A LUA QUE EU TE DEI - CAP 6 - A PRIMEIRA FRONTEIRA

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 2105 palavras
Data: 22/12/2024 06:52:05

O silêncio que dominava o dia foi substituído por um misto de adrenalina e alívio. Depois da confusão com a polícia uruguaia, a presença de Roberto e Piccolo no motorhome parecia menos um problema e mais... um curioso acréscimo à nossa jornada.

Benê ainda estava sentado no chão, massageando os braços marcados pelos arranhões do gato, enquanto Roberto acomodava Piccolo no colo, parecendo tão confortável quanto alguém pode estar em um motorhome lotado de emoções.

— Então, é oficial? — perguntei, tentando esconder meu entusiasmo. — Vamos mesmo ser três nessa aventura?

— Oficial. — Roberto confirmou, com um sorriso tranquilo.

Benê suspirou profundamente, levantando-se com uma expressão de pura resignação.

— Tudo bem, mas você lava as louças, ciclista. — Ele apontou para Roberto com o dedo em riste, antes de desaparecer na parte traseira do motorhome, murmurando algo sobre "mais trabalho para mim".

As primeiras horas com Roberto a bordo foram interessantes, para dizer o mínimo. Enquanto Benê preparava café e resmungava sobre como agora precisávamos de uma logística nova para tudo, Roberto e eu discutíamos o que fazer com o espaço.

— A mesa vira cama, certo? — Roberto perguntou, analisando o motorhome.

— Sim, mas é meio dura. Vamos precisar de um colchão decente.

— Isso é fácil. Só me avisem onde paramos, e eu posso ajudar a escolher.

— A questão é... você vai ficar confortável? — perguntei, genuinamente preocupado.

Roberto deu de ombros.

— Depois de dormir em barracas e às vezes só com um saco de dormir, isso aqui é um hotel de luxo.

Benê revirou os olhos.

— Ótimo, agora somos um motorhome cinco estrelas.

Com o passar do tempo, Roberto se mostrou incrivelmente útil. Ele ajudou a organizar melhor o espaço, sugerindo formas mais eficientes de armazenar comida e pertences. Além disso, Piccolo parecia adorar o motorhome, explorando cada canto e ocasionalmente se enfiando em lugares onde não deveria.

No caminho para a próxima parada, Roberto também revelou um detalhe que nos surpreendeu:

— Esqueci de mencionar, mas eu posso ajudar na cozinha.

— Ah, então você é um chef. — Benê comentou, com uma sobrancelha arqueada.

— Não é para tanto. Posso ajudar na organização do motorhome, se quiserem.

Eu não perdi tempo:

— Fechado. Bem-vindo oficialmente ao "Leopoldo Produções".

Roberto riu, enquanto Benê revirava os olhos pela enésima vez naquele dia.

— Leopoldo? — questionou Roberto, enquanto acariciava os pelos do gato.

— Leopoldo foi o nome que demos ao motorhome. É como os nossos seguidores nas redes sociais conhecem a nossa casa. — expliquei.

—Eu vou me familiarizar com o Leopoldo. Eu aprendo rápido. — disse Roberto.

—Como estamos sem comida pronta, já que não rolou a fronteira, eu vou na pizzaria aqui de perto. — anunciei. —Vou dar uma folga para os meus dois chefs particulares. — brinquei.

— Seu cú! — exclamou Benê, que estava olhando alguma coisa no notebook.

— Vai se acostumando, Roberto. O Benê é assim. — justifiquei o comportamento do meu irmão.

Naquela noite, enquanto nos preparávamos para dormir, a dinâmica já parecia diferente. Roberto ocupava a cama improvisada na mesa, Piccolo estava enrolado em uma das almofadas, e Benê estava na parte traseira, rabiscando um novo roteiro para um vídeo.

Eu fiquei olhando para o teto por alguns minutos, absorvendo tudo o que havia acontecido. Nossa viagem, que já era uma bagunça organizada, tinha se transformado em algo ainda mais imprevisível — e, por algum motivo, isso parecia certo.

Enquanto fechava os olhos, ouvi Roberto sussurrar:

— Obrigado por me acolherem. De verdade.

— De nada. — Respondi, tentando ignorar o aperto estranho que senti no peito.

E assim, com um novo integrante a bordo, seguimos rumo ao desconhecido, prontos para tudo o que a estrada nos reservasse.

Acordei com um cheiro delicioso invadindo o Leopoldo. Roberto, nosso mais novo parceiro de viagem, estava na minúscula cozinha, assobiando enquanto preparava o café da manhã.

— Bom dia, dorminhocos! — ele disse, sorrindo.

— Cara, como você conseguiu fazer isso? — questionei, antes de coçar os olhos, surpreso. — Você está bem?

— O corpo ainda está dolorido, mas cozinhar me ajuda a distrair. — respondeu Roberto. — Ah, obrigado pelos remédios. Eu dormi como uma pedra.

—Cacete, que cheiro bom! — exclamou meu irmão, passando por nós sem desejar bom dia.

— Não tinha muita coisa, mas consegui fazer um café gostoso. — contou Roberto, que colocou um prato de torradas em cima da mesa.

Benê foi o primeiro a se beneficiar do talento culinário de Roberto. Ele tomou o café da manhã na cama, com direito a um prato bem montado e um sorriso satisfeito.

— Dá para você cozinhar todos os dias? — ele brincou, enquanto Piccolo ronronava aos pés dele.

Depois do café, começamos os preparativos para cruzar a primeira fronteira. A prioridade era organizar o Leopoldo. Benê e eu revisamos cada canto, garantindo que não havia nenhum alimento de origem animal na geladeira. Já tínhamos lido que produtos assim provavelmente seriam confiscados pelos fiscais.

Piccolo voltou para sua caixa de segurança, e foi impossível não rir da forma como Roberto lidava com o gato. Ele explicava tudo, como se o felino fosse entender:

— Piccolo, é só por segurança. Você vai ficar quietinho aí, certo?

O gato não pareceu impressionado, mas obedeceu.

Depois da nossa experiência tensa com os policiais, eu e Benê estávamos apreensivos com a fronteira. No entanto, tudo transcorreu tranquilamente. Os fiscais analisaram nossos documentos e ficaram admirados com o motorhome.

— Acho que eles veem motorhomes todos os dias, mas o nosso deve ser especial. — Benê comentou com um sorriso.

Quando cruzamos oficialmente para o Uruguai, Benê não perdeu a oportunidade de documentar o momento.

— É isso aí, galera! — disse ele, segurando a câmera. — É oficial, os irmãos Guedes estão no Uruguai!

Depois, mudou o tom, imitando uma crítica fictícia:

— Mas, Benê, vocês não estão indo para a Argentina? Estamos, mas o melhor caminho é pelo Uruguai. Vamos pegar uma balsa para atravessar para a Argentina e seguir rumo ao Ushuaia.

Parei o Leopoldo no primeiro posto de gasolina que encontramos. O lugar era simples, mas eu queria capturar algumas imagens do Uruguai e aproveitar para apresentar Roberto e Piccolo aos nossos seguidores. Fiz algumas perguntas para Roberto, tentando integrá-lo com o público:

— Então, Roberto, como é viajar com dois irmãos e um gato?

Ele riu e respondeu:

— Interessante, para dizer o mínimo. Mas estou me acostumando.

De volta à estrada, Benê assumiu o volante, e seguimos até a Fortaleza de Santa Teresa, nosso primeiro ponto de apoio. Roberto nos garantiu que tínhamos tempo de sobra para explorar cada parada.

— Estamos sem pressa, e ninguém está amarrado ao Brasil, certo? — ele disse, nos tranquilizando.

Naquela noite, montamos nossa primeira fogueira na área externa. Para variar, foi Roberto quem tomou a frente, demonstrando mais um de seus talentos ocultos. Jantamos macarrão com almôndegas, ou melhor, miojo com almôndegas enlatadas que eu preparei.

Benê, sempre animado, pegou o violão que havia pertencido ao nosso pai e começou a tocar algumas músicas. O clima estava frio, mas a fogueira e as risadas aqueciam a noite.

Olhei para o céu estrelado e pensei que, pela primeira vez em muito tempo, as coisas pareciam estar no lugar. Era como se cada quilômetro percorrido tornasse essa jornada mais significativa.

— Joaquim. — Roberto me tirou do devaneio.

— Oi?

— O Benê dormiu. — apontando e rindo, antes de tomar um pouco de cerveja. Não pude evitar um sorriso. — Vocês se dão bem, né?

— Na maioria das vezes. — soltei. — Sim. Ele é um bom irmão. — admiti. — E você, Roberto?

— Pode me chamar de Beto. — ele pediu.

Beto. Beto era um rapaz moreno, com uma pele levemente bronzeada que parecia guardar histórias de muitos dias sob o sol, talvez por causa da bicicleta. Seu rosto era emoldurado por uma barba por fazer, que lhe dava um ar despretensioso e encantador. Os cabelos pretos, levemente ondulados, caiam de forma desarrumada, mas natural, como se ele não precisasse de esforço algum para ter aquela aparência.

Ali, sob a luz do luar e da fogueira, seus olhos estavam escuros e intensos, pareciam sempre analisar tudo ao seu redor com curiosidade e calma. Além disso, ele tinha um sorriso fácil, que deixava à mostra uma fileira de dentes bem alinhados, e um jeito despreocupado que o tornava ainda mais bonito.

— Qual é a sua história? — perguntei, ajustando o cobertor ao redor do corpo. O frio da noite parecia intensificar a curiosidade que eu sentia. — O que te fez sair do Sul até a Argentina de bicicleta?

Roberto abaixou os olhos por um instante, pensativo, antes de responder com um tom inesperado:

— Estou fugindo.

Quase caí da cadeira.

— Fugindo? — soltei, a voz meio esganiçada.

Ele ergueu a mão, como se quisesse me tranquilizar.

— Não é o que você está pensando. — Deu um pequeno sorriso. — Sou o segundo filho, único homem... e gay. Desde que me entendo por gente, meu pai controla minha vida. Então, um dia, decidi fugir. Peguei alguns pertences, o Piccolo... e fui embora.

Fiquei em silêncio por um momento, digerindo aquilo.

— Você não fica preocupado? Sei lá, dele tentar te encontrar ou algo assim?

— Nem todo mundo tem a tua sorte, Joaquim. — Ele apontou com o queixo para o Benê, que dormia profundamente na cadeira próxima. — Isso que vocês têm... é especial.

Senti um nó na garganta ao ouvir isso. Mas, antes que eu pudesse responder, ele continuou:

— Meu pai e meus tios me ensinaram a ser o "macho alfa". — O sotaque dele ficava mais marcado quando falava com emoção, percebi. — Nunca tive tempo de brincar ou de ser eu mesmo. Era trabalho e mais trabalho. Quando eles arrumaram um casamento para mim com uma moça da cidade, achei que seria o fim. Mas me assumi. Levei uma surra, claro. — Roberto soltou uma risada amarga. — Mas eu preferia isso a entrar em um relacionamento condenado à infelicidade.

Balancei a cabeça, admirado com a força que ele parecia carregar em si.

— Cara, você é muito corajoso. — Falei, com sinceridade. — Obrigado por compartilhar isso comigo. E, ah... pode me chamar de Quim. Só meus amigos me chamam assim.

— "E pode me chamar de Quim. Só meus amigos me chamam assim." — Benê repetiu zombeteiro, despertando do nada e se espreguiçando. — Que emocionante. Agora vou tomar meu banho. Com licença, senhores.

Revirei os olhos e soltei:

— Idiota.

— Modos, Joaquim. Modos. — Benê replicou com um tom de falsa autoridade antes de sumir para dentro do motorhome.

Roberto soltou uma risada baixa, enquanto Piccolo pulava para seu colo, ronronando satisfeito.

— Vocês dois são uma dupla e tanto. — comentou, o sorriso voltando ao rosto.

— Pode acreditar, você ainda não viu nada. — Respondi, relaxando um pouco.

Ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas ouvindo o crepitar da fogueira. Foi então que um grito agudo do Piccolo cortou a tranquilidade, seguido pela voz exaltada do Benê:

— Foi mal, foi mal! Eu não queria pisar na tua cauda!

Logo depois, só se ouviam barulhos estranhos vindos do motorhome, acompanhados pelos pedidos de desculpas desesperados do meu irmão.

— Não, não, no rosto não! Calma, gatinho, calma!

Olhei para o Beto, que já estava se levantando para acudir o gato e o Benê, mas segurei sua mão, impedindo-o.

— Espera. — pedi com um sorriso claramente diabólico no rosto.

Ele me encarou, hesitante, mas logo riu.

— Você é mal.

Ouvimos mais um bufar indignado do Piccolo e o som de coisas caindo no motorhome.

— Desculpa, desculpa! Ai! — Benê gemia, claramente sendo castigado pelas garras do gato.

Quando percebi que ainda segurava a mão do Beto, soltei imediatamente, um pouco envergonhado. Ele sorriu de canto e, balançando a cabeça, foi acudir o Benê.

Eu apaguei a fogueira e comecei a me preparar para dormir. Admito que já tinha me acostumado com a cama no motorhome. Naquele momento, qualquer lugar confortável parecia um hotel cinco estrelas para o meu corpo cansado.

No meio da madrugada, senti um peso subir na cama. Abri os olhos e vi Piccolo se aninhando ao meu lado. Ele ronronava baixinho, e o som acabou me acalmando. Além disso, o calor do gato era um alívio contra o frio que, sem brincadeira, estava de rachar. Os termômetros marcavam 2 graus, e o motorhome não era exatamente à prova de inverno e o coitado do aquecedor não conseguia espalhar o calor para todos os lados.

Foi então que me lembrei de que o Beto não tinha um cobertor decente. Quando olhei para ele, lá estava o coitado, enfiado no saco de dormir como uma lagarta em um casulo, tentando se proteger do frio.

Com cuidado, levantei e peguei um dos cobertores mais grossos. Me aproximei e o cobri devagar para não acordá-lo. Por um momento, fiquei ali, observando. Ele parecia tão vulnerável e, ao mesmo tempo, tão tranquilo.

Voltei para a cama, puxei o Piccolo para mais perto e deixei o ronronar dele me embalar de novo. Aquela noite, apesar do frio, parecia mais quente.

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