No livro "Tudo é Rio" de Carla Madeira, ela diz que "O que mais existe no mundo são pessoas que nunca se vão conhecer. Nasceram num lugar distante, e o acaso não fará com que se cruzem. Um desperdício. Muitos desses encontros destinados a não acontecer poderiam ter sido arrebatadores. Por afinidade, por atração que não se explica, por força das circunstâncias, por químicas ocultas, quem pode saber? Quanto amor se perde nessa falta de sincronia. Não é preciso ir longe, alguém pode passar pela esquerda enquanto olhamos distraídos para a direita. Por um triz o paralelo obriga-nos ao desencontro eterno. É preciso uma coincidência qualquer para que o amor se instale. Existe um certo milagre nos encontros. Não é tolo dizer que o amor é sagrado."
Diferente do que Carla Madeira escreve, às vezes o amor da nossa vida realmente passa despercebido. Ele pode estar do outro lado do mundo enquanto estamos presos na rotina, pode cruzar nossa frente enquanto olhamos distraidamente para trás, ou pode se esconder em um instante breve que só mais tarde reconhecemos como especial.
Mas esta história não é sobre esses amores perdidos. É sobre dois amores que, contra as probabilidades, se encontraram. Dois caminhos que se cruzaram no ar, a milhares de metros do chão, e que talvez ainda não saibam o que significam um para o outro.
De um lado, Pedro, que não conseguia mais voltar à normalidade de sua vida. Ele estava em Roraima, acompanhando o casamento de seu irmão, mas sentia que havia deixado algo essencial para trás. Do outro lado, Luiz, que via o mundo como uma equação resolvida, onde cada evento era uma peça de um quebra-cabeça lógico. Para ele, aquilo que deveria acontecer já estava traçado, e preocupar-se com o que escapava ao seu controle era simplesmente inútil.
Pedro chegou à casa de Gustavo, seu irmão mais velho, que ficava em um bairro tranquilo da cidade de Boa Vista. Era uma casa simples e acolhedora, com um jardim na frente e o som de passarinhos ao fundo. Gustavo e sua noiva, Mariana, o receberam de braços abertos.
— Finalmente! — exclamou Gustavo, puxando Pedro para um abraço. — O voo foi tranquilo?
Pedro hesitou por um instante, as memórias de Luiz surgindo como um flash em sua mente.
— Foi o melhor voo da minha vida — respondeu ele, com um sorriso nostálgico.
Mariana riu, achando graça no tom exagerado.
— Melhor voo? Alguém deve ter recebido um upgrade ou algo assim — brincou ela.
Pedro apenas sorriu, desviando o assunto. Enquanto Gustavo e Mariana conversavam animadamente sobre os preparativos para o casamento, Pedro não conseguia evitar de pensar em Luiz. Assim que se viu sozinho no quarto de hóspedes, ele se jogou na cama, tirou o celular do bolso e encarou a tela.
O número de Luiz estava ali, mas Pedro hesitava. Escreveu “Oi”, apagou. Escreveu “Cheguei bem, e você?” e apagou de novo.
O que ele realmente queria escrever era “Não consigo parar de pensar em você”, mas a insegurança o impedia. Depois de longos minutos de dúvida, ele decidiu ligar.
O telefone tocou uma vez. Duas vezes. E então:
— O número que você ligou está indisponível. Por favor, tente novamente mais tarde.
Pedro desligou, uma sensação de rejeição crescendo em seu peito. Ele tentou mais algumas vezes, mas o resultado era sempre o mesmo. Será que Luiz o havia bloqueado? Será que tudo aquilo não passara de um momento especial apenas para ele?
Enquanto isso, em um quarto de hotel em Boa Vista, Luiz tentava ignorar a desconfortável sensação de vazio. Ele estava ali para participar de uma conferência acadêmica, revisar suas anotações e apresentar as pesquisas que usaria no seu TCC.
Seu celular quebrado, jogado sobre a mesa, era um lembrete cruel de que ele não poderia responder ou se comunicar com ninguém. Ele até pensara em consertá-lo, mas decidiu que não era urgente. Se algo fosse realmente importante, acreditava, encontraria outra maneira de alcançá-lo.
Ainda assim, enquanto lia suas anotações, a imagem de Pedro invadia sua mente. Ele tentou afastar essas memórias, dizendo a si mesmo que o voo fora uma coincidência e que as pessoas entram e saem de nossas vidas sem necessariamente deixar marcas permanentes.
Mas, por mais que tentasse racionalizar, havia algo em Pedro que Luiz não conseguia esquecer.
Pedro, por outro lado, não conseguia disfarçar sua inquietação. Durante o jantar com Gustavo e Mariana, ele mal participava da conversa, mexendo no celular constantemente.
— Tudo bem, mano? — perguntou Gustavo, notando o comportamento.
— Tudo... só um pouco cansado — respondeu Pedro, sem muita convicção.
— Você está com a cabeça em outro lugar — provocou Mariana. — Ou em outra pessoa?
Pedro apenas riu, sem negar. A verdade é que ele estava dividido. Sentia como se tivesse deixado uma parte de si naquele avião, e cada minuto que passava parecia aumentar a distância entre ele e Luiz.
Determinando-se a tentar mais uma vez, Pedro subiu para o quarto e ligou novamente para Luiz. O resultado foi o mesmo: caixa postal. Ele suspirou, frustrado, enquanto a dúvida o consumia.
— Será que eu devia ter dito mais alguma coisa? — murmurou para si mesmo, enquanto observava a janela aberta, o vento quente de Boa Vista invadindo o ambiente.
Enquanto isso, Luiz continuava a acreditar que o acaso seria suficiente para resolver o que quer que fosse. Mas o acaso, às vezes, precisa de um empurrãozinho do destino.
Luiz desceu até a recepção do hotel logo cedo, segurando o celular quebrado em mãos como se fosse um pedaço de si mesmo. O atendente, um jovem simpático, o recebeu com um sorriso profissional.
— Bom dia! Posso ajudar?
— Meu celular caiu e a tela quebrou completamente. Preciso consertar isso o mais rápido possível. Você conhece algum lugar aqui perto? — perguntou Luiz, tentando manter a calma diante do incômodo que sentia.
O atendente digitou algo no computador.
— Tem uma loja a duas quadras daqui, especializada nesse tipo de serviço. Eles costumam ser rápidos. Quer que eu ligue para confirmar?
— Não precisa, eu passo lá. Obrigado! — Luiz respondeu, apressado, sentindo o tempo correr contra ele.
A loja era pequena, com prateleiras cheias de acessórios para celulares e cartazes anunciando serviços expressos. O cheiro de plástico novo misturado com eletrônicos queimados tomava o ambiente. Luiz aproximou-se do balcão, onde um homem de meia-idade o cumprimentou.
— Bom dia! Posso ajudar?
— Meu celular quebrou a tela. Quanto tempo vocês levam para consertar?
O homem analisou o aparelho e balançou a cabeça.
— Vai precisar de uma troca completa da tela. Normalmente, de dois a três dias para ficar pronto, porque temos que encomendar a peça.
— Três dias? — Luiz repetiu, surpreso e com um tom de desespero. — Eu não sou daqui, estou sem celular, isso complica muito minha vida. Não tem como ser mais rápido?
O atendente suspirou, como quem já ouvira o mesmo pedido mil vezes.
— Podemos tentar adiantar para amanhã, mas não posso garantir. Vai sair por R$ 700, porque é uma peça mais específica.
Luiz mordeu o lábio, pensando no valor alto, mas sabia que não tinha escolha.
— Tudo bem. Por favor, façam o possível para ser rápido — disse ele, entregando o celular.
— Faremos o nosso melhor. Pode passar aqui amanhã à tarde para conferir.
Com a nota do serviço nas mãos, Luiz saiu da loja e olhou o relógio. Restava pouco tempo até o início da conferência, e ele precisava voltar ao hotel para pegar suas anotações.
De volta ao quarto, Luiz espalhou os papéis sobre a mesa, organizando suas ideias para a palestra que assistiria. Enquanto lia, a mente começava a divagar. Sem o celular, o silêncio parecia mais presente, e as memórias do voo com Pedro insistiam em voltar.
"Será que ele tentou me ligar?" Luiz pensou, mas logo afastou a ideia. Não fazia sentido se preocupar com isso agora. Ele precisava se concentrar no motivo pelo qual estava ali: sua pesquisa, seu TCC, seu futuro.
Vestiu-se rapidamente e pegou sua mochila antes de sair para a universidade local, onde a conferência seria realizada.
O campus da universidade era amplo, com prédios de arquitetura simples, cercados por árvores que ofereciam sombra agradável. Luiz encontrou o auditório principal sem dificuldade e se acomodou em uma das poltronas do meio, ajustando os óculos para enxergar melhor o palco.
As palestras eram interessantes, mas a mente de Luiz vagava entre os tópicos apresentados e as lembranças de Pedro. Ele fazia anotações esporádicas, mas seu foco parecia se dividir entre o presente e o passado recente.
— "Eu tenho que parar com isso," — murmurou para si mesmo, balançando a cabeça, tentando recuperar a concentração.
Mas, mesmo imerso no mundo acadêmico, havia algo que Luiz não conseguia ignorar: a sensação de que aquele encontro com Pedro não fora apenas mais um acaso. O destino, ainda que ele não acreditasse nele, parecia querer provar o contrário.
As palestras passaram como um borrão para Luiz. Ele estava lá fisicamente, sentado no auditório, com o caderno aberto e a caneta entre os dedos, mas sua mente vagava por outro lugar, ou melhor, por outra pessoa. Ele tentava, de verdade, se concentrar nos temas apresentados, absorver as informações e fazer anotações relevantes para sua pesquisa, mas Pedro parecia estar em cada esquina dos seus pensamentos.
Ele balançava a cabeça, tentando afastar as memórias insistentes: o sorriso de Pedro, o brilho em seus olhos quando falava de algo que amava, a leveza com que eles riam juntos no avião, como se fossem amigos de longa data, e, claro, o beijo no aeroporto, que parecia estar gravado na pele de Luiz.
"Concentre-se, Luiz. Você veio aqui para isso. Pesquisar, aprender, se preparar para o TCC," ele repetia mentalmente, mas era inútil. Pedro parecia ter encontrado um jeito de habitar seus pensamentos sem permissão.
Nos intervalos entre as apresentações, Luiz acabou se misturando a um grupo de universitários que também estavam na conferência. Alguns eram do Rio de Janeiro, como ele, e outros de fora. O clima era descontraído, e, entre conversas animadas, um deles sugeriu algo.
— E aí, Luiz, tá gostando das palestras? — perguntou um rapaz de óculos, que tinha uma energia amigável.
— Sim, bastante — respondeu Luiz, tentando soar convincente.
— A gente tá pensando em fazer uma resenha amanhã à noite, só pra descontrair, sabe? Um encontro mais informal pra trocar ideias e relaxar. Você podia colar.
Luiz hesitou. Ele não era exatamente o tipo de pessoa que gostava de eventos sociais assim, mas talvez fosse uma boa distração.
— Pode ser. — Ele deu de ombros, tentando parecer mais à vontade do que realmente estava.
— Beleza! Passa teu número que te colocamos no grupo.
Luiz digitou seu número no celular do rapaz e sorriu, agradecendo o convite, mas assim que o intervalo terminou, voltou ao auditório ainda mais inquieto. O convite para a festa já não parecia tão importante. Seus pensamentos estavam fixos em Pedro.
"Será que ele está pensando em mim agora?" A pergunta ecoava na mente de Luiz, deixando-o ainda mais desconcertado.
Ele tentou racionalizar a situação, como fazia com tudo. Afinal, ele era alguém que acreditava em probabilidades e números, em um mundo que podia ser medido e previsto. Mas nada na equação entre ele e Pedro parecia fazer sentido.
"Isso nunca daria certo," pensou, deixando escapar um suspiro pesado. "Pedro mora a milhares de quilômetros de distância. Ele só está no Rio de passagem. Não tem como isso funcionar."
As palestras seguintes passaram tão rápido quanto as primeiras, mas Luiz mal se lembrava do que fora discutido. Ele apenas preenchia o tempo, tentando ignorar o peso no peito que não conseguia explicar.
Por mais que quisesse se convencer de que aquilo não era nada, que era apenas uma atração momentânea, uma coincidência de um voo compartilhado, algo dentro dele dizia o contrário. Pedro havia deixado sua marca, e, mesmo que Luiz tentasse seguir em frente, sabia que aquele encontro já havia mudado algo em sua vida.