XL (FINAL PARTE IEm silêncio a garoa fina como serragem caía sobre a rua. O sol era apenas um sinalzinho por trás das nuvens e o dia começava sem que a noite para mim tivesse terminado.
Eu não conseguia pregar os olhos pensando nas palavras de Lulu, sobretudo porque elas me colocavam diante de uma questão que até então para mim nunca havia sido. "Amo mesmo Duval àquele ponto?!"
Sem saber o que fazer caminhei para o banheiro e caí debaixo do chuveiro. "Mas não é saudável gostar de alguém dessa forma", enquanto pensava, a voz de Etta James surgiu fraca, vindo da rua como se a garoa tivesse ganhado voz.
"At Last", tá de brincadeira!? Aquele filho da mãe está indo longe demais, pensei, pois a única pessoa capaz de ligar o som àquela hora da manhã, era o Lulu Beicinho. Enrolei a toalha na cintura e saí do banheiro.
Mas a musica continuou como se estivesse tocando dentro de mim. "Não volto para a Republica hoje, bom dia!", mandei para Duval antes de sair de casa. A música já havia terminado mas continuava dentro de mim em looping.
"Nessas horas...", sorri para mim mesmo "não acho um belo de um pau para mamar e esquecer os problemas", era meu lado puta falando, suspirei.
Eu subi para a redação do trabalho morrendo de vontade de dar meia volta e sair por aí... Mas para meu azar...
Erick sorria de orelha a orelha porque o cheiro de sangue das reportagens o instigava. Enquanto eu precisava me esgueirar por causa dos olhares dos outros. Ele andava por ali como uma deidade fazendo uma visita na terra.
Aquela praga. Assim que tive chance saí para bater perna.
"Tenho um convite para te fazer!", Betão mandou no meu celular e já conseguiu arrancar um sorriso meu.
"Estou precisando de boas notícias", respondi rápido.
Ele digitou por alguns minutos e logo mandou um áudio:
" - Quer fugir comigo? Calma! Calma! Só por esse final de semana... Mas se quiser que seja para sempre é só falar..."
Uma mistura de ansiedade e sentimento mal resolvido fechou um punho no meu estomago. "E a polícia na segunda feira? E a conversa com Duval?", suspirei antes de apertar o botão do áudio e soltar.
"Era apenas um final de semana"
e
"eu podia relaxar um pouco"
mas
"é justo com Duval?"
Eu andava na calçada olhando para a tela do celular enquanto pensava nestas mil coisas ao mesmo tempo, parei ao sentir mãos contra meu rosto, e o cheiro, o látex, as mãos, soltei o celular no chão.
- Foi mal! - disse Duval.
Ele parecia que tinha saído da minha cabeça. Mas estava ali mesmo diante de mim.
Meu estomago contraiu-se inteiro. Era afinal a oportunidade. Eu podia falar com ele ali mesmo tudo de uma vez.
- Você!
Ele estava com a roupa do hospital todo de branco e agachado a minha frente para pegar o celular mas em um gesto de brincadeira segurou meus dedos puxando as costas da minha mão até os lábios.
- Quer se casar comigo? - disse de risinho cínico de canto de boca. - Sei que você não é mas moça mas estou disposto como cavaleiro a...
Ele brincava enquanto eu desmanchava em lágrimas sem conseguir conter a torrente de sensações que vinham de uma vez. Duval ainda estava segurando meu celular desbloqueado na conversa com Betão.
- Desculpe - falei por causa das lágrimas.
Eu olhei para o rosto de Duval meio embaçado por causa das lágrimas "é agora ou nunca tenho que falar logo sobre Lulu, de uma vez por todas, chega disso!" mas o sinal de mensagem no celular atraiu a atenção dele.
E o que eram olhos de contentamento e certo deboche por causa das minhas lagrimas que acho que Duval pensou que fosse por causa do pedido bobo dele, veio a bofetada:
- Betão te convidou para quê? - perguntou e indiscreto tacou o polegar no play do áudio que eu havia mandado em resposta.
" - Do jeito que estou vou com a roupa do corpo... E que seja um lugar com muita água pra eu me atirar..." - minha voz no áudio era manhosa e eu nem havia notado.
O olhar de decepção de Duval atingiu-me em cheio.
- Que porra é essa? - ele completou apertando o celular. - Que desgraça é essa?
A única coisa que me ocorreu de perguntar no momento e por um lapso foi:
- O que você faz aqui? No centro a essa hora...
Era para ele estar indo para casa depois do plantão ou estar saindo do hospital, sua voz em resposta saiu entredentes. Duval disse:
- Li tua mensagem achei fria, distante, pensei que estava preocupado com segunda-feira... Então decidi ficar com você... - engoliu em seco. - Mas estou vendo que a frieza era por outra coisa.
- Não você está entendendo tudo errado! - falei bravo. - Caralho!
Ele entregou o celular para mim:
- Entendi foi? - disse seco.
Eu peguei o celular com a tela trincada de cima a baixo sem saber o que fazer com ele, com eles! Duval deu as costas e pisando firme seguiu em diante, com os punhos travados. Eu ainda avancei para tentar alcança-lo mas lembrei das palavras de Lulu.
- É isso mesmo tudo de uma vez só? - falei olhando para o céu.
Porque tudo está acontecendo ao mesmo tempo só pode ser coisa sobrenatural! Mas atitudes de merda só podem mesmo gerar uma série de merdas em cadeia. É como uma porra de uma diarreia.
" - O que está fazendo aqui a essa hora?", repeti para mim mesmo com vontade de estapear minha cara, "não tinha nada melhor para dizer não? seu otário!"
*
Como prometido voltei.
Resolvi publicar em parte para não ficar grande demais.
Obrigado pelos comentários!
Até logo!! Volto já!