Minha esposa estava lá, entre os dois, rindo como se fosse uma velha amiga. Ela vestia uma calça legging rosa que moldava cada curva do seu corpo e um top preto que mostrava sua barriga sequinha. Era impossível não notar o quanto ela parecia uma deusa, mas o que mais me assustava era o contexto. Ela estava ali, com eles, como se isso fosse normal.
Os gêmeos, sem camisa, exibiam corpos fortes e jovens, com aquele jeito desleixado típico da idade. Os shorts largos deixavam as cuecas à mostra pelas laterais, e Amanda não parecia se importar. Ela conversava animadamente, rindo de algo que eu não conseguia ouvir, mas que parecia colocá-los à vontade demais.
Passei devagar, tentando entender o que estava acontecendo. Meu coração batia mais rápido a cada metro que eu me aproximava. Será que ela não tinha notado o meu carro? Ou será que simplesmente não se importava?
O portão eletrônico da minha garagem começou a se abrir, e o som pareceu chamar a atenção dela. Amanda virou o rosto na minha direção, e, ao me ver, acenou com um sorriso. O sorriso que ela sempre me dava, como se nada estivesse fora do lugar.
– Tchau, meninos, até mais! – ouvi ela dizer antes de caminhar em direção à nossa casa.
Entrei com o carro e estacionei na garagem. Meu coração estava pesado, como se algo estivesse prestes a explodir dentro de mim. Saí do carro e esperei ela entrar. Amanda apareceu logo depois, ainda com aquele mesmo sorriso, mas eu não conseguia enxergar nada além da cena que acabara de presenciar.
– O que você tava fazendo ali, Amanda? – perguntei, direto, sem rodeios.
Ela pareceu surpresa, talvez pelo tom da minha voz, mas tentou manter a calma.
– Com os meninos? Ah, eu comprei umas coisas de academia com eles. Nada demais, Sérgio.
– Comprou coisas de academia? – repeti, tentando entender. – Desde quando você compra coisas com eles? Você sabe que tipo de gente eles andam recebendo lá?
Ela revirou os olhos, cruzando os braços.
– Ai, Sérgio, não começa. Eles só tão tentando ganhar um dinheiro. Falaram que tinham alguns suplementos pra vender, e eu resolvi ajudar. É o mínimo, né?
Senti uma mistura de raiva e desconfiança. Aquilo não fazia sentido. Amanda nunca teve nenhum tipo de amizade com eles, e agora, de repente, estava sentada na frente da casa deles, rindo e comprando coisas?
– Olha, eu não quero me meter, mas acho que isso não é coisa pra você se envolver, Amanda. Esses moleques… eles não são confiáveis.
– Confiáveis? – Ela bufou. – Sérgio, eles são só dois garotos. Se você visse o quanto eles precisam de ajuda, talvez entendesse. A mãe deles tá sempre no hospital, mal tem tempo pra olhar pra eles. É uma forma de dar um apoio.
– E você acha que comprar coisa deles vai ajudar? – perguntei, sentindo minha paciência se esgotar.
– Sérgio, pelo amor de Deus, não exagera. Eu tava lá cinco minutos! – ela respondeu, com um tom mais firme, como se quisesse encerrar a conversa.
Eu queria insistir, queria pressionar mais, mas algo me segurou. Talvez fosse o cansaço do dia, talvez fosse a sensação de que aquilo não ia levar a lugar nenhum.
– Tá bom, Amanda. Só… toma cuidado, tá? Esses meninos não são só dois garotos tentando vender suplementos. Tem mais coisa aí, e você sabe disso.
Ela deu de ombros, sem responder, e foi para o quarto. Eu fiquei na sala por um tempo, tentando organizar os pensamentos. Aquele dia tinha sido longo demais, cheio de peças que não se encaixavam. Joana, Alan, Alex, e agora Amanda… Tudo parecia fazer parte de um quebra-cabeça que eu ainda não conseguia montar.
Quando finalmente fui para a cama, Amanda já estava deitada, virada para o lado, respirando tranquila. Eu me deitei ao lado dela, mas o sono não vinha. Minha mente revisitava a cena da esquina, os risos, as roupas, o jeito descontraído dela com eles.
Por que aquilo me incomodava tanto? Eu sabia que amava Amanda e confiava nela, mas algo naquela situação parecia errado. Talvez fosse apenas paranoia minha… ou talvez fosse o pressentimento de que algo maior estava por vir.
Acordei ainda com a cabeça cheia, mas decidi tentar um tom mais tranquilo durante o café da manhã. Amanda estava sentada na mesa, com aquele ar leve e despreocupado, enquanto colocava café na xícara.
– Sobre ontem, Amanda… – comecei, tentando parecer menos confrontador. – Não quero que a gente brigue por causa disso, mas ainda acho estranho você se envolver com os meninos daquela forma.
Ela levantou os olhos para mim, ainda mastigando um pedaço de torrada, e suspirou.
– Sérgio, eles precisam de ajuda. Você não percebe? É uma família sem pai. Eles só têm a Joana, e ela mal tem tempo pra respirar.
Eu respirei fundo, tentando manter a calma.
– E você acha que é sua responsabilidade? Você nunca ligou para eles, e agora quer resolver o problema dos outros?
Amanda sorriu, mas não de forma provocativa, mais como quem estava tentando me fazer enxergar algo.
– Sérgio, se todo mundo pensasse assim, ninguém ajudaria ninguém. Eu não vou mudar o mundo, mas posso fazer algo pequeno. E você devia pensar nisso também.
Por um instante, fiquei sem resposta. Ela tinha razão, claro, mas isso não diminuía meu incômodo. Olhei para ela e então sugeri algo que surgiu de repente na minha cabeça.
– Tudo bem… E se você convidar a Joana pra ir pra academia com você? Ela também precisa de ajuda, não acha? Talvez fosse bom pra ela ter um tempo pra si mesma.
Amanda inclinou a cabeça, pensativa, e então abriu um sorriso.
– Sabe, Sérgio? Pode ser uma boa ideia. Vou falar com ela qualquer dia desses.
A conversa me deixou um pouco mais tranquilo. Amanda parecia genuína, e talvez eu estivesse exagerando nas minhas suspeitas. Saí para o trabalho com uma sensação de alívio. O dia passou sem grandes novidades, mas, ao voltar para casa no final da tarde, aquela tranquilidade evaporou no instante em que estacionei na frente da garagem.
A porta da minha casa estava aberta.
Franzi o cenho, com um frio subindo pela espinha. Nunca deixávamos a porta aberta assim, ainda mais à tarde. Saí do carro rapidamente, olhando ao redor, e foi aí que vi algo que me fez congelar.
Alan e Alex estavam saindo da minha casa, ambos vestidos apenas com shorts largos. Nenhuma camisa, nenhum sinal de constrangimento. Eles riam entre si, carregando uma ferramenta pequena nas mãos, como se fosse algo perfeitamente normal.
Meu coração disparou. Cada alarme dentro de mim soava ao mesmo tempo.
– Ei! – chamei, minha voz mais alta do que pretendia.
Os dois pararam e me olharam, como se nada estivesse errado. Alan sorriu de canto, enquanto Alex apenas cruzou os braços.
– O que vocês estavam fazendo dentro da minha casa? – perguntei, já me aproximando deles.
Antes que pudessem responder, Amanda apareceu na porta, segurando uma toalha enrolada no corpo, o cabelo molhado caindo pelos ombros.
– Sérgio! – ela disse, parecendo surpresa ao me ver. – Calma, amor. Eles estavam só me ajudando.
– Ajudando? – repeti, com incredulidade na voz.
Ela desceu os degraus da porta, sorrindo despreocupada.
– O chuveiro parou de funcionar, e eles disseram que sabiam como arrumar. Foi só isso.
Alex deu um passo à frente, apontando para a casa.
– Era só o disjuntor, cara. Tá funcionando agora.
Olhei para ele, depois para Alan, que ainda mantinha aquele sorriso irritante. Meu sangue fervia, mas Amanda parecia tão tranquila que eu não sabia como reagir.
– E você achou que chamar os dois pra entrar aqui, sozinhos, era a melhor ideia? – perguntei, tentando controlar minha voz.
Amanda revirou os olhos, parecendo impaciente.
– Sérgio, eles só me ajudaram. Não tem nada de mais. Eles foram gentis, e eu só pedi um favor.
Os meninos deram de ombros, como se estivessem entediados com a situação. Alan fez um gesto discreto com a cabeça, e os dois começaram a sair.
– Bom, então é isso. Qualquer coisa, chama a gente de novo, dona Amanda.
Ela riu e acenou, sem perceber a minha expressão.
– Obrigada, meninos.
Fiquei parado ali, vendo-os se afastar pela rua enquanto Amanda voltava para dentro, ainda enrolada na toalha. Fechei a porta atrás de mim e me virei para ela, que já caminhava pelo corredor.
– Amanda… isso não tá certo. Você sabe que não tá.
Ela parou e se virou para mim, com as mãos na cintura.
– Não tá certo por quê, Sérgio? Porque dois moleques da vizinhança vieram me ajudar? Desde quando você ficou tão paranoico?
– Não é paranoia. É… é a situação. Eles entrarem aqui, sem camisa, enquanto você… – parei, tentando escolher as palavras.
Ela balançou a cabeça, frustrada.
– Sérgio, isso é coisa da sua cabeça. Se você acha que tem algo errado, o problema não é comigo, é com você.
Ela foi para o quarto, deixando-me sozinho na sala. Minha mente girava, tentando processar tudo. As peças pareciam ainda mais confusas agora. Será que eu estava vendo coisas que não existiam? Ou será que Amanda estava se deixando envolver demais com algo que ela não entendia completamente?
Aquela noite foi mais longa que a anterior. Minha desconfiança crescia, e o peso das coisas não ditas parecia encher o ambiente. Alguma coisa não estava certa, e eu sabia que precisava descobrir o que era.
Minha mente estava cada vez mais inquieta. Desde aquele dia em que vi Alan e Alex saindo da minha casa, as coisas pareciam fora de controle. Amanda insistia que eu estava exagerando, mas algo não batia. Meu coração dizia que havia mais ali, algo que ela não estava me contando.
Foi por isso que decidi tomar uma atitude. Uma que talvez fosse drástica, mas, para mim, parecia necessária.
Pesquisei na internet e comprei um conjunto de 23 minicâmeras Wi-Fi, discretas e fáceis de instalar. O tipo de coisa que ninguém perceberia, nem mesmo alguém atento. Graças a um pouco de experiência com tecnologia, consegui espalhá-las por todos os cantos da casa sem chamar atenção. Sala, cozinha, quartos, corredores, até no banheiro principal eu coloquei uma, escondida em uma luminária decorativa. Era um trabalho minucioso, mas que me dava a sensação de controle que eu precisava, ajustei algumas delas as câmeras já existentes na minha casa para o caso de Amanda descobrir.
Nos dias seguintes, comecei a monitorar tudo. Minha rotina se dividiu entre o trabalho e revisitar as gravações de hora em hora. A princípio, não encontrei nada. Amanda parecia seguir sua vida normalmente, cuidando da casa, indo à academia, preparando as refeições. Tudo parecia dentro do esperado.
Mas então, um detalhe começou a chamar minha atenção.
Todos os dias, por volta das 13 horas, Amanda saía de casa. Era um horário fixo, pontual, como se tivesse algum compromisso importante. E só voltava por volta das 16 horas. Três horas exatas, todo santo dia.
No início, tentei não pensar muito nisso. Talvez fosse algo simples, uma ida à academia ou ao mercado. Mas a repetição, a precisão quase cronometrada, começou a me incomodar. Não era o comportamento casual que eu esperava.
Resolvi perguntar a ela, sem fazer parecer que estava desconfiado.
– Amanda, você tem saído bastante à tarde esses dias, né? – comentei uma noite, enquanto jantávamos. – O que você anda fazendo?
Ela levantou os olhos do prato, parecendo surpresa com a pergunta, mas logo sorriu.
– Ah, nada demais. Tenho ido correr no parque da área verde do bairro. É bom pra espairecer.
Eu franzi a testa, tentando não parecer cético.
– Correr? Nesse horário?
– É o melhor horário pra mim – respondeu, dando de ombros. – O parque fica vazio, sem gente pra atrapalhar. Gosto de ter um pouco de privacidade.
Aquilo não fazia sentido pra mim. As 13 horas era o pior horário pra fazer qualquer coisa ao ar livre. O calor era insuportável, especialmente nessa época do ano. Além disso, Amanda sempre preferiu correr de manhã, quando o sol ainda estava baixo. Essa mudança de rotina não se encaixava.
– Mas não tá muito quente pra correr nessa hora? – insisti, tentando não soar acusador.
Ela riu, pegando o copo d’água.
– Sérgio, eu tô acostumada. Além disso, com o parque vazio, é muito mais tranquilo.
A explicação parecia convincente, mas minha intuição dizia outra coisa. Não queria pressioná-la mais, pelo menos não naquele momento. Apenas balancei a cabeça, fingindo aceitar a resposta, enquanto minha mente trabalhava em um plano.
Naquela noite, fiquei acordado até mais tarde, deitado ao lado de Amanda enquanto ela dormia tranquilamente. Mil pensamentos rodavam na minha cabeça. Será que eu estava ficando paranoico? Ou será que minha desconfiança tinha fundamento?
No dia seguinte resolvi almoçar em casa, decidi agir. Se Amanda estava dizendo a verdade, eu não tinha nada a perder. Mas, se ela estava escondendo algo, eu descobriria.
Esperei até o horário de sempre. Por volta das 13 horas, vi Amanda se arrumar. Vestia um conjunto esportivo, uma legging preta e um top cinza que realçavam suas curvas. Amarrou os cabelos loiros em um rabo de cavalo, colocou os fones de ouvido e pegou uma garrafa d’água. Parecia a imagem perfeita de alguém indo se exercitar.
Assim que ela saiu pela porta, esperei alguns minutos antes de pegar as chaves do carro e segui-la. Não queria que ela percebesse minha presença, então mantive uma distância segura, observando seus movimentos.
Ela caminhou até o portão do bairro e saiu em direção à área verde. Fiquei no carro, estacionado em uma esquina, vendo-a se afastar. Por enquanto, tudo parecia dentro do que ela havia dito. Amanda entrou no parque e começou a correr pelo caminho de terra.
Mas algo em mim ainda não estava convencido. Eu sabia que precisava ver mais. E estava determinado a não voltar para casa sem respostas.
Estacionei o carro em uma vaga discreta e saí em silêncio, seguindo Amanda a uma distância segura. O parque estava praticamente deserto, o que facilitava manter os olhos nela sem ser notado. Era uma cena comum: ela corria pelo caminho de terra, com fones nos ouvidos e passos firmes, como qualquer pessoa que busca manter a forma. Por um momento, senti-me idiota por desconfiar. Talvez eu estivesse exagerando, vendo coisas onde não existiam.
Amanda parou perto de um lago no meio do parque, o tipo de lugar que, nos finais de semana, ficava cheio de gente, mas que, naquele momento, estava vazio. Ela colocou as mãos nos joelhos, respirando fundo, e depois se sentou em uma pedra próxima à margem, olhando para a água. Não havia ninguém por perto. Parecia que ela estava apenas descansando, aproveitando um momento de tranquilidade.
Suspirei. Minha desconfiança parecia mesmo sem fundamento. Talvez Amanda estivesse sendo honesta o tempo todo, e eu estava me deixando levar por paranoias infundadas. Me senti até um pouco culpado por tê-la seguido. Resolvi deixar para lá e voltar ao carro.
Mas, ao dar meia-volta, ouvi risadas.
Parei no mesmo instante, meu corpo ficando tenso. Olhei na direção do som e, para meu espanto, vi Alan e Alex. Eles estavam sentados em um banco improvisado feito de madeira velha, debaixo de uma árvore, não muito longe de onde Amanda estava.
Meu coração começou a acelerar. Eles não estavam ali por acaso. Não era coincidência.