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Naomi estava com uma expressão séria, e ainda era estranho para mim vê-la assim. Mas, mesmo assim, ela continuava linda.
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Naomi— Quando Rose me ligou há quase um mês pedindo minha ajuda, eu não pude recusar. Devo muito a ela. Tirando minha mãe, foi a pessoa que mais me ajudou na hora em que eu mais precisei. Negar um pedido dela não era uma opção. A primeira coisa que fiz foi ir para minha sala, buscar seu processo e estudá-lo. Ao ler seu depoimento, tive certeza de que Rayssa estava mesmo naquele apartamento; primeiro, porque sou prova viva do que ela é capaz de fazer.
Outra coisa é que sei que você não mentiria. Conheço você o suficiente para saber que mentir não é um defeito seu. Portanto, tudo que você disse era verdade. Além disso, o depoimento da Leandra reforçava o que você disse. Sei que Rayssa é muito inteligente e ardilosa; eu também sou prova disso. Sem contar que você não faria algo assim. Você não usaria drogas e muito menos atiraria em alguém desarmado.
Partindo desse princípio, eu tinha certeza de que Rayssa estava no local e que, para isso ter acontecido, ela também precisava ter saído da clínica onde deveria estar detida.
Contratei os serviços de um detetive particular para vigiar a clínica. A entrada e saída estavam sob vigilância 24 horas. Depois, fui atrás das câmeras que capturaram as imagens que o detetive da Civil havia analisado. As duas câmeras de segurança eram particulares. Só consegui acesso a uma, porque o dono de uma delas, disse que a polícia já havia olhado e só deixaria eu ver novamente se tivesse um mandado. Tentei convencê-lo a mudar de ideia, mas ele não cedeu. A segunda câmera pertencia a uma mulher que foi muito gentil. Além de me permitir acessar as imagens, ela me emprestou o HD com os últimos três meses de gravação.
Eu não tinha muito tempo livre para analisar as imagens, já que estava fazendo esse trabalho por conta própria e ainda tinha os casos do escritório para resolver. Acabei demorando três dias para conseguir sentar na frente do PC e analisar as gravações com calma. A câmera não pegava o hotel de frente, mas sim a rua em frente. Eu conseguia ver os carros que chegavam e saíam do estacionamento e os que paravam em frente ao hotel. Eu tinha uma teoria: Rayssa não chegou ao hotel na hora do crime; ela já estava lá e não saiu depois do crime para não correr o risco de ser vista. Ela sabia que os disparos tinha chamado a atenção dos vizinhos. Fora o risco de ser vista por algum, ela poderia dar de cara com a polícia.
Comecei a ver as imagens do dia do crime logo após as 11 da manhã. Tirei meu domingo para isso. Já havia recebido várias fotos do detetive que estava de campana na frente da clínica. Não vi nada de suspeito; a maioria eram funcionários entrando e saindo.
Foi demorado ver as imagens porque houve bastante movimento de carros na porta do prédio e muita gente entrando e saindo. Inclusive, a garota que está no hospital saiu no carro dela na hora do almoço, e deu para ver que havia uma criança no banco de trás. Ela voltou depois de uma hora, mas sem a criança. No mais, não vi nada de anormal ou suspeito até as 16 horas.
Nesse horário, vi um carro preto estacionar na frente do prédio. Depois de uns 10 minutos, a garota saiu do prédio e foi até o carro. Ela conversou com a pessoa na porta do carro, e depois o carro foi para o estacionamento do prédio. Não consegui ver o motorista porque os vidros eram escuros e estavam fechados. Quando a garota conversou com o motorista, o carro estava de lado na imagem, então não pude ver. Mas o que me chamou a atenção foi que a placa era de fundo branco com caracteres em azul. Era um carro do serviço público do estado. Pausei o vídeo e fui verificar as fotos que o detetive me mandou.
Não deu outra; a placa era de um carro que estava a serviço da clínica, e pelo modelo, já imaginei de quem se tratava. Não consultei a placa; liguei para o detetive e confirmei quem era o motorista do carro. Era o diretor da clínica, mas algo me dizia que não era ele no carro.
Dali em diante, não prestei mais atenção nas outras coisas. Fui adiantando o vídeo até ver o movimento do carro saindo, que só ocorreu às seis horas e pouca da manhã do dia seguinte. Ou seja, muito depois de tudo que aconteceu.
Eu tinha o que precisava em mãos, e na segunda-feira fui ao escritório do meu chefe e expliquei a situação, pedindo auxílio. Foi a melhor coisa que fiz; ele é um advogado muito respeitado na cidade, talvez o mais respeitado. Ele disse que o que eu tinha poderia mudar totalmente o rumo do caso, mas que eu ainda não tinha o suficiente nem para pedir sua soltura para você responder em liberdade.
Mas ele resolveu me ajudar. Primeiro, ligou para um delegado da Civil de confiança dele e pediu ajuda, e depois para o juiz que iria julgar seu caso. O juiz verificou o caso e as provas, e concedeu um mandado. O delegado foi atrás do diretor, e não precisou de muito esforço para ele confessar tudo. Ele tinha um caso com Rayssa há algum tempo. Ele a tirava da clínica às quintas ou sextas e a levava para a casa dele, e ela só retornava na segunda. Na sexta em questão, ele estava de folga e ficou em casa com Rayssa.
Porém, ele acha que ela o dopou, porque não se lembrava de muita coisa daquele dia e só acordou no sábado ao meio-dia. Ele perguntou a ela o que tinha acontecido, mas ela disse que não sabia do que ele estava falando, que ele apenas dormiu demais. Ele disse que não acreditou no início, mas depois deixou aquilo para lá. Porém, ficou preocupado quando um detetive apareceu na clínica procurando saber de Rayssa. Ela nem lá estava, mas ele mentiu e disse que ela estava e não saía do quarto, exceto para tomar sol.
O detetive acabou acreditando e nem pediu para vê-la. Ele se sentiu aliviado, e daquele dia em diante decidiu não levar mais Rayssa para sua casa. Isso durou até poucos dias atrás. Rayssa acabou convencendo-o a pelo menos ir a um motel às vezes, e ele acabou concordando. Mas, em vez de motel, foram para a casa dele, e ela dormiu com ele. Porém, quando acordou, ela não estava mais lá e ele nunca mais a viu.
Bom, o diretor vai ser julgado, mas provavelmente nem preso ficará. Ele tem residência fixa, é primário e vai colaborar com a justiça. Não conseguiram achar Rayssa, mas depois de 15 dias, o juiz me chamou e me entregou os papéis da sua soltura. Porém, você não foi inocentada. Colocar Rayssa no local do crime não é prova de que foi ela, mas fortalece muito sua versão. Você ainda será julgada, e farei o possível para livrá-la de ser condenada, até porque, como disse, eu acredito em você.
Se a garota que está em coma acordar, ela pode ajudar muito com seu depoimento; acho que ela foi enganada e não tinha ideia do que iria acontecer. Se Rayssa for pressa e confessar, melhor ainda, mas acho difícil que ela faça isso.
Só mais uma coisa: com Rayssa solta, sua vida e a da garota correm perigo. A garota está sendo vigiada 24 horas pela polícia, e você está segura aqui. Este prédio é muito seguro, e já tomei as medidas para que ninguém suba sem minha permissão. Existem câmeras nos corredores e a porta estará sempre trancada. Se você colaborar, tudo dará certo.
Bom, é isso. Você tem alguma pergunta?
{...}
Greta— Não, entendi tudo. Eu estaria ferrada se não fosse por você, e o investigador que cuidou do meu caso não se esforçou nada ou simplesmente não quis me ajudar.
Naomi— Acho que ele só é muito incompetente mesmo. Não era tão difícil para ele fazer o que fiz; na verdade, seria bem mais fácil.
Greta— Olha, pode ficar tranquila que eu vou fazer tudo que você pediu e farei o possível para não te dar mais trabalho do que já dei.
Naomi— Que bom saber disso. Não quero ter problemas e nem colocar minha mãe em risco. Por isso, quero que você fique segura aqui e deixe que eu faça o possível para ajudar você a sair dessa.
Greta— Pode deixar, eu vou me comportar. Naomi, muito obrigada por tudo. Eu vou ter uma dívida eterna com você. Se algum dia você precisar de mim, é só falar.
Naomi— É um pouco tarde para isso, mas obrigado.
Greta— Me desculpe, Naomi. Eu sei que devia ter tomado mais cuidado. Não devia ter colocado o celular no silencioso e ter visto sua mensagem antes. Eu nem sei o que tinha nela, mas provavelmente era algo importante. Sei que errei com você; realmente sinto muito. Sei que não devia ter falado o que falei com você no hospital. Hoje, consigo ver que não foi só você que errou naquele dia. Espero que um dia você me perdoe.
Naomi— Já te perdoei por isso tudo, até por coisas que você fez e que você não sabe. Mas isso não muda o que houve. Desculpe por ter falado o que falei; você não me deve nada. Você deve a Rose. Se não fosse por ela, eu não teria te ajudado. Sinto muito, mas essa é a verdade.
Greta— Eu entendo você ter raiva de mim. Mesmo assim, obrigada pelo que você fez.
Naomi— Não tenho raiva de você, Greta. Longe disso. Não queria ter mais contato com você porque tem certas coisas que é melhor evitar. Tenho mágoa de algumas coisas envolvendo você, mas não tenho raiva. Tenho que aceitar que o que eu queria já não importa mais. Vou te ajudar e, depois, cada uma segue sua vida.
Greta— Tudo bem. Acho que você tem razão. Só mais uma coisa: tome cuidado com Rayssa; ela pode vir atrás de você.
Naomi— Ela não vem mais. Ela sabe que não existe mais nós duas. Não sou mais um alvo para ela, pelo menos até ela saber que fui eu quem te ajudei. Espero que ela esteja presa até lá. Fica tranquila que vou tomar cuidado.
Greta— Tudo bem. Posso te fazer uma pergunta, Naomi?
Naomi— Claro, pode perguntar.
Greta— Não estou tentando achar culpados; já tinha até prometido que iria deixar isso para lá. Teve uma época em que nem queria saber a resposta da minha pergunta. Mas acho que hoje seria algo para pôr um ponto final nessa história. Por que você deixou Rayssa entrar na nossa casa depois de tudo que ela fez?
Naomi— Se você tivesse lido meu depoimento ou olhado o vídeo direito, saberia. Mas depois do que ouvi você dizer no hospital, percebi que você assistiu ao vídeo cega de raiva e ciúmes, você não prestou atenção nos detalhes. Ela estava armada, Greta. Ou eu abria o portão ou ela me matava. Eu não sabia se ela tinha coragem ou não, mas decidi não correr o risco, e tinha certeza de que você veria pelas câmeras e viria me salvar. Bom, você veio e me salvou de algo muito pior, mas o estrago já estava feito. Nosso sonho de ser felizes juntas foi destruído, não por Rayssa, mas por nós duas mesmo.
Greta— Armada? O que eu não vi no vídeo?
Ela se levantou e me chamou para ir até o quarto dela. Assim que entramos, ela perguntou se eu estava bem o suficiente para ver aquele vídeo de novo. Eu disse que sim, que realmente não esperava ter que vê-lo nunca mais, porque não havia motivo, mas agora tinha um motivo e estava bem psicologicamente.
Ela mexeu no PC e depois falou para eu sentar. Ela disse que tinha feito um compilado dos momentos importantes. Ela só não tinha um, que achava muito relevante para provar uma teoria dela, mas que não era mais importante.
Perguntei qual teoria era essa, e ela disse que, na cabeça dela, Rayssa sabia da câmera na garagem, mas não das que estavam dentro de casa. Ela achava que, na noite anterior, Rayssa olhou na garagem e viu a câmera, provavelmente pelo brilho da pequena luz que tinha na câmera. Mas ela não tinha como provar isso, já que não teve acesso às imagens depois de tudo que aconteceu.
O que ela disse fazia sentido, mas eu ainda não estava entendendo o que ela queria. Ela pediu para eu dar play no vídeo e prestar atenção nos detalhes, principalmente ver o vídeo como se estivesse investigando um caso e procurando pistas, e não assisti-lo cega pela raiva e ciúmes que senti naquele dia. Ela disse que iria tomar um banho e depois voltaria para ver se eu tinha encontrado algo.
Respirei fundo e tentei fazer o que ela pediu. Mas não sentir ciúmes das cenas dela com Rayssa seria difícil, ou melhor, impossível. Eu a amava; como não sentiria ciúmes de vê-la com outra?
Dei play no vídeo, e ele começa no momento em que Naomi sai da porta e vai até o portão falar com Rayssa. No momento em que Rayssa coloca a mão dentro da jaqueta para pegar o papel, já percebi algo diferente que não prestei atenção da outra vez. Voltei um pouco a cena e dei pause. Eu realmente tinha deixado passar algo muito importante. Algo que poderia ter mudado tudo; pelo jeito, cometi muitos mais erros do que imaginei.
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper