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Eu tinha mais ou menos uma ideia do que havia acontecido com Naomi depois que saí daquele hospital. Não sabia exatamente como tudo ocorreu, mas, pelas partes que conhecia, dava para imaginar como foi sua vida. Tinha certeza de que ela havia sofrido. Hoje, sei que ela me amava de verdade naquela época e que, provavelmente, o fim do namoro, minhas acusações sem fundamento e o que ela passou naquela casa devem ter feito ela sofrer muito.
Porém, eu sabia que a Rose e a mãe dela a apoiaram bastante e que ela teve acompanhamento psicológico. Não sabia exatamente como ela estava hoje; não há como saber o que passa no coração e na mente de uma pessoa, a não ser que ela te conte ou demonstre de alguma forma. O que ela me demonstrou até agora é que venceu esses problemas, conseguiu realizar seu sonho de se tornar advogada e está muito bem.
Talvez, sabendo a história dela, eu pudesse entender melhor como ela realmente estava. Eu torcia muito para que ela realmente estivesse bem e feliz com sua nova vida.
Naomi respirou fundo e balançou a cabeça, como se quisesse relaxar. Nessa hora, quase pedi para ela deixar isso para lá; eu não queria vê-la mal. Mas ela começou a falar em sequência, e eu a deixei prosseguir. Se notasse que ela não estava se sentindo bem, eu a interromperia.
{...}
Naomi — Vou dar uma resumida na história porque não quero ser repetitiva em alguns momentos. Também não quero que você fique se culpando. Em primeiro lugar, quero que saiba que não tenho mais mágoa por isso. Aconteceu, foi horrível, mas passou, e eu superei. A única mágoa que eu tinha era outra, mas depois te explico isso. Vamos resolver um problema de cada vez para que possamos acabar de vez com isso. Sei que nenhuma de nós vai esquecer, mas podemos deixar essas lembranças ruins menos dolorosa, sem lacunas não preenchidas e mágoas guardadas.
Bom, quando você entrou naquela sala e falou o que falou, eu tinha acordado há pouco tempo e ainda estava tentando entender o que tinha acontecido. Eu estava muito mal. Sua visita acabou piorando tudo; o desespero bateu, meu coração estava totalmente destroçado por tudo que ouvi da sua boca. O pior é que eu nem sabia direito o que tinha feito. Comecei a chorar, e o desespero tomou conta de mim. Mas, graças a Deus, minha mãe chegou e me deu o apoio que eu precisava. Quando eu estava me acalmando, a Rose chegou e se juntou à minha mãe para me consolar. As duas foram meu apoio naquele momento e nos próximos que estavam por vir.
Fui levando uma pancada atrás da outra. Fui xingada, caluniada e abandonada pela mulher que amava. À tarde, um detetive veio falar comigo e descobri que fui drogada, abusada e quase estuprada por um homem. Minha mãe queria me tirar dali, mas eu não podia ir embora. Tive que ficar na cidade para poder ir à delegacia e dar meu depoimento.
Eu estava um trapo; não dormia e só chorava, mas os dois investigadores não deram a mínima para isso e me levaram dois dias seguidos à delegacia. Me encheram de perguntas, e um deles ainda me fez umas perguntas bem sem noção, como se eu fosse culpada pelo que houve. Mas não fiquei chateada com ele; se até você duvidou de mim, imagina um estranho. Eu não conseguia pensar nem responder as perguntas direito; praticamente só chorava. Para piorar, tive que ver aquele maldito vídeo algumas vezes.
As coisas só melhoraram quando a Rose, não aguentando mais me ver sofrer, colocou um advogado para me auxiliar. Não voltei mais à delegacia; o advogado ameaçou processar os dois e deu uma confusão danada. Por fim, afastaram os dois do caso e colocaram outros dois: uma mulher e um investigador mais velho. As coisas melhoraram; eles tinham mais sensibilidade para conversar e até nas perguntas. Eu consegui dar meu depoimento, e eles olharam o vídeo depois do meu depoimento e viram a arma na cintura da Rayssa.
Com meu depoimento, o vídeo, seu depoimento e o da Diana, tudo ficou esclarecido, e eu pude ter um pouco de paz. Sinceramente, lembro de poucas coisas desses dias. O médico me passou alguns remédios, e um deles era um para dormir, que me deixava meio aérea. Mas basicamente o que aconteceu foi que, apesar de não fazer nenhuma das últimas provas, consegui pontos suficientes para ir para o segundo ano do meu curso de Direito. A diretora da universidade ficou sabendo do que houve, fez uma média das minhas notas das provas passadas e me deu os pontos das provas que não fiz. Isso me ajudaria bastante no futuro.
Fiquei esse tempo na casa da Rose; sua família foi muito gente boa comigo. Minha mãe queria me levar para casa, mas mudou de ideia. A Rose convenceu minha mãe de que eu precisava de tratamento psicológico, e como o médico já tinha indicado isso, minha mãe concordou. Ela fez uma visita com a Rose na clínica da Drª Leandra e se convenceu a deixá-la cuidar de mim. Quando falaram comigo, não pensei duas vezes em aceitar. Eu sabia que não estava bem e precisava de ajuda. Minha mãe resolveu ir para casa resolver algumas coisas, e eu fiquei para ir todos os dias à clínica.
Meus remédios foram trocados, e não vivia mais como um zumbi. As sessões foram me ajudando muito. Fui melhorando e comecei a mudar de ideia sobre ir embora; não queria parar de estudar. Mas não queria morar na casa da Rose; era complicado passar em frente àquela casa todos os dias. Aquilo me fazia mal, me trazia lembranças ruins, e eu queria sair dali. Nessa época, já sabia que você havia colocado a casa à venda e eu tinha esperanças de que você já tinha se acalmado e que a qualquer hora iria aparecer para se desculpar comigo pelo que falou, e a gente poderia até se acertar. Quem sabe ir morar em outra casa? Eu estava magoada com você, mas o amor que eu sentia era muito maior e, com certeza, eu aceitaria suas desculpas. Também iria pedir desculpas por ter sido burra.
Bom, você sabe que isso nunca aconteceu, mas outras coisas boas aconteceram nesse tempo. Minha mãe, sabendo que o tratamento estava indo muito bem e da minha vontade de continuar estudando, fez o que eu jamais esperava: vendeu a pousada por um ótimo preço e veio morar aqui. Eu não sabia o que sentir quando ela chegou de mala e cuia na casa da Rose e me contou. Estava feliz por poder seguir estudando e morando aqui, mas sabia que aquela pousada era o sonho dela. Ela desistiu do seu sonho para me ajudar a realizar o meu.
Mas como a pousada já tinha sido vendida, não havia muito o que fazer. Procuramos um apartamento para nós duas, que é esse onde estamos. Gostamos porque era bem seguro e ficava perto da universidade. Com o dinheiro, dava para a gente sobreviver um bom tempo, mas minha mãe resolveu te pagar. O dinheiro que a Rose deixou na delegacia foi minha mãe quem mandou. Ela estava com muita raiva de você na época, mas depois fiz ela mudar de ideia. O tempo vai colocando as coisas no lugar.
Minha mãe arrumou um trabalho de copeira em um hotel, e eu, em uma lanchonete aqui perto, seguimos a vida. Não vou entrar em detalhes do que passei nessa época sentindo sua falta, mas você deve saber. Tenho certeza de que você me amou e, com certeza, deve saber o quanto dói perder a pessoa que você ama. As sessões com a psicóloga passaram a ser duas vezes por semana. Consegui me focar nos estudos; eu já estava indo bem. Ninguém tocava no seu nome para mim, e eu, sinceramente, já tinha quase desistido da esperança de que você apareceria para se desculpar.
Mas aí veio o julgamento da Rayssa, e tive que reviver tudo de novo. Não tinha como não me abalar, e ainda tive o desprazer de me encontrar com ela no fórum duas vezes. Em uma, ela ficou rindo de mim e fazendo movimentos com a língua, imitando uma mulher fazendo sexo oral, mas consegui ignorar. Na outra, começou a me xingar e me ameaçar. Os policiais que estavam com ela a tiraram de perto de mim. A Rose, mais uma vez, foi meu apoio nesses dias, já que minha mãe não podia ir comigo por causa do trabalho.
Achei que iria te ver no fórum, mas isso não aconteceu. Não sabia o que tinha acontecido com você na época. Só fui saber disso muito tempo depois.
O julgamento acabou, e a Rayssa recebeu sua sentença. Fiquei aliviada; achei que a gente tinha se livrado dela de vez. Na época, ainda pensava na gente juntas; eu ainda não aceitava que tinha acabado, mas o tempo foi passando e me mostrou que eu estava enganada. Não existia mais a gente, só eu e você separadas.
Depois do julgamento, nada de importante aconteceu. Eu fui seguindo minha vida da melhor maneira possível, e com o tempo, as lembranças daquele dia foram diminuindo. As sessões com a Drª Leandra passaram a ser uma vez por mês. Fui melhorando cada vez mais nos estudos e segui minha vida. A Rose se formou, quis estudar mais e também me arrumou um estágio no escritório onde trabalho hoje. Deu tudo certo; já no primeiro ano, me destaquei muito e ganhei todos os meus casos. Hoje, tenho um ótimo salário e minha mãe não precisa mais trabalhar.
Quero ganhar dinheiro para poder comprar a pousada dela de volta ou outra na nossa cidade, levar minha mãe de volta e abrir um escritório lá para eu trabalhar. Mas acho que isso vai demorar um pouco ainda. É meu objetivo de vida. Parei de esperar seus pedidos de desculpas; essa era a única mágoa que eu ainda tinha. Já tinha te perdoado por tudo, mas tinha essa mágoa, e hoje você fez ela desaparecer de vez.
Mas, nesse tempo todo, aconteceram algumas coisas. Primeiro, assim que comecei meu estágio, li todo o processo da Rayssa. Aquilo já não me afetava tanto, e eu queria saber de tudo que tinha nele. O que mais me chocou foi o laudo psiquiátrico dela. Aquilo me assustou tanto que resolvi saber o porquê dela ser como era. Acabei achando a mãe dela e descobri sua história. Também descobri que você tinha procurado ela no dia em que tudo aconteceu. Ali, entendi um pouco do motivo de você ter colocado o celular no silencioso. Confirmei isso depois que li seu depoimento.
Eu não sabia nada da sua vida; na minha cabeça, você ainda era policial e só tinha seguido sua vida. Isso tudo foi por água abaixo quando eu e a Rose estávamos indo à casa dela no carro de um amigo nosso. Eu iria deixar ela em casa e voltar; nosso amigo iria me deixar em casa. Mas, ao passar naquela praça, vi uma pessoa deitada no banco. Foi só a luz do farol clarear seu rosto por alguns segundos, e eu te reconheci. Já encostei o carro e fui conferir se não era uma ilusão de ótica. Mas não era; quando vi você naquele estado, fiquei em choque, e a Rose também.
A Rose ficou chateada com você por um bom tempo, mas nessa época, ela já tinha superado isso e teve a mesma decisão que eu: tentar te ajudar de alguma forma. Ela deu a ideia de levar você até a clínica da Drª Leandra e, depois de acordar nossa psicóloga, levamos você para lá. A Rose decidiu ajudar você, e eu pedi a ela que não citasse meu nome. Eu tinha quase certeza de que você estava naquele estado por tudo que aconteceu; era melhor evitar falar de mim.
Mas fiquei muito triste de ver você naquele estado; aquilo realmente me abalou muito. Eu jurava que você estava bem, mas, na verdade, as coisas foram muito piores para você do que para mim. Mas a Rose me deu ótimas notícias quando nos falamos depois da visita que ela te fez. Ali, tive esperanças de que você poderia se recuperar, e isso foi provado com o tempo. Nessa época, a Rose ficou sabendo de tudo que você tinha passado; sua mãe contou a ela, e ela me contou. Fiquei muito triste em saber o que tinha acontecido com você.
Mas você foi dando sinais de que queria realmente dar a volta por cima, e deu. Fiquei muito feliz pela sua recuperação, por você ter conseguido entrar na polícia civil; cada vitória sua me deixava feliz. Te juro que torci muito por você durante todo esse tempo.
Bom, tudo estava indo bem até a Rose me ligar e pedir para eu te ajudar. Ela me contou o que estava acontecendo, e eu fui fazer o que ela pediu.
O resto você já sabe.
{...}
Greta — Sinto muito por tudo, Naomi. Demorei demais para enxergar meus erros e aceitar ajuda. Fui teimosa e orgulhosa demais, e isso quase me matou. Realmente sinto muito por tudo que você passou e por ter demorado tanto para me desculpar.
Naomi — Está tudo bem. Já passou e, como eu disse, nem mágoa mais eu tenho. Demorou, mas conversamos e nos perdoamos. Acho que isso encerra tudo; podemos seguir nossas vidas em paz, assim que resolvermos o problema atual. Mas o passado ficou resolvido.
Greta — Está sim, mas eu tenho uma dúvida.
Naomi — Claro, pode perguntar que eu te respondo.
Greta — Você disse que me perdoou, que ficou com pena por tudo que passei, que torceu por mim e que ficou feliz pelas minhas conquistas. Eu realmente acredito em você, mas tem algo que não está fazendo sentido para mim.
Naomi — O que não faz sentido?
Greta — Você me pareceu estar com raiva de mim quando foi à delegacia me ajudar. Você deixou claro que não somos amigas e que só me ajudou porque a Rose pediu. Me desculpe, mas as coisas não batem com o que você acabou de dizer. Tem algo que você não me contou? Por que você estava chateada, se não é por causa do que houve no passado?
Naomi — Bom, é que... eu não sei como dizer isso. Nem sei se devo dizer, Greta.
Greta — Por favor, eu só quero entender. Se eu fiz algo a mais de errado além dos vários erros que cometi e que você disse que me perdoou, me fala. Quero me desculpar por tudo.
Naomi — Você não me deve mais desculpas, Greta, mas é que...
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper
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