Um voo do Rio de Janeiro para Roraima tem uma duração aproximada de 6 a 7 horas, considerando as conexões. Em 365 dias, cerca de 50,1 milhões de passageiros nos primeiros sete meses do ano viajaram. Estima-se que 1 em cada 15 passageiros sofre impacto por interrupções. Em 2024, aproximadamente 3,2 milhões de pessoas perderam seu voo por atraso.
Mas basta uma pessoa se atrasar para o seu voo, para mudar o destino de outra. Talvez essa história não seja sobre atrasos, e sim sobre encontros, sobre amor à primeira vista e, acima de tudo, sobre se permitir amar.
Pedro tinha 27 anos. Ele andava pelo aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, de forma rápida, os pés batendo forte contra o piso frio, pois sabia que estava prestes a perder seu voo. Se pudéssemos descrevê-lo em três palavras, seriam: Atrasado, brincalhão e amante das artes.
Ele era alto, com a pele bronzeada, o cabelo preto e um corte militar que lhe dava um ar de firmeza, apesar de sua natureza descontraída. Seu corpo era definido pela academia, com músculos visíveis que pareciam moldados para resistir à pressão. A resistência física de Pedro era impressionante, mas naquele momento, a pressa e a tensão o faziam parecer vulnerável. Ele causava suspiros por onde passava, mas não percebia. Ele estava em outro lugar, focado apenas em chegar ao portão de embarque.
Ao passar pelo raio-X, a ansiedade tomou conta de seu corpo. O portão 8 ficava do outro lado da área de embarque, e ele sabia que o tempo estava se esgotando. Por apenas três minutos, Pedro perdeu seu voo.
– Desculpa – disse a comissária na porta de embarque, com um sorriso simpático e sem saber o quanto aquelas palavras o afetavam. – Já não pode mais entrar ninguém nesse voo.
– Não faz isso, por favor – disse ele, a voz embargada pela frustração. – Eu preciso chegar no casamento amanhã. Eu preciso desse voo.
A comissária olhou para ele com uma expressão de desculpas.
– Olha, se você quiser, posso ver se tem vaga em algum próximo voo e tentar te realocar para ele, caso haja algum assento disponível. Apenas será cobrada uma taxa, mas...
Pedro olhou para ela, irritado. Como bom roraimense, ele tinha uma paciência curta para situações assim, especialmente com os cariocas tentando sempre ganhar vantagem. Ele, que sempre estava disposto a ajudar qualquer um, não suportava ser pressionado.
– Tá bom – disse ele, o tom de voz mais baixo e irritado. – Apenas verifica. Eu só quero sair dessa cidade.
A comissária digitou no computador, e em poucos minutos, Pedro tinha uma nova passagem em mãos. O voo sairia em duas horas, e ele foi transferido para a classe executiva, o que pelo menos garantia um pouco mais de conforto, apesar de sua irritação.
Enquanto caminhava para a cafeteria do aeroporto, Pedro não sabia que, naquele mesmo lugar, uma pessoa estava prestes a cruzar seu caminho e mudar sua vida. Daspessoas que circulavam no aeroporto naquele dia, uma delas seria a pessoa que ele nunca imaginou que encontraria.
A cafeteria era uma ilha de calma, um oásis no meio da agitação. O aroma de café e de sanduíches frescos flutuava no ar. Pedro se sentou rapidamente em uma mesa perto de uma tomada. Queria tomar algo e carregar seu celular, que estava quase sem bateria. Pediu um milkshake de morango e, ao pegar o carregador da bolsa, algo inesperado aconteceu: o pino do carregador quebrou.
– Merda – disse ele, com raiva, olhando para o carregador inutilizado. – Era só o que me faltava.
Foi quando ele ouviu uma voz suave vindo da mesa ao lado.
– Se quiser, pode usar o meu – disse o rapaz, oferecendo-lhe o carregador com um sorriso tranquilo.
Pedro levantou os olhos e, por um momento, tudo ao seu redor desapareceu. O homem na mesa ao lado parecia ser uma antítese de tudo o que ele conhecia, mas, ao mesmo tempo, havia algo cativante nele. Seus olhos se cruzaram e, sem palavras, Pedro sentiu uma conexão instantânea.
– Obrigado – disse Pedro, pegando o carregador e, ao mesmo tempo, observando aquele jovem que, sem saber, havia o hipnotizado.
– Prazer, Luiz – disse o rapaz, estendendo o cabo do carregador com um gesto casual, mas com algo misterioso no olhar.
Luiz tinha 23 anos. Era alguns centímetros mais baixo que Pedro, com uma aparência totalmente diferente. Sua pele clara, cabelo loiro espetado e as sardas no rosto davam-lhe uma aura jovial, quase angelical. O sorriso dele era doce, mas seus olhos revelavam uma inteligência aguçada, algo que Pedro imediatamente percebeu. Luiz tinha uma presença serena, mas também uma intensidade calma, que contrastava com a energia elétrica de Pedro.
– Meu nome é Pedro – disse ele, colocando seu celular no carregador que Luiz lhe ofereceu. – Acabei de perder meu voo, vou ter que esperar o próximo, e meu celular está indo para o saco. Eu só queria sair dessa cidade.
Luiz observou Pedro por um instante, como se avaliasse a situação com cuidado.
– Vejo que está tendo um dia complicado – disse Luiz, de forma quase clínica, como se estivesse tentando entender o todo, não apenas as palavras. – E, pelo seu sotaque, você não é daqui do Rio, certo?
Pedro sorriu levemente, aliviado por finalmente encontrar alguém com quem pudesse conversar sem toda a pressão da correria.
– Não, sou de Roraima – respondeu Pedro, sua voz suavizando um pouco. Ele começou a relaxar, e aquela troca simples de palavras parecia menos sobre os atrasos e mais sobre o momento presente.
Luiz assentiu, mais interessado no que Pedro tinha a dizer do que nos próprios fatos. O ritmo da conversa entre eles foi se tornando cada vez mais fácil. Pedro, que estava impaciente até então, começou a perceber a gentileza silenciosa em Luiz, uma espécie de calmaria que contrastava diretamente com sua própria agitação.
– Vai pegar o voo que sai em duas horas? – Luiz perguntou, olhando para a tela de seu celular.
Pedro fez uma pausa, surpreso.
– Acho que sim – respondeu Pedro, a curiosidade sobre o que Luiz pensava aflorando. – E você?
– Também – disse Luiz, com um leve sorriso. Ele parecia saber que aquilo era mais do que uma coincidência.
O que Pedro não sabia era que, ao menos naquele momento, algo estava começando a mudar. Talvez fosse o início de algo, uma conexão que, embora sutil, estava se formando de uma maneira que ambos sentiriam mais tarde.
O café entre eles se arrastava sem pressa, a conversa fluía com facilidade, como se o tempo tivesse desacelerado. Eles eram opostos em tantos aspectos. Pedro, brincalhão e descontraído, parecia o tipo de pessoa que vive no aqui e agora. Luiz, por outro lado, com seu jeito sério e metódico, parecia alguém que vivia no futuro, sempre calculando os próximos passos.
Mas algo no olhar deles dizia que, talvez, o oposto realmente se atraísse. Eles começaram a perceber isso, sem pressa, com a leveza de quem sabe que o destino pode, às vezes, ser mais forte que o tempo.
E ali, na cafeteria do Galeão, entre um milkshake e um carregador emprestado, Pedro e Luiz começaram a escrever, sem saber, os primeiros capítulos de uma história que estava apenas começando.
– Então você está dizendo que você não acredita em coincidência nenhuma, né? - disse Pedro após minutos de conversa - Tipo, a gente se cruzou aqui por pura probabilidade, é isso? Você tinha o carregador compatível com o meu do nada?
– Exato. Eu sou estudante de estatística, Pedro. Coincidências são apenas eventos com uma probabilidade baixa de ocorrer, mas que, no fim, são explicados por fatores estatísticos. Não há magia nisso. É tudo um jogo de números.
– Ah, então você está dizendo que a vida toda é tipo um grande número? Me sinto até como uma equação agora... - Pedro riu - Preciso resolver meus problemas com você, será que vai dar certo?
– Não é bem assim, mas sim, de certa forma. Toda ação tem uma reação, tudo pode ser modelado em dados. Até encontros como esse, por mais que você queira romantizar a coisa.
– Você é um cientista, então. - disse Pedro com um sorriso travesso - Eu sou mais do tipo que acredita nas coisas do coração. Sabe, o "sentir" as coisas no momento. Acho que só quem sente o peso da academia entende a intensidade das coisas. Não tem número que explique uma boa série de agachamento.
– Sério? - disse Luiz erguendo as sobrancelhas - Então, você está dizendo que o aumento de peso na barra de supino é baseado no "sentir"? Eu diria que é mais sobre a força física e os dados da sua progressão de treino. Se você está aumentando a carga, os números têm que bater, não importa o quanto você sinta.
– Tá vendo? Esse é o problema! Você não sente a energia no ar quando o treino está pegando fogo, o suor escorrendo, a vibração da música... Você só se concentra nos números. Eu vivo por isso. Você precisa mais é deixar de ser tão quadrado, cara. Sente a vibe! O treino vai te dar a resposta.
–Quadrado, hein? - Luiz riu - Esse é um argumento que só alguém que treina "com o coração" usaria. Não posso negar que a energia é importante... mas a precisão dos dados vai sempre prevalecer. Por exemplo, se você está treinando para aumentar sua resistência, os números da sua frequência cardíaca e os dados da sua recuperação entre séries vão te dizer mais sobre sua evolução do que qualquer emoção no momento.
Aquelas duas horas passaram como se fossem minutos, a conversa fluía sem esforço, como se o destino tivesse, de alguma forma, ensaiado tudo aquilo. O que parecia ser apenas uma troca de palavras casual se transformou em algo muito mais profundo. Pedro e Luiz se entrosaram de maneira tão natural que começaram a esquecer de todo o resto do mundo. O aeroporto, com sua movimentação constante e seus anúncios impessoais, parecia ter desaparecido ao redor deles, tornando-se apenas um cenário distante. Não havia pressa, nem stress – tudo se resumia àquela conversa, ao brilho nos olhos de Luiz e ao sorriso irreverente de Pedro.
As palavras de Luiz sobre estatísticas e probabilidades começaram a se misturar com as piadas e as histórias engraçadas de Pedro, criando uma dinâmica que os dois, por mais diferentes que fossem, jamais imaginariam que experimentariam. O jogo de provocações e debates estava longe de terminar; ao contrário, parecia estar se aprofundando a cada segundo.
Pedro falava de sua academia, do quanto amava seu trabalho e de como via as pessoas se superando. Ele descrevia com tanto entusiasmo como, para ele, o treino não era apenas sobre os músculos, mas sobre a mente – sobre como o esforço de cada dia criava uma versão melhor de si mesmo. Enquanto falava, sua paixão transbordava, e Luiz, com seu jeito focado e meticuloso, não pôde deixar de se envolver. Mesmo que seus pensamentos fossem mais lógicos e racionais, havia algo em Pedro, algo tão genuíno, que o fazia ouvir com atenção e até se pegar sorrindo de vez em quando.
Luiz, por outro lado, explicava de forma detalhada como via o mundo através dos números. A maneira como os dados podiam prever comportamentos, como a probabilidade de se encontrar alguém com o mesmo número de coincidências que eles naquele dia era infinitamente pequena. Ele falou sobre modelos estatísticos e variáveis, como se fosse uma fórmula que explicava até o mais misterioso dos encontros. Mas Pedro, com sua visão romântica e descontraída, não conseguia deixar de interrompê-lo com brincadeiras e perguntas sem sentido – o que fazia Luiz se perder nas explicações mais do que gostaria de admitir.
— Então, quer dizer que se a gente fosse estudar estatisticamente, nossas chances de dar certo seriam de 0,0001%? — Pedro brincou, um sorriso travesso nos lábios.
— Não, não exatamente — Luiz respondeu com um tom sério, mas os olhos brincavam. — Eu diria que a probabilidade é muito mais alta, dependendo dos dados que você considera. Mas, na verdade, não sou de acreditar em números para questões como essa. Só os analiso.
Pedro riu, pegando um pedaço de papel e começando a rabiscar no canto da mesa.
— O que está fazendo? — Luiz perguntou, curioso.
— Calculando minha chance de te convencer a acreditar em algo mais que números — Pedro respondeu com uma piscadela.
As palavras de Pedro ressoavam em Luiz de uma maneira que ele não podia explicar. A forma como Pedro parecia viver no presente, como absorvia cada momento com intensidade, era quase contagiante. Luiz, tão preso à lógica e aos cálculos da vida, começava a sentir que, talvez, existisse mais para além dos números. Talvez houvesse espaço para o improvável, para o que não podia ser medido ou previsto.
Luiz falava sobre como via o mundo como uma grande equação de causa e efeito, onde as variáveis eram as escolhas que cada um fazia. Para ele, o futuro era previsível, e o passado, explicável. Tudo podia ser modelado, tudo podia ser entendido com a fórmula certa. Ele falava disso com a certeza de quem tinha estudado a fundo, com a tranquilidade de quem sabia que a ciência sempre teria as respostas.
Mas então, ao olhar para Pedro, algo parecia mudar. Ele estava tão envolvido nas palavras de Pedro, no sorriso brincalhão que não deixava de surgir a cada frase, que começou a questionar a rigidez de suas crenças. Era como se, ao estar ali, com aquele homem completamente diferente dele, a vida estivesse se mostrando mais... flexível. Pedro não se importava com as probabilidades, com o que poderia ou não acontecer. Ele se entregava ao que fosse, acreditando no poder do agora, do momento.
Por mais que a conversa entre os dois fosse cheia de opostos, havia uma sintonia natural. Era como se os dois estivessem dançando sem querer, seus passos sendo guiados por algo invisível, algo maior que as palavras e as explicações. Pedro brincava, desafiando as certezas de Luiz, enquanto Luiz explicava com calma, tentando fazer Pedro ver a beleza na precisão dos números.
O tempo se estendia entre eles, de forma que parecia irrelevante. Pedro não estava mais preocupado com o próximo voo, nem com a bagagem que carregava – tudo o que ele queria era continuar aquela conversa, explorar mais um pouco desse universo que parecia ser completamente novo. Luiz, por sua vez, sentia que aquele encontro estava quebrando algumas das suas regras, desafiando o que ele acreditava ser a verdade absoluta. Ele sabia que não acreditava em coincidências, mas, ali, com Pedro, ele começava a questionar se talvez houvesse espaço para algo mais.
— Sabe, Luiz... — Pedro disse de repente, com um sorriso mais suave, como se estivesse refletindo. — Talvez o mundo inteiro seja uma grande equação que a gente nunca vai entender. E a única coisa que nos resta é se permitir viver o que está aqui, agora.
Luiz olhou para ele, absorvendo aquelas palavras com uma intensidade que ele não estava acostumado a sentir. De alguma forma, ele sabia que o momento estava mudando, que aquele encontro, embora casual e improvável, estava se tornando muito mais significativo do que qualquer dado ou fórmula poderia explicar.
O café esvaziava e o movimento ao redor continuava, mas, naquele espaço, o tempo havia se desacelerado para eles. Não havia mais pressa, apenas a tranquilidade de duas pessoas que, sem querer, haviam encontrado algo mais forte do que apenas números ou coincidências. Eles estavam se permitindo, aos poucos, perceber que talvez as coisas mais importantes da vida não pudessem ser explicadas.
A comissária anunciou a última chamada para o vôo de Roraima, fazendo com que eles corressem para o portão. A conversa fluia tanto que parecia que não existia mais nada no mundo. E ali, passando o portão de embarque, Pedro seguiu para classe executiva, e Luiz para classe econômica. Mas quando o destino quer juntar alguém, até as probabilidades estão a favor do destino.