Depois da tensão para atravessar a fronteira com o Uruguai, seguimos para Cabo Polônio, uma vila pitoresca onde a energia elétrica é escassa, mas os cenários, deslumbrantes. Aproveitei para fazer diversas imagens com o drone. Apesar de estarmos cercados por praias lindas, a temperatura de 2 graus nos fez desistir da ideia de vestir a sunga e entrar na água.
Logo na primeira praia, nos deparamos com uma cena impressionante: centenas, talvez milhares, de leões-marinhos. Alguns descansavam em rochedos, enquanto outros brincavam desajeitadamente na água. Foi a primeira vez que vi animais tão únicos em seu habitat natural. Saímos do motorhome para sentir a brisa gelada e nos aproximamos, maravilhados, dos rochedos.
— Isso é demais! — exclamou Benê, encolhendo as mãos nos bolsos.
— É a natureza em seu estado mais puro. — filosofou Beto, usando um dos meus moletons emprestados.
Aproveitei a empolgação para gravar mais um trecho para o canal:
— Isso é só o começo, pessoal. Essas são as primeiras belezas da nossa jornada até 'o fim do mundo'.
Voltamos ao Leopoldo e seguimos viagem, enfrentando a instabilidade da internet no caminho. Beto sugeriu comprarmos uma antena de satélite para melhorar o sinal em lugares mais remotos.
— E você, Piccolo, está curtindo a aventura? — perguntou Beto, enquanto o gato subia em seu colo.
— Mais do que a gente. — brinquei. — É um dos poucos gatos que podem se gabar de estar em uma viagem dessas.
— Pena que ele arranha. — resmungou Benê, olhando para o felino desconfiado. Como resposta, Piccolo rosnou baixinho.
— Sai daqui! — Benê pegou um travesseiro para se proteger, arrancando risadas de todos.
Após algumas horas de estrada e paradas em pedágios e postos de controle, finalmente chegamos a Punta del Este. Era um lugar que eu conhecia pela televisão, mas estar lá pessoalmente foi indescritível. Optamos por nos hospedar no Camping Punta del Diablo (nome apropriado, não acha?).
Por causa dos machucados, Beto decidiu descansar no motorhome, enquanto Benê e eu explorávamos a cidade. Visitamos a Playa Mansa e seguimos de táxi até a famosa escultura La Mano — os gigantes dedos saindo da areia na Playa Brava, uma obra do artista chileno Mario Irarrázabal.
O pôr do sol foi magnífico, pintando o céu com tons de laranja e púrpura. Depois, nos empanturramos em uma churrascaria, experimentando a famosa carne uruguaia.
— Cara, isso aqui é um espetáculo. — comentei, entre uma garfada e outra.
— Descobri que aqui tem cassino. Vamos? — sugeriu Benê.
— Hoje não dá. Estou quebrado. — avisei, pois as minhas costas estavam doendo.
— Claro, vamos amanhã. E aposto que o Beto vai querer ir também.
— Tudo é o Beto. O Beto isso, o Beto aquilo, o sotaque gaúcho do Beto... — Benê tentou imitar minha voz, mas só conseguiu me fazer rir.
— Isso é ciúme? — provoquei, rindo.
— Ciúme, nada. Só quero saber se o Beto perfeito vai roubar o Leopoldo.
— Como assim? — perguntei, já querendo saber a maluquice que o Benê aprontou.
— Deixei a chave do Leopoldo na ignição. Será que o nosso motorhome vai tá lá? — a cara de superioridade do meu irmão me deixava louco.
— Você é doente. — soltei. — Para de encrencar com o Beto. Ele é um cara do bem. — defendi o nosso companheiro de viagem.
Na volta, Benê fez questão de checar o motorhome. Ao vê-lo intacto, eu aproveitei para debochar, no qual o meu irmão resmungou um "Vai se lascar" e correu para tomar banho, arrancando mais risadas minhas.
Naquela noite, enquanto editava os vídeos, percebi que Piccolo já tinha um pequeno fã-clube nos comentários. Ele era, oficialmente, a estrela da viagem. Antes de dormir, Beto mencionou que precisava de mais espaço para suas coisas. Liberei duas gavetas para ele, afinal, não fazia sentido deixar suas roupas na mala.
Mais tarde, Benê voltou congelado do banho no camping, então chegou a minha vez. Enquanto me preparava, Beto limpava a louça e anunciou:
— Espera aí, Quim. Eu vou contigo.
— Vocês vão me deixar com Freddy Krugger felino? — perguntou Benê, pegando os travesseiros e fazendo uma barricada.
— Não vamos demorar. Eu só preciso de um banho quente. — afirmou Beto, pegando seus pertences. — Piccolo, por favor, não mate o Benê. — o gato apenas se espreguiçou e virou para o outro lado.
No banheiro do camping, Beto tirou a roupa com naturalidade, e eu não pude evitar reparar. Apesar dos machucados espalhados pelo corpo, ele era lindo. Não tinha músculos superdefinidos, mas tudo estava no lugar, incluindo aquele V que eu adorava.
Conversamos enquanto tomávamos banho, principalmente sobre cuidados com a barba e produtos que ele usava. Apesar da vida simples, Beto se cuidava, o que só o tornava ainda mais interessante.
Na volta ao motorhome, já me sentia renovado. Piccolo dormia em cima de uma das almofadas, e Benê roncava baixinho. Antes de apagar as luzes, olhei para Beto. Ele estava sentado, olhando para fora da janela. Sorri.
A manhã começou agitada. Fomos ao mercado, passamos em uma loja de informática e, em seguida, exploramos uma feira local. Enquanto Benê e eu lidávamos com as compras, o Beto, sem poder contribuir financeiramente, decidiu assumir a responsabilidade pela limpeza do Leopoldo. Aproveitamos também para dar uma melhorada no conforto do motorhome: compramos um colchão novo para nossa cama — não dava mais para suportar aquele "tatame" duro —, além de um colchão confortável para Beto e itens para o Piccolo, como uma caixa de areia e arranhadores, já que o pestinha insistia em arranhar os bancos.
No almoço, experimentamos o famoso Chivito, um sanduíche típico uruguaio recheado com bife, presunto, queijo, alface, azeitonas, vinagrete e batata frita. Uma verdadeira explosão de sabores.
Quando voltamos ao Leopoldo, a noite já estava caindo. Apesar de estarmos exaustos, decidimos não deixar passar a oportunidade de conhecer um cassino em Punta del Este. A programação prometia ser uma experiência única.
Seguimos a rotina do banho, mas em vez de pijamas confortáveis, caprichamos nos looks. Enquanto eu ajeitava minha camisa social preta e calça combinando, Benê não deixou passar a oportunidade de mexer com o Beto.
— Espera aí. — Ele apontou para o nosso colega, com uma expressão teatral. — Tu vai com isso?
Beto, confuso, encarou o espelho pendurado na porta.
— Por quê? Tô bonito, não?
— Capaz! — respondeu Benê, carregando no sotaque gaúcho. Ele foi até seu armário, pegou algumas peças e arremessou para Beto. — Veste isso. Quero meus gays arrasando hoje.
Sem cerimônia, Beto tirou as roupas ali mesmo, ficando apenas de cueca. Tentei desviar o olhar, ocupando minhas mãos com o Piccolo, mas não pude evitar notar o quanto ele estava à vontade — e, bem, o quanto ele era bonito.
Quando terminou de se trocar, admito que fiquei impressionado. A camiseta 3/4 branca e o jeans preto emprestados pelo Benê caíram como uma luva. Ele estava incrível.
Benê, por sua vez, também não economizou nos elogios:
— Agora sim, hein! Meu irmão, cuidado pra não perder o Beto pra alguma ricaça hoje.
Beto sorriu e, com bom humor, rebateu:
— Ah, mas eu sou gay, guri. Relaxa.
— Tem certeza? Talvez seja bi. — Benê provocou, sussurrando para ele.
— Tenho sim. — respondeu Beto, rindo.
Antes de sairmos, o Beto deixou a ração e trocou a água de Piccolo. O gato não saia mais de sua nova cama, que acreditem, é mais confortável que a minha. Pedimos um carro de aplicativo e seguimos para o hotel onde estava localizado o cassino.
O Enjoy Punta del Este, antigo cassino Conrad, era tudo o que imaginávamos e mais um pouco. Situado em um resort cinco estrelas, o ambiente exalava sofisticação: mesas de jogos brilhando sob luzes vibrantes, pessoas elegantes em trajes de gala, drinks caprichados sendo servidos por garçons impecáveis, e um público animado e diverso.
Mesmo sem nos hospedarmos no resort, fomos recebidos com um atendimento de primeira. A experiência já começou memorável: mal entramos e Benê começou a atrair olhares de mulheres ao redor.
— Acho que hoje vou me dar bem. — ele sussurrou, piscando para mim.
Seguimos para as mesas de jogos. Eu, mais observador, me mantive à margem das apostas, enquanto Benê já estava empolgado com a ideia de sair dali milionário.
— E aí, o que vamos tentar primeiro? Roleta? Blackjack? — ele perguntou, analisando o ambiente.
— Roleta, pra começar leve. — sugeriu Beto, já mostrando familiaridade com o lugar, mesmo sendo sua primeira vez ali.
Benê, como sempre, tentou puxar conversa com todos ao redor, enquanto eu e Beto ríamos de sua empolgação. A noite seguiu com muitas apostas (algumas desastrosas, outras mais sortudas), ótimas risadas e uma energia contagiante.
Voltamos para o Leopoldo cansados, mas satisfeitos. A noite havia sido cheia de aventuras e boas histórias para contar. Antes de dormir, enquanto eu organizava os vídeos e olhava alguns comentários nas redes sociais, Beto passou por mim e deixou um toque casual no ombro.
— Foi divertido, né? Amanhã eu vou com vocês pra explorar mais. — ele comentou, ficando parado perto de mim.
— Foi sim. Amanhã promete.
— Ah, e obrigado pelo colchão novo. 10 de 10. Tú salvou as minhas noites, guri. — me abraçando por trás. O contato dos nossos corpos me deu um choque.
— Nada. — sorri sem graça. — Descansa bem, viu. Sem desculpas para as próximas aventuras. — brinquei.
Antes de dormir, peguei o diário do meu pai. A cada página, era como se mergulhasse na mente dele, um lugar cheio de sentimentos profundos e palavras poéticas. Meu pai era, sem dúvida, um poeta. Ainda me pergunto por que nunca lançou um livro.
Entre as histórias retratadas no diário, uma em especial sempre mexe comigo: o dia em que ele tentou me levar para a Parada do Orgulho LGBTQIA+ em São Paulo. Na época, eu não estava pronto. Acho que demorei mais para me aceitar do que meus pais e meu irmão. Eles pareciam tão seguros, tão certos de quem eu era antes mesmo de eu entender. E hoje, mesmo com tudo que já vivi, ainda sinto que sou travado quando se trata de relacionamentos. Talvez o episódio com o Paulo, meu ex-namorado, tenha deixado cicatrizes mais profundas do que gosto de admitir — ele conseguiu me manipular direitinho e, pior, expôs minha intimidade na internet.
Fechei o diário e o deixei de lado, respirando fundo. Olhei para Benê, que dormia tranquilamente ao meu lado, o rosto relaxado como o de uma criança despreocupada. Sorri ao lembrar das presepadas que ele aprontou no cassino. Meu irmão e eu somos como água e óleo às vezes, tão diferentes em essência. Benê sempre foi extrovertido, ousado, a alma da festa. Eu, por outro lado, sou reservado, contido, talvez até um pouco cauteloso demais.
E, no entanto, aqui estávamos, dividindo não só o espaço do motorhome, mas também memórias que, mesmo em suas diferenças, nos conectam profundamente.
Ainda rindo das piadas de Benê no cassino, apaguei as luzes do Leopoldo, pronto para mais um dia de descobertas.