Quando eu e meu pai entramos no chalé, tanto minha mãe quanto Sofia nos olharam com aqueles olhos curiosos e, ao mesmo tempo, compreensivos. Elas notaram nossas caras de choro, mas, em silêncio, respeitaram o momento, talvez até pressentindo a intensidade do que havíamos passado. Conhecer aquele lado do meu pai, ver o peso que ele carregava e a dor que ele enfrentara, fez algo mudar dentro de mim. Sim, ele errou e seu passado não era perfeito, mas percebi que eu não precisava ser o juiz. Hoje, estávamos todos bem, em paz, e não havia mais espaço para mágoas antigas.
Mais tarde, saímos para andar pelas ruas de Pipa. Fiquei encantado com o lugar e com a energia que emanava por todos os cantos. A rua estava movimentada, cheia de vida, com bares, restaurantes, pessoas de todas as idades, gêneros, e formas de amor. O Silas nos levou para jantar em uma pizzaria aconchegante, onde rimos, conversamos e nos deliciamos com as comidas. Pensei em abrir o Grindr, talvez ver se alguma coisa rolava ali, mas desisti da ideia — estar com minha família naquele momento era tudo o que eu precisava.
Voltamos ao chalé, e nos esparramamos no sofá, assistindo a um filme, trocando risadas e contando histórias. O clima era leve, um daqueles momentos raros que eu queria eternizar. Quando finalmente fui para o quarto, Sofia veio se deitar do meu lado, ainda curiosa sobre o que havia acontecido:
— Por que vocês choraram tanto hoje à tarde, maninho?
Respirei fundo, sorrindo ao lembrar do momento, ainda sentindo o peso e a liberação de tudo aquilo.
— Ah, mana... acho que finalmente conseguimos nos entender, sabe? Eu e nosso pai colocamos tudo pra fora, ele falou sobre coisas que eu nunca imaginaria, sobre sentimentos guardados, e foi emocionante.
Ela sorriu, com aquele jeito sincero que só ela tem.
— Eu percebi que ele mudou muito desde que você apareceu. Acho que fez bem pra ele ter você na vida, ele ficou mais alegre, mais presente... foi como se uma parte que faltava nele tivesse sido preenchida.
— Fico feliz em ouvir isso, Sofia. Eu também amo nosso pai, e amo mais ainda poder ter você como irmã.
Ela abriu um sorriso largo e me abraçou.
— Obrigada, eu também te amo muito. Você foi a melhor coisa que aconteceu pra mim, sabia? Nunca imaginei que ter um irmão e uma madrasta pudesse ser tão bom.
Rimos, e ficamos trocando confidências até que, sem perceber, adormecemos lado a lado.
No dia seguinte, aproveitamos cada segundo — fomos à praia, fizemos passeio de quadriciclo, andamos de barco. Tive a sensação de que o final de semana inteiro foi um presente, um início de algo novo e verdadeiro. Pipa tinha uma energia surreal, e eu sabia que voltaria outras vezes, talvez com amigos para viver uma outra vibe, mas nada tiraria o que vivi ali, com minha família.
Ao chegar em casa, meu pai me deixou com um abraço apertado, daqueles que ainda ressoavam pelo caminho. Me despedi da minha mãe e da Sofia e, finalmente, fui para o meu apartamento. Quando entrei, me deparei com a cena do JP e do meu tio Alysson, ambos de cueca, comendo pizza descontraídos na sala.
— Boa noite! — falei, rindo ao ver o clima de descontração.
— Apareceu! Achei que você não ia voltar mais, e chegou todo vermelho — comentou meu tio com um sorriso.
— Hahaha, tava com saudade de mim, é?
— Claro! Mas a gente se virou bem sem você aqui — ele falou, enquanto alisava a perna do JP.
— Se você estivesse, teria sido ainda melhor — JP disse, com aquele brilho malicioso no olhar.
— E então, aproveitaram muito? — perguntei, entrando no clima.
— Bastante — disseram os dois, trocando um olhar.
Sorrindo, fui tomar um banho, deixando eles a sós. Arrumei minhas coisas, ainda sentindo a exaustão do fim de semana, e, quando voltei, apesar do clima provocativo deles, percebi que estava sem energia para entrar na farra.
— Acho que vou deitar... tô acabado do sol e da viagem — suspirei.
— Ah, não vai nem nos dar um beijinho? — disse meu tio, me olhando com cara de pidão.
— Tio, hoje não dá. Quem sabe amanhã de manhã? Agora só quero mesmo é dormir. Aproveitem o sofá ou o quarto da minha mãe, amanhã cedo a gente se vê.
Eles me deixaram ir, e quando caí na cama, apaguei quase que imediatamente. Na manhã seguinte, fui despertado pelo meu tio Alysson me chamando.
— Acorda, moleque! Já são quase nove!
— Quê? — falei, pulando de susto. — Já? Caramba!
— Sim, o JP já foi embora, tinha que sair com a mãe dele. Vocês têm aula à tarde, né?
— Nossa, apaguei bonito. Mas tava precisando — confessei, espreguiçando-me.
Ele sorriu e continuou:
— Seu pai me ligou. Perguntou quando eu ia pra capital. Tive que improvisar uma desculpa porque ele não sabe que passei o final de semana aqui. Aproveitei e falei que hoje eu tava voltando. Ele também pediu pra eu te levar pra ver um carro... então quer dizer que o filhão vai ganhar uma SW4?
Sorri de lado, ainda assimilando a surpresa.
— Siiim! — respondi. — Confesso que fiquei meio assim, mas fizemos um acordo. Ele me falou sobre o apartamento e disse que depois do carro não vai me dar mais nada, só se eu precisar muito.
— Isso é bom, Rafa. Aproveita que ele quer te dar isso. Ele tem condições, e eu vejo que é um presente do coração dele.
Fiquei um momento pensativo e resolvi desabafar.
— Tio, conversamos sobre o trabalho. Ele acha melhor que eu vá trabalhar com ele... mas eu queria saber sua opinião antes de tomar qualquer decisão.
Ele colocou a mão no meu ombro, com aquele olhar compreensivo de sempre.
— Rafa, faz o que você tiver vontade. Teu pai comentou comigo sobre isso. Sei que o trabalho aqui é uma forma de te ajudar, e eu quero te ver bem na vida, mas também sei que, com os estudos, não vai dar pra você trabalhar 100% na fábrica. Acredito que a unidade daqui está caminhando bem. O Bernardo tem se interessado e já está começando a ajudar bastante, então as coisas vão ficar mais estáveis.
Ele parou por um segundo, como se buscasse as palavras certas.
— Teu pai tem o hospital, tem as clínicas. Acho que quanto mais você se envolver com os negócios dele, melhor vai ser pra fortalecer o laço de vocês e pra você pegar o gosto por algo que você vai querer continuar no futuro. Então, meu sobrinho, segue aquilo que o teu coração mandar.
Senti um nó se desfazer no peito. Saber que eu tinha o apoio do meu tio e do meu pai para fazer minhas próprias escolhas me dava uma paz indescritível.
— Valeu, tio. De verdade. Eu sempre vou lembrar disso.
— Então levanta e vai tomar um banho que eu vou preparar o seu café. Depois vamos na loja de carro, almoçamos e você segue pra faculdade — disse meu tio, me dando aquele sorriso motivador.
— Tá bem, tio.
Fui pro banho, aproveitando a água quente pra relaxar mais um pouco, ainda absorvendo a intensidade do fim de semana. Quando saí, o café estava pronto e delicioso, com o toque especial do meu tio. Conversamos um pouco enquanto comíamos, e não resisti a perguntar sobre o final de semana dele com o JP.
— E aí, como foi com o JP? — perguntei, curioso.
— Ah, gostei demais. Ele é um cara interessante, sabe? A gente aproveitou o fim de semana, transamos o tempo todo — ele respondeu, com um sorriso de canto que denunciava o quanto tinha sido especial.
Sorri, satisfeito por eles terem se curtido. Terminamos o café e partimos para a loja de carros, com meu tio pronto pra me ajudar a escolher o modelo certo. Ao chegar, um vendedor rapidamente veio nos atender — aparentemente, ele já conhecia o meu tio.
— Doutor Alysson! — disse o vendedor, chamado Artur, que por sinal era bem atraente e simpático.
— Fala, Artur! Hoje vim ver os modelos da SW4. Tem alguma disponível?
— Já? Você não trocou de carro ano passado? — brincou o Artur, com um sorriso.
— Troquei, sim, mas é pra esse garoto aqui — disse meu tio, apontando pra mim. — O pai dele quer dar uma de presente. Então vim pra você mostrar alguns modelos, ou até outras opções que ele possa gostar.
— Claro, vamos lá! — respondeu Artur, animado, nos conduzindo para os carros.
Ele nos mostrou algumas opções da SW4, explicando as versões e os detalhes. Vi outros carros também, mas foi a SW4 branca que me encantou. Depois de pensar um pouco, me virei para o meu tio com um sorriso decidido.
— Tio, é essa aqui. Gostei muito desse modelo.
— Tem essa em estoque, Artur? — perguntou meu tio.
Artur verificou no sistema e respondeu:
— Sim, depois de faturar, consigo entregar em dois dias.
— E quanto tá saindo? — meu tio continuou.
— R$215 mil.
— Certo, vamos querer — disse ele, sem hesitar. — Pode faturar no nome do Rafa, e me passa os dados bancários aqui da loja que vou mandar pro pai dele.
Artur sorriu, provavelmente já pensando na comissão. Passou os dados, e meu tio ligou pro meu pai, explicando tudo. Enquanto assinávamos os documentos, meu pai nos convidou pra almoçar, e eu estava empolgado, mas ao mesmo tempo um pouco envergonhado por ganhar um presente tão caro assim. Contudo, já começava a me acostumar com a ideia de que meu pai tinha muito dinheiro, e isso, de alguma forma, era uma ponte que estava nos unindo.
Antes de sairmos, Artur explicou que, se o pagamento fosse confirmado até o final do dia, até quarta-feira eu já poderia buscar o carro. Saí da loja com um sorriso que ia de orelha a orelha, me sentindo grato, animado.
Almoçamos no mesmo restaurante onde eu tinha ido com meu pai na semana passada. A conversa fluiu tranquilamente, com assuntos variados e risadas espontâneas. Depois do almoço, meu tio pagou a conta e se despediu de nós, indo direto para a fábrica. Meu pai, então, se ofereceu para me deixar na faculdade, e nos despedimos do meu tio com um abraço caloroso.
No caminho, ele perguntou:
— E então, gostou mesmo do carro?
— Sim, pai! Mal vejo a hora de recebê-lo. Obrigado, de verdade! — respondi, puxando-o para um abraço.
— Relaxa. Tenha cuidado, e logo você vai se acostumar com o tamanho. Estacionar pode ser complicado nos primeiros dias, mas depois tira de letra.
— Tenho certeza que sim — sorri.
— Já mandei para minha secretária ir ao banco e fazer a transferência, então, se tudo correr bem, na quarta você já pode pegar o carro. Vou te passar o contato do meu corretor de seguros também. É um carro caro, e é sempre bom garantir.
— Certo, valeu mais uma vez!
— Não precisa agradecer. E, como combinado, vou parar de gastar com você — ele piscou, em tom de brincadeira.
Ele continuou, com um olhar mais sério:
— Agora é focar na faculdade e estudar muito. Conversou com seu tio sobre sair da fábrica?
— Sim, ele foi bem tranquilo. Disse que quer que eu siga meu coração e até acha melhor eu me envolver com os seus negócios, que têm mais a ver comigo.
— E o que o seu coração está mandando?
— Quero me envolver nos seus negócios, mas de forma gradual, sabe? Quero começar aos poucos, acompanhando o que você faz nas clínicas, mas sem precisar estar 100% o tempo todo. Fiz umas contas rápidas, e com a mesada que você me dá, consigo pagar as contas de casa, a pensão do Bruninho e ainda me manter com outros gastos. Isso me permite focar 100% nos estudos, porque já estou pensando na prova de residência, mesmo sem saber exatamente o que quero ainda.
Meu pai assentiu, parecendo orgulhoso.
— Ótimo, fico feliz por você estar com esse pensamento. E saiba que, se precisar de qualquer coisa, é só pedir que eu vou te ajudar. Podemos combinar um dia esta semana pra você conhecer as clínicas e entender mais o que fazemos. Vou te apresentar o ambiente, e você vê onde se sente mais à vontade. Mas o mais importante agora é que você estude e mantenha as notas em dia.
Eu sorri, me sentindo mais seguro e motivado.
Assim que cheguei na faculdade, dei de cara com o JP, que mal me viu e já me puxou para contar as novidades:
— Cara, seu tio é um gostoso! Tô aqui acabado, mas foi muito bom.
— Hahaha, eu sabia que você ia gostar! E, bom, sei bem como é o fogo dele. Então quer dizer que o final de semana foi intenso, hein, JP?
— Foi sim! Ele não baixa o fogo, é sério. Já estou querendo encontrar com ele de novo.
— E vocês estão se falando?
— Um pouco. Ele disse que vai ficar na capital essa semana e me pediu pra gente se ver mais uma vez.
— Será que vai dar namoro? Vou ganhar uma nova “tia”? — brinquei, rindo.
— Ah, para de zoar, né? Seu tio só quer diversão. Mas confesso que você fez falta.
Sorri, satisfeito com a situação.
— A gente vai ter tempo pra aproveitar, amigo. Tempo é o que não vai faltar. — Pisquei, provocando.
JP sorriu e, enquanto a gente seguia para a aula, a sensação de que a amizade só crescia e novas experiências estavam por vir ficou clara. Cada um de nós parecia estar descobrindo novas partes da própria vida, com leveza e sem pressa.
8 meses depois…
O tempo passou rápido, e esses oito meses trouxeram mudanças sutis, mas significativas. A faculdade foi se tornando cada vez mais intensa, com as provas finais do segundo semestre tomando o foco de todos. Em novembro, minha mãe deu à luz meu irmão caçula, bem próximo ao meu aniversário. Eu não planejava comemorar de novo, mas acabei cedendo e tivemos uma comemoração pequena — só eu, minha mãe, meu pai e a Sofia. Nem meu tio ou meus amigos foram convidados. Comemorar meu aniversário sempre me pareceu algo estranho, e felizmente minha família respeitava isso.
Nesse tempo, Bernardo se envolveu completamente na fábrica, ganhando confiança e mostrando resultados sólidos. A relação dele com Caio chegou ao fim, o que já era esperado, pois a fidelidade não era o forte dos dois. O Caio chegou a desabafar comigo, mas evitamos aprofundar muito o assunto. Houve momentos que eu transei com o Caio, e momentos que também transei com o Bernardo, então eu sabia que os dois não “prestam” então o término iria ser bom para os dois.
Meu tio e o JP continuaram se encontrando. O sentimento entre eles parecia crescer, e eu sentia que meu tio poderia estar desenvolvendo algo mais profundo. No entanto, com a campanha para a prefeitura à vista e seu casamento, a situação era delicada demais para que a gente discutisse abertamente. Sabíamos que o tempo traria mais clareza para isso. Enquanto isso, minha amizade com o João Pedro só se fortalecia. Às vezes, a gente se pegava e dormia junto, mas nada passava disso.
Minha saída da fábrica não afetou minha amizade com a Brenda, que se manteve forte. A gente saía com frequência, e eu sabia bastante sobre seu relacionamento com Lucas, seu noivo que estava em intercâmbio no Canadá. Apesar da distância e das complicações — ela suspeitava que ele ficava com outras pessoas lá —, Brenda se mantinha fiel. Eu a aconselhei algumas vezes, tentando mostrar que aquela dinâmica poderia não ser saudável, mas ela parecia preferir não mudar as coisas.
Então, num domingo à tarde, fomos juntos tomar açaí, pois finalmente eu conheceria o famoso Lucas. Ele havia retornado do intercâmbio e estava curioso para me conhecer, já que Brenda sempre falava de mim. Ao chegar, lá estavam eles. É preciso admitir, Lucas era realmente muito bonito, com um carisma que preenchia o lugar.
Quando o vi pela primeira vez, o mundo pareceu desacelerar, e algo dentro de mim foi despertado de uma forma intensa e inesperada. Lucas estava sentado de maneira descontraída ao lado da Brenda, mas ele parecia preencher o espaço ao redor com uma presença inegável. A barba bem cuidada, os traços marcantes do rosto e aquele olhar cor de mel penetrante... Era quase impossível não se perder na profundidade dos seus olhos. Os cabelos castanhos, um pouco mais longos do que o usual, caíam levemente sobre a testa, dando-lhe um ar despojado, mas ao mesmo tempo magnético.
Ele tinha um corpo forte, parrudo, que transbordava masculinidade. Cada detalhe nele parecia esculpido com perfeição, e mesmo os gestos mais simples, como passar a mão pelos cabelos, carregavam uma elegância sem esforço. Mas foi no instante em que nossos olhares se cruzaram que senti o choque; algo pulsante, indescritível. Era como se houvesse uma energia invisível, uma tensão que queimava no ar entre nós. Naquele olhar compartilhado, senti uma curiosidade mútua, uma troca silenciosa e proibida que me fez prender a respiração.
Por um instante, tudo ao redor desapareceu. Não importava que ele estivesse ali por causa da Brenda, não importava que ele provavelmente nem suspeitasse do turbilhão que se agitava em mim. Naquele momento, eu sabia que estava encarando algo mais perigoso e arrebatador do que qualquer coisa que já tivesse experimentado. Ele era um mistério, um enigma que eu sabia que jamais deveria tentar resolver — e, ainda assim, o desejo de desvendá-lo já me consumia.
E então, como se ele pudesse ler meus pensamentos, Lucas sorriu de canto, e aquele gesto, tão sutil e ao mesmo tempo devastador, cravou-se fundo. Eu não sabia, mas ali, naquele instante proibido e silencioso, acabara de conhecer o homem que ia foder com meus sentimentos.
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pessoal resolvi adiantar um pouco conto, finalizando essa parte da família do Rafael! eu achei que poderia ficar um pouco cansativo algumas coisas, e então quis adiantar algumas coisas! caso tenha ficado alguma ponta solta, por favor podem comentar! agora vamos entrar numa outra parte do conto, que vai envolver mais sentimentos e conversar, não terá uma pegada tão sexual como os últimos capítulos, e algumas personagens nesse momento ficarão um pouco distante, voltando no momento certo! então é isso!
espero que estejam gostando e não me abandonem