Eu geralmente prefiro ficção e não escrevo sobre mim - ao menos, não sobre coisas que realmente me aconteceram.
Também não costumo escrever para outras pessoas, porque uma vez tentei isso terminei tendo problemas com Rosário, a mulher que desejava que eu registrasse sua história. Dizer que tive problemas é uma gentileza, eu não sou a pessoa mais sensata do mundo, mas Rosário era uma louca psicótica - e me custou muito trabalho para que largasse do meu pé.
Mas, apesar do histórico sinistro junto a Rosário, quando Selena procurou-me para que eu desse forma à sua história, não pude recusar a oferta. Se havia algum fundo de verdade no que alegava, aquilo era interessante demais para deixar passar.
Em respeito à minha integridade física, eu determinei-me a não avançar nenhum sinal dessa vez: seria só escrever e entregar a obra à sua dona e pronto. Eu queria evitar qualquer contato maior, considerando que na vez anterior a coisa acabou mal. Para minha sorte, Selena propos de nos encontrarmos num lugar público, num cafezinho discreto, pois precisávamos conversar para explorar alguns detalhes mais a fundo.
Fui surpreendido logo em nosso primeiro encontro, pois estar diante daquela morena linda e charmosa, de olhos vivos e espertos como uma gata arisca, revelou-se uma bela oportunidade para descobrir sua voz melódica, vendo seu sorriso branco de dentes bem nivelados e admirando seus longos cabelos lisos e negros que ela gostava de enrolar no dedo indicador direito com uma naturalidade espantosa.
E aí eu me traí: terminei interessado pela sua desinibição, sua expansividade e, impossível não mencionar, sua beleza. Uma vez sentados, após uma atendente bem jeitosinha trazer dois cappuccinos e uma porção de mini-croissants com geléia de morango, pedi a autorização de Selena para gravar nossas entrevistas. Ela titubeou, pude perceber, mas, como desejava ter aquilo escrito profissionalmente, terminou aceitando.
- Selena, já está gravando.
- O quê? Pode falar mais alto por favor?
- Eu estou falando normalmente. Você tem algum problema?
- Eu não escuto bem do ouvido direito, tive um lance mergulhando lá em Aruba. Desculpe se eu falo alto.
- Ah, tudo bem. Então, pode repetir aquela resposta?
- Claro. Não vejo por que responder isso, mas sim, eu já era casada na época.
- Faz diferença. Você começou dizendo que estava procurando um amante, por isso é importante contar que era casada.
- E se eu não fosse, não poderia estar procurando? Amantes se amam, não necessariamente um deles tem que ser casado.
- Desculpe, mas eu discordo. É totalmente diferente uma mulher estar procurando outro homem quando já é casada.
- Não vejo a razão. O importante é que eu procurava alguém. Esse é o centro da questão. Uma mulher procurando um homem para realizar um desejo. Não tem porquê complicar.
- As pessoas gostam de detalhes, Selena. Uma mulher jovem como você procurando sexo fora do casamento é muito mais instigante do que uma dona qualquer atrás de sexo.
- Você acha mesmo?
- É claro que sim. Isso significa que você queria trair seu marido. Noventa por cento dos leitores de histórias eróticas gostam dessa temática de cornice.
- Bem, você é quem sabe, você é o escritor aqui. Mas eu não considero aquilo uma traição no sentido clássico da palavra.
- Não? Porquê?
- Porque o Ricardo sabia. Minimamente, ele intuía que eu ia fazer aquilo com outro homem. Eu disse isso pra ele, fui bem clara: Ricardo, se você não quer, eu vou achar quem queira!
- E ele concordou com essa ideia?
- Não, ora essa, é claro que não! A gente só tinha uns meses de casados!
Nesse momento, a garçonete jeitosinha do café veio limpar a mesa e perguntou se desejávamos algo mais. Selena pediu um bloody-mary e eu fiquei só na água, porque queria concentrar-me na história. Reparei que a tal da garçonete dava um caldo, era uma moreninha dos olhos claros que usava uma trança longa e grossa caída por sobre o ombro direito. Isso é uma coisa minha, eu sempre me amarrei em mulher de trança. Após a interrupção, segui o assunto.
- Melhor ainda, quer dizer, que bom que ele não foi complacente com a ideia de ser traído. O interesse do público cairia drasticamente, só uns cinquenta por cento dos leitores gosta de histórias onde o marido é um corno manso.
- Mas o Ricardo foi um corno manso. Ele me conhece bem, sabia que eu ia tentar aquilo com outro, mas mesmo assim não me atendeu. Logo, intimamente, ele estava de acordo.
- E vocês ainda são casados?
- E isso vem ao caso? Estamos falando de algo que aconteceu faz três anos, eu tinha dezoito na época. Se ainda sou casada ou não, não importa a ninguém.
- Dezoito? Nossa, eu achava que você tinha uns dezoito agora!
- Tenho vinte e um. E ainda sou casada com o Ricardo.
- Desculpe, mas é realmente difícil de acreditar, Selena.
- Tudo bem, espertinho, eu tenho vinte e três e ainda sou casada com o mesmo homem que eu queria trair há anos atrás. Satisfeito?
- Não, Selena, não é isso. É difícil acreditar que você, tão nova, casada há pouco tempo, quisesse meter o chifre no Ricardo. Ainda mais pelo motivo que você alega. O que houve entre vocês? Porque ele não fez o que você queria?
- Mas você vai escrever um thriller psicológico? É só uma história erótica, ora bolas!
- Eu preciso entender a motivação de cada um de vocês, senão a história, que é boa, vai soar falsa, sem conteúdo…
- Tá bem, já entendi. O que posso dizer? Eu casei virgem, era inexperiente, quer dizer, eu sabia das coisas e antes de casar nós fizemos muita sacanagem. Mas dar, dar mesmo, eu nunca tinha dado. Nem pra ele, nem pra ninguém.
- Olha só, isso é importante. Entendo que você quis estar com outro homem porque só conhecia o Ricardo na cama e não parecia ser lá essas coisas, daí você desejava ter algum termo de comparação, é isso?
- Não, nada disso. Era ótimo, o Ricardo me satisfazia bem, trepavamos um montão e eu gozava gostoso. Era na cama, na cozinha, no chão da sala. Fazíamos por cima, por baixo, de ladinho... Ele estava sempre procurando me comer. O sexo com Ricardo era ótimo!
Enquanto me contava essas coisas falando um tanto alto no meio do silêncio reinante naquele cafezinho discreto devido à sua surdez parcial, Selena estalou os dedos no ar para chamar a atenção da garçonete jeitosinha e fez um sinal para repetir a rodada, ou seja, mais um bloody-mary para ela e outra água para mim.
Quando trouxe o pedido, a garçonete jeitosinha da trança grossa permaneceu ao lado da mesa, como se estivesse esperando para que eu pedisse algo mais. Deu vergonha, eu ali discutindo sobre Selena trair o marido como se fosse a coisa mais normal do mundo. E o pior é que a garçonete me olhava diretamente, como se fôssemos cúmplices daquilo. Terminei pedindo umas empanadas argentinas só para aliviar minha culpa.
- Sei, mas tinha algo faltando pra você, não é Selena? Se era bom assim, porque traí-lo?
- Porque eu tinha curiosidade e queria experimentar… Eu queria fazer… Olha, você leu o que eu pus no email! Sabe bem o que eu queria!
- Selena, se você tem a intenção de um dia publicar isso, precisa aprender a dar nome aos bois. Precisa sentir-se confortável ao dizê-lo, senão não vai funcionar.
- Nossa, mas você é bem incômodo! Quer que eu diga o quê? Que eu era inexperiente e queria saber como era tomar lá atrás? Que o meu marido não quis executar o serviço?
- Viu só? Não doeu nada dizer, não foi? Mas me conta uma coisa…
- Outra coisa? Mas isso não tem fim?
- É que eu não entendo. Eu sou um cara novo, passo um tempão só de sarrinho com uma novinha como você, morena, tesuda, daí me caso e faço sexo adoidado. Então, a jovem Selena, minha esposinha, me pede pra comer a sua bunda e eu não quero? Aí tem coisa!
- Eu sei, é estranho mesmo, mas o Ricardo veio com um papo de termos filhos, de eu ser a futura mãe deles. Disse também que jamais iria conseguir fazer isso e depois olhar pra mim sem me achar uma puta e essas coisas.
- Ah, então foram só bloqueios morais?
- Me diga você, o escritor psicanalista! Você comeria a bunda da mãe dos seus filhos?
- Claro que sim, sem pestanejar. É mais, se eu fosse casado com uma mulher como você, ainda por cima virgem, eu comeria a bunda dela feliz - e de repente nem tinha filhos!
- Então, não é? Daí você imagina a minha situação! Eu casei com ele, passaríamos o resto da vida juntos, teria filhos e tal. Mas nunca poderia saciar essa minha curiosidade!
- Realmente, seria um crime privá-la dos seus desejos. Ainda bem que correu atrás dos seus sonhos, a humanidade agradece - mas desconfio que o Ricardo não!
- Está sendo sarcástico? Estou me abrindo aqui e você está me julgando, como o Ricardo?
- Selena, o sarcasmo é um traço meu, está em tudo que escrevo. E eu não sou como o seu marido. Já disse que eu comeria você por trás de montão se fôssemos casados.
- Não gostei do rumo dessa conversa. Você está sendo irônico e deselegante comigo.
- Taí, outra característica minha, a ironia. E desculpe a falta de tato. Só achei que, se nós estamos falando sobre o seu desejo de dar a bundinha, podemos cortar de vez a frescura.
- Pra mim já deu. Esquece a ideia de escrever minha história, não quero mais! Adeus!
Selena levantou-se indignada e foi embora. É certo, eu fui meio grosso, mas não consegui evitar. Ainda assim, fiquei sentado vendo-a afastar-se, olhando para suas pernas morenas de coxas musculosas e suas nádegas salientes subindo e descendo naquele shortinho social azul turquesa, imaginando o sortudo que foi agraciado com a dádiva de entrar ali.
Ao pagar a conta que, por sinal, ficou só para mim devido ao rompante de Selena, percebi que a garçonete jeitosinha me olhava com certa consternação, como se estivesse simpatizando com a minha situação de homem abandonado no café pela mulher muito mais jovem. Eu quis explicar que não era nada disso, mas de quê serviria? Ela não acreditaria em nada depois da ceninha que minha acompanhante proporcionou!
Apesar de ser demitido por Selena, dediquei-me a colocar no papel a história, incorporando as informações da nossa entrevista. Era uma pena, estava ficando muito boa, o toque de traição mal-consentida pelo Ricardo era de ouro, fazia Selena brilhar como uma rainha.
Por outro lado, eu eescrevia aquilo e imaginava Selena de quatro sobre uma cama de motel, seu sexo depiladinho de lábios finos fechadinho com um grelinho meio saliente e, logo acima, aquele brioquinho escuro ainda intocado em meio às suas nádegas durinhas e bronzeadas. Me dava um tesão danado e, quando via, já estava me masturbando, sonhando que era eu quem a comeria por trás pela primeira vez.
Movido pela curiosidade, cheguei a procurar pelas páginas de Selena nas redes sociais. Fiquei navegando ali, vi o tal Ricardo refugador de bundas, um cara simpático, loiro, alto, fortão, digno de uma mulher como Selena - digo, aparentemente digno, pois eu sabia de coisas entre os dois que não estavam nas fotos felizes do casal.
As noites seguiam-se uma após a outra e, sempre que eu não conseguia dormir, revisava outra vez a história, para depois sentir tesão, para então voltar às redes sociais de Selena e ficar admirando suas fotos. Até elegi duas delas como sendo minhas prediletas.
Selena na praia, biquine tapando bem pouco daquele corpão bronzeado, seu sorriso branco estampado no rosto, seus peitos medianos empinadinhos quase expostos e aquele pequeno triângulo de tecido impedindo a visão do seu sexo - mas que revelava sua suculência do volumezinho entre as pernas e a marca de uma fenda no meio.
Selena de pijama cor-de-rosa, um tecido leve e soltinho de algodão permitindo entrever as aréolas pequenas e escuras dos seios com os biquinhos empinados, enquanto um triângulo negro marcado no short delineava seus pelinhos pubianos - a safada estava sem roupa interior e isso era visível, mas mesmo assim Selena postou aquela foto quase erótica.
Eu estava prestes a iniciar uma sessão de prazer solitário quando percebi que Selena virou uma obsessão. A morena bem mais jovem preenchia minhas noites, mas tornara-se algo compulsivo. Eu nem escrevia outras histórias e, em qualquer tempinho livre, lá estava eu, procurando suas fotos nas redes. Agora, quem parecia um doido psicótico era eu!
Decidi por bem colocar um fim, eu havia chegado ao limite, pra mim já bastava de Selena e sua bundinha! Deletei a história e apaguei o e-mail que deu origem a tudo aquilo, limpei o histórico das redes sociais e fui dormir, tranquilo por haver acabado com tudo.
Ou, ao menos, isso era o que eu pensava…
(CONTINUA, ESSA FOI A PARTE 1/4)