Estou de ressaca em plena terça feira, quero ficar em casa, mas preciso ir para me desculpar com Guilherme, estou com medo que ele conte para alguém, porra o que eu tenho na cabeça, não consigo passar muito tempo sem fazer merda, eu sempre acabo ferrando tudo.
Ele não mandou mais nenhuma mensagens talvez nem se lembre do que aconteceu, se eu tiver sorte ele pode mesmo não lembrar afinal estavamos muito bebados ontem — foda é que ele tem um chupão feito por mim — as coisas só pioram, quanto mais lembro da noite passada, mas quero desaparecer.
Ainda preciso resolver o lance da grana que torrei toda, minha mãe não vai ter, até porque já tinha sido ela quem me deu o que gastei, também não quero pedir, pois sei que ela vai pedir para aquele cara e prefiro ir e o voltar a pé da faculdade o resto do mês do que receber um centavo sequer daquele merda.
Me arrumo e saio de casa para não me atrasar, estou uma pilha de nervos e para piorar esse é o dia mais quente da história do planeta — vou pegar uma insolação com certeza — tanto que quando chego na faculdade estou completamente banhado de suor, desse jeito nenhuma mina daqui vai me dar moral, mas não tenho tempo para me preocupar com isso ainda.
Como vou a pé sempre chego em cima da hora, passo os olhos pela sala assim que entro e vejo Guilherme sentado perto do Ciço e dos outros, por um milagre divino o Dan faltou — deve esta doente ou morto, já que ele nunca falta, me aproximo dos meus amigos, mas quando vou sentar na cadeira perto do Ciço ele coloca a mochila de uma vez.
— Foi mau, mas estou guardando lugar pro Dan.
— Fala sério — não acredito que estou vivendo essa merda de novo.
— Senta ali na frente do Guilherme macho, deixa de drama — respiro fundo e vou para a outra cadeira, não quero brigar com Ciço agora.
— E ai você está horrível — Guilherme me comprimenta com um sorriso, talvez ele realmente não lembre.
— E aí — respondo finalmente respirando aliviado de novo.
— Eita que o negócio rendeu com as meninas depois que a gente foi embora — André puxa o assunto do nada e sinto meu coração errou uma batida.
— Do que está falando? — Me esforço para permanecer calmo até entender melhor a situação.
— É que o Guilherme está com um chupão no pescoço e você também tem um, falei pro Mario que aquelas “cumades” são doidas — nossos amigos estão rindo sem ter ideia de que o chupão que tem no pescoço do Guilherme foi obra minha.
— Conta aí o que rolou depois que fomos embora — Mário perguntou, mas tive sorte que a professora entrou na sala.
— Um cavalheiro nunca revela seus feitos — Guilherme responde e assim o assunto se encerra, pelo menos por hora.
Como felicidade de pobre dura pouco Daniel aparece quase no final da aula, ele até parece que veio correndo que nem eu, é a primeira vez que o vejo suado e sem fôlego, ele sempre é tão certinho e arrumado, mas dessa vez além de atrasado ele está com uma cara tão ruim quanto a minha, deve ter passado a noite toda acordado, se não fosse um cara tão chato poderia jurar que estava na farra como eu, mas deve ter virado a noite estudando.
Ciço tira a mochila do lugar em que estava guardando para ele, revirou os olhos quase que de forma automática, com Rick era do mesmo jeito, meu amigo fazia tudo para esse cara, parecia até que ele era deficiente ou coisa parecida, não sabia fazer nada, era tanto paparico que isso me dava nos nervos e agora vejo Ciço indo pelo mesmo caminho, ele só pode está muito desesperado por essas aulas, para querer ser amigo do Daniel.
— Melhor prestar atenção na aula, ela está falando daquele assunto que estudamos ontem — Guilherme me tira do meu transe falando baixinho só para mim, só de sentir seu hálito no meu pescoço me fez lembrar de ontem, e meu corpo inteiro treme — Cê tá bem?
— Estou sim, é só a ressaca — digo tentando disfarçar minha reação exagerada a sua aproximação.
Depois de duas aulas muito chatas, ficamos sem aula, pois o professor está doente, Mario é o primeiro a sugerir de irmos comer algo na lanchonete perto do nosso bloco, a princípio pensei em ficar na sala, mas não vamos mais ter aula hoje, então meio que não faz muito sentido ficar, também não posso ir para casa sem almoçar, afinal preciso aproveitar minhas últimas fichas do RU.
André continua enchendo nosso saco para saber mais sobre o chupão, mas Bia que é uma das únicas garotas da sala e nossa amiga meio que me salva, falando que não tem nada haver o pessoal ficar enchendo nosso saco por conta disso, afinal se fosse para falar já estávamos falando, agradeço a ela mentalmente.
Pelo menos isso serviu para fazer a Mari se mostrar um pouco interessada em mim, incrível que estou dando em cima dela desde o começo do período, mas só agora que ela resolveu me dar moral, vai entender essas minas, outra que não consigo entender é Tati que está grudada no pescoço do Guilherme, nossa essa garota é pior que chiclete, mina chata da porra, até a voz dela está me irritando hoje.
Ela não desgruda dele, dessa forma não tenho como conversar com ele para saber se ele lembra de algo ou não, tipo preciso me desculpar, ele é gente boa, deve está esperando uma explicação minha no mínimo, pior é que nem eu sei explicar essa merda para ele, não sou gay, ele precisa saber isso.
— Gente vou indo, encontro com vocês no almoço — Ciço se despede, nem precisa me dizer para onde vai, pois sei que vai encontrar o mala do Daniel.
— Pra onde você vai Ciço — Ka a garota que entrou junto com ele e Guilherme pergunta.
— Vou encontrar um amigo na biblioteca — ele responde de forma educada.
— Ah estava mesmo precisando ir para aqueles lados — ela praticamente se joga para cima dele, coitada, Ciço já nos falou que não curte esse tipo de mulher.
— Beleza, vamos juntos então — ele responde.
— Tati, você não tinha que ir pegar um livro também — Bia lembra sua amiga e a agradeço uma segunda vez em minha mente.
— Verdade, vamos Gui — até a forma como ela pronuncia o nome dele é irritante e acho que ele concorda comigo pois fez uma cara feia na hora em que ela falou.
— Ah Tati, vou não, na moral, estou morrendo de ressaca, vou ficar por aqui com o pessoal mesmo — estou tentando não rir da cara de desgosto que ela faz.
— Então vou outra hora — a mina não desiste.
— Amiga, eu vou com você, até porque o professor falou que esse livro é difícil de conseguir achar, pois são poucos volumes — quero beijar a Bia agora só por ela ser simplesmente maravilhosa.
Assim Tati, Ka, Bia e Ciço partem para a biblioteca, a ficante do Guilherme é a menos feliz do grupo, ela realmente não estava afim de largar o osso agora, porém não tinha como argumentar com Bia, então ela foi, mas não sem antes protagonizar uma ceninha ridícula com Guilherme.
— Vai sentir minha falta gato?
— Vou — espero que ela não ache que ele está falando sério, pois claramente não está.
— Você é muito insensível, sabia — ela o beija e finalmente nos deixa em paz.
— Mina chata — acabei pensando alto quando depois que eles se foram, mas só Guilherme me ouviu, ainda bem.
— Que isso Ray — meus olhos quase saltam para fora quando ouço meu nome abreviado, pois odeio quem me chama assim odeio apelido.
— Do que me chamou — digo só para ele.
— Ray, você esqueceu? — Do que ele está falando, meu sangue esfriou na hora, ainda bem que nossos amigos estão entretidos com outra coisa e não perceberam.
— Guilherme, a gente pode conversar? — Reúno toda minha coragem para confrontar essa situação logo, pois prolongar só vai ser ruim para mim.
— Claro — diferente de quando sua ficante pediu, Guilherme não colocou objeções, quando o chamei para ir a outro lugar, ele pegou seu lanche e me seguiu até ficarmos longe dos nossos amigos.
Estou um pouco nervoso, não sei qual vai ser sua reação, acho que minha preocupação pelo que ele vai fazer e falar são as únicas coisas que estão me deixando não surtar com isso agora, se fosse em outra situação já estaria ficando maluco de ter ficado com um cara, ainda mais que depois daquele dia jurei para mim mesmo que nunca mais faria algo assim de novo.
— Do que você se lembra de ontem? — Acho melhor ir direto ao ponto.
— De tudo, mas você parece que não lembra de algumas coisas — ele me responde escolhendo as palavras com calma.
— Eu lembro — pensei em mentir, mas não sou tão inteligente para bancar isso assim de bate pronto — cara me perdoa, não sei o que meu deu, olha vou entender se não quiser mais falar comigo — vou me apressando em falar tudo de uma vez, para que ele pelo menos saiba que sinto muito.
— Ray, calma, você não me forçou em nada — fico surpreso com sua resposta — tipo a gente ficou muito bêbado e isso é meio complicado, eu entendo, mas quando estávamos na parada conversando.
— Você me disse que eu era o cara que você queria e que não te dava bola — digo começando a lembrar de todas as partes que estavam faltando.
— E você me beijou — ele completa — não que eu não quisesse, mas você sabe, eu queria muito e quando rolou não consegui pensar em mais nada.
— Espera, você não é gay, você fica com a Tati e já até comeu ela que eu sei — digo sentindo meu coração bater acelerado.
— Primeiro sou pan e segundo como você sabe disso?
— Ela é louca, contou para todo mundo, e que, o que é pan? — Sou muito por fora de qualquer coisa que tenha haver com gays.
— Sou Pan sexual, de uma forma simples de explicar eu não me apego a géneros, me interesso por pessoas, crio conexão e isso meio que me atrai.
— Então você pega todo mundo – me sinto meio burro, mas não consigo evitar, as palavras simplismente saem de mim.
— Isso é ser piranha e não pan — ele ri — não eu não pego todo mundo, eu fico com pessoas que me atraem, mas posso muito bem querer ficar com uma pessoa só, já até namorei, mas não deu muito certo.
— Com homem?
— Com uma mulher trans, mas estávamos em outro momento, se não se importar, não quero falar sobre isso agora — ele diz meio triste por lembrar de algo do seu passado.
— Tá, não quero saber mesmo — acabo sendo grosso, mas é que não sei como reagir — olha Guigo não sei o que me deu ontem, eu não sou gay, não posso ser e nem numa vou ser.
— Você lembrou — ele me ignora falando sobre outra coisa.
— Lembrei de que? — Pergunto confuso.
—Do nosso combinado — ele começa a se explicar, mas sou eu quem o interrompe agora.
— Você falou que seus amigos mais íntimos te chamam de Guigo, mas só quem você realmente considera amigo, então eu comecei a te chamar assim, foi aí que você começou a me chamar de Ray — digo pensativo — mas não quero que me chame assim, não gosto de apelidos.
— Você disse ontem, mas se você não lembra, eu recebi uma permissão especial enquanto você beijava meu pescoço — meu corpo estremece inteiro, ele fala a verdade, mas eu preferia esquecer esse momento e não lembrar com tanto fogo.
— Vamos esquecer essa história, não vai acontecer de novo, nunca mais, com fui eu que meio que te ataquei vou deixar para lá, mas saiba que isso não vai mais acontecer entre a gente.
— Tudo bem, estávamos bêbados, aconteceu, mas olha Ray, não sei se consigo esquecer — seus olhos cheios de desejo me encaram de uma forma provocativa.
— Para de me chamar assim — digo ficando nervoso.
— Desculpa, mas já me acostumei — ele me provoca mais uma vez.
— Pois vou ficar te chamando de Guilherme, por que não sou seu amigo íntimo — digo feito uma um menino birrento.
— Mas sabe que se quiser você pode me chamar de Guigo — o olhar dele me dá um negócio que não sei explicar, só sei que não gosto.
— Se você não pára vou te chamar de Gui — faço questão de imitar a forma como a Táti o chamou mais cedo, só que ele não ficou puto como quando ela falou, ao inves disso ele está rindo da minha cara — posso saber qual a graça?
— É que você ficou com ciúmes, se quiser eu paro de ficar com ela — quero bater nesse cara agora.
— Eu não sou gay, odeio os gays, se você quiser se livrar desse encosto que você arrumou não me use como desculpa — digo, mas ele deve está entendendo tudo do jeito dele, já que está rindo sem parar.
— Ray o que rolou entre a gente não foi só um lance acidental, não tem como, você vai dizer que não lembra? Eu não consigo tirar o gosto da sua boca da cabeça — fico até sem ar, com essa revelação.
— Olha Guilherme eu estou por um triz de perder o respeito que tenho por ti e te dar uma surra — digo tentando ficar sério, mas nem eu mesmo me levaria a sério se me visse todo nervoso assim.
— Tá legal, parei — ele levanta as mãos se rendendo — mas eu quero que você saiba que eu gostei e que se você quiser podemos repetir com mais calma — ele me come com seus olhos e então repete mais uma vez — quando você quiser.
Não estou conseguindo raciocinar então o deixo para trás e volto para onde nossos amigos estão, não estou conseguindo me reconhecer perto do Guilherme, ele está mexendo com meu juízo muito mais do que eu gostaria e ainda por cima me falando essas besteiras, agora que sei que ele não está puto, posso enfim esquecer essa história e colocar uma pedra nesse assunto, nunca mais vou beijar a boca dele e nem a de homem nenhum.
O tempo passa e evito ficar muito perto dele, agora que minha memória sobre ontem a noite está bastante nítida em minha mente uma raiva está fervilhando dentro de mim, porém estou mais puto comigo mesmo, do que com o Guilherme, sei que ele não teve culpa e isso é que me dá ainda mais raiva, mesmo que ele tenha acabado de assumir que estava afim de ficar comigo saber que ele não me obrigou para conseguir o que queria é o que mais me irrita.
A hora do almoço chega e lá encontramos de novo com Ciço e sua nova sombra — o Daniel — só tenho mais duas fichas, mas não quero pensar muito nisso agora, estamos todos comendo e jogando conversa fora quando Bia lança uma proposta na mesa, na próxima semana teremos o feriado de carnaval, ela diz que seus avós moram em Aracati — que é um lugar com um carnaval foda — e que eles sempre ficam felizes quando ela vai e leva os amigos.
Logo a galera toda fica bastante animada com a ideia, principalmente Ciço que já vai tratando de toda a logística com o pessoal, Bia nos conta como costumava fazer com seus amigos da época de colégio e então vejo essa viagem tomando forma, a galera começa a combinar o que vai levar, Bia passa sua conta para que possamos dar uma contribuição, afinal vamos usar a casa de seus avós e isso vai de certa forma gerar uma despesa.
Bia diz as meninas que pode levá las no carro com o namorado dela, ai que me dou conta de que não vou ter a menor chance de conseguir ir, já que fora a contribuição da casa, vou ter que arrumar a minha parte para bebida e comida, isso sem contar a passagem de ida e volta, um desânimo começa a bater com força, mesmo assim não quero desistir tão facilmente, me viro para o Ciço e lhe peço uma canora.
— Vai dar não Raylan — ele me deu um banho de água fria e ainda por cima completa — O Dan já vai comigo.
— Ah cara — protesto, mas sei que mais uma vez o Dan está atrapalhando minha vida.
— Sinto muito cara, mas na moto só cabem dois — sinto que ele não me negou por mal, mas acontece que o Dan tem esse poder de enfeitiçar os outros, para piorar nossos amigos estão rindo da minha cara, menos Guilherme que me olha com solidariedade.
Guilherme está me encarando de uma forma que não gosto, parece até um predador esperando a melhor oportunidade para dar o bote, então faço uma coisa que detesto, porém a situação pede medidas drásticas, que é ficar perto do Daniel mais do que o necessário, ele parece obstinado a me esperar, mas sua não namorada enche seu saco para que ele a leve em casa — que menina detestável velho.
Mesmo que a ideia do Guilherme levar Tati para casa não me agrade nem um pouco — e não sei explicar porque me importo tanto com isso — fico grato, que assim pelo menos consigo me livrar dele, mas ainda há o risco, então chamo Ciço para me acompanhar até o shopping dando uma desculpa de que preciso comprar uma presente para uma garota, mas sou trocado pelo Daniel mais um vez — ainda bem que todos já foram, não ia querer eles rindo da minha cara por levar mais um fora do meu amigo.
Então completamente vencido sem a menor possibilidade de conseguir uma carona para casa, sigo meu caminho, ainda tenho uns poucas passagens no meu passe estudantil, mas prefiro poupar para uma emergencia, então correndo o risco de uma insolação sigo a pé para casa e no caminho vou me amaldiçoando por ser tão idiota a ponto de ter beijado um cara e ainda por cima ter gasto todo meu dinheiro com algo desnecessario.
Depois de mais de uma hora chego em casa completamente destruído, as pessoas costumam dizer que com o tempo você pode se acostumar com as coisas da vida, porém essa caminhada me parece pior a cada dia, ainda mais hoje que fui e voltei de baixo de um sol escaldante.
Depois de tomar dois litros de água gelada de uma vez e de tomar um banho frio estou sem forçar para fazer qualquer outra coisa deito no sofá da sala, ligo a tv para continuar vendo uma série que comecei, mas não tinha tido tempo ainda para terminar, como estou completamente sem coragem para fazer qualquer outra coisa hoje, vou aproveitar para terminar logo.
Assim que começo a assistir sinto meu celular vibrando, indicando que alguém me enviou uma mensagem, destravar o celular e vejo que tem duas mensagens do Guilherme, mas não vou ler, deixo o telefone de lado e continuo vendo minha sério, porém aos poucos vou sendo tomado por uma intensa curiosidade.
— Você é muito idiota Raylan — digo em voz alta para mim mesmo, então destravo o celular para ler as mensagens.
“Você ainda está na faculdade?”
“Vamos fazer alguma coisa”
“Não, já estou em casa” — respondo mesmo não querendo.
“Vamos sair?”
“Não, estou bem em casa”
“Deixa disso, temos que conversar Ray”
“Não tenho nada mais para falar, além de que foi um
o que aconteceu entre a gente”
“Não diz isso, Ray me diz onde você mora que eu vou ai”
Agora estou me odiar ainda mais, pois meus dedos se recusam a digitar um não para ele, eu não quero vê-lo ainda mais sozinho, mas não consigo dizer isso a ele e em um momento de fraqueza mando meu endereço para ele, no fundo tento me convencer que só quero provar para ele que não vou mais ficar com ele, mesmo se ficarmos sozinho aqui em casa — talvez essa não seja minha melhor ideia, porém agora só quando ele chegar é que vou descobrir.