Acordei mais cedo que Júlia e nossos filhos, preparei o café da manhã e fui receber D. Sônia. Ela ia ficar até a tarde, então separei um quarto para ela colocar seus pertences e, caso precisasse descansar. Mostrei toda a casa, mas ela só ia precisar ficar mais na parte de cima, já que Juh não ia descer. Pedi que não a deixasse levantar muito, apenas no que fosse essencial, e informei que logo minha sogra deveria chegar.
Quando retornei ao quarto, meu lugar na cama tinha sido tomado pelas crianças, que estavam bem grudadinhas com a mamãe delas.
— Bom dia, gatinhos! — falei, me aproximando, e dei um beijo em cada um, e os três me abraçaram.
— Vão tomar banho para não se atrasarem, que vou ajudar Juh a fazer o mesmo — disse-lhes, e eles foram. Kaká levou o colchão de volta para o quarto de Mih.
— Consigo fazer isso sozinha, amor... — disse-me enquanto eu a carregava.
— Eu sei, mas me deixa te ajudar? Me sinto melhor assim — falei.
— Por falar nisso, marca terapia para você... Acho que tá precisando... — me aconselhou.
— Tá bom, vou fazer isso. Concordo contigo, estou mesmo. — disse-lhe.
Tirei a minha roupa, a dela, e, quando a água foi caindo, ela viu um pouco de sangue. Antes que ela se perdesse em pensamentos de novo, puxei seu rosto para que olhasse diretamente nos meus olhos. Após um beijo, ela me abraçou forte, com a cabeça dentro do meu pescoço. Retribuí o abraço e dei prosseguimento ao banho.
Milena e Kaique já estavam prontos e levaram o nosso café para o quarto. Comemos rapidinho, porque já estávamos com o tempo apertado, e íamos saindo após inúmeros beijos de despedida, até que Milena se bateu com D. Sônia no corredor e foi ao chão.
— Caí, não posso ir para a escola, tenho que ficar com a mamãe — disse, com a cara mais lavada do mundo.
Eis que Kaká se joga ao lado dela e diz:
— Opa, eu também vou ter que ficar... — e nós rimos.
— Vamos logo, engraçadinhos, levantem — falei, puxando um em cada mão.
— Desculpa! — pediu Mih, ao notar D. Sônia, que ria nos observando. — Meu nome é Milena, quem é a senhora?
— Com a correria, acabei esquecendo de apresentar vocês. Essa é a D. Sônia e ela vai cuidar da mamãe enquanto estamos fora de casa — falei, e eles a cumprimentaram.
— Tipo uma babá? — Perguntou Mih, e eu ri, dizendo que ela era enfermeira, na verdade.
Eles acharam muito engraçado, se olharam e voltaram correndo para o quarto.
— É hoje que a gente não sai de casa — falei, em alto e bom som, retornando para ver o que faziam.
— Mamãe, a senhora tem uma babá — disse Kaique, morrendo de rir.
— De onde vocês tiraram isso? — Perguntou Juh, mas entendeu ao me ver entrando com D. Sônia.
— Bora, cambada... Puxa aqui na minha frente — falei, apontando para a porta, e eles correram para o carro.
— Eu juro que não insinuei nada do tipo — falei, indo dar um último beijo. Eu entendia bem o sentimento dos meninos de querer ficar, eu também não queria ir.
— Huuuuum, tá bom... — me respondeu, como se não acreditasse.
— Por favor, se comporta e fica quietinha... — pedi, e ela confirmou com a cabeça.
No carro, eles foram quase o caminho inteiro se divertindo com a história da babá, e, quando chegaram, pediram muito para ficar só meio período naquele dia. Eles teriam somente aula prática de Ed. Física, e, apesar de amarem, preferiam ficar com Juh.
— Vou pensar! — falei, sorrindo, e eles já comemoraram. — Vão ficar abusando? — Perguntei antes, e eles ajoelharam no chão, prometendo que não. Ri e entrei para comunicar.
De hora em hora, mandava mensagem para saber como minha gatinha estava, até que ela parou de responder. Imaginei que estivesse dormindo. Próximo das 12h, peguei meu almoço e fui comendo a caminho da escola. Assim que parei o carro, não acreditei em quem eu vi saindo daquele portão.
— Júlia, me explica que caralho você tá fazendo aqui? — Perguntei, muito puta, enquanto saía do carro.
Foi visível o susto que ela tomou, não me esperava ali de jeito nenhum.
A mulher, dois dias depois de ter sofrido um aborto, que teve uma hemorragia, ainda sentia certas dores, não conseguia ficar por muito tempo em pé e ainda emocionalmente abalada, estava saindo do trabalho, claramente andando com dificuldade. Eu não conseguia pensar em um motivo minimamente justificável para aquela cena.
— Calma que eu vou explicar, mas me ajuda aqui... Foi uma péssima ideia ter vindo — disse, se apoiando na parede, pondo a mão na parte inferior do abdômen. Ela tinha uma feição de dor no rosto.
Péssima ideia... Isso eu já tinha certeza.
Me apressei, a coloquei dentro do carro e deitei o banco.
— Vou pegar as crianças e vamos à clínica — falei, séria.
Quando eu ia saindo, ela segurou meu braço, me impedindo.
— Fui demitida, a gestão acabou de me dar o aviso prévio — disse, com uma voz triste.
— Sério??? Mas... Podem fazer isso? Você não está dentro do período de estabilidade? — Perguntei.
— Não sei, mas fizeram... A diretora disse para eu não me preocupar, que tudo que eu tenho direito será depositado na minha conta.
— Isso é só cumprimento de lei, nada mais que a obrigação... — falei.
— Tá tudo bem... Não esquenta, assim que eu ficar bem, começo a procurar outra escola — me disse, mas ela obviamente estava triste.
— Que sacanagem fizeram com você — lamentei.
— Por que veio pegar as crianças mais cedo? — Me perguntou.
— Queriam ficar com você, e eu deixei. Achei que ia fazer bem — falei e fui novamente em direção ao portão.
Assim que a saída foi liberada, nossos filhos vieram correndo, dizendo que eu tinha demorado. Assim que viram Juh, se animaram, e antes de pôr o cinto, deram muitos beijos nela.
— Mamãe, a senhora está muito branca, o que aconteceu? — Perguntou Mih.
— É mesmo... E tá deitada... — Comentou Kaká, enquanto tentava olhar melhor.
— É, Júlia, explica! — falei, sem paciência, lembrando que ela tinha se arriscado. Nesse momento, ela se irritou comigo.
— Precisei sair e me senti um pouco de dor — disse para eles.
— Mas a senhora não pode saiiiiirrrrr — falou Milena.
— A sua babá não brigou? — Perguntou Kaique.
Só então lembrei que D. Sônia e D. Jacira estavam lá em casa.
— Ela dormiu — disse, rindo para eles, que riram juntos.
— E minha sogra, não chegou? — Perguntei.
— Fez a feira. — respondeu de forma seca.
Chegamos e falei para nossos filhos irem tomar banho e lembrarem do nosso combinado. Eles assentiram e foram.
— Não precisa ir para a clínica, vou ficar aqui. Já estou melhor! — disse-me.
— Tem certeza, amor? — Perguntei.
— Só está doendo pelo esforço, é só observar, se piorar, eu te ligo — disse, e ao tentar se levantar, se desequilibrou.
— Deixa eu te carregar, amor... — falei, ao segurá-la.
— Consigo ir sozinha, Lore — falou, e quase caiu novamente.
— Segura em mim, para com isso, gatinha... — falei, ao carregá-la.
Contra a vontade, ela segurou no meu pescoço. Estava bravinha com o jeito que falei na frente das crianças, e, visando evitar uma possível briga, pedi desculpas e dei vários selinhos no biquinho que se formava até ela perder a postura e esboçar um pequeno sorriso em forma de rendição.
— Não é momento para a gente brigar, mas depois quero entender tudo isso melhor, ok? — falei, e Juh concordou. Dessa vez, ela quem me beijou.
Ao entrarmos, D. Sônia parecia estar desesperada, e minha sogra pronta para falar horrores no ouvido da minha bichinha. Tratei de acalmá-las e disse que já voltava para conversar com elas.
Acalmei D. Sônia, dizendo que ela não tinha culpa, que Júlia já tinha 22 anos, entendia o seu estado e sairia com ela dormindo ou não. Expliquei também que ela se precipitou e já sabe disso.
Eu não queria me queimar com minha sogra, então resolvi abordar o assunto de uma forma mais agradável ao olhar dela.
— Sua filha é um caso sério, sogrinha — disse-lhe, rindo.
— Eu não entendo como funciona a cabeça dela às vezes — falou. — Entende por que eu me preocupo?
— Entendo... Mas Juh não é assim, só tomou uma decisão ruim, provavelmente foi pressionada pelo pessoal da escola. Ela ainda vai me contar direito como foi — falei.
— Vou ter uma séria conversa com ela — me disse.
— Então, sogrinha... Acho que não vai ser necessário. Vim o caminho inteiro fazendo isso, falei até demais, acredito — falei, tentando ser convincente. E acho que ela caiu. — Preciso que a senhora me faça outro tipo de favor... Distrai a cabecinha dela e observa se as dores e escapes evoluírem. Espero que não aconteça, mas, se ocorrer, me liga que a levo na clínica. — Contente em ajudar de alguma forma, ela concordou.
Eu já estava atrasada e fui voando para a clínica. Por sorte, meu compromisso era uma reunião com a minha irmã, ela cuida do marketing e queria me mostrar o que havia pensado para o próximo ano. Eu detesto atrasos e ela também, então já cheguei me justificando, mas ela não pareceu ligar.
Depois, fui em uma psicóloga. Preferi ir em uma que eu não conhecia, e foi "bom". Costumo dizer que, quando há um grande problema, o primeiro dia de terapia nunca é agradável, mas é importante dar o primeiro passo, para que os próximos sejam satisfatórios. Devo ter acabado com os lencinhos da caixa, mas consegui sair com a sensação de alívio no peito. Conversar e ouvir alguém de fora me fez muito bem.
Quando cheguei em casa, ela estava muito silenciosa. De cara, vi Loren e Lorenzo instruindo Milena e Kaique a pintarem o rosto de D. Sônia, enquanto Juh parecia achar graça na cama.
— Vocês são malucos... — falei, e os quatro tinham o mesmo olhar assustado. — A coitada vai acabar não aguentando e pedindo para ir embora.
— Nossa, tá de mau humor? — Falou meu irmão, passando um pincel com tinta vermelha no meu nariz.
— Ah, não... Você não fez isso... — falei, pegando o pincel da mão de Mih, partindo em direção a ele.
Como ele estava sentado, foi fácil alcançá-lo para encher de tinta. Com as risadas, D. Sônia despertou, e Kaique e Milena riram mais ainda, apontando para o rosto dela. Ao se olhar no espelho, se assustou, mas logo os acompanhou nas risadas. Eu pedi desculpas por aqui, e ela por ter dormido novamente. Disse estar com vergonha e prometeu que não aconteceria mais... Eu não estava ligando para isso, ela era uma senhora muito engraçada e parecia ser uma ótima companhia quando não estava dormindo.
Quando o pessoal foi embora, deixei as crianças brincarem de se pintar do lado de fora e depois pedi que tomassem banho. Queria conversar direitinho com meu amô e entender o que houve.
— Vou tomar banho e volto para você me contar, tá bom? — falei.
— Vou precisar que você me leve também... — disse baixinho, e eu entendi, ela devia estar tendo um sangramento.
Dessa vez, eu consegui ajudá-la da maneira correta, mas novamente a quantidade me preocupou.
— Amor, vamos à clínica, por favor... Eu sei que isso aqui não é normal — falei.
— Não quero entrar nunca mais lá, amor — disse-me, chorando.
Terminei o nosso banho e liguei para Sabrine, contando tudo que aconteceu. Ela disse que podia passar para dar uma olhada, mas, como não tinha sinais de infecção, provavelmente foi por causa do esforço. Ela pediu para observar e manter o contato naquela noite. No outro dia, ela iria até Juh para conversar e ver se precisava prescrever alguma medicação.
Sentei na cama com ela entre as minhas pernas, a única posição que as dores melhoraram. Aí, ela começou a me mostrar inicialmente a conversa com a diretora, que tinha um tom já não muito amigável. Por ligação, não foi diferente, mesmo Júlia abrindo a delicada situação que estava para ela, foi exigida a presença dela e ainda tentou impor um tom de ameaça por ter um advogado lá. Ao se ver nessa situação, ela achou que estaria evitando um problema ao ir.
Só estava me dando mais raiva de tudo. Eu já sabia que teriam que esperar Juh retornar às suas atividades normais para aplicarem o aviso prévio, mas saber que minha mulher, em um cenário vulnerável, estava sendo pressionada a sair de casa naquelas condições... Ferveu meu sangue!
— Amor, amanhã mesmo eu vou tirar as crianças de lá — falei.
— Não... Falta menos de três meses para finalizar o ano letivo, deixa eles terminarem e depois nós vemos uma outra escola... Transferir assim no meio do percurso não vai ser benéfico para eles, amor — me disse, e, mesmo um pouco contrariada, eu assenti. Ela tinha razão.
Juh continuou explicando como tudo ocorreu. Quando ela entrou na sala, estava reunida a gestão, com os professores e o advogado. De cara, já falaram sobre a rescisão contratual e que todos os direitos dela estavam resguardados. Alguns papéis foram assinados.
Os professores ficaram tristes e se despediram dela, a gestão, mais nada disse. Ao sair, ela encontrou comigo.
— Cabe um processo, você sabe, não é? — Falei.
— Deixa para lá, não quero prejudicar ninguém... Quero ficar bem, cuidar da nossa família e procurar um novo emprego — me disse, e eu dei um beijinho no seu pescoço.
Foi uma noite difícil, muitas idas ao banheiro. Nem as crianças dormiram. No outro dia, não foram para a escola e amaram isso. Durante o dia, minha sogra ia me atualizando pelo WhatsApp. À tarde, Sabrine esteve lá e aplicou uma medicação na minha gatinha, reforçou o repouso e constatou que o sangramento excessivo e as dores intensas foram causadas pelo esforço feito e pelo estresse sofrido. Isso retardou a recuperação.
Quando cheguei, D. Sônia me disse que Júlia estava dormindo com as crianças. Ela se despediu da minha sogra, estavam assistindo novela, e foi para casa. Entrei no quarto, e realmente, as crianças dormiam, mas Juh... Ela estava olhando para o celular e chorando.
— O que foi, meu amor? — Perguntei, baixinho, preocupada, me aproximando.
— Fui pesquisar uma coisa e olha as guias abertas — me mostrou a tela. Eram vários sites de roupas para bebês.
Fechei todas e a abracei. Ficamos um tempão ali, até os bebês acordarem do cochilo. Eles me disseram que a mamãe se comportou muito bem e que cuidaram direitinho, que poderiam faltar a semana inteira para ajudá-la... Logo tirei a ideia louca da cabeça deles, para não criarem esperança naquilo, mas eles estavam só brincando. Sabiam que nós jamais deixaríamos!
A noite foi bem melhor, conseguimos dormir direito, e, de madrugada, os gaiatos dos nossos filhos terminaram o sono em nossa cama. Alegaram que queriam carinho... E não deu para negar um pedido desse!
Obs: Fiz Juh processar a escola 😌
Ela foi lesada com essa recisão, não cumpriram com o que deviam e só me deu mais gás para ligar para uns advogados 🤭