Meu nome é Sérgio, e até pouco tempo atrás, eu diria que minha vida era perfeita. Tenho 28 anos, sou advogado em uma grande empresa de software, e minha rotina sempre foi uma combinação entre trabalho, academia e minha esposa, Amanda. A Amanda, ah… ela é um espetáculo. Loira, olhos verdes que brilham como esmeralda, um corpo curvilíneo de tirar o fôlego – resultado de horas e horas na academia. Além disso, ela é uma mulher incrível, dona de casa dedicada e minha parceira em tudo. A gente levava uma vida tranquila, sem sobressaltos.
Nossa casa fica em um bairro bom, classe média alta, daqueles onde as ruas são sempre calmas e os vizinhos se conhecem de vista, mas evitam muita intimidade. Entre um "bom dia" e um "como vai?", todo mundo segue com sua rotina. Pelo menos era assim, até as coisas começarem a mudar.
Na esquina da nossa rua mora a Joana. Conheço ela desde que me mudei pra cá, uns 10 anos atrás. Joana é uma mulher negra, linda e batalhadora, que criou os dois filhos sozinha depois que o marido morreu num acidente. Ela é enfermeira e trabalha feito uma condenada pra sustentar os meninos, Alan e Alex, que têm 18 anos agora.
Quando cheguei aqui, os moleques eram pequenos, brincavam na rua como qualquer criança. Mas o tempo passou e, olha, eles mudaram… pra pior. Alan e Alex não querem saber de nada com a vida. Vivem na frente de casa, ouvindo música alta, enchendo a cara e, sinceramente, parecendo cada vez mais metidos em algo perigoso. A vizinhança comenta que eles andam com gente barra pesada, e, apesar de não ter provas, o cheiro de problema tá no ar.
Eu, particularmente, nunca me envolvi muito com eles. Sempre preferi manter uma distância educada. Mas, nos últimos meses, comecei a notar coisas que não consegui ignorar. Era o tipo de coisa que, mesmo quando você tenta, fica martelando na cabeça.
De vez em quando, voltando do trabalho, via carros diferentes parando na frente da casa de Joana. Não era gente da vizinhança, isso era óbvio. Jovens com motos barulhentas, caras com jeitão suspeito, entrando e saindo rápido. Parecia coisa de filme, sabe? Um entra e sai que dava pra perceber de longe que não era normal.
A Joana, coitada, parecia não notar. Sempre na correria entre um plantão e outro, ela dava o sangue pra manter a casa de pé. Às vezes a gente se encontrava na rua, e ela me cumprimentava com aquele sorriso cansado, mas ainda assim simpático. Uma mulher admirável. Mas eu sabia que alguma coisa ali estava errada. A vizinhança toda comentava.
– Você viu? Os filhos da Joana tão metidos com droga – ouvi uma senhora dizer no mercado.
– Uma pena. Ela não merece isso – retrucou outra, com aquele tom de quem fala mais de pena do que de preocupação.
Eu não sabia o que pensar. Não tinha como provar nada, mas era difícil ignorar os sinais. E então, numa noite, algo realmente me incomodou.
Era uma quarta-feira. Lembro bem porque tinha acabado de voltar da academia e estava sentado na sala, com Amanda, assistindo a um seriado qualquer. De repente, ouvi gritos. Não eram altos, mas davam pra perceber que estavam vindo lá da esquina. Levantei e fui até a janela. A rua estava quase deserta, mas vi Alan e Alex discutindo com um homem que eu nunca tinha visto antes. Ele estava encostado em um carro preto, fumando, e tinha aquele jeito de quem não estava ali pra conversa.
Amanda veio atrás de mim.
– O que foi?
– Os gêmeos estão discutindo com alguém na esquina. Não parece coisa boa.
Ela deu de ombros.
– Você se preocupa demais. Deixa eles pra lá. Você nunca os ajuda.
Mas eu não conseguia simplesmente ignorar. Era como se algo naquela cena me chamasse, uma sensação ruim que eu não conseguia explicar. Decidi não me meter – afinal, não era da minha conta –, mas passei a observar mais depois disso.
Nos dias que se seguiram, os comportamentos estranhos aumentaram. Música alta até tarde da noite, mais carros diferentes parando na casa da Joana, e, uma vez, juro que vi Alan sair correndo pelo quintal com uma mochila nas costas, olhando pra trás como se estivesse alucinado.
A coisa chegou ao ápice numa sexta-feira. Era madrugada quando acordei com o barulho de uma batida forte. Amanda dormia profundamente, mas eu me levantei e fui até a janela. Dois homens estavam carregando alguma coisa pesada pro porta-malas de um carro parado na frente da casa. Não consegui ver o que era, mas meu coração disparou.
Pensei em chamar a polícia, mas fiquei congelado. Não sabia o que estava acontecendo, mas uma coisa era certa: não era nada bom. No dia seguinte, o portão da casa de Joana estava escancarado, como se alguém tivesse saído com pressa. Ela mesma não estava em casa – devia estar no hospital –, e os gêmeos pareciam agir como se nada tivesse acontecido.
A partir daí, comecei a perceber que não dava mais pra ignorar. Algo grande e perigoso estava acontecendo, bem debaixo do nosso nariz. E, de alguma forma, eu sabia que isso ia acabar me envolvendo, quer eu quisesse ou não.
Na manhã seguinte ao episódio estranho, resolvi seguir com minha rotina, tentando tirar aquele incidente da cabeça. Mas, ao sair de casa e entrar na SUV, vi Dona Joana parada ao lado do Corolla dela, com o capô levantado. Ela parecia frustrada, tentando fazer o carro pegar sem sucesso.
– Bom dia, Dona Joana! – chamei, já encostando o carro. – Algum problema por aí?
Ela ergueu a cabeça, com aquele sorriso simpático, mas visivelmente cansado.
– Bom dia, Sérgio. Ah, esse carro me deixou na mão de novo. Acho que a bateria morreu.
Desci do carro e me aproximei para dar uma olhada. Não entendo tanto de mecânica, mas já passei por isso antes. Olhei os cabos, as conexões, tudo parecia em ordem, mas realmente parecia ser a bateria.
– É, Dona Joana, acho que a senhora acertou. É a bateria mesmo. Infelizmente, não tenho cabo de chupeta aqui.
Ela suspirou e passou a mão na testa.
– E agora? Tô atrasada pro plantão. Já devia estar no hospital há meia hora.
Olhei para o relógio no painel da SUV e então tive uma ideia.
– O hospital não é longe, né? Fica perto do meu escritório. Posso dar uma carona pra senhora.
Ela hesitou, parecendo surpresa com a oferta.
– Não quero incomodar, Sérgio. Você deve ter seus compromissos.
– Que nada! É no meu caminho. Vai ser rapidinho. Além disso, a senhora ajuda tanta gente no hospital, agora deixa alguém ajudar a senhora, né?
Ela deu uma risada baixa e finalmente aceitou.
– Tá bom, então. Obrigada, viu?
Joana pegou a bolsa no carro e entrou na SUV. Assim que nos acomodamos, liguei o carro e seguimos rumo ao hospital. O trajeto não era longo, mas, enquanto dirigia, decidi puxar conversa.
– E como tá a rotina no hospital, Dona Joana? Ainda muito puxada?
Ela suspirou, olhando pela janela.
– Sempre puxada, Sérgio. Plantão atrás de plantão. Mas é o que eu gosto de fazer, sabe? Ajudar as pessoas me dá propósito. O difícil é equilibrar tudo.
– Imagino que não deve ser fácil, ainda mais criando dois adolescentes sozinha. A senhora é uma guerreira.
Joana deu uma risadinha, mas havia um toque de amargura.
– Guerreira… É, dizem isso. Mas às vezes cansa, sabe? Eu faço de tudo por aqueles meninos, mas parece que quanto mais eu tento, mais eles escapam pelos meus dedos.
Senti o peso das palavras dela, e meu instinto foi aliviar a tensão.
– Adolescente é complicado, né? Tenho certeza de que no fundo eles sabem o quanto a senhora faz por eles. Às vezes só precisam de tempo pra perceber.
Ela me olhou, com um sorriso triste.
– Espero que você esteja certo. Porque, olha, tem dias que dá vontade de jogar tudo pro alto. Só que aí eu lembro que sou mãe, né? Mãe não desiste.
Houve um momento de silêncio, e eu percebi que ela estava se abrindo mais do que provavelmente fazia com qualquer um. Decidi mudar o tom da conversa.
– Mas e a senhora? Faz alguma coisa por si mesma? Porque, pelo que eu vejo, a Dona Joana tá sempre cuidando de todo mundo, mas quem cuida da Dona Joana?
Ela riu, dessa vez de forma mais leve.
– Ah, Sérgio, que pergunta difícil. Acho que quem mais cuida de mim sou eu mesma, quando dá. Quando tenho um tempinho, gosto de assistir uma série, dançar um pouco em casa…
– Dançar? – perguntei, curioso.
– É, ué. Adoro colocar música e me perder por uns minutos. Faz bem pra alma.
Não consegui evitar um sorriso.
– Não imaginava, viu? A senhora parece tão séria, mas tô vendo que é bem mais divertida do que aparenta.
Ela riu de novo, balançando a cabeça.
– Quem me vê correndo de um lado pro outro no hospital acha que sou uma máquina, mas eu sou gente, né? Às vezes esqueço disso também.
Enquanto ela falava, comecei a reparar em detalhes que nunca tinha notado antes. Joana era uma mulher linda. Alta, quase da minha altura, com um corpo que parecia perfeitamente moldado. Seus traços fortes contrastavam com um rosto angelical, que lembrava a cantora Iza. O cabelo preso realçava ainda mais os traços delicados do rosto dela.
Por um momento, me peguei olhando para ela de uma forma que não deveria. Aquilo me incomodou. Lembrei de Amanda, do quanto eu amava minha esposa, e desviei o olhar para a estrada.
Joana parecia não ter percebido nada, continuou falando, mais descontraída agora.
– E você, Sérgio? Tá sempre tão ocupado. Consegue um tempo pra curtir a vida?
– Ah, eu tento. Entre o trabalho e a academia, sobra pouco tempo, mas eu e a Amanda sempre damos um jeito de fazer algo juntos.
Ela sorriu, dessa vez com um brilho nos olhos.
– A Amanda é uma mulher de sorte. Dá pra ver que você é um bom homem.
Não sei por que, mas aquilo me pegou de surpresa. Não pelo elogio, mas pelo jeito que ela disse, como se tivesse uma sinceridade crua ali.
Chegamos ao hospital, e Joana agradeceu com aquele sorriso que iluminava qualquer ambiente.
– Obrigada de novo, Sérgio. Você não imagina o quanto me ajudou hoje.
– Que isso, Dona Joana. Sempre que precisar, é só chamar.
Ela desceu do carro, e eu fiquei ali por alguns segundos, observando enquanto ela entrava no prédio. Sacudi a cabeça, tentando afastar qualquer pensamento impróprio. Era apenas uma mulher precisando de ajuda. Nada mais.
Mas, lá no fundo, sabia que algo havia mudado naquele dia.
O dia já estava estranho desde cedo, mas o que aconteceu naquela tarde foi algo que me tirou o chão por completo. Eu voltava do trabalho, cansado, ainda pensando em Joana e na conversa que tivemos pela manhã. Ao virar a esquina da minha rua, o que vi me fez arregalar os olhos e quase parar o carro no meio da rua.
Ali, na frente da casa de Joana, estavam Alan e Alex, como de costume, sentados na calçada. O som alto tocava alguma batida pesada, e eles compartilhavam um tereré enquanto riam. Isso já era cena comum. O que me deixou completamente desnorteado foi a presença dela.
Amanda.