Luiz.
— Combinado. Mas saiba que, mesmo que você não me procure, eu vou guardar essa viagem com muito carinho. Você me ajudou mais do que imagina.
Antes que pudessem continuar, o aviso de descida do avião ecoou pela cabine.
— Passageiros, por favor, ajustem seus assentos e cintos de segurança. Estamos nos preparando para pousar.
Pedro e Luiz trocaram um último olhar antes de ajustarem seus cintos. O avião começou a descer suavemente, e os dois permaneceram em silêncio, absorvendo tudo o que haviam compartilhado.
Na saída do avião, Pedro se virou para Luiz uma última vez.
— Luiz, sobre o casamento do meu irmão, Gustavo Oliveira... seria incrível ter você lá.
Luiz sorriu, surpreso com o convite.
— Vou fazer o possível pra ir.
O aeroporto estava lotado. O som constante de vozes misturava-se ao anúncio de voos que ecoava pelo alto-falante, criando um pano de fundo caótico para o momento delicado entre Pedro e Luiz. Os dois haviam se despedido na saída do avião, mas as palavras ditas pareciam insuficientes, deixando uma sensação de incompletude pairando no ar.
Pedro apertava os lábios, observando Luiz se afastar em direção à área dos táxis. Havia algo nele, uma urgência, um sentimento que ele não podia deixar para depois. Enquanto Luiz caminhava, puxando a mala de rodinhas, Pedro sentiu um aperto no peito.
Ele respirou fundo, hesitou por um momento, mas então girou nos calcanhares e começou a correr na direção de Luiz.
— Luiz! — ele gritou, sua voz ecoando pelo saguão do aeroporto.
Luiz já estava próximo ao táxi quando ouviu o chamado. Ele virou-se rapidamente, vendo Pedro correr em sua direção com uma expressão determinada, mas também cheia de emoção.
Pedro parou em frente a ele, o rosto levemente avermelhado pela corrida e os olhos brilhando com intensidade.
— Eu não podia deixar você ir assim — disse Pedro, ofegante. — Eu precisava de mais um momento. De mais uma chance de... de dizer adeus, do jeito certo.
Luiz ficou sem palavras por um momento, surpreso pela súbita ação de Pedro. Mas antes que pudesse responder, Pedro deu um passo à frente, segurou seu rosto entre as mãos e, sem hesitar, o beijou.
Diferente dos beijos trocados no avião, este era carregado de despedida, uma mistura de urgência e melancolia. Ali, no meio do saguão do aeroporto, o mundo ao redor parecia desaparecer. Não havia o som dos anúncios, das conversas ou dos passos apressados. Só existiam eles dois, naquele instante que parecia eterno.
Quando finalmente se afastaram, Pedro ainda mantinha as mãos no rosto de Luiz, olhando-o nos olhos com uma intensidade que fazia o coração de Luiz acelerar.
— Eu só queria ter certeza de que você ia lembrar de mim — disse Pedro, sua voz baixa, quase um sussurro.
Luiz sorriu, ainda um pouco sem fôlego.
— Como eu poderia esquecer?
Pedro deu um passo para trás, soltando-o com relutância.
— Vai lá, Luiz. Você tem coisas importantes para fazer, e eu... bom, eu também. Mas talvez o universo nos ajude a nos encontrar de novo.
Luiz assentiu, um nó se formando em sua garganta. Ele entrou no táxi, dando uma última olhada em Pedro antes de fechar a porta. O carro se afastou, deixando Pedro parado ali, observando até que desaparecesse de vista.
Luiz chegou ao hotel já tarde da noite. O dia fora longo, e sua mente ainda estava presa nos momentos que compartilhara com Pedro. Ele puxou a mala, distraído, enquanto o taxista retirava sua bagagem.
No caminho para a recepção, ao mexer no bolso para pegar o celular e confirmar a reserva, o aparelho escorregou de sua mão e caiu no chão. O som do impacto foi alto o suficiente para ele sentir o coração acelerar.
— Não, não, não... — murmurou, apressando-se em pegar o telefone.
A tela estava completamente trincada. Ele tentou ligá-lo, mas a tela não respondia. Nenhum toque, nenhum deslizar resolvia. O aparelho parecia inutilizável.
Um misto de desespero e frustração o atingiu. Sem o celular, ele não tinha como mandar mensagem para Pedro. E, pior, não tinha sequer a certeza de que conseguiria recuperar o número dele por ter salvo a pouco tempo.
Luiz respirou fundo, tentando não ceder ao pânico. Ele fechou os olhos, forçando-se a pensar com clareza.
— Talvez seja o destino colocando um obstáculo — sussurrou para si mesmo, um sorriso irônico surgindo em seu rosto.
Determinando-se a resolver a situação de outra maneira, Luiz seguiu em frente, tentando se concentrar no motivo pelo qual estava no Rio. Mas, no fundo, não conseguia afastar a ideia de que precisaria encontrar Pedro novamente, de um jeito ou de outro.