---
Os dias ali naquela cela passavam lentamente. Meus poucos momentos de felicidade eram quando eu recebia alguma visita. Meus pais vinham duas vezes por semana e sempre aparecia algum amigo ou ex-companheiro de trabalho. Meu ex-parceiro disse que queria muito poder ajudar no meu caso, mas não deixaram, mesmo ele insistindo com os nossos superiores. Leandra vinha toda semana. Além de estar preocupada com o risco de eu ter uma recaída e os antigos traumas voltarem, ela também parecia estar preocupada comigo como pessoa. Acho que eu tinha feito uma boa amiga. Ela também sempre me atualizava sobre a Rose, que, mesmo longe, estava muito preocupada comigo. Diana e Diogo vieram algumas vezes para me dar apoio também.
Depois de 60 dias, nada mudou e a pressão em cima do delegado para me transferir para fora da delegacia estava aumentando. Ele me disse que seus superiores estavam preocupados em me manter ali, pois isso sujaria o nome da corporação. No fundo, eu até os entendia; a polícia já não é bem vista aos olhos de muitas pessoas. Ter uma pessoa que era vista como uma assassina sob a proteção deles não era bem recebido pelas pessoas.
Eu disse a ele que não queria sair dali porque realmente temia pela minha vida, mas que não o culparia caso ele me tirasse dali. Ele disse que, pelo menos, os 90 dias ele iria garantir que eu ficasse ali. O pior é que as investigações não progrediram. O investigador disse que o que ele podia fazer, ele fez, e que a única novidade que poderia surgir era se a garota saísse do coma. Eu estava rezando para isso e pedi para ele ficar de olho no hospital, porque eu tinha medo que Rayssa fizesse algo para dar fim de vez na garota. Sinceramente, o investigador parecia não acreditar muito em mim, mas garantiu que a garota estava segura.
Minha mãe disse que procurou outros advogados, mas os que ela tinha condições de pagar não quiseram me defender depois que o caso foi parar na mídia. Os que topavam pegar meu caso eram muito caros. Eu disse a ela que não precisava se preocupar com isso no momento, que um advogado não iria resolver nada agora. Se aparecesse algo novo que valesse a pena pagar um advogado para tentar, pelo menos, que eu respondesse em liberdade, eu avisaria a ela. Que, no momento, pagar um advogado seria gastar dinheiro à toa.
Estava perto de chegar aos 90 dias da minha prisão. Eu já estava me preparando psicologicamente para ser transferida para o presídio. A investigação tinha sido encerrada, o caso foi encaminhado para o Ministério Público e minha esperança de um milagre acontecer para impedir minha transferência não se concretizou. Agora era torcer para conseguir me manter viva em um lugar cheio de pessoas que teriam muito prazer em me ver sofrer e algumas, com certeza, teriam prazer com minha morte. Eu tentava me manter firme, mas o desespero começou a bater e as esperanças de sair daquele pesadelo foram se esvaindo. Pelas minhas contas, seria minha última noite ali, a não ser que o delegado conseguisse me manter ali mais alguns dias.
Acordei no outro dia bem cedo e já fiquei esperando o delegado vir me buscar. Mas ele não apareceu e, depois do almoço, eu acabei cochilando. Acordei com o som da grade sendo destrancada. Quando olhei, vi o delegado com um sorriso no rosto e, ao lado dele, a última pessoa que eu esperava ver. Naomi estava ali na frente da minha cela com alguns papéis na mão. O delegado disse que era para eu pegar minhas coisas, que eu iria para casa. Eu sinceramente achei que estava sonhando. Aquilo só podia ser um sonho, mas não era. Eu realmente fui retirada da cela e levada para a sala do delegado. Naomi não me olhava nos olhos e não me dirigiu a palavra nem uma vez sequer.
Ela estava diferente; seu rosto era sério, aquele sorriso e a cara de menina não existiam mais. No resto, ela não tinha mudado quase nada, mas parecia estar com mais corpo. Suas roupas também não eram mais simples; ela estava muito bem vestida. Como sempre, estava muito linda, mas muito mesmo. Eu não sabia como reagir ao seu lado. Na verdade, eu ainda estava tentando processar tudo o que estava acontecendo.
O delegado se sentou na cadeira atrás da sua mesa e nós duas nos sentamos nas cadeiras em frente à mesa. Naomi entregou uns papéis ao delegado, ele assinou e devolveu um para ela, ficando com outro. Disse que estava tudo certo, mas Naomi disse que faltava o meu novo endereço. Ela abriu a bolsa e entregou um papel ao delegado, dizendo que era para ele manter aquilo em confidencial. Ele disse que ela podia ficar tranquila e que entendia o risco. Ela se levantou, apertou a mão dele e foi em direção à porta. Eu estava meio boba e demorei um pouco para reagir. Levantei-me, apertei a mão do delegado e me despedi dele. Ele abriu uma gaveta e me devolveu minha bolsa e meu celular. Eu o agradeci e fui em direção a Naomi, que abriu a porta e saiu na frente. Eu a alcancei e resolvi falar algo.
Greta —Posso saber para onde estou indo?
Naomi —Para um lugar mais confortável que sua cela e onde Rayssa não vai te achar.
Greta —Então você acredita em mim?
Naomi —Você é minha cliente. Como sua advogada, eu trabalho com provas e tenho provas suficientes para crer que você disse a verdade. Só isso; acreditar em você ou não não faz parte do meu trabalho.
Greta —Como assim você tem provas? Quais provas?
Naomi —No meu apartamento eu te explico tudo. Agora, por favor, tenta ser o mais discreta possível e entre direto no meu carro, sem ficar olhando para os lados. Evite contato visual com qualquer pessoa, por favor.
Greta —Tudo bem.
Eu não sabia onde tinha ido parar a antiga Naomi, mas com certeza ela não existia mais. Eu não estava entendendo muito as coisas. Eu nem sabia se estava de acordo em ir para o apartamento dela. Mas ela me tirou daquela cela e o que ela me falou sobre Rayssa me deixou preocupada. Talvez ir para outro lugar em vez da minha casa fosse melhor mesmo. Resolvi parar de pensar; era só seguir ela e fazer o que pediu. Chegamos na porta da delegacia e ela só disse para eu sair rápido e seguir ela, e assim eu fiz.
Vi ela tirar uma chave do bolso e apontar na direção de um carro prata em frente à calçada da delegacia. Quando fez o barulho do alarme, eu tive certeza que era o carro dela. Ela deu a volta e eu já abri a porta e entrei. Ela ligou o carro e saiu o mais rápido possível. Seguimos e logo ela pegou uma avenida, seguindo por um bom tempo. Ela não disse uma palavra e eu achei melhor ficar calada. Meu coração estava disparado e minhas mãos suavam; eu ainda estava sem acreditar que estava em um carro junto com Naomi. Mas, apesar daquela situação tensa, minha vontade era de beijá-la ali mesmo. Mas eu não iria fazer isso. Algumas mágoas ainda existiam e, pelo jeito, não era só do meu lado.
Entramos em um bairro de classe média; eu não conhecia o lugar, mas era um bairro bem bonito. Ela parou o carro e pediu para eu descer. Seguimos para a portaria de um prédio e, depois que o porteiro liberou nossa entrada, subimos para o segundo andar de cinco que o prédio tinha. Chegamos à porta de um apartamento e ela abriu com sua chave, e entramos. O apartamento parecia bem bonito. Ela me pediu para a acompanhar e entramos por um corredor.
Ela abriu a porta e pediu para eu entrar; era um quarto bem simples, mas mil vezes melhor que uma cela.
Naomi —Esse é o quarto de hóspedes. Não é grande, mas é o que tem. Vou buscar suas roupas na sua casa; à noite trago para você. Vou ter que voltar ao escritório, mas eu volto à noite e te explico tudo. Por favor, de forma alguma saia desse apartamento. Fora daqui eu não posso garantir sua segurança. Não me faça arrepender do que estou fazendo, por favor.
Greta —Tudo bem. Mas o que exatamente você está fazendo?
Naomi —Ajudando uma amiga.
Greta —Somos amigas?
Naomi —Não falei de você. Você é uma cliente, só isso.
Greta —Desculpe.
Naomi —Não quero suas desculpas. Só preciso que não faça nenhuma besteira. Por favor, não deixe o celular no silêncio; eu posso precisar falar com você com urgênciae, dessa vez, eu preciso que você veja quando eu tentar me comunicar.
Ela falou isso e vi uma certa raiva no seu olhar. Me lembrei do passado: o celular no silêncio, a mensagem dela que eu não vi no meu celular depois do que houve. Só podia ser uma indireta sobre isso, ou será que eu estava pensando demais? Fiquei pensando sobre aquilo por um tempo e só tinha um jeito de saber a verdade. Quando pensei em perguntar, ela já tinha saído. Fui atrás dela, mas só vi a porta do apartamento se fechando. Ela tinha saído e eu fiquei ali com aquela dúvida na cabeça. Eu nem me lembrava disso mais, mas o que ela disse me fez lembrar da mensagem dela que tinha antes de eu abrir os vídeos e sair igual uma doida para minha casa.
Bom, agora era tarde. Ela já tinha ido e eu estava sozinha ali. Dei uma olhada no apartamento; estava muito bem arrumado. Ela devia pagar um absurdo de aluguel ali. Tinha sala, copa, cozinha e mais três cômodos fora o quarto que eu estava. Como as portas estavam fechadas, eu não olhei, mas provavelmente eram mais dois quartos e um banheiro. Estava ali parada no meio da copa quando ouvi o barulho de alguém destrancar a porta. Achei que era Naomi que tinha esquecido algo, mas não era. Quando a porta se abriu, vi Simone com algumas sacolas na mão. Ela me olhou e abriu um belo sorriso, e eu fui até ela ajudar com as sacolas.
Assim que me aproximei, ela colocou as sacolas no chão e me deu um abraço muito apertado. Eu correspondi, talvez com menos intensidade no início por não estar esperando, mas logo apertei-a forte nos meus braços também. Assim que nos separamos, ela levou uma das mãos ao meu rosto e fez carinho na minha face.
Simone —Como você está, Greta?
Greta —Estou bem, na medida do possível. E você, Simone?
Simone —Estou bem agora que você está aqui na minha frente, sã e salva, graças a Deus!
Eu vi verdade naquelas palavras; Simone realmente estava aliviada de me ver ali. Me senti feliz com aquilo. Eu ajudei-a com as sacolas e seguimos para a cozinha. Enquanto ela guardava as compras, me perguntou se eu tinha recebido a carta dela. Eu disse que sim e que, para mim, aquilo era assunto passado, que estava tudo bem. Ela parou o que estava fazendo, pegou minhas mãos e disse que realmente sentia muito pelo que fez. Eu disse que eu realmente a tinha perdoado de coração e que provavelmente eu mereci aquele tapa.
Simone —Não pelos motivos que eu te dei, mas, na verdade, você e a Naomi mereciam uns tapas mesmo. Mas deixa isso para lá.
Greta —Pode falar, eu não vou ficar chateada. Hoje consigo ver os erros que cometi naquela situação. Naquela época, eu culpei a Rayssa e até a Naomi, mas, depois que voltei ao meu estado normal, eu vi que eu também tinha errado.
Simone —Eu acho que vocês erraram, mas tentando fazer o certo. Mas a Rayssa não; ela é a verdadeira culpada por tudo. Ela quase acabou com sua vida, feriu muito minha filha e separou vocês duas. Eu nunca mais vi minha filha completamente feliz; ela foi forte, se manteve de pé e conseguiu muita coisa boa depois do que houve. Mas ela nunca mais foi feliz como antes.
Greta —Eu sinto muito, Simone. Eu nunca quis que isso tivesse acontecido. Eu queria muito que Naomi fosse feliz naquela época e ainda quero.
Simone —Eu sei disso; dá para ver nos seus olhos. Mas vamos mudar de assunto porque não quero te ver triste, e relembrar essas coisas vai nos deixar tristes.
Concordei com ela e fui ajudar a guardar as compras. Perguntei a ela há quanto tempo elas moravam ali e ela disse que há cinco anos. Que, depois do que houve, ela vendeu a pousada e comprou o apartamento. A filha queria continuar os estudos e ela não queria ficar longe da filha, e também tinha o processo que era aqui e Naomi teria que vir algumas vezes. Mas o principal motivo foi porque ali na cidade havia mais condições de Naomi ter um acompanhamento psiquiátrico melhor. Eu não fazia ideia daquilo; eu nunca fiquei sabendo que elas estavam morando na cidade.
Simone ficou conversando comigo por um bom tempo e depois eu fui para meu quarto e me deitei um pouco. Fiquei pensando na Naomi; mesmo depois do que houve, ela não desistiu dos seus sonhos e conseguiu o que queria; se tornou uma advogada. Pelo jeito, ela era muito boa, porque eu não fazia ideia do que ela podia ter feito para me tirar da prisão, mas ela tirou. Enquanto ela se manteve em pé, eu desmoronei. Ela era muito mais forte do que eu podia imaginar.
Não sei quanto tempo fiquei ali deitada com meus pensamentos a mil. Mas foi muito tempo e só saí deles porque bateram na porta do meu quarto. Pedi para entrar e era Naomi. Ela se aproximou e disse que a gente precisava conversar. Eu disse que tudo bem, que ela podia falar. Ela se sentou na beirada da cama e disse que iria me contar tudo sobre o que descobriu sobre meu caso e como descobriu.
Eu até me sentei direito e comecei a prestar mais atenção nela. Eu estava realmente curiosa para saber como Naomi me tirou daquela cela.
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper